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As teorias criticas ‘Século XIX O século XIX tem uma especial importancia, pois 6 quando nascem as principais idéias e ciéncias que vao formar 0 século XX. No século XIX aparecem Hegel e Marx, 0 positivismo e o evolucionismo. A razao, a ra- cionalidade desta época atinge o maximo de seu apo- geu com 0 capitalismo europeu. Chama-se racionalidade a descoberta das leis ob- jetivas. A partir daquela época, 0 sujeito se faz as cus- tas do objeto. O conhecimento do objeto deu poder ao sujeito. A liberdade se edificou em cima da domina- cdo, da manipulagao do objeto. Entre os dois se estabe- Ieceu uma relagao de senhor e escravo. De um lado 0 mandar, do outro o obedecer. O senhor era livre, podia defender a liberdade, a democracia; 0 escravo nao. Sujeito é 0 ser que dispée de um objeto como dado a seu conhecimento. O sujeito do século passado era constituido pela burguesia, 0 objeto se constituia na classe operdria, a servico da burguesia, “empregada” por ela. A gloria do século foi a divisao de classes e a domi- nagao de uma classe por outra de modo eficaz, de modo econémico, a mais-valia. A partir da separacao entre su- 61 jeito e objeto, entre capital e forga de trabalho, a vitéria ‘do sujeito foi o sucesso do capitalismo burgués, que s6 foi acabar em 1914, no desastre da Primeira Guerra, quando aquele velho tipo de sociedade acabou eas no- vas formas sociais dos novos tempos se fundam. O mundo moderno passa ser o que se chama de socieda- de da cultura da globalizacdo. O século XIX assiste ao nascimento de um conflito te6rico-pratico até agora nao superado, e modificou 0 velho mundo: as idéias liberais e neoliberais democré- ticas da burguesia ocidental predominaram. Correntes filoséficas fundamentavam dois tipos de teoria literéria, dois modos de ler 0 texto, um tradicio- nal e outro prospectivo, que tinha os olhos no futuro, nas transformagées sociais. No inicio do século XIX, em pleno romantismo, 0 critico francés Sainte-Beuve (1804-1868) fez da critica biogrfica um estudo dos tipos psicolégicos ou, como ele chamava, de familias mentais do conjunto dos es- critores. Através da biografia, elaborou o estudo do estilo e das técnicas poéticas utilizadas. Naquele século houve uma mudanga teérica. Do idealismo (que acreditava na verdade das idéias) para ‘0 materialismo empfrico (que sé acreditava na “verda- de” da experiéncia), 0 método cientffico positivo, ex- perimental, utilizado pelo critico francés Hippolyte ‘Taine (1828-1893). O evolucionismo equivale a doutrina filoséfica e cientifica que colocava a evolucao como lei geral da matéria, da vida e das sociedades. Influenciou a teoria literdria de Ferdinand Brunetiére (1849-1906) e de Emile Zola (1840-1902), e influenciou muitos outros autores. Essa metodologia se fundava na causalidade deter- minista, na evolugao biol6gica, se fundamentava no 62 objeto. Outra, baseada no sujeito, aperfeicoa o impres- sionismo critico, criado e exercido por Anatole France (1844-1924) e por Jules Lemaitre (1853-1914), impressio- nismo anarquico, anti-racional, sem método definido de fazer a leitura da obra. O século XX nasceu dessa fenda do século XIX. Nela a contradicao posterior se formou. A dialética hegeliana A Fenomenologia do espirito de Hegel é um texto que s6 deve ser compreendido na integralidade de seu método (0 sistema é um todo, ou “o verdadeiro 6 0 todo”, dizia ele), em que um fato gerador é racional- mente verificado como matriz de uma determinada forma de pensar 0 mundo, e qualquer parte se torna obscura se nao for vista como parte dele. O sistema da ciéncia - como Hegel denominaria a atividade filoséfi- ca-tem unidade interna que tudo sistematiza e quem se propée a pensar sem sistema néo faz ciéncia, ape- nas emite opinides e conviccdes, como na cultura de massa, opini6es que s6 se justificariam dentro de um contetido sistematico que tem um principio, ou seja, aquilo que determina tudo o mais na construgao da grade l6gica. O sistema hegeliano, tal como se apre- senta na Fenomenologia, é um circulo que se fecha so- bre uma totalidade, mas se abre a contingéncia, ao nao-necessério; e também se abre a liberdade, a revo- lugao, pois € filho da Revolucdo Francesa, e Hegel foi o primeiro a submeter a dialética da filosofia a Histéria. Além disso, liberdade em Hegel significa poder ser, ¢ tal sistema deve conter em si uma capacidade, na me- dida em que nele sejamos conduzidos a ver que nés 4. HEGEL. Fenomenologia do esptrito. Petropolis: Vozes, p. 31 (Tradugao de Paulo Meneses. 63 modo, na medida o saber ou, dito de outro odo, Presque descubramos que a realidade é produzida por tos mnesmos, como na Democracia Representativa. Por isso é impossivel apresentar um sistema filos6fi- co de al porte, que s6 serevela depois deanos de rae sé A teoria da lingua- 6fica, mas é possivel pensar na sua’ eoris i gem importante para os estudos da teoria literdria. Contraaltorlanie ie Le et eer a contradigdes), é possvel dizer que nele s6 0 todo s apresenta, de tal mado que quem vé a parte vé 0 todo. ‘A infludncia QTE eer ated Pots do fim do miles gsr eS Aa Versalmente. A. Fenomenolopia. esth na maisiz/e na contluencin de ieets Sate a ates mento floss ae Cae ae eee cue ultrapasse, na hisiria\ do pensamento, a separagéc entre sujeito e objeto para a subjetivacdo objetivada, ‘como vai-se ver. ; sistema de Hegel trata da dialética, ou seja, da manifostagdo do saber que pretende ser a propria rea- lidade que toma conseiénela de si mesma e se toma suet, ou seja angheben significa superar, numa ul- frapassagem que conserva aquilo que suprime, quan do a realidade torna ae aujlto deal mesma numa ex: terlorizagéo (aliens) dat Dera faza.ee eoiea 6 ortar a manifestaeao do seu proprio ser. A “exper cia faz a consciéncia em seu aprender efetivo ‘iéncia (a filosofia), é a ciéncia da experiéncia da conan” aa ecteriortsieho)isisiapvirienta ata priv, 6 0 He Seria ne do pensar (ou dialética). E uma forca, um jogo de fo cas: uma solicitante, outra solicitada. 5. Hegel, 1992, p. 87, 6. Hegel, 1992, p. 100. Como tudo esta compactado neste sistema mével, a sistematizacdo se supera no método. Ou seja, na dialé. tea. Ea dialética quem faz a logiticacao do concreto, a ascenséo ao concreto, na ultrapassagem da fase andr. guica para a conceituagéo légica final’. Légica que nao €do pensamento, mas Igica do movimento da vealida, de. Esta “ascensao” do abstrato ao concreto faz um mo. vimento que atua no conceito da logificacio da realide, de, progredindo do entendimento a razo, e da razao que observa para a razo que opera e unifiea, Problema que desde logo se ressalta é que nao se Pode “pensar” a dialética (apresenté-la), s6 se pode pensar dialeticamente. Eo pensamento da maior par- te das pessoas nao é dialético, mas supostamente “me. tafisico”. Néo entenderemos um sistema dialético sem nos aplicarmos a ele dialeticamente. A primeira vista se vé nests filosofia aimportancia do sujeito como verdade -o Ponto essencial de produ- zir 0 verdadeiro nao como substancia, mas como sujei- to, ou seja, fazer falar o sujeito da objetividade ou da tealidade objetiva. O sujeito é o objeto imediato do sa. ber, a sua realidade viva, E. ‘a vida do saber, a liberdade do sujeito em consonancia com o movimento. de por-se a si mesmo como Ser, ou seja, o ser do sujeito estana sua mediacao entre seu Proprio tornar-se outro de si mesmo. E nesta negatividade de si, ao tornar-se Cutro