A Antropologia de Rivers

You might also like

Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 45
EDITORA DA LUNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. ‘UNICAMP Reizor: Carlos Vort ‘Coontenador Geral da Universidade: Yost Matin Filho Conscthe Citra Abcio Persie “Chagae, Alfredo Miguct Ocorio de Almeida, Ato José Garo, Yara Frteschi (Presidente), Eduardo” Guimaries, Hemeégenes de Freitas Leitfo Filho, Jayme Antunes A ed Severo de Souza Avila Diretor Bxecuvo: Eduardo Guimarics ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA (Org.) 4 ANTROPOLOGIA DE RIVERS ‘Tradusdo: Gilda Cardoso de Oliveira Sonia Bloomfield Ramagem FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UNICAMP Ramage ~ LUNICAMP, 1991. (Colesto Repertcion) 1, Antropologia cults, 1. Rivers, Wiliam Halse, 1864-1922. 1. Olvera, Roberto Caréoeo, M1. Thalo. ISBN: 85-268-0190-2 20.cD0 ~ 306 adie pea catlogo items: 1. Antropologia culm 06 Colegho Repertérios Copyright © 1991 by Roberto Cardoso de Oliveira ProjetoGrifico (Camda Cesarino Costa ‘Elana Kertenbason CCoordenapto Baitorial (Camen Sivia Palma Eaitorngfo ‘Sondra Vicia Aves Propamngto ‘Abia Dias Suerque Revisho Marta Mavla Hanser osiane de Fie Pie Romera 1991 Editors da Unicare Rua CeflioFeltin, 253 (Cidade Univernieria— Bardo Geraldo (CEP 13081 — Campinas ~ SP Brasil SUMARIO Introdugdo — Leitura de Rivers (Roberto Cardoso de Oliveira) Geode d 2c U DoS eDdesuE00000 Parte I — A idéia do parentesco LI — © método geneal6gico na pesquisa antropolégica (1910) ....... veseee 1.2 — Terminologia classificat6riae matriméni primo cruzado (1913) ... 13 — Terminologia clasificatéria e outras formas de matriménio (1915) 14 — O sistema clasificatério © as formas de organi- zagio social (1913) com Parte I — A idéia da antropologia ... 11 — A andlise etnolégica da cultura (1911)... 1.2 — O desaparccimento das sttes Gteis (1913) 113 — Sobrevivencia em sociologia (1913) ... 14 — Sociologia ¢ psicologia (1916) .. 115 — Histéria © etnologia (1920) TL6 — A unidade da antropologia (1922) 49 rt n 95 125 153 155 179 199 219 239 263 INTRODUCAO Leitura de Rivers Ao se accitar a afirmagio retumbante de Lévi-Strauss, se- gundo a qual: “Em Rivers a etnologia encontrou o seu Galilew” (1958:180), pouco poderiamos acrescentar para justificar a pre- sente obra. Porém, mesmo que a etnologia ou, melhor dirfamos, f@ antropologia social nfo tenha encontrado o seu Galileu, cer- tamente encontrou alguém que procurou incessantemente 0 seu método ¢ a sua conformago como uma disciplina auténoma. A rigor, pode-se dizer sem nenhum exagero que Rivets foi — na tradigéo empirista anglo-saxé — quem programou a nova disci- plina, delineando a matriz com que ela haveria de se desenvol- ver no interior daquilo que ficaria conhecido como a “Escola Bri- tfanica de Antropologia Social”. Quem era esse homem ¢ qual a nua UrujelGria intelectual € v que se procutaté responder inicial ‘mente para, em seguida, procurarmos equacionar suas contri. buigdes mais decisivas & construcio da antropologia social Um de seus bidgrafos ¢ comentadores, Richard Slobodin, Inicia seu livro sobre Rivers dizendo que: “N fo primeiro quartel do século XX a Antropologia emergiu como uma disciplina aca- démica enraizeda na pesquisa de culturas néo-ocidentais ¢ con- cebida como uma ciéncia ou em busca de um status de cigncia, Uma figura central na emergéncia dessa ciéncia foi W.H.R. Ri- ‘vers (1864-1922), doutor em Medicina (M.D.) membro da So- ciedade Real (F.RS.), fisi6logo, psicélogo, psiquiatra e antropé- logo. Néo hé nenhuma contribuigéo em antropologia social cultural, ou ‘sociologia e etnologia’, como ele € seus contempo- réneos chama em que Rivers no tenha estado envol- vido © em