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Dezembro 200' BRAZILIAN GUITAR MAGAZINE A Revista do Violao Brasileiro ae Natal co ey ’ eS ee 2 Joine Car, ry ° & Se 6 2 > 3 ‘ 3 g g g ay 3 me % Felipe Santos ‘Como voeé se interessou pela arte de construir violées? Eu ji trabalhava com instrumentos elétricos desde 91, em ajustes ¢ pequenos reparos, mas nao mexia com a parte da madeira. ‘Quando comece’ a estudar violdo, meu professor Carlos Cardoso apontou a necessidade de um bom instrumento. Eu jésabia que «ra importante ter um bom violio mas nfo tinha muita orientaglo ¢ o tinico luthier que havia conhecido era ofalecido "Seu" Mario, de Piesiade (bairro da zona norte do Rio), que ji estava bem idaso e faziainstrumentos mais voltades ao violonistas populares, (0 Carlos me apresentot ao Hugo Martinez e acabei encomendando tum violdo, que tenho até hoje. Em potco tempo acabei aluno de ‘um projeto de escola que havia. Fm um ano a escola era sé ele e eu e depois de 2 anos comecei a construir sozinho e freqiientara casa dele mais informalmente. Isso foi entre 96 e 98. Martinez e sua esposa Luiza so duas pesoas raras e muito especiais para mim. Qual a sua visio sobre o mereado de violdes de autor no Brasil? Esta em franco desenvolvimento, apesar do impacto recente da operagio da Policia Federal que na minha opinigo foi uma atitude cexagerada, ¢ vai deixar sequelas na disponibilidade de materiais, mesmo os potencialmente legais, ja que a burocracia exigida é inexequivel para pequenas quantidades (que ¢ 0 volume com que 95% dos luthier trabalham). Espero sinceramente que a médio pprazo se solucione isso, pois ainda hi muito jacaranda residual cortado antes da proibigio de 92, eé um desperdicio deixié-lo apodrecer ou virar piso e miveis (aplicagdes onde é mais facilmente substituivel) ‘Sempre gosto de chamar atengao para a alta demanda de instrumentos mais baratos, entre R$1500 e RS3000, que é um incentive a quem esta comecando. Falo a todos os inieiantes: se fizer dreito, vai vender com certeza! Na faixa de prego mais alta, entre $4000 € R§10.000 af a coisa complica um pouco e entram em cena diversos fatores que tém muito pouco a ver com a qualidade do instrumento... Ainda assim, um bom trabalho costuma ser reconhecido o suficiente para o camarada se manter produtivo, ‘Na sua opiniao, quais sao os grandes construtores dos dias de hoje? O que Ihe chama a atencao no trabalho deles? As referéncias vivas que admiro sio Fischer e Rodriguez, que, a grosso modo, correspondem ao Abreu e Martinez, respectivamente, na luteria nacional. O Fischer numa concepcio mais “anglo saxa’ e tampo de pinko, eo Rodriguez mais espankol, e tampo de cedar. Romanillos também 6 um excelente luthier e se prope a construir viol6es de pinho na tradigiio espanhola com uma pitada da anglo sax Ha muitos grandes construtores, cada qual com sua contribuicao importante, como Daniel Friederich, Robert Ruck, ‘Thomas Humphrey, Gernot Wagner, Greg Smallman, ete. Esse pessoal ja esta estabelecido com seus projetos e enriquecem as possibilidades de eonstrugio para agradar aos violonistas em Suas necessidades e isso é importante. Em suas participagdes em comunidades virtuais, voeé demonstra muita abertura ¢ conhecimento em relacio as ‘escolas moderna e tradicional de luteria, Tem alguma preferéneia em especial ou trabalha ao gosto do cliente? Quando eu estava na ativa construta de forma tradicional espanhola, Nesses jiltimos anos que estou fazendo so reparos e reformas, proveito para fazer o dever de easa em relagio aos aspectos que quero aprimorar. Assim como em telagio a téeniea de violo em si, cesses foruns, artigos, livros, audigbes e pesquisa empirica tém me apresentado diversas possibilidades que tento aproveitar, ¢ estou usando os conhecimentos em que sinto alguma seguranga num novo projeto que reflita minha coneepeéo atual, o qual vou etomar ‘em janeiro num primeiro protétipo.. ‘Com relagio aos projetos modernos jé dispontveis, eu recanheco a necessidade de prudéneia. Hé aspectos que so polmicos, como a boca extra lateral, do Ruck, e que precisam ser bem pensados. Outros, como a escala elevada, especialmente se for mais branda que © projeto original do Humphrey, jé esto bem estabelecidos e tém ampla aceitacdo, sendo poucos os que rejeitariam um instrumento pela simples presenca desse elemento, Eu pretendo ter mais flexibilidade nessa segunda fase, e poder atender aos clientes na medida em que os pedidos nfo sejam absurdos ou contrariem demais minha concepgio. 