por essa mediagio de si mesmo no “mundo da realidade”, que o Sujeito se cinde em duas artes con- ditérias, se desdobra e Se nega e assim progride numa superacao de si para se tornar o devir de si mes- —deeieimir inca HYPPOLITE, J.O todo é anterior as partes. In: Introdugdo éfito. ‘ofia da histéria de Hegel, Lisboa: Edigées 70, 1988, p. 23 65 mo, 0 circulo que s6 é efetivo em sua atualidade e seu fim, num processo de revolucso permanente de si. B, em Hegel, nao existem duas categoria bipolares anta- gonicas que néo se estejam superando numa unidade / da raziio. Uma passa pela outra e volta a si mesma fransformada (suprassumida como ele dizia), o que | fundamenta a suz superacao. Por exemplo, o que ¢ po- sitivo vai caducando e se transformando em negativi- Gade no devir do :empo. Eo que é negativo vai-se mo- dificando e se tornando positivo. E este o motor da his- toria e da revolucao. Nesta filosofia, papel relevante é exercido pelone- gativo. O sujeite tendo de negar-se para ser e para sa ber, se exterioriza numa praxis (ou alienagio, como diz HegeD, no zutomovimento para ultrapassagem hesta manifestacéo experimental no “outro” objetivo. Esta dialética do sujeito, na sua natureza, no movi- mento de sua formacdo, na atualizacdo de sua essén- cia. Em Hegel, 0 que nao se movimenta, 0 que néo se transforma, morte. Endo se pode fixar nada ali, nem: mesmo o sentido de uma categoria, as categorias s40 deslizantes, méveis, 0 positivo vai-se querendo negati- ‘vo, e o negativo vai-se mostrando positivo. Conhecer certas categorias é acompanhar o mével do seu desli- zar e no mudar-se no sentido contrério. ‘A dialética de Hegel se faz sistema do devir eda me- diacdo, isto 6, da exposicdo. E 0 modo como 0 objeto, su= ficientemente apreendido e analisado, se desdobra em suas articulagdes e de como o pensamento se desenvol- veem suas determinages conceituais organizando um discurso metédico. Em Hegel nao existe propriamente “método dialético”, mas exposigao, dialética da realida- de, movimento do mundo material (Hegel pode ser considerado materialista), de modo que este se de- monstre idealmente no método (este € 0 sentido do ide- 66 alismo de Hegel). O “carogo racional” do método hege- liano esta assim posto (pois ndo trataremos do seu en- voltério mistico). Como ndo é um método fora do objeto, a dialética hegeliana se da a partir da génese da realidade, de seu processo, dos procedimentos da producao de seu sa- ber’. Este método, em O capital de Marx, se exerce com quatro caracteristicas: exposicao, procedimento progressivo-regressivo, contradicdo e critica. E possi- vel fazer uma distingdo entre dialética légica e dialéti- ca fenomenolégica. A primeira faz a exposi¢ao do au- tomovimento do conceito (Ciéncia da ldgica) e apare- cc exercida em O capital de Marx. A segunda aparece na Fenomenologia do espirito, mas também se exerce no capitulo primeiro do Livro 1 de O capital, ou seja, na teoria do valor de Marx, ou da forma do valor e do ponto de partida da mercadoria, considerada como um imediato fenomenolégico. A primeira proposi¢ao que se faga para exprimir algo ja vai conter um ser-outro. Até o Absoluto nao é ali, considerado na sua eternidade, mas na sua eterna mobilidade, na sua eterna autotransformagao. O abso- luto se torna outro pela mediagao, pela transformagéo de si em si-mesmo-outro®. A mediagio é igualdade consigo-mesmo-feito-outro em movimento, reflexio sobre o “eu” que é simples devir, como quem foi crian- ca, jovem, adulto e velho foi outro e omesmo de si. Por 8.°No golotaexposieién del métodocientifeo pertence ao do de in loge, eino tami el concept mlsva dela clencia en tener” In: HEGEL. Ciencia deta logic, Tradugdo de Augusta Nodotfo Mondolfo. Buenos Ares: Solullachettes1910.p-41. 9." Acaba en la ciencia del espiritu su libe1 ts " cia del esprit su iberacién por si mismo”. In: HEGEL, 1976, p. 741 _ i filos6fico hegeliano se move. Seu isso, todo 0 sistem aialética interna, ou seja: um siste- ene 6 verdadeiro j4 € falso, seu desenvolvimento aaa ie ge comporta negativamente em relagdo a seu Postogoe refuta, a seu modo, seu proprio fundamento {que nao passa de um simples comego).O que se move {isto: 0 método da exposigéo (la dialética), que é ode Senvolvimento (fenomenol6gico) da ciéncia do saber- Por exemplo, O capital eomeca com a andlise do valor da mercadoria, que 6a unidade de todas as determina- gees da sociedade capitalista, faz.aexposigao da mes sedoria, no desdobramento de suas determinacoes melhor, para Hegel, determinidades), ou seja, a: peste gem do abstrato da mercadoria para oconcreto a tao como operagio, a mereadoria feita pensamento, O saber que se sabe desenvolvido como tal, que se move, opera e supera (suprassume), construindo assim 0 Set abjeto efetive como sujeito em seu devir (ele €o.que se transforma, o que se demonstra na exposigao). Assi” é que o puro saber sai de si mesmo para ser-outo, isto que éa base da ciéncia, que se atinge na transfor G40 do seu devir, seu processo € o progresso de sua OF posigio. A ciéncia conclama a consciéneia de st ‘cender até a realidade para transformar-se nela. ‘A necessidade de uma via.de acesso a esse ag faz com que o que é emsi deva exteriorizar-se e oa para si, E a fenomenologia, tal como a exerer cael quem faz esta saida, esta propedéutica a Filosolty mostrando como elevar o conhecimento a ciéncia. primeiro passo é oda consciéncia, que € 0 ser imediato Go espirito constitufdo pelo saber seguido da objetivi- dade (negativa em relacdo ao saber). A Fenomenologia 6a ciéncia dessa caminhada, a ciéncia da experiéncia que faz a consciéncia, esta que édada pela ee e vira percepcio. A seguir, pela classificacéo que 1a7 68. se tora entendimento e, por um processo mais com- plexo, se dé como razdo. Mas 0 que leva a ciéncia a or- ganizar-se é seu proprio movimento interno dentro do mover-se de seu préprio contetido contraditério e sua exteriorizacao constante. Os conceitos mesmos se mo- vem, e significam variadas nogées ao longo do texto”, As aparentes imprecisées do sistema hegeliano re- sultam de que, segundo ele, qualquer terminologia “prende” o pensamento. Ao contrario, a lingua falada, na medida em que seus termos tém significagées dife- rentes, convida o pensamento a nao se fixar, a desconti- ar de si e a descobrir novas relacées entre as palavras € as coisas e a encontrar ali, em lugar da identidade mor- ta, a mobilidade viva do concreto (pois, em Hegel, con- creto é mével). Ele se preocupa em estabelecer e dar vida aos elementos e as formas insepardveis, com os contetidos ea vida de um povo. E pela linguagem que o Espirito se objetiva, a linguagem é seu modelo de reali- dade espiritual. E Espirito aqui nao significa Deus, como muitos créem, mas a) 0 que se opée a natureza, ou seja, 8 “civilizacdo”; b) aquilo que independe desta opo- si¢do; ¢) a superacao desta contradicao"". O que Hegel chamava de Filosofia do Espirito se aproxima do que hoje nés entendemos por Antropologia Cultural. Hegel parte da intuigdo para elevar progressiva- mente o saber para a tomada de consciéncia do Espiri to por si mesmo através da representacdo da lingua- gem. Addo deu nome as coisas, eis 0 primeiro direito de soberania e a primeira posse da natureza e de sua criagao pelo espirito. O mundo é um movimento de nomes. E assim que a linguagem esté na fronteira do 10. KOYRE, A. Etudes d’historie de la pensée philosophique. Pa- ris: Gallimard, 1971. 