que sua obra e suas opinides tenham deixado de evar sua marca” (Slobodin, 19781). Outros autores atestam a importéncia de Rivers na construgéo da Antropologia Social: Meyer Fortes, por exemplo, credita a Rivers o fato de ter ele iniciado a pesquisa britinica no estudo da familia e do tesco, revelando ser a focalizacdo dessas instituigées sociais @ chave capaz de abrir as portas do entendimento da vida social (Fortes, 1953); David M. Schneider, em seu comentério sobre a critica que Kroeber fez a Rivers relativamente ao ponto de vista causal ‘com que este tltimo impregna seu estudo do parentesco, no obstante diz: “Sua History of Melanesian So- ciety sua etnografia sistemética sobre os Toda constituem os primeiros estudos de campo cuidadosos sobre 0 parentesco. A grandeza de Rivers esté em seu génio para entender a mecénica do parentesco, € foi isso que deu forma ao trabalho de campo © & teoria antropolégica desde entio” (Schneider, 1968:15). ‘Mas 6 Raymond Firth que, mostrando a contribuigéo de Rivers ao estudo do parentesco na Oceania, oferece a mais su- cinta ilustragio sobre a atualidade de sua contribuigao a teoria do objeto e & sua respectiva metodologia. Assim, diz ele: “Onde 1a diferenga entre perspectiva de Rivers ¢ as perspectivas mo- dernas aparece mais marcadamente ¢ no conceito de matriménio. Rivers prestou um grande servico ao estudo do parentesco © a0 desenvolvimento da antropologia social insistindo com grande brilho — as vezes com erradas suposigaes — sobre a nogéo de que matriménio nao € uma simples escotha pessoal, mas uma categoria de classificagéo — uma relagdo entre tipos especiticos de parentes. Para ele ‘formas de matrimdnio’ néo significam diferentes tipos de ceriménias unindo duas pessoas, mas dife- rentes tipos de posico de parenteseo representada pela unio de duas pessoas — primos cruzados, de um homem com a filha do ou com a mulher do irmao da mae etc. Nenhum tipo de unio de parentes foi excessivamente bizarro para levé-lo a recusar sua validade teérica. Mais do que qualquer outro antro- pologo de sua geracio — conclui Firth — foi ele que pavimen- tou 0 caminho para as modernas anélises estruturais do paren- tesco neste campo” (Firth, 1968:21). Qual 0 percurso académico cientifico deste homem que veio marcar o seu lugar na hist6ri dda antropologia social pelo pioneirismo de suas idéias ¢ pela forca de sua personalidade? E 0 que procuramos esbocar a se- guir. Por forga da multiplicidade de ‘‘carreiras” que se articulam na biografia de Rivers, o registro de sua vida demandaria por si s6 um livro para que dela o leitor tomasse conhecimento © ava- iasse corretamente toda sua significagéo para uma atividade intelectual que com tanta determinagdo realizaria durante cerca de 36 anos, se tomarmos por base o ano de sua formatura, 1886, ‘quando contava apenas 22 anos (segundo Slobodin, 0 mais jo- ‘vem graduado em medicina na longs hist6ria da Universidade de Londres), € 0 ano de sua morte, 1922, aos 58 anos. Deveremos spontar alguns momentos dessa vida, apoia- rticularmente, em duas fontes: © jé mencionado Richard com seu livro W.HLR. Rivers (1978), ¢ 0 excelente livro de um jovem historiador de ciéncias, Ian Langham (origi- nalmente uma tese de doutoramento apresentada em 1976 a Universidade de Princeton ¢ editada sob 0 titulo The Building of British Social Anthropology: W.H.R. Rivers and his Cam- bridge Disciples in the Development of Kinship Studies, 1898- 1931, 1981). No ano seguinte 40 da sua formatura, Rivers viajou para 0 Japio « EUA como médico de bordo. Dentre as intimeras via- gens que fez, uma teve particular importincia, quando — retornar para a Inglaterra vindo das Indias Ocidentais — vi com Bernard Shaw, com quem pode