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O salão dos artistas exilados na Califórnia
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O salão dos artistas exilados na Califórnia

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About this ebook

Salka Viertel acolheu em seu exílio atores, intelectuais proeminentes e pessoas anônimas fugidas do nazismo.

Biografia sobre a figura de Salka Viertel, uma atriz judia que emigrou para Hollywood e ficou popularmente conhecida como a roteirista da atriz Greta Garbo. Além disso, tinha um salão em Santa Mônica, Califórnia, ao qual ia grande parte da intelectualidade europeia no exílio. Salka foi uma mulher muito moderna e interessante para a época e que deve ser conhecida como merece.

No libro aparecem temas como a suposta bissexualidade de Salka Viertel e a quantidade de reconhecido amigos que teve, citando apenas alguns: Albert Einstein, Charles Chaplin, Sergei Eisenstein, F. W. Murnau, Max Reinhardt, Arnold Schönberg, Thomas Mann, Bertolt Brecht, Greta Garbo, Montgomery Clift… Da mesma forma como Gertrude Stein e outras mulheres notórias, ela teve seu próprio salão literário pelo qual passaram escritores como Truman Capote, Christopher Isherwood, Gore Vidal e um longo etecetera. Outros temas que engloba são: a Berlim dos anos 20, a passagem do cinema mudo ao falado, visto a partir da Meca de Hollywood. Logo, a ascensão de Hitler e o que isso acarretou para a condição judia, devido à Segunda Guerra Mundial. Mais adiante a Guerra Fria e a caça às bruxas contra o comunismo. O certo é que a motivação da vida de Salka Viertel e do seu círculo de amigos engloba os grandes acontecimentos do século XX.

Com tal projeto, a autora recebeu as bolsas de Shanghai Writing Program (China, 2016) e Baltic Centre (Suécia, 2017).

“Um relato muito interessante e ainda penso nesses tempos como atuais, já que aos meus olhos, não avançamos muito na questão da aceitação dos “sentimentos interpessoais” em geral. Um grande livro, extremamente importante sobre a Hollywood dos anos trinta e quarenta e a influência de artistas de países europeus como Alemanha, Áustria, França, Suécia, Inglaterra, Ucrânia e outros. Um trabalho de investigação enorme e de grande qualidade, resultando em um relato profundo sobre muitas personalidades muito conhecidas e de suas relações interpessoais.” -Joannes W. M. Groenewege, Tradutor

“Embora Salka Viertel tenha sido uma figura tão fundamental na comunidade de exilados, muito pouco se escreveu sobre ela, por isso, o livro de Núria Añó é uma reparação com a qual se preenche muitas lacunas em The Kindness of Strangers.” -Dialog International

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateSep 16, 2021
ISBN9781071590218
O salão dos artistas exilados na Califórnia
Author

Núria Añó

NÚRIA AÑÓ is a Catalan/Spanish writer, translator and at international conferences she usually talks about literary creation, cinema, cities or authors. She has shown her work at the University of Lleida, Tunis University, University of Jaén, International University of Andalucia, Spanish National Research Council, The Sysmän Kirjasto Library in Finland, The Shanghai Writers’ Association, Fudan University, The East China Normal University, Sinan Mansion, The Instituto Cervantes in Shanghai, the Conrad Festival, Massolit Books, Bar Baza and the Instituto Cervantes in Krakow. Her works have been translated into Spanish, French, English, Italian, German, Polish, Chinese, Latvian, Portuguese, Dutch and Greek. Her first novel Els nens de l’Elisa (2006) was awarded third prize in the 24th Ramon Llull Novel Award. L’escriptora morta [The Dead Writer] (2008); Núvols baixos [Lowering Clouds] (2009); La mirada del fill (2012) and the biography on Salka Viertel, El salón de los artistas exiliados en California [The Salon of Exiled Artists in California] (2020). Her writing centres around the characters’ psychology, often through the use of anti-heroes. The characters are what stands out most about her work; they are more relevant than the topic itself. With an introspection, a reflection, not sentimental, but feminine, she finds a unique balance between the marginal worlds of parallels. Her novels are open to a wide variety of topics, they deal with important social and current themes like injustice or lack of communication between individuals. The basic plot of her novels does not tell you everything there is to know. By using this method, Añó attempts to involve the reader so that they ask their own questions to discover the deeper meaning of the content. Núria won the 18th Joan Fuster Prize for Fiction, fourth place for international writing at the 2018 Shanghai get-Together and has been awarded with prestigious grants: NVL (Finland, 2016), SWP (China, 2016), BCWT (Sweden, 2017), IWTCR (Greece, 2017), UNESCO City of Literature (Poland, 2018), IWTH (Latvia, 2019) and IWP (China, 2020). For a more detailed background of the author, visit her webpage www.nuriaanyo.com.