1. KOYRE, A, 1971, p. 195. Espirito, e toda evolucdo ulterior tera a linguagem spirito, i i 6 a0 mesmo historia da vida da linguagem é ao mesmo como stihistbria € a vida do espitito. Por isso, ela é Bs tempo “vidual, um fato social. Se ha varias linguas, nfo indivi Piporque s6 do Bspirito se trata, mas que o Espirito de uum povo se exprime. Nietzsche e a eritiea dos valores iti ietzsche é critica) deter- ‘Acritica (toda filosofia em Nietzsc! ) dete mina coneeitos de valor, nogéo de valor que implica tindo como tais); 2) de outro lado, an contréni, ae Totes de que derivam avaliagées, “pontos de Wis CS apreciagao”, de onde estes valores derivam (séo fe! ee nos criados). Estas avaliacdes nao séo valores, ma: neiras de ser, modos de vida daat ‘am e criam seus proprios principios construidos os valores (a democracia, ipios sobre os quais séo ‘0 socialismo). A filoss mentos inseps gens de qualquer valor pois referir estes valores a ou gem (dos valores) e que decida como 0 “bem” € 0 “mal”. Portanto, a filoso nas inventariam os Vv ticam em nome de valores. dos como “eternos” (valores qu‘ que criticam (ou respeitam) os valores 12, DELEUZE, Gilles. Nietzsche et la philosophie. Paris: PUF, 1983; 282 p. 70 vida daqueles que julgam, avali- ofia critica de Nietzsche!” tem dois movi- ardveis: todas as coisas e todas as ori- wr se referem a valores, para de- wutra coisa que seja a ori- ‘0 valor (dos valores), fia é critica contra 1) 0s que ape- alores e no os criticam, ou os cri- 4 existentes, jé estabeleci- ie valem em si) € 2) 08 1s fazendo-os de- rivar de simples fatos utilitaristas (valores que valem para todos), A filosofia critica de Nietzsche é si contra: a idéia de um fundamento (“elevado”) que res- peite os valores sem investigar a sua origem e a idéia de uma simples derivacdo causal (como isto deriva da- quilo) ou de um simples comego (um principio) que postule uma origem sem preocupagao com valores. O método genealégico de Nietzsche significa o ele- mento diferencial do proprio valor dos valores de onde emana seu préprio valor e se opde a um valor absoluto e a.um valor utilitdrio. Significa também 0 elemento dife- rencial, ou seja, significa: espaco no tempo passadu: 110- breza e baixeza; diferenca no espago: nobreza e vileza; distancia na origem temporal: nobreza e decadéncia. Nietzsche constréi uma critica positiva que estabe- lece um diferencial. Este elemento diferencial nao é critica do valor dos valores sem ser também o elenco positivo de uma “criagao” de valores. Por isso a critica no é uma reacéo (vinganea, rancor, ressentimento), mas uma aco. O ataque critico opera o elemento dife- rencial criadoramente (e nao é estéril vinganca) e busca © sentido das coisas. Sentido significa direcao. A per- cepeao das coisas implica um problema légico de como pensé-las (de que modo, de que lugar l6gico as pensa- mos, sob qual perspectiva as vemos). Nietzsche desen- volve entéo a sua teoria de “forca” (que ja se encontra em Hegel). “Nao encontraremos nunca o sentido de qualquer coisa (fenémeno humano, biolégico ou mes- mo fisico) se néo conhecemos qual é a forca que se apropria da coisa, que a explora, ou que nela se expri- me”. Um fenémeno é um sintoma (um signo), e seu sentido se encontra numa forea atual. A filosofia é vista como uma semiologia. A forca revela o interesse, a von- tade. Deste modo, a histéria aparece como 0 modo de 1 as forcas se apoderaram da natureza. S6 hé uma eter grttoato: a interpretacéo de uma dominacao. Os fendmenos sao miultiplos (de onde deriva sua liberda- de) ¢ tém miiltiplos sentidos. Tém tanto mais sentido quanto mais forcas haja que deles se apoderem. Nietzsche vé sentido do espago. Diante de um jergunta: “Por que neste lugar ¢ nfo noutro?”, one ode vai o canapo de atuagéo de tal forca? (de tal poder, de tal sentido?)”. Interpretar passa a penetrar nas mascaras e a descobrir quem se peace e poy qué’ O proprio objeto, o proprio fendmeno é forca, € expressao de uma forga, aparigéo de uma forga. Daf o prazer da diferenca, de se saber diferente, da “diferenca positiva”, que leva & aco. Decorre pois que, se ouniverso tivesse uma posi¢do de equilfbrio, ja a te- ria atingido. A genealogia de Nietzsche significa a arte da diferenea, da distingéo. A qualquer quantidade de forca corresponde um poder a ser afetado. O método genealégico (diferencial) é julgar a afirmacdo do ponto de vista da negagao, e a negagéo do ponto de vista da afirmagéo. O sim, do néo; ono, do sim. O bem, do mal; o mal, do bem. Se a metafisica pergunta: “O que é? Nietzsche pergunta: “Quem?” O sentido mais 0 valor significa a esséncia. Quanto a arte, Nietzsche ndo pergunta: “O que Mas: “Quais as forcas que o tornam belo ao apro- 2” Assim, a esséncia de uma coisa é desco- berta na forga que a possui e que se exprime nela. 0 método de Nietzsche é: sendo dado um sintoma, ele é tratado como sintoma de uma vontade que quer qualquer coisa. O que é que ele quer? O que é que quer aquele que ama ao amar, aquele que fala ao falar, aque- le que cré? O que é que quer aquele que se diz “desinte- ressado”? O que é que quer aquele que pensa isto? Que 72 procura a verdade? A vontade de poder nao procura 0 poder, mas o da. A interpretacéo em Nietzsche revela o poder de quem interpreta. B 0 poder quem quer: mas o que quer ele? O poder nao pode ser representado, avaliado, in- terpretado, pois ele é condicao de possibilidade da re- presentacao, da avaliacéo, da interpretacdo. A interpre- tagao, avaliacdo, representagao significa a relacdo da forga com a fora. Qualquer fer6meno ou interpretagéo exprime uma relagéo de forcas. “Qualquer fenémeno reenvia para um tipo que constitui o seu sentido eo seu valor, mas também para a vontade de poder como o ele- mento do qual derivam a significacao do seu sentido e 0 valor do seu valor. Critica 6 criagéo “alegre” (ou seja: nao-rancorosa). Sao prinefpios plastics e genéticos que dao conta do sentido e do valor das interpretacées (pensam contra a razo). O método de Nietzsche é diferencial. Diante das coisas, pergunta: “Quem?” A vontade de poder é um prinefpio ativo, plastico e genealdgico, A vontade de poder nao é a forca, mas o elemento diferencial que determina a relagdo das forcas ‘a quantidade e a quali- dade das forgas em questo). Significa a afirmagao do miultiplo, do devir e do acaso. Século XIX no Brasil No Brasil havia um ambiente de estagnacao inte- lectual, salvo pelo génio de uns poucos criticos extraor- dinariamente ativos, como Tobias Barreto (1839-1889), que superava a sua época. Tobias Barreto revoluciona- va e escreveu grandes obras — hoje desconhecidas. O meio cultural do Brasil persistia reacionario, nao aceitando nada que exigisse algum esforco de com- Preensdo ou que Ihe mudasse ¢ gosto, a idéia. 3 {sténcia, apareceram idéias renova- dors, tanaformatdoras,e um dos seus porta-vores fl Silvio Romero (1851-1914), ° “ mente, Silvio Romero liderava 0 a nove ee De um radical nacionalismo ‘bi seu pensamentolterério, Combateu os modelos eu copeus, estudou a cultura popular, a arte do pov cou o imperialismo estrangeiro. Dizia ele: “Quanto mais desunidas as nacdes ame- vicanas, mais fraas; quanto mais fracas, mals expos- its a insaciavel cbiga dos que se apregoam os chefes, 9s senhores da humanidade, os depositérios do po de dividir a terra entre si”. Se conjugarmos seu pensamento com o de Tobias Barreto, vamos ter uma visio da atualidade dos dos. Bles eparecem na vanguarda do que se diz je, do aue foi pesquisado e estudado por pensadores posteriores. Escreveu Tobias Barreto: peer ee cea ee eee Seem icégnitas, mas 6 a principio de selecao le; ‘A sociedade brasileira, em sua generalidade, é sociedade de privilégios, se ndo criados pela dos pelos costumes, de cujos dislates a lei é ciimpli- ce, nao Ihes opondo a precisa resisténcia... B certo ‘ue a nossa populacao se acha dividida nao somente em classes, mas até em castas. as Barreto e Silvio Romero desbravaram o ca- minhods| pensamento brasileiro. Silvio Romero acu- mulou um imenso material de fontes populares. Via a literatura como expresso da sociedade brasileira, tra- ducdo da realidade, manifestagao da historia. 