conversar diariamente; con- ta Rivers que isso “foi uma das melhores coisas de sua vida” (Slobodin, 1978:11). Em 1888 obtém seu doutorado em Medi- cina (M.D.) na Universidade de Londres e € eleito membro do Royal College of Physicians, Durante 0 periodo em que trabs- Thou como médico no St. Bartholomew's Hospital, um dos trés hospitais-escola da Universidade de Londres, sempre aplicou-se em pesquisas, tendo publicado trabalhos sobre delirio (1889), histeria (1891) e neurastenia (1895), revelando um especial talento para fendmenos da mente, Tanto assim que foi admiti- do em 1891 como médico-residente no National Hospital for the Paralysed and Epileptic. Um ano depois deixou 0 posto € f ‘@ Alemanha continuar seus estudos em neurofisiologia ¢ logia. Slobodin destaca que nessa oportunidade pode assis- @ um curso de filosofia ministrado por Rudolf Eucken, cuja posigo quanto as possibilidades do conhecimento diferia da de Spencer, na época altamente influente na Inglaterra; “ele néo apenas negava o lugar das leis naturais no estudo do comporta- mento humano, mas também, como a maioria dos fil6sofos ide listas alemaes, ia além em sua forte depreciago da ciéncia em geral” (Slobodin, 1978:13), Dificil dizer com seguranga qual a repercussiio que esse curso teve em sua formagio; a0 que parece, pelo menos no que tange @ problemética da causalidade na obra de Rivers, as idéias de Eucken sobre leis naturais e sua inaplicalidade ao comportamento humano tiveram ‘de ser cote- jadas com as de J. Stuart Mill, o grande légico da gerago ante- rior a Rivers e cujas idéias marcaram to profundamente a constituigéo da antropologia social e as cigneias humanas em 10 geral no mundo anglo-saxio — t6pico que abordaremos mals detidamente adiante. Mas foi por essa época — como afirmatia © préprio Rivers em seu diério — que tomou a decisio de passar a trabalhar “tanto quanto possivel em psicologia”” (apud Slobodin, 1978:15). No ano seguinte foi convidado a ensinar Fisiologia dos sentidos na Universidade de Cambridge, razéo que © teria levado a passar o verdo de 1893 em Heidelberg para estudar com Emil Krdpelin, uma grande autoridade em Srgios do sentido, os efeitos de drogas na fadiga muscular tan- to quanto psiquiatria (Krépelin foi o grande pioneiro da psi- quiatria nosolégica). Com ele Rivers chegou a escrever impor- tantes trabalhos (Slobodin, 1978:15). Em conseqiiéncia de sua crescente habilitacdo no campo da psicologia experimental é convidado a assumir 0 novo Laboratério de Psicologia no Uni- versity College a0 mesmo tempo em que recebe uma sala no Departamento de Fisiologia da Universidade de Cambridge. Nao € ocioso assinalar que esse fato indica o quanto, na época, a Psicologia ainda dependia de uma disciplina mais consolidada academicamente como a Fisiologia.’ © periodo antropol6gico de Rivers comega — se se quiser assinalar uma data — em 1898, quando participa de uma expe- digo ao Estreito de Torres (Torres Straits) na Oceania, a convite de Alfred Cort Haddon, seu organizador. Haddon, originalmen- te Professor de Zoologia no Royal College of Science, em Dublin, havia dez anos antes participado de uma expedigao ao Est de Torres e Id descoberto sua vocacdo para o estudo do folclore nativo, mais do que pela investigago do plancton, para o qual havia projetado seu trabalho. Para ele foi tio signi aquela experiéncia que veio a resignar sua citedra de zoologia logy upds seu retorny da expedivao, com 0 fity de se dedivar exclusivamente ao estudo de sociedades dgrafas. Com esse ani- ‘mo organizou a expedigéo de 1898, convidando Rivers (que num primeiro momento néo se. interessou), CS. Myers ¢ W. Mc Dougall (ambos ex-alunos de Rivers em Psicologia Experi-

You might also like