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    O salão dos artistas exilados na Califórnia - Núria Añó

    O Salão dos Artistas Exilados na Califórnia

    (Salka Viertel acolheu em seu exílio atores, intelectuais proeminentes e pessoas anônimas fugidas do nazismo)

    Núria Añó

    Traduzido por Ana Brum

    O Salão dos Artistas Exilados na Califórnia

    Escrito por Núria Añó

    Copyright © 2021 Núria Añó

    Título original El salón de los artistas exiliados en California © 2020

    www.nuriaanyo.com

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Ana Brum

    Design da capa © Núria Añó

    Imagem da capa © Fie Tanderup

    www.fietanderup.com

    Foto da autora © Michal Jašek. Desenhos Gordon Johnson

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    O projeto para este livro foi agraciado em março de 2017 com uma bolsa de residência internacional no Centro Báltico de Escritores e Tradutores de Visby (BCWT), na Suécia. Este projeto, anteriormente, fez parte do trabalho como escritora premiada no Programa de Escrita de Xangai (SWP), na China, nos meses de setembro e outubro de 2016.

    Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida, sem a autorização escrita do titular do copyright, sob as sanções estabelecidas pelas leis, a reprodução parcial ou total desta obra por qualquer meio ou procedimento, incluídas reproduções e processamento informático. Se deseja compartilhar este livro com outras pessoas, por favor, compre cópias adicionais. Obrigada por respeitar o árduo trabalho desta autora.

    Tabla de Contenido

    Title page

    Copyright

    O Salão dos Artistas Exilados na Califórnia

    Introducão

    Salka Steuermann

    Berthold Viertel

    O contrato de Hollywood

    Uma casa em Mabery Road

    O Salão

    Greta Garbo

    Até a vista, Berthold

    Mercedes de Acosta

    De atriz a roteirista

    Três é multidão

    A rainha Cristina da Suécia

    O auge do nazismo

    Outro exílio

    A ajuda do Fundo Cinematográfico Europeu

    As mulheres da MGM

    Salka, a roteirista de Greta Garbo

    O jantar com os Mann

    Segunda Guerra Mundial

    A carreira de Greta Garbo chega ao seu fim

    Outros roteiros

    O regresso de Garbo?

    Os inquilinos do dormitório da garagem

    Um salão literário

    O que será de nós?

    A lista comunista do FBI

    O Comité de Atividades Antiamericanas

    O fim do sonho americano

    Regresso à Europa

    Klosters

    A grande visita

    Memórias

    Correspondência

    FILMOGRAFIA

    NOTAS DE RODAPÉ

    BIBLIOGRAFIA

    Sobre a autora

    Outras obras da autora

    A escritora morta

    O olhar do filho

    Nuvens baixas

    Sobre a tradutora

    I am so glad I spent that time at Mabery Road, because I would never have quite realized what a marvellous woman you are.

    CHRISTOPHER ISHERWOOD

    O Salão dos Artistas Exilados na Califórnia

    Illustration 1: Fotografia de Salka Viertel. © Katharina Prager, (2018). Berthold Viertel: Eine Biografie der Wiener Moderne. Viena: Böhlau Verlag.

    Introducão

    Salka Viertel (Sambir, 1889 – Klosters, 1978) foi uma atriz judia e roteirista de cinema. Casou-se com o poeta e diretor cinematográfico Berthold Viertel, com quem teve três filhos. Assim como outras esposas de artistas e intelectuais europeus, ofereceram ao marido um contrato de Hollywood e os Viertel emigraram para os Estados Unidos quando a Califórnia despontava como a meca do cinema. Lá, junto ao oceano Pacífico, Salka montou um conceituado salão ao qual compareciam artistas reconhecidos e, com a ascensão de Hitler, acolheu em sua residência muitos europeus que fugiam da Alemanha nazista. Nesse contexto, Salka se separou de seu marido e foi contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer como roteirista da atriz sueca Greta Garbo, que por sua vez se tornava sua grande amiga íntima. Com o início da Guerra Fria, porém, suspeitou-se que Salka fosse comunista porque os estúdios lhe fecharam as portas e já não pode mais trabalhar. A caça indiscriminada às bruxas contra os estrangeiros e a falta de liberdade que a política americana exercia com quem décadas atrás havia oferecido um futuro, precipitaram o fim do seu sonho americano e o seu regresso à Europa, onde viveria um segundo exílio, na Suíça.