4 Além desses, Araripe Jimior (1849-1911) estudou 0 naturalismo brasileiro, pesquisou Gregério de Matos ¢ é muito boa critica literdria, assim como Capistrano de Abreu (1853-1927), critico e historia. dor, que realizou varias pesquisas importantes. Mas 0 maior do século XIX foi, sem dtivida, o proprio Machado de Assis (1839-1908), nao pelo volume da obra critica, pe- quena, mas pela qualidade e profundidade do que escre- eu, com inteligéncia, penetracio e atualidade, pelas idéias de verificacdo da obra por suas leis internas Nestor Vitor (1868-1932) estudou o simbolismo e José Verissimo (1857-1916) produziu uma obra séria que retrata 0 ambiente das letras brasileiras e repre- senta uma avaliacdo dos textos e autores, verificando as chamadas “correntes” da arte literdria, Joao Ribeiro (1860-1934) desenvolveu idéias titeis até hoje, assim como Ronald de Carvalho (1893-1935), bom poeta, tam. bem historiador da literatura. O primeiro critica mo- demo, entretanto, foi Mario de Andrade (1893-1945) Depois vieram Alceu Amoroso Lima, com gigantesca ¢ jmportante obra, e Agripino Grieco, Alvaro Lins, Liicia ‘Miguel Pereira e muitos outros. Século XX. Alceu Amoroso Lima lia diariamente o fildsofo ita liano Benedetto Croce (1866-1952). Para Croce, se che. ga arealidade através da intuicdo, que faz a superacéo das contradigées da realidade. Este acesso intuitivo, como ele estabelecia, se realiza através da estética, como “vontade de expresso”, Aestética constitui parte da filosofia que estuda a arte, ou a natureza do belo. A vontade de expresso funda uma afirmacéo da subjetividade. O sujeito ou, mais concretamente, 0 homem, supera as contradi- 6 i és da intuigéo e da sua expres sige a ‘v estética como expressao do sujeito, consciéncia do individual. ‘A filosofia de Croce se torna inseparavel da lin- giifstica, ¢ por isso t&o proxima dos eriticos literérios, principalmente dos que derivaram seus conhecimen- tos da estilistica. A lingiistica geral como uma teoria eral da expresso. Croce elabora uma sintese pensamento/vida que se assemelha ao caréter insepardvel de significado(signifi- cante. Para ele, o pensamento sé obtém sentido através da vida, ea vida so tem sentido através du pensamento, Croce néo aceitava o formalismo (tendéncia a achar que a arte reside na forma), e colocava o fenémeno ar- tistico no fluir da hist6ria (como Hegel) e da cultura, Em 1902 publica a primeira parte de sua filosofia do espirito, chamada Estética como ciéncia da expressdo ¢ lingtiéstica geral. O seu Brevidrio de estética veio de~ pois, em 1913, e marcou influéncia na critica literéria da geracdo que veio depois. ‘Um exemplo claro da critica do sujeito no contexto 60 ensaio do fil6sofo alemao Walter Benjamin que se chama A modernidade, em que ele estuda a poesia do francés Baudelaire. Escreve ele: “Viver a modernida- de é preciso uma formagao heréica”. “A modernidade deve estar sob o signo do suicidio que sela uma vanta~ gem heréica que nada concede a atitude que lhe ¢ hos- til, Esse suicidio nao é rentincia, mas paixao herdica”. No poema Albatroz, escrito durante uma viagem, Bau- delaire se reconhece naquelas aves marinhas. Drama do homem moderno, do homem deslocado no sew meio e marginalizado, porque sensivel. “Existem te- ida privada muito mais herdicos. O espetécu- Jo da vida mundana é o de milhares de existéncias de- 76 sordenadas; vivendo nos submundos de uma grande cidade - dos criminosos e das prostitutas”. “Os poetas encontram narua 0 lixo da sociedade e a partir dele fa- zem sua critica herdica”. A marginalidade é “a heroina da modernidade”’ Em outro ensaio, Sobre alguns temas de Baudelai- re, Benjamin desenvolve a teoria da experiéncia do su- Jeito, que, como se sabe, é um humanismo. Desenvol- veo humanismo, uma forma de pratica e método cien- tifico segundo o qual todo conhecimento se subordina &s condigées da experiéncia humana, da vida humana. Nenhum valor seria superior a0 do humano e da sua situacdo no mundo, suas condigées de vida. Sobre a experiéncia, diz Benjamin: “Encaramos 0 problema de como a poesia lirica poderia fundar-se numa experiéncia para a qual a recepcdo de choques converteu-se em regra”, Choques, os impactos da vida contempordinea, ameacas, violéncia, guerra, mendigos, populagées morrendo. Diz ele que o poeta Baudelaire “divisou espacos vazios e neles inseriu sua poesia’ Sua poesia sobre a modernidade. Formalismo russo A primeira noticia que se dé sobre 0 Formalismo Russo diz que nasceu no Circulo Lingitistico de Mos- cou (1914-15) e durou até 1924-25, quando o patrulha- mento ideolégico bruscamente interrompeu suas pes- quisas, nao sem o fuzilamento de alguém, como 0 do lingitista Polivanov. Nessa época foi fundada a Associa- co para. o estudo da linguagem poética, chamada de Opoiaz, que também nao escapou ao inicio do stalinis- mo. Nao era para estranhar: 0 chefe do formalismo, Chilovski, atacava o marxismo. 1 | Logo no inicio diz que a poesia é uma funcao da lin- obson). Determina a literariedade, ou eects de_um texto um produto literdrio (no Circulo estava o poeta Maiakovski). ( formalismo russo nasce do modernismo, aplica- do a literatura modernista, Eo modernismo que se ca- racteriza pela quebra do automatismo, e é nele que a literatura passa a ser um problema de linguagem. (0 formalismo russo nao consistia em um bloco ho- mogéneo, mas num titulo pejorativo que Ihe davam os inimigos. Da inteligéncia burguesa da ex-URSS se considerava 0 tiltimo refiigio. Talvez por isso experi- mentou tanto sucesso no Ocidente, sucesso merecido Suas principais colaboragdes se devem ao método de leitura de textos, ao relacionamento da critica lite- réria com a lingiiistica estrutural, que nasceu na mes- ma época, Os que deixaram trabalhos pioneiros foram Chklovski, Eikhenbaurn, Jakobson e Tinjanov. A gra- fia destes nomes varia muito, e a prontincia geralmen- te se desconhece: Jakobson disse que seu nome se di- zia /Jacobéul. ‘Negavam que a literatura fosse reflexo da socieda- de, ou lugar de luta de classes e de idéias— como pen- savam os anteriores ~ ou como voltaram a pensar 0s posteriores criticos soviéticos. O grande “problem: dos formalistas foi o excesso de concentracao na for- ma, afastando completamente a histéria, a psicologia, a sociologia, atacadas como extraliterdrias. Era a ma- neira de camuflar a parte politica. Ver sé o texto lin- gilisticamente certamente marca uma atitude cientifi- ca. Porém, as idéias proliferam na literatura e legiti- mam muitas obras, A forma intensifica a idéia, desco- bre-a, mas é a idéia o que lemos, embora aliciados e se- duzidos pela forma. A arte reside na forma, mas nao 18 significa que a forma se constitua no tnico elemento. O contrario também vale: com grandes idéias nao se faz literatura, mas com palavras, dizia