4 Para onde as novas tendéncias de construgao apontam? ara um instrumento com som forte e claro, ¢ tocabilidade exeepeional. ‘Um ponto que é importante esclarecer é que as inovagdes mais conhecidas jé tém algumas décadas e hé uma geragao de luthiers posterior, que reconhece os problemas e tenta consciliar as criticas a esses projetos. Como exemplo Obvio ha o Jim Redgate fazendlo ‘um violéo baseado em Smallman mas com tampo menos fino para um som mais tradicional eos diversos construtores que fazem ‘uma escala ligeiramente elevada, mais préxima de um instrumento tradicional que de um Humphrey Millenium. Dentre as madeiras para tampo, vocé tem alguma preferéncia? Nao. Gosto mais de pinho para umas coisas e cedro canadense para outras. Acho que Albéniz, por exemplo, no pinho ou fiea anémico ou fica estridente, falta aquele "punch" do cedar. J& para Sor o cedar faz a misica soar mais pobre, supondo o mesmo (bom) violonista, claro... ‘Voeé 6 0 representante exclusive do Jorg Graf no Brasil, um dos mais conceituados artesios de tarraxas do mundo. Por que a escotha pelo Graf e porque voeé optou por tarraxas artesanais, que sao 0 topo de linha? Nao existe uma linha intermediaria entre a Schaller (padrao no Brasil) e a Graf, cujos custos talvez fossem mais atraentes para o mercado brasileiro, que ¢ muito sensivel a precos? ssa coisa meio que caiu no meu colo. Hi tempos eu estou insatisfeito com as Schaller, e estava "recadastrando fornecedores” para fazer uma tabela de materiais e custos e decidir o que usar daqui em diante. Dos que fabricam tarrachas handmade, o Graf foi um dos que ofereceu melhor deseonto para luthiers e depois de ficar me consultando sobre o Brasil e pereeber que eu estava bem informado, ofereceu essa parceria, Meu interesse principal 6 divulgar a cultura de tarrachas de qualidade e estou tendo um sucesso muito maior do que eu planejei. Concord que a principio séo caras proporcionalmente aos violGes brasileiros (o mesmo acontece com estojos de alto nivel), mas se contextualizarmos o produto, pereebemos que esto com prego justo, ainda mais com as impostos altos. O Graf tem sido eamarada ‘edado os melhores deseontos de todos os representantes para que o prego fique aceitvel ‘Com relagio as opgdes intermediatrias, como Sloane e Gotoh "premium" (série 510), ié ha algumas pessoas trazendo-as e haver’ cada, ‘ver. mais. Eu e alguns amigos estamos estudando uma importacao em atacado para oferecé-las também. Hé uma caréneia enorme desse material e quem experimenta néo aceita mais tarrachas ordinatias. ‘Voeé acredita no potencial de madeiras e materiais alternativos? ‘Sim, s6 acho que devemos ter ealma quanto a propor uma substituigio das madeiras tradicionais. Hi uma tendéneia de que o mero fato de funcionar razoavelmente em alguns protétipos gere uma cuforia muito grande e nos induza A subestimar os pontos fracos, Outro problema conexo é 0 “abandono” do jacarandé-da-baia depois da operagio da Policia Federal, que foi muito traumatica para vvirios luthiers importantes que sio roferéncin. Se essa inércia prevalecer, chogarii em reve 1m momento em que 6 mundo inteiro usard jacarandé brasileiro, menos o Brasil, o que ¢ uma possibilidade absurda, mas infelizmente real. (0 Jacarandé-da-baia tenderé a desaparecer por completo daqui a alguns anos? Vocé teria alguma sugestio de modelo para exploracdo sustentavel de espécies ameacadas como 0 Jacarandé-da-baia? Nao acho que va desaparecer tio cedo, mas, conforme falei na pergunta anterior, estou preocupado com 0 rumo das coisas no Brasil em relagio a esse assunto.. Nao me sinto qualifieado para falar sobre desenvolvimento sustentivel do jacarandé, mas sei que ha algumas pessoas competentes para isso com projetos nessa area. 0 problema é que nao ha regulamentecio para essa atividade no caso do jacarandé, Jogo qualquer corte ¢ ilegal, ainda que feito dentro das normas que regula 0 uso de outras madeiras protegidas, Como estiio os nossos construtores em relagio aos estrangeiros? Nao tenho vasta experiéneia com os medalhées, 86 vi alguns e nio sio reeentes, ‘O que posso dizer € que a média dos estrangeiros "famosos” que vi € superior & média dos nacionais, mas posso estar tendo uma impressao erraca jé que os estrangeiros. que vemos por aqui sio caros e selecionados (com excecio talvez da maioria dos Ramirez), e toquei em poucos modelos recentes dos melhores nacionais. Que reeado voeé daria para alguém querendo iniciar na luteria? Pesquise, experimente e converse muito, para nio perder tempo reinventando a roda nem cometer erros antigos ou erénicos de uma escola s6. (0 momento é bom. Sé no férum de violio erudito (www.violao.org) surgiram alguns luthiers sem experiéneia prévia, e outros igoaram e solidificaram a carzeira. Apesar da abundancia de informagies e do