    Salka Viertel, do mesmo modo que outras mulheres judias da época foram roteiristas, escritoras e poetas na língua alemã da dimensão de Vicki Baum, Gina Kaus, Hilde Spiel, Nelly Sachs ou Else Lasker-Schüler viveram o genocídio do exílio ou em campos de concentração e de extermínio, como a jovem Ruth Klüger, em Auschwitz. Embora todas elas sentissem a necessidade de escrever suas memórias, conscientes de que suas vidas estavam ligadas a uma época e, portanto, refletiam a de seus contemporâneos.

    Em abril de 1969, Salka Viertel publicava suas memórias em inglês. Eram intituladas The Kindness of Strangers porque, segundo indicava, sempre havia confiado na bondade dos desconhecidos. Suas palavras faziam menção ao personagem de Blanche DuBois em Um bonde chamado desejo. Um ano depois, a edição em alemão se desvinculava do título original e preferia evocar ‘o coração incorrigível’¹ da autora, ainda que continuasse vinculado à célebre obra de Tennessee Williams, quando é questionada a falta de retidão moral do personagem, e este responde: O que é retidão? Uma linha pode ser reta, ou uma rua… mas e um coração humano?² Certamente teve que esperar até 1995 para encontrar a única edição em espanhol publicada por Ediciones del imán. O título sofreu variações de novo e foi traduzido como Os estrangeiros de Mabery Road, realçando o nome da rua onde Salka Viertel viveu em Santa Mônica e, por sua vez, ponto de reunião dos intelectuais europeus em tempos de exílio. A publicação, com prólogo escrito por seu filho do meio, o novelista Peter Viertel, deixava entrever a escassa difusão que haviam tido tais memórias.

    Nelas, Salka Viertel narra com lucidez os diferentes acontecimentos que marcaram a primeira metade do século XX. Seu livro é uma crônica de grande valor histórico e político ainda que, naquele momento, passou bastante despercebido pelo fato de que havia sido escrito por uma mulher. Apesar de que existe outro fator decisivo, o fato de que não foi totalmente sincera com sua vida privada. Preferiu manter a salvo as confidências e experiências de muitos de seus amigos e inclusive omitiu nomes de celebridades que passaram por sua casa para salvar as aparências.

    Contudo, com o passar do tempo, amigos que por sua vez escreveram memórias e se referiram em algum momento à sua pessoa, livros que cito na seção bibliográfica, além de diferentes documentos encontrados em arquivos e bibliotecas internacionais como Deutsches Literaturarchiv de Marbach, University of Southern California de Los Angeles, Margaret Herrick Library e Academy of Motion Pictures Arts and Scienses de Beverly Hills, The Rosenbach Museum & Library da Filadelfia, Deutsche Nationalbibliothek e Deutsches Exilarchiv 1933-1945 de Frankfurt am Main, Library of Congress de Washington, Franklin D. Roosevelt Presidential Library de Nova York, Deutsche Kinemathek de Berlim, The Jewish Museum de Nova York ou a Akademie der Künste Archiv de Berlim, colocam em evidência a vida de uma mulher, profundamente moderna para sua época e que deve ter o seu lugar na história.

    Meu agradecimento a todas aquelas pessoas que fizeram parte desta história, facilitando o acesso a documentos para o meu processo de investigação, às que estiveram respondendo dúvidas ou me outorgaram as permissões necessárias para sua publicação. Obrigada pela ajuda recebida e, como não, pela bondade de Michaela Ullmann (University of Southern California); Kristine Krueger (Academy of Motion Picture Arts and Scienses. Margaret Herrick Library); Dr. Marcel Lepper, Thomas Kemme e Dörthe Perlenfein (Deutsches Literaturarchiv Marbach); Michael Schwarz e Sabine Wolf (Akademie der Künste); Regina Elzner (Deutsche Nationalbibliothek); Rosemary Hanes (Library of Congress); William Baehr (Franklin D. Roosevelt Presidential Library); Thomas Kuhnke; Andrew Viertel; Katharina Prager; Don Bachardy; Phyllis Green (The Christopher Isherwood Foundation); Scott Reisfield; Alexandra Tyrolf; Mark A. Vieira; Robert A. Schanke; Nina Bahrendt (Villa Aurora); John (GarboForever); Elizabeth E. Fuller (The Rosenbach Library); Daniela Maurer (Israelitische Kulturgemeinde Wien) e Małgorzata Budzyńska, Alan Schwartz e David Behrman. E, claro, obrigada a Lena Pasternak e a Patrik Muskos (Baltic Centre) por confiarem no meu trabalho e concederem-me uma bolsa de residência em Visby, Suécia, para terminar esta biografia.