Mallarmé. Aliteratura, entretanto, é explicada no formalismo como uma funcdo da linguagem, a funcdo poética: que da énfase a propria mensagem (uma contradi¢ao, j4 que se omitia o estudo da mensagem). Ouso da lingua chama-se discurso. O discurso poé- tico considerado com propriedade por Chklovski como a producio de elementos desviantes, proposita- damente produzidos para provocar impacto no recep- tor. Isto no modernismo. No classicismo, a0 contrario, oliterario nao devia sair de seu padrao, de sua normae transparéncia. O estranhamento resulta do impacto textual, que nao responde ao que se espera dele. Chklovski compa- rou 0 discurso poético com o usual, 0 da conversagio. Na conversagao nao ouvimos a frase até o fim, pois jé sabemos como termina. A linguagem automatizada. Noliterdrio esta percepcao “natural” se quebra. O reco- nhecimento nao constitui percepcdo, a arte nos ensina a ver o mundo. O prolongamento disto se d4 na cons- ciéncia de classe, a consciéncia politica. Os formalistas russos estudaram 0 texto literdrio sob a “lei da dificul- dade”, isto 6, da diferenga poética, do estranhamento. Estilistica O criador da Estilfstica foi Charles Bally (1865-1947), num livro classico: Tratado de estilistica francesa, que continua as pesquisas do Sumério de estilistica (Gene- bra, 1905). Os dois livros sairam do Seminario de francés ‘modemo, na Universidade de Genebra. O Tratado consiste num livro didatico. Estuda 0 valor emotivo dos fatos da linguagem e a acdo dos fa- 79 tos expressivos que concorrem para formar o sistema de meios de expressao de uma. lingua. Portanto, é 0 es- tudo da emogao da linguagem, sua expressao através dos meios lingitisticos. ‘Acstilistica de Bally fundamentaa critica estilistica. (/AJinguagem expressa sentimentos e fatos sociais, e ha nela uma proporcdo varidvel de elementos inte- lectuais e emotivos. A estilistica nao é estritamente formal, como 0 formalismo russo, pois Bally viu logo a ‘expresso dos fatos de ordem social Nao hd o pensa- mento puro, estranho as condigdes fundamentais da vida”, diz ele, A linguagem no é somente um fato psi- coldgien, mas social, havendo realmente um conflito entre os sentimentos individuais e os sentimentos so- ciais na sociedade burguesa/A linguagem, para Bally, expressa a classe social como soma de elementos inte- lectuais, emocionais e sociais/” A teoria de Bally constitui uma ciéncia bem cons- trufda. Ele foi discipulo e sucessor de Ferdinand de Saussure (1857-1913), criador da lingiiistica moderna. Posteriormente, a estilistica se desenvolveu como ciéncia da expressao (derivada de Croce) e como criti- ca dos estilos individuais, sempre considerando que a linguagem (0 discurso) nao ¢ exterior ao sujeito falan- te: linguagem e vida social se identificam ou, conside- rando a “vida social” e a forma usada para expressé-la, se fundem,/Nao ha adequacdo da idéia A forma, ou a idéia brotando da forma, mas acontece uma forma es- ontanea da idéia. 1 Acstilistica estudou 0 estilo, um fenomeno de ori- gem individual e de natureza psfquica, uma germina- do necessaria, de que o autor no pode fugir (Barthes). “O estilo ~ diz Leo Spitzer - é 0 operar metodicamente 0s elementos formais da lingua”. Ou, diz Marouzeau, “a atitude que 0 usuario tem, escrevendo ou falando, 80 diante do material que a lingua lhe fornece”. Ou seja, estilo = escolha e selecao, expresso subjetiva de uma coletividade. {Costuma-se fazer a distingao entre estilfstica da Ingua e estilistica do discurso (a lingua viva e usada pelo falante ou peneay aes de se considerar a exis- téncia de uma escola eSpanhola, que teve em Damaso Alonso e Carlos Bousorio duas eminentes figuras. No Brasil, a estilistica produziu excelentes estudos, como © que resultou no magnifico livro, publicado em 1955, de Othon Moacyr Garcia, Esfinge clara, sobre a poética de Drummond; ou 0 até hoje insuperavel O enigma de Capitu de Eugénio Gomes, 1967, sobre D. Cusmurro. New criticism _Nadécada de 30 surgiu, nos Estados Unidos, o New Criticism (nova critica). / new criticism acabou com a critica que se publi- cava nos jornais, acusada de impressionista, de nao-ci- entifica. Passou a ser exercida unicamente pelos pro- fessores universitarios, que s6 deviam ver os elemen- tos “intrinsecos”, formas, sendo abolidas as verifica- goes “extrinsecas”, histéricas e sociolégicas.” Os proprios escritores tiveram maxima influéncia naquele momento, dentre eles Paul Valéry, Ezra Pound, Henry James, TS. Eliot, /Acreditava-se que a critica podia ser produto da ex- periéncia, Eliot dizia: “A critica honesta e a sensibili- dade literaria nao se interessam pelo poeta, e sim pela poesia’y 81 )-saxdos, como LA. influéncia foi a dos anglo-saxdos, Ric aon que se interessava | pelo mecanismo peel fio que determina a reacio do leitor, depois estudada pela Estética da Recepgao. ( it ‘tra a sociologia e a an- (os new critics lutaram cont tropologia cultural. Diziam que a critica marxista re- duzia a literatura aum conjunto de normas nee gi- case politicas, relacionando o contetido de uma obraa causa externa. Pode-se dizer que 0 new criticism foi uma reaco contra a sociologia/ Para Welle a literatura consiste numa instituicéo social que utiliza, como meio de expresséo, a institui- ‘co social lingifstica Os préprios processos ie ios, como a métriea € os simbolos, tém natureza social, S80 convencées e normas socials. A literatura representa a vida social, além da vida subjetiva (que também ¢ so- cial), O préprio poeta é um membro da sociedade, “pos, sui uma condigao social especifica”, recebe um cé 4 rau de consideragio e recompensa, dirige-se a um pi- bico, por hipotético que seja. literatura tem uma fue do social (ou utilidade), que nao é individual. A grand maioria das questées da literatura so questoes socials relativas A tradicdo e A convencio, as normas e aos ge- neros, aos simbolos e aos mitos. As instituigdes estéti- cas sio instituigées sociais. /Wellek ataca o marxismo estreito, mas defende que a literatura nasce num contexto social, como parle ‘uma cultura. A literatura, uma “imitacao” da vida, ‘at qual esta 6, e da vida social em particular”, Mas conclu que néo substitui a sociologia ou a politica, pois tem justifieacdo e objetivos especificos/ Estruturalismo O Estruturalismo parte de uma definicao: a estrun fura, que é um sistema de relagées, um sistema indivi- 82 dualizado por meio de simplificagées que procuram realizar um estudo,/ Acstrutura (que, ja se disse, 6 indefinivel) tem um cardter de organizacao total, de coesao e interdepen- déncia dos elementos, de dinamica interna. Toda es- trutura faz uma organizacio sistematica, com funcées especificas, em que a mudanea de um elemento muda 0 todo devido & coesao dos componentes, que depen- dem uns dos outros, Biz Barthes queo estruturalismo vive de dois pares de conceitos: significante-significado e diacronia-sin- cronia. A sincronia acredita numa certa imobilidade no tempo; a diacronia representa o processv histérico como sucessao de formas” O estruturalismo, diz Barthes, é uma atividade do homem estrutural, aos olhos da qual a gestalt é estru- tural. O gestaltisme era a doutrina que considerava os fendmenos psicolégicos como conjuntos que se mani- festam numa solidariedade interna, ou seja, cada fe- némeno depende da estrutura dos elementos consti- tutivos. O estruturalismo nao é igual ao gestaltismo, ao contrdrio: destrdi primeiro, para depois descobrir a estrutura interna, invisivel. | A finalidade das atividades estruturais era recom- por um “objeto”, de modo a manifestar nessa recons- trugdo as regras de funcionamento (as “fungoes”) des- se objeto/A estrutura como um modelo da realidade, uma imitacdo do objeto/ /sssim fizeram Claude Lévi-Strauss com mitos e Viadimir Propp com: 0s contos populares russos. A ati- vidade estruturalista visa a totalidade, ndo a unidade. Ou seja, em vez de se verificar a estrutura de um certo conto popular, procira a estrutura tinica com que se roduzem todos os contos populares russos. 