auxilio dos luthiers do forum, essa "movimentagao nao seria to intensa se o momento nao fosse favorivel e, conforme falei, nao houvesse uma caréncia de instruments acessiveis, Qual a melhor parte de ser luthier? E qual é a pior? ‘A melhor é exercer uma das raras atividades em que se lida com algo em varios planos: conceitual, estético, técnico, ferramental, ete. Daf o atelier de um lutheir ter aquele clima algo magico. [sso gera uma alquimia interior muito benéfiea, pois ajuda a controlar ansiedade e desenvolver paciéncia e concentracdo. A pior é ter que lidar com os dogmas da maioria dos violonistas, ainda por cima numa posigao desfavorével, de quem esta sendo cobrado.. Que reeado vocé gostaria de daixar para os leitores da Brazilian Guitar Magazine? Estou muito feliz de inaugurar esse espago, ¢ torgo para que seja um sucesso. Devo lembar que em poucos anos o contexto violonistico tem creseido muito, inclusive fora do ambiente académico, equ isso somado a abunclaneia de informagio niio nos deixa mais inventar desculpas para tocar mal ou estudare trabalhar os assuntos que consideram importantes! Abragio a todos Agreclecemos ao Felipe Santos por nos ceder esta entrevista. Editores BOM Crénica de Natal por Eugenio Reis Acordar cedo, tomar café e pegar o énibus para ir ao trabalho, Esta é rotina do nosso jovem e talentoso musica, que ainda niio exerce a profissao sonhada, Por enquanto, 6 estagiario de um grande banco. Ainda é inicio de dezembro e ele chega no trabalho, dia de segunda-feira, e nota que durante o fim-de-semana foram colocadas as luzes de Natal eas irvotes enfeitadas. E pensa ‘consigo mesmo: "Serd que as pessoas se sentem melhor no Natal por causa das luzes? Jd li em algum lugar que luz é algo que coloca as pessoas pra cima, que methora o humor”. E continua seguindo seu racioeinio. “Mas miisica também consegue isso, ¢ 08 instrumentos ndo geram luz. Na verdad, muita gente gosta até de ouvir miisica no escuro. Hmmm, acho que eu entendo... As pessoas criam imagens luminosas na mente enquanto owvem miisiea. Quer dizer, rndo necessariamente eriam imagens, mas elas podem ter uma sensagdo bem pareeida com a de estar num ambiente bem iluminado.” um raciocinio que ele sente uma certa dificuldade de elaborar, ainda mais considerando sua pouca idade e uma certa ingenuidade inovitavel nessa fase. “Deve ser que nem no filme Matrix, o eérebro processa sinaiselétricos e pode ser enganado com uma certa facilidade, igual ao ‘pessoal que vvia como vegetal mas ackava que vivia wma outra realidade. No filme tem uma cena em que heroina aprende a Pilotar um helieéptero com um download diveto pra eabeca dela. Ese fosse possivel aprender a tocar violao dessejeito?” Era dentro desse elima de atividade mental que ele executava as tarefas entediantes do dia-a-dia de uma instituiglo financeira, “Nao daria certo, porque misica nao é uma tarefa puramente téenica. Nao adianteinjetar o conhecimento, no caso da misiea é um processo de deseoberta, a musicalidade se desenvolve junto com a téenica,o aprendizado de um acorde pode levar « wna nova idéia musical, a uma composigo, se 1d, qualquer coisa assim. Eu posso olhar pra essas drvores de Natale me inspirar a compor tuna miisica, posso sem querer fazer um acordee achar que é musica de Natal. Pensando bem, vou tentarisso quando chegar em casa!” Final deexpediente. nibs lotado etrinsito complicado de cidade grande até chegar em easa. Come a janta preparada pela mie, tssste um pouco de TV, conversa sobre oquotidiano e em seguida vai parm oseu quart. LA ele pegno volao e eomoga a fazer alguns acordes, meio aleatoriamente,tentando encontrar uma ordem para coisas que estavamn aparentemente desconectadas. ‘No meio daguilo tudo surge um fragmento de melodia, para a qual ele consegue elaborar uma estroe: Natal com uma taga de vinho tinto Boa mtisiea no meu volo requinto Em quatro versos falo do que sinto Em seis eordas jamais me desminto Ele se dé por satisfeito depois de ter escrito apenas 4 linhas. E pensa consigo mesmo: “Nao me custa nem um centavo eserever um poeminka, mesmo que seja fracoe de pé quebrado que nem esse que eu fi. “Mas sabe de uma coisa? Eu sei que Papai Noel ndo existe e se existisse talvez estivesse mais pra versao dos Garotos Podires, ‘mas 0 que vale éa inspiragdo. Se ela vem de impulsos elétricos falsificados, nao importa, o que interessa é que boa arte pode ser feita a partir dali. Ak, lembrei, 0 Chico Buarque vem me socorrer aqui, aquele cara sabe como dizer as coisas! E ainda por cima ‘hamow a musica de Choro Bandido” O Mio Babbino Caro Arranged by John Rethorst

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