    Salka Steuermann

    Salka Viertel, nome de solteira Salomea Sara Steuermann, nasce no seio de uma família judia em 15 de junho de 1889 em Wychylowka, um subúrbio de Sambir ³, quando sua província Galitzia, faz parte do Império Austro-húngaro, que mais adiante pertence à Polônia e hoje é da Ucrânia. Sambir no final do século XIX é uma pequena cidade de vinte e cinco mil habitantes onde convivem ucranianos, poloneses e judeus. Seu pai, Josef Steuermann, tem um escritório de advogados e é eleito o primeiro prefeito judeu da cidade. Sua mãe, Augusta, queria ser cantora de ópera, mas de repente abandona o seu sonho; sua pele pálida, olhos claros e a cor loira do cabelo poderiam se confundir facilmente, com a raça ariana. Salka é a mais velha de quatro irmãos. Sua irmã Rose nasce em 1891; Edward, em 1892; o menor, Zygmunt, apelidado de Dusko, em 1898.

    Sua infância transcorre no seio de uma família judia abastada não crente, que ama as artes e com um interesse pela música que vem do passado, dos bisavós. Como vivem no campo, a dois quilômetros de Sambir, as crianças não vão à escola e algumas governantas alemãs e francesas se encarregam de sua educação. Salka fala fluentemente estes dois idiomas, além do polonês e do ucraniano, que fala com sua família e com Niania, uma babá analfabeta que se ocupa dela como sua segunda mãe. Sua infância em Wychylowka é agradável devido ao ambiente natural idílico onde está o subúrbio, rodeado por um bosque, um rio, um pomar com abundantes árvores frutíferas e, atrás deles, as verdes montanhas dos Cárpatos, as quais adotam tons terrosos ou também aparecem cobertos de neve de acordo com a estação do ano.

    Em idade precoce, o livro Maria Stuart de Friedrich Schiller se torna seu fiel aliado já que, graças a ele, Salka descobre a sua grande paixão pelo teatro. O papel de Maria da Escócia a encanta e o sabe de memória, inclusive o declama em casa diante de seus irmãos e serviçais domésticos. Também diante dos mais velhos, ainda que eles mal mostrem interesse, talvez porque intuam pelo seu caráter um pouco rebelde, que o seu futuro poderia se direcionar para o teatro. E isso não os agradaria, nem lhes parece uma profissão segura para uma mulher. Algumas vezes, enquanto Salka interpreta, as mulheres de sua família zombam dela com respeito ao seu segundo nome, Sara. Igualzinho ao da renomada atriz Sarah Bernhardt! desandam a rir, por mais que outros como seu pai permaneçam em silêncio, tratando de ouvir essa Maria Stuart um tanto prematura, porém simpática e apaixonada. Os olhos cinzas de Salka denotam curiosidade com frequência diante de qualquer assunto, por instantes se tornam brilhantes e até melancólicos. Ou o seu cabelo avermelhado, normalmente despenteado, que o penteia para trás para a ocasião, tal e qual aparece em uma gravura neste livro. É bem verdade que interpretar a rainha dos escoceses lhe custará muito caro em sua futura carreira de atriz. Não apenas por ser um papel cobiçado por atrizes com experiência que estão no topo, mas também porque além desse cenário improvisado deve lidar com o fato de que não a consideram bonita, nem sequer fazendo gestual gracioso ao finalizar a sua atuação. Sua irmã, ao contrário, parada, sem fazer nada em particular, consegue que a parte feminina desta família destaque de repente, a imensa beleza de Rose.

    Aos dez anos Salka tem uma curvatura nas costas e, para corrigi-la, participa como interna no Instituto Ortopédico na bela cidade de Lviv. No instituto dão aulas, ainda que a instrução religiosa seja optativa e aceitam corpo discente misto, o que é incomum para a época. O centro é dirigido por duas refugiadas procedentes do setor russo da Polônia. Rapidamente, os temas de história e literatura polonesa que Madame Dalecka ensina incitam a criatividade da jovem Salka, que começa a escrever histórias e poesias de acentuado ar triste e patriótico, em que pese mostrar algumas deficiências escolares em outras disciplinas de ciências.