83, Semiologia f ja (também chamada, num sentido filo- Bee a ciéneia dos signos, Seu criador foi CSS. Peirce (1839-1014), que defini signo como um primeiro que mantém com um segundo, chamado obje ponfima relacao triédica capaz de determinar um tercei- r0,ointerpretante do sentido do signo, Ou.seja, um sig- no se traduz por outro signo, no qual se desenvolve. /O interpretante do signo na mente das pessoas se forma quando elas se encontram em relacdo de comu- nicagao com aquilo que representa alguma coisa para alguém: age emiologia estuda os meios de comunicagao, que ree ser: perce agdes, envolvidas na fala; 2) ndo-vo- ‘al: comunicagées que nao se utilizam da fala, como 0 zgesto, o sinal com o dedo; 3) verbal: comunicagoes utili- zando a lingua codificada; 4) ndo-verbal: comunicaces que nao usam a lingua codificada. H4 comunicagao vo- ‘cal-verbal, como as palavras; vocal nao-verbal, como a entonaeao, a énfase; néo-vocal verbal, as palavras escri- tas; ndo-vocal, ndo-verbal, como os elementos faciais, os gestos. Peirce fez a distingao de fcone, indice e simbolo. O fcone retrata 0 objeto, um signo determinado por seu objeto através da natureza interna dos dois. Por exem- plo, uma onomatopéia ou fotografia. O {cone imita 0 ‘objeto, tem pelo menos um traco em comum com ele, como as caricaturas. indice tem uma relacdo real, causal, direta com seu onions ‘aponta para 0 objeto, assinala-o. E 0 signo determinado pelo objeto em virtude de uma relagao real que com ele mantém, Por exemplo, a fumaca indi- ce do fogo. O simbolo nao imita nem indica nada, mas 0 repre- senta de maneira arbitréria. E um elemento determi a4 nado pelo seu objeto convencionalmente, como uma bandeira ou um nome de batismo, fcone imita de fora: a fotografia. O indice tem uma relacdo real e continua com o objeto: a fumaca em. relacdo ao fogo. O simbolo ndo tem nenhuma relagéo com 0 simbolizado. Mas o signo marca sempre a inten- do de comunicar um sentido, Chama-se significacao esta relagio entre significante e significado. Quando um significante se refere ou sugere varios significa- dos ha literariedade, Com estes versos Cecilia Meireles comeca 0 Ro- manceiro da inconfidéncia: “Nao posso mover meus passos / por esse atroz labirinto. Quantos sentidos se movem pelas cavernas desse “labirinto”? “Batem pa- tas de cavalos / Suam soldados iméveis.” Quantas sig- nificag6es derivam dessas patas que batem, desse mi- litar imobilismo? “O grandes muros sem eco.” Os mu- ros nada dizem, intranspontveis. // Aliterariedade equivale a uma ambigiiidade, uma pluralidade de sentidos que a desestruturacdo ideolé- gica do signo poético envolver Pertence a semiologia o estudo da denotacdo e da conotacao. A denotacao ¢ 0 significado concebido ob- jetivamente: livro significa o que vocé tem nas méos, reunido de folhas coladas, impressas, com capa. A co- notacdo exprime segundos valores ligados ao signo. Ouro conota riqueza. Os cédigos cientificos sio predominantemente de- notativos; os poéticos, predominantemente conotativos. )A critica semiologica é a interpretagao da conota- cdo por exceléncia. Como disse Hjelmslev, a conota- do € um sentido segundo, em que o significante se constitui pelo signo anterior. / 85 A hermenéutica literaria ‘De acordo com Ricoeur e Gadamer, a hermenéuti: ca vé os textos como express6es da vida social fixadas naescrita, através de fatos psiquicos, de encadeamen- tos histéricos, Sua interpretagao consiste, entao, em decifrar 0 sentido oculto no aparente e desdobrar 0s diversos graus de interpretagao ali implicados. 4 interpretagéo quando houver ambigitidade, eé FS Pier caeme pluralidade dos sentidos se torna manifesta. ; Na realidade, a hermenéutica € a compreensio de si mediante a compreensao do outro: 0 maximo de in terpretacdo se da quando o leitor se compreende a si mesmo, interpretando 0 texto. |A tética da interpretacéio aparece sempre que ha ambigitidade, mas compreender néo significa a repe- tigao do conhecer. A hermenéutica postula uma supe: ago: ela se quer uma teoria e uma arte, fazendo da lei- tura uma nova criagao; e dela se exige uma reflexao que leve & agao. ‘A hermenéutica questiona a evidéncia, recusan- do-se a explicar completamente 0 fato interpretado ‘Uma interpretacao definitiva deve ser uma contra cdo em si mesma - diz Gadamer -, pois, mais impor: tante do que interpretar 0 claro contetido de um enun- ciado, é perguntar pelos interesses que o guiam. s a: enéutica esta mais interessada nas ques- ad hermentutien oft as inlereside ras sentido motivador da pergunta pode comegar a procu- rar a resposta; temos de compreender 0 que se escon- de por trds da pergunta. Sé podemos compreender os enunciados se reconhecermos neles nossas proprias perguntas, num equilibrio entre os nossos impulsos conscientes e nossas motivacées inconscientes. A her 86 menéutica se inscreve nos dom{nios do conhecer da mesma forma que a politica se revela nos do agir. /0 texto 6 a mediagao pela qual nos compreende- ms a nds mesmos, pois a interpretacdo explora uma proposi¢éo de mundo que se encontra nao atrés do texto, como uma intencdo oculta, mas na frente dele, como aquilo que 0 texto desvenda de nés mesmos. Compreender é compreender-se diante do texto. Her- mentutica significa interpretar ou esclarecer e, por til- timo, traduzip“A hermenéutica provém da teologi: como interpretagao da Escritura, Desde a Idade Médi foi praticada, mas tornou-se mais ativa depois da Re- forma: Lutero apregoa a exigéncia de uma interpreta- cao da Biblia O problema da compreensao se pos com mais fora com 4 reflexéo das ciéncias histéricas. Assim, KJ. Droysen caracterizou a diferenca metodologica entre as ciéncias naturais e as ciéncias histéricas pelos con- ceitos de “esclarecimento” e “compreensao”, Esclarecer significa a reduco causal de cada fenémeno a leis gerais e necessarias e compreender é aprender o individual em sua peculiaridade e significacdo. Por isto, diz Dilt- hey: “Esclarecemos por meio de processos intelec- tuais, mas compreendemos pela cooperacao de todas as foreas sentimentais na apreensfo, pelo mergulhar das forgas sentimentais no objet compreensao pressu- poe uma vivencia, e aparece condicionada ao contetido da totalidade apreendida ou pressuposta, 0 que mais, tarde se exprime pelo conceito de “horizonte”. termo hermenéutica, num sentido mais radical, nao quer dizer arte da interpretacdo, mas a tentativa de determinar a prépria interpretacao, a propria compre- ensao. E assim, a hermentutica torna-se interpretacao da compreensao ou “circulo hermenéutico”, pois toda compreensdo apresenta uma estrutura circular/“Toda a7 interpretacdc, para produzir compreensio, deve jé ter compreendido 0 que vai interpretar.” O mundo, por- tanto, é 0 que se encontra no horizonte da compreen- sao, Nosso mundo é 0 que se encontra no horizonte de nossa compreensao, mas podemos alargé-lo mediante acompreensio do outro, realizando entéo uma fusdo de horizontes. Compreender, depois disto, passa a significar a imediatez da visdo da inteligéncia que apreende um sentido. E interpretar significa a mediacéo pelo co- nhecimento racional, que pressupée a imediatez da compreensao prévia. Compreender apreende o senti- do, e o sentido se apresenta A compreensao como um. conterido (este é o circulo hermenéutico). Ha, portan- to, uma compreensao légica, que faz apreensao do contetido légico de um enunciado; e também a com- preensao pessoal, que faz uma compreensao mais pro- funda do homem que se revela no enunciado. Neste tiltimo caso é imprescindivel a experiéncia. A expe- riéncia néo s6 de algo intelectual, mas do que decorre aagao. O mundo da experiéncia nunca se fecha, mas é aberto a possibilidades. A experiéncia ultrapassa 0s li- mites do nosso mundo atual. Se s6 podemos interpre- tar um mundo jé previamente compreendido, esta li- mitago pode ser transposta pela fusio de novos hori- zontes. A compreenséo depende de certa maneira de olhar em que nao ha separacéo, divisdo, julgamento. Deum ouvir de outra qualidade a investigagao depen- de. Temos primeiramente de investigar aquilo que nos impede de investigar corretamente. Dali aparece a investigagao que pode comegar a processar-se, ¢ no- vos horizontes poderao, talvez, ser percebidos. Ricoeur chega a falar da incluso do problema her~ menéutico sobre o método fenomenol6gico, pois 0 pro- ema da hermenéutica constituiu-se anteriormente & fenomenologia de Husserl. 88 O problema se coloca nos limites da exegese, isto 6, do método de compreensio de textos a partir de sua in- tencionalidade, sob duas “vias”: a “curta” e a “long Achamad: éada ontologia da compre- ensio, que lanca os problemas do método no plano de uma ontologia do ser finito. Com tal método compre- ender nao aparece como modo de conhecimento, ma como modo de ser, Isto pode ser dito de outra maneira, com a questao: 0 que é 0 ser cuja existéncia consiste precisamente em compreender? Essa é a pergunta da ontologia da compreensio. A chamada “via longa” tem a ambigao de chegar a uma ontologia, mas gradativamente. Sen método é uma epistemologia da compreensao, que se estende so- bre as ciéncias constituidas como reflexo sobre os di- versos saberes, sobre a psicandlise, sobre a fenomeno- logia da religido, ete. Enfim, a interpretacdo consiste em decifrar 0 sen- tido oculto no sentido aparente, em desdobrar os di- versos graus de interpretacdo implicados numa signi- jcagdo literal. ‘Simbolo e interpretacdo se tornam, assim, correla- tos, pois s6 hd interpretacdo onde houver sentido mil- tiplo, e éna interpretacdo que a pluralidade dos senti- dos torna-se manifesta,” Acritica de Bachelard Gaston Bachelard (1884-1962) se caracteriza pelo trabalho dedicado a pesquisa da epistemologia. Seus trabalhos sobre a imaginacao revolucionaram 0 campo da critica literdria francesa e deram origem, durante os anos 50, a0s estudos das imagens, ou acritica tematicay Bachelard trabalha com as imagens da terra, gua, ar e fogo como cortexto metodolégico para sua pes Guisa da imaginacéo. Nesses quatro elementos tradi- onais considerou os componentes principais de todo 6 universo imaginative, Sua meta era estudar a imagi- nagao como forma de consciéncia, conceito que pare- ceu indispensdvel a ele para que se estudasse a cria- ' cao poética. ‘Acscrita poética tem duas causas: uma sentimen- tal, que Ihe dé a variedade formal da linguagem, liga- da‘A imaginacdo formal; outra material, porque nos sonhamos substancialmente, intimamente, as ima- gens da matéria, imagens que materializam a imagi- nacéo material. E impussivel separar estas duas for- cas imaginantes. ‘De um lado a imaginacao mais livre quanto a for~ ma, impulsionada pelo sentimento, mas guardando ‘em si o eixo de sua germinacao, as forcas de sua coe- | réncia. O eixo da novidade desta imaginacdo formal se fundamenta no eixo da escavacao material, da subs- tancia, da profundeza. De outro lado, a imaginagao que modifica e questio- naamatéria, a materialidade da substancia, guardan- do em si o eixo formal onde aparece as forgas de sua coeréncia. O eixo da profundidade desta imaginagio material se fundamenta no eixo da novidade. ‘Assim, toda obra poética que desce profundamen- te no fundo do ser, nesta causa substancial, deve, para parecer, para florir, manifestar-se na exuberancia da novidade formal: 0 eixo da escavacéo da imaginag&o material se manifesta no eixo da novidade formal. Eixo da novidade Eixo da profundidade Imagem formal ‘Imagem mat Forma ‘Substancia 90 (Esse eixo do florescimento formal da novidade na escrita poética nasce de sua necessidade de seduzir, num sentido de encantar pela forma, pelas cores, varie- dades, pelas metamorfoses, no sentico de iludir pela superficie” ( Aescrita investiga a imaginacio intima das forcas materiais inerentes ao discurso, Atras das imagens que se mostram, hé as que se calam; ¢ ir a raiz mesma da forca imaginante, da idéia profunda, é procurar aquela vegetacdo obscura, 0 fundo do mar do discurso poéticoy Podemos ler, através da imaginacio formal da su- perficie, as imagens da imaginacdo material da pro- fundidade (L’eau et les réves") Repetindo: as forcas imaginantes se desenvolvem sob dois eixos: 0 eixo da novidade e 0 eixo da profundi- dade. O eixo da novidade leva a imaginacdo ao pitores- co; eo eixo da profundidade leva a escavacdo do fundo do ser. Poderiamos assegurar que esses dois eixos do pensamento de Bachelard se apéiam no eixo metaféri- co, da selecao. O poeta faz escavacao no fundo do ser. Esse fundo o leva ao primitivo, ao germinativo. /Aconcepgao de “matéria”, em Bachelard, é aristo- ica, ou seja, matéria consiste naquilo com o qual algo se faz. Matéria tem sempre um sentido relativo & forma, o que determina a matéria para ser algo., Critica psicanalitica E grande a apropriacéo da psicanilise pela recente teoria literéria, especialmente com respeito ao traba- 13. BACHELARD, Gaston. L’eau et les réves. Paris: José Corti, 1973, 266 p. Iho de Freud e Lacan. Em particular foi usado 0 méto- do da teoria da subjetividade para colocar a questao do falar, escrever e ler em relacao aos sistemas simboli- cos @ as representacées inconscientes. Estudou-se também, assim, a funcdo da fantasia e do desejo no texto literdrio O significado é criado através da diferenca, nao atra- vvés da “presenca” (quer dizer, a identidade com 0 objeto de significacéo). Como Jacques Lacan observa, um sinal mostra a auséncia do que significa. Os sinais nao repre- sentam a realidade & qual recorrem diretamente, mas (segundo a lingiifstica de Ferdinand de Saussure) por diferencas de autras palavras num jogo de conceito. ‘Todo significado s6 est significando uma referéncia, € em oposicao a outros significados; ndo ha um significa- do estavel, ou absoluto, em qualquer sentido. Os signifi- cados s4o sempre miltiplos, e mudam nos contextos ¢ revelam indicios do que precisam esconder. Do ponto de vista de Freud, a literatura é vista como 0 cumprimento do desejo ou da satisfacio da fantasia de desejos negados pelo principio da realida- de ou proibidos por cédigos morais. Este inconsciente libidinal deseja achar expressdo simbélica na arte, como nos sonhos. Arte é sublimacio, traducao de de- sejos instintuais sublimados em objetos elevados, e a meta de critica psicanalitica é revelar 0 contetido ocul- to do texto, que esta por baixo, que se esconde e deter- mina seu contetido manifesto. A