    Sua paixão pela leitura a leva a devorar livros de George Sand como Indiana e Consuelo, cujas temáticas escandalizam sua avó e as mulheres mais velhas em geral. Recita também William Shakespeare, o poeta polonês Juliusz Slowacki e na adolescência, se intensifica o seu desejo de transformar-se em atriz. No entanto, sua mãe e as tias que são um tanto astuciosas, desviam a atenção de Salka para seu enxoval, pois acreditam que ao vê-lo tão bonito, será estimulada a se casar e se esquecerá do teatro.

    Os seus pais, Josef e Augusta, brigam com frequência e ela, geralmente se posiciona a favor do pai por lhe parecer mais frágil, porque acha que sua mãe é a forte da família e, portanto, não precisa do seu apoio. É claro que Salka se dá melhor com o pai, mesmo quando ele não mostra muito afeto para com os filhos.

    Salka conhece Stas, um jovem que trabalha com seu pai. Ambos saem umas poucas vezes com o consentimento da família, mas inesperadamente, ele adoece e morre. Como era seu prometido, de repente se sente muito triste. Uma tia do garoto, ao vê-la tão melancólica e abatida com apenas quinze anos, a convence a fazer uma prova de interpretação em Viena. Uma vez ali, Salka assiste a uma atuação da grande Sarah Bernhardt, que se encontra em turnê pela Europa, representando A Dama das Camélias e, imediatamente, a apresentação lhe causa uma impressão profunda.

    Quando Salka se apresenta para a prova na cidade vienense, em seguida lhe comunicam que, se por um lado, seu alemão tem um forte sotaque eslavo e defeitos de pronúncia para subir em um palco, por outro, seu talento para o teatro é indubitável. Tanto é assim, que seu pai aceita e termina assinando um contrato a fim de que Salka represente jovens heroínas clássicas, mesmo quando existem na Europa contratos que condenam os atores a uma verdadeira escravidão. No entanto, Salka tem sonhado tanto em ser atriz! Agora, porém, tão logo dispõe de um breve descanso entre as apresentações, o rosto desta jovenzinha não pode evitar mostrar saudade por estar longe de casa e de sua família. Ainda que mantenha correspondência com eles, algumas vezes leva consigo alguma carta para escrever nos bastidores. Quando não, vai daqui para lá, consciente de ter herdado a força de sua mãe. Embora ao voltar a Sambir, se depara com os oficiais da vila, e estes que antes a cumprimentavam por ser filha do prefeito, uma Steuermann, tão logo descobrem que é atriz, perdem o respeito e a tratam como uma qualquer. Além disso, também não se livra de certas experiências desagradáveis em seu trabalho, pois um diretor teatral tenta apalpá-la e alguns atores são atrevidos com ela. Salka vive em um ambiente muito diferente do qual estava acostumada, pois ela é uma jovem bem educada que recebeu formação. Há quem não se habitue a ter mulheres assim na companhia, o que torna fácil que alguém a julgue como uma qualquer que tenha nacionalidade diferente da alemã ou da austríaca. Nessa época já se detectam comportamentos xenófobos nos teatros.

    Aos vinte anos Salka estreia com Medeia no teatro municipal de Presburgo, às margens do Danúbio. Pouco depois, consegue trabalho em outro teatro de Teplitz-Schönau, nas terras da Boêmia, onde interpreta pequenos papéis em obras como Maria Stuart, mesmo porque, é outra atriz mais experiente quem recebe o ansiado papel de rainha. Depois, ela parte para Zurique onde representa um papel em Wallenstein, outra obra de Schiller, pelo qual recebe críticas ruins em sua estreia. Até esse momento, o nome com o qual se apresenta nos programas teatrais varia de Salomea Steuermann a Mea, até que se decide por Salka Steuermann, em parte para apagar a sua sensação de fracasso na Suíça.