imagem é condensa- cdo, uma fusdo de desejos inconscientes, um desloca- mento ao diferente, uma substituicdo do socialmente inaceitavel para o socialmente aceitavel, e é 0 recurso principal do simbolismo poético. O impacto de Freud na critica e teoria de literatura foi enorme. Ernest Jones usou a nocdo do complexo de Edipo - 0 desejo do menino de possuir a mae e suplan- 92, tar 0 pai - como um modelo explicative para Hamlet. Jacques Lacan desenvolveu uma interpretacao lingiiis- tica de Freud, discutindo que “o inconsciente é estrutu- rado como uma linguagem”. Além disso, a psicobiogra- fia, um género que usa dados reais dos fatos da vida de um autor e os fatos ficticios dramatizados na sua obi um produto de teoria psicanalitica. Em resumo, a andli- se de simbolismo literdrio esta fortemente vincada a teoria de Freud. O texto 6, como a etimologia da palavra proclama, uum tecido, uma coisa tecida (do latim tecer); é um teci- do de textos anteriores, ecos dos quais evoca continua- mente (filiagGes), tecido de referéncias histéricas e pra- ticas, jogos de palavras. Um texto nao é, e néo pode ser, ‘nico, mas um proceso de compromissos. A critica psicanalitica busca ler a profundidade, complexidade e indeterminacao desse tecido até suas implicacdes mais complexas, as multiplicidades e contradicées ineren- tes, em varias ramificacdes como as leituras de Lacan, de Derrida, de Foucault e do feminismo. , Critica Marxista e Neomarxista Nos anos 70 os intelectuais romperam ao mesmo tempo com 0 capitalismo e com o comunismo do regime de Stalin. Desenvolveram-se novas tradigées esquerdis- tas e marxistas até ento reprimidas, principalmente na Inglaterra, como correntes alternativas do marxismo re- volucionério ligado a politica de massas luxemburguis- ‘a, trotskista, maofsta. Simultaneamente, os varios lega- dos do marxismo ocidental, nascido de Lukées, Korsch © Gramsci, tornaram-se importantes, sob a influéncia do marxismo de Sartre, Lefébvre, Adorno, Marcuse, Della Volpe, Colletti, Althusser e outros. 93 ‘A cultura dos anos 50 quebrou os padrées exis tes com a cultura do rock e com os movimentos do, nema, sob a influéncia dos Cahiers du cinéma e Nouvelle vague. Aparece o estruturalismo, Barthes. Lévi-Strauss e movimentos antiimperialistas do ceiro Mundo, lutas politicas na América Latina, Afri ca, Oriente Médio, sul da Asia e Extzemo Oriente, no final dos anos 60, desencadeadas pela guerra do Vi na, explodem as primeiras rebelides estudantis, segui das da revolta dos trabalhadores. Nos anos 70 aparece também o Feminismo. Hoje, o bloco soviético no existe e o socialismo dei- xou de ser um ideal. O marxismo noé mais dominai tena cultura da esquerda. Até mesmoo trabalhismo foi dissolvido em boa medida. Essas mudangas s&o enor mes, “mas néo se pode considerar que elas tenham_ duzido a critica ao siléncio” (Perry Anderson). Varic pensadores ainda existem na esquerda. Diz Per Anderson: Dez anos apéso colapso do comunismo, entretanto, mundo mudou, e uma das condigées para a retor da da critica é uma avaliagao sistematica da situaca ‘contempordinea. Qual foi o principal aspecto dad da passada? Em poucas palavras, ele pode ser det do como a consolidagdo incontestavel e a dif universal do neoliberalismo. Tao profunda disse nagio nao foi prognosticada. Se os anos de 198 viram a destruicao do comunismo do bloco soviétic no era imediatamente dbvio nem mesmo para defensores que um capitalismo de livre mercado: senfreado varreria todas as fronteiras, no Oriente no Ocidente. 14. Praga, 9, So Paulo, junho 2000, Hucitec. 94 Em 1998, Eric Hobsbawm e os primeiros autores da Marxism today proclamavam ainda esperanosos 0 fim do neoliberalismo¥, Mas o capitalismo americano reafirmou sua primazia em todos os campos - econd- mico, politico, militar, cultural - com um boom de oito anos de governo Clinton. O capital, entretanto, rechagou quase inteiramen- te todas as ameacas a seu império, cujas fundacées fo- ram subestimadas pelo movimento s trinas da direita, que teorizaram o capil uma ordem sistémica, mantém sua forte capacidade de influenciar, Para a esquerda, a licdo vem do século passado, en- sinada por Marx. Sua principal tarefa é dar conta do cesenvolvimento real do capitalismo, como uma com- plexa maquinaria de producdo e lucro, em constante movimento (Robert Brenner). A critica marxista é baseada na teoria hist6rica, econdmiea € sociolégica de Karl Marx e Friedrich Engels. De acordo com 0 Marxismo, a consciéncia de uma determinada classe em um determinado momen- to hist6rico deriva do modo da producdo material. O jogo de conviecées, valores, atitudes e idéias que cons- tituem a consciéncia desta classe, forma uma superes- trutura ideol6gica, e esta superestrutura ideolégica é amoldada e determinada pela infra-estrutura material ou base econémica. Conseqiientemente, o termo mar- xismo vé 0 produto de forcas histéricas e uma relagao ética entre o trabalho literdrio ea base sécio-hist6- rica. A critica dialética marxista focaliza as conexdes causais entre o contetido, ou forma de uma obra literé- tia, e os fatores sociais, econdmicos, de classe ou ideo- 13. he death of Neo-Liberalism. In: Maraism Today, nov-dez 8, 16gicos, que amoldam e determinam aquele contetido ou forma. Por exemplo, escritores burgueses propagam a ideologia burguesa que busca inevitavelmente uni- versalizar 0 status quo, vendo isto como natural ¢ nao como um fato histérico. A nogéo de que ha uma corres- pondéncia entre a consciéncia de classe, ideologia do trabalho e a base s6cio-historica na qual emerge é fre- qtiente no Marxismo, Mas Fredric Jameson mostra “a influéncia de uma determinada matéria-prima social, no s6 no contetido, mas na forma mesma das obras”. ‘A critica marxista no é monolitica. Por exemplo, Georg Lukédes elogia 0 realismo, mas critica 0 moder- nismo, vendo em suas técnicas de fluxo-de-conscién- cia uma decadente e desesperada subjetividade, uma negacéo da realidade objetiva do conflito de classe e das contradigdes sociais e um testemunho do estado alienado do individuo na sociedade de massa. Por ou- tro lado, a Escola de Frankfurt defende a experimen- taco modernista como forma de critica da sociedade de massa - sua fragmentacdo, sua alienagao e desuma- nizacdo. Além disso, recente critica marxista incorpo- ra aspectos do estruturalismo e pés-estruturalismo—a semiética de Barthes, a psicandlise de Lacan, a des- construcéo de Derrida e a critica feminista. Louis ‘Althusser assimilou o Estruturalismo ao Marxismo. Como a critica sociolégica, a critica marxista se ori- enta para a realidade social que condiciona as obras de arte, como na teoria de Frankfurt e em Benjamin. A nova esquerda hoje é representada por Hobs- bawm, que fez a interpretacdo do século XIX; Jame- son, que escreveu sobre a pés-modernidade; Robert Brenner, que ofereceu uma interpretacao econémica, do desenvolvimento capitalista desde a Segunda Guerra Mundial; e também Giovanni Arrighi, sobre estrutura temporal mais extensa, Tom Nairn e Bene- 96 dict Anderson sao importantes autores sd i a args renin urs eo aio ria da midia contemporanea, Terry Eagleton desenvol- veu seus estudos no campo literario, T.J. Clark nas ar- tes visuais e David Harvey na reconstrucéo da geogra- fia, Nos campos da filosofia, sociologia e economia, es. tariam inclufdos os trabalhos de Habermas, Bordieu, Fredric Jameson, Edward Saide Perry Anderson. 97

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