    No entanto, custa-lhe encontrar trabalho e tenta a sorte em Berlim onde mora com o seu irmão Edward, a quem apelida de Edek. Ambos dividem um pequeno apartamento a oeste de Berlim, onde bem próximo há um restaurante frequentado por pessoas relacionadas ao mundo artístico, o que faz com que recebam visitas e em pouco tempo sua casa se transforma em uma espécie de salão boêmio no qual todos conversam animadamente, trocam ideias imorais e florescem novas amizades. Nessa época, seu irmão estuda piano e composição com Arnold Schönberg, momento em que a endinheirada Albertine Zehme encomenda ao compositor a partitura da sequência de Pierrot, que logo Edward interpreta com outros músicos. No cenário, todos eles incluindo o diretor, estão cobertos por alguns biombos. A única pessoa visível é a Sra. Zehme, que nesse dia está com o rosto branco, vestida de Pierrot e recita poemas melancólicos que pronuncia lenta e silabicamente, tendo a sua atuação uma nuance dolorosamente desarmônica e profundamente contemporânea. Esse evento que tem como título Pierrot Lunaire recebe principalmente assobios, vaias e grande indignação do público, embora o grande talento de Schönberg seja reconhecido mais tarde.

    Berlim oferece oportunidades aos artistas. Salka, ciente disso, se apresenta para um teste de interpretação na companhia de Max Reinhardt. Um pouco nervosa momentos antes, assim que pisa no palco seu caminhar se torna seguro, embora não se trate de uma jovem que saiba tirar proveito de sua feminilidade. As cenas que escolhe nesse dia evidenciam uma voz bonita, um pouco grave. Suas mãos bastante enérgicas controlam a importância de algumas palavras sobre outras, a isso se acrescenta a alegria de alguma exclamação e a posterior lentidão de sua respiração. Mais tarde, à espera do veredito, seu rosto se torna pensativo junto ao de outras mulheres, pois não havia sido a única a tentar naquele dia, que havia ensaiado esse ou aquele papel, que tinha se penteado e maquiado da melhor forma que sabia, que havia ficado nervosa ou que tenha chorado de alegria ou de tristeza ao ver a lista pendurada, abraçando-se finalmente, com as outras oponentes. Ao final, aquelas escolhidas como ela assinam um contrato com a companhia de teatro Deutsches Theater. Sua vida está mudando assim como a sua economia. A sorte agora está do seu lado e nos bastidores, conhece futuros diretores de cinema como Ernst Lubitsch ou Friedrich Wilhelm Murnau. Embora ela seja principiante, com menções no final do programa vai passando a papéis de protagonista, ainda que sempre nas obras clássicas como Fausto II, Hamlet, Penthesilea ou a obra Orestes, na qual Salka interpreta uma escrava troiana.

    O diretor teatral Max Reinhardt tem diversos teatros espalhados por Berlim. Às vezes, Salka o distingue de longe. Ele chega e dá instruções no auditório, ou a caminho do camarim, é absolutamente inatingível. Os olhos azuis de Reinhardt têm um efeito assombroso, com apenas um olhar consegue que muitas atrizes caiam literalmente aos seus pés, para algumas parece deslumbrante, outras simplesmente desmaiam quando veem seu chefe por perto. Salka vive momentos felizes em Berlim. No verão visita Wychylowka com seu irmão Edward e, na sua volta a Berlim, sua irmã Rose, com a desculpa de estudar literatura, intenciona morar com eles. Os três, porém, mantêm uma boa convivência naquele minúsculo apartamento de dois quartos. Assim que chega, Rose se dá conta que não é a literatura o que mais a motiva profissionalmente, mas sim, subir em um palco e interpretar os personagens dos livros de que tanto gosta. Os três convivem sozinhos somente por uns meses, pois com seu regresso a Berlim, Salka tem dificuldades em conseguir papéis protagonistas. É então que Ellen Geyer, uma antiga colega sua, lhe propõe entrar na companhia vienense Neue Wiener Bühne que está procurando atrizes. Por sua vez, sua irmã Rose também parte para Viena para se formar em interpretação e ambas continuam estando próximas.

    Em Viena, Salka representa papéis como atriz principal em obras como O pai de August Stringberg e John Gabriel Borkmann de Henrik Ibsen. Da mesma forma, nessa cidade conhece Alexander Jaray⁴, um escultor vinte anos mais velho por quem se apaixona perdidamente, ainda que seja casado. Muitas noites, ao terminar a apresentação passeiam o seu amor pelas ruas vienenses de mãos dadas ou abraçados. Não lhes importa beijar-se no meio da rua. A vida profissional de Salka vai se enchendo de projetos e obtém um grande sucesso com o papel de Basilisa na obra O Submundo de Máximo Gorki. Pouco depois a

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