Abra Est Da Terra1995

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REFORMA AGRARIA REVSTA OA SSOCHGIO. BRASLERA OE REFORM ACR Net Yol25 fen abr 95 Estatuto da Terra: 30 anos ati. REFORMA. AGRARIA Revista da Associacao Brasileira de Reforma Agraria - ABRA ISSN 0102-1184 Volume 25 Numero 1 Janeiro - Abril/1995 ‘SUMARIO EDITORIAL 30 Anos de Luta pela Reforma Agraria cee ® ENSAIOS E DEBATES Estatuto da Terra (ET), 30 Anos José Gomes da Silv o7 Colonizagio de Novas Terras: A Continuidade de uma Forma de Dominagio, do Estado Novo a Nova Republica José Vicente Tavares dos Santos. , cee eee 38 Reflexdes sobre a Politica Agriria Brasileira no Perfodo de 1964~- 1994 Luis Carlos Guedes Pinto 65 Visdo Agro-Social do Mercosul Raymundo Laranjeira 93 (0 Futuro das Leis Agririas e Agricolas no Brasil Avaliagio de Aspectos Intervencionistas no Meio Rural SOnia H.N.Guimaries Moraes. . . 3 (© Estatuto da Terra no Brasil: Trinta Anos ou Cinco Séculos? Luiz Edson Fachin - . . . ceeeeeees 27 Padrées de Desenvolvimento e Agricultura no Brasil: Estatuto da Terra, Dindmica Agniria e Modemnizagio Conservadora Sergio Leite. os vitee evens 137 0 Estatuto da Terra eas Reservas Extrativistas Mauro W. B. Almeida eee 183, A Trajet6ria do Estatuto da Terra e 0 Paradoxo Agrario dos Anos 90 Sonia M. Pessoa P. Bergamasco e Luiz Antonio Cabello Norder 169 Reforma Agraria: Idealizagdes, Irealizagdese Plausibilidades Delma Pessanha Neves... 00... eevee ee ee cece eee 185 0 Estatuto da Terra eo Esvaziamento da Estratégia Agriria no Brasil Sueli L. Couto Rosa. : aa : sees 205 ENTREVISTA, José Gomes da Silva por Mayla Yara Porto... ... rs ma DIREITO AGRARIO Alocucio Proferida na Fundagio da Associagio Brasileira de Direito Agrério Maria Célia dos Reis... . .. os 21 RESENHAS. 2... : cece : 233 ORIENTAGOES PARA OS NOSSOS COLABORADORES: REFORMA AGRARIA, ¢ uma revista quadimestraleditada pela ABRA, que se destina a divalare discutr a questo aerita nacional e internacional ‘Nin estando liga nenhura linha weademica ou politico parva em particular, sas gina edn aheTta a ted que quetram colahorar, © citero bisa que perme a pubiieagan de Trias €a oservncia dow princpios gras etidade. Ax colahoragées pataarevisia podem set remeties sob forna de atigoneresenhas biligraicas. ‘On eaitore aves in Conselho Eitri da revi, reservam se ao dirio de ste snateral cede, suger evenuais maieagtcs deforma, ebjetvando adeg Tos as dimen Teva ao scu pat eit pbiand 9 ono, de acodo com a programacio anal estabe- IEcide Os enigma, urna wer renee revi, stan consiradr aorzade para puoi, sob itera repumsahiidade de seus toes ‘Avcoluboragies devem representa trabalhos originals © de dose radugiex de atigow publicadosrecenmente no exterior. AS analises deverao vera sobre ‘Sain de interense ee auaidade nas eas cobras pla revista (ensaivse debates, exiatisticas Sdleaoren documentos dicta aparo). As revenhas ibliograficasdever efritse obras de recente pubcagao no Brasil em xan © limite mixin dos artigos ¢ de 20 pina de 40 lnhas€ 70 togues, neindo as noes © referncias. Ax tesnas hiblingrficas na deverin exceder a 3 paginas. Preferencialmenteo ctvio {lee wet feito raven de disuetecm pad IBM PC, compative! com o ambiente Windows (texto devetd vir acompanhad da qualificagin do eutore enderego completo (inclusive efone) para conta Bruton amc quai napus dvi sr Hida wo eapago da revista, sno nue tals e tinladon deve set temo co indica de font e data. Quand ineitaveis deve ‘a formaongial piv antier € requsto indispensvel ‘Re sgla dcveri sr preceidas de sa forma por extenso na primeira ver que aparecem no texto, Av notes explcativas ereferencus biliogrfieas devem se esrngit ao minimo noses Tose eolocaas final do texto. A referencia completa devera ser apresenaia em orem cttew, com indeapio to ator ilo, mimer da digo local de publica, editors an da pulblcaga, nimera de paginas de vous (havendo mais de um). ’ coluberagio enviada scr acusa 0 recchimento epossronment indieadas ws possi Tidades de sev apmvctaen, Ao autor sero destinados cinco exemplnes da revista erm CUO ni rreroaeolahorago for phew Este nimero de REFORMA AGRARIA foi publicado com 0 apoio d ICCO - interchurch Organization for Development Cooperation IRTFAPESP . Fundacio de Amparo & Pesquisa do Estado de Sao Paulo Editorial 30 Anos de Luta pela Reforma Agraria’ £ com muita satisfagao e alegria que a Associagdo Brasileira de Reforma Agraria participa deste 3° Congreso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A ABRA acompanha o MST desde o seu nascimento, inclusive estando presente nos dois Congressos Nacionais anteriores. Temos participado, também, e com frequéncia, de reunides, encontros e cursos promovidos pelo Movimento e ¢ grande a nossa alegria ao reencontrarmos companheiros com quem temos nos reunido em diversas regides do pats. Pediu-nos a organizacdo do Congresso, quando fomos convidados, para fazer alguns comentarios sobre os tiltimos 30 anos de luta pela reforma agréria. Vamos tentar resumir e apresentar alguns pontos que nos parecem mais importantes. O primeiro ponto que desejamos destacar, de forma absolutamente clara e categorica, 6 que a reforma agréria, entendida como um processo amplo, imediato e massivo de redistribuicao da propriedade da terra, continua um tema atual e sua execucdo ¢ indispensavel para a construgao de uma sociedade justa e democratica no Brasil. Pode parecer estranho que eu insista sobre este aspecto num Congresso do MST. Mas a verdade é que h4 muita gente, ndo s6 os grandes proprietérios rurais, mas técnicos do governo e até mesmo professores e pesquisadores, que consideram a reforma agréria coisa do passado, uma questao j4 superada. Argumentam, entre varios outros pontos, que a populacdo rural hoje 6 pequena - em tomo de 25% do total - e que a agricultura brasileira tem demonstrado que ¢ capaz de produzir para o abastecimento interno, além de grandes quantidades de produtos que sao destinados a exportacaio. Dizem ainda que basta dar os est{mulos necessdrios - crédito, precos, seguro - que a agricultura sempre responde positivamente aumentando ainda mais a produgio. A partir dai aproveitam-se dos erros do governo na formulagio e condugdo da politica agricola que envolve aqueles pontos sobre os quais acabamos de falar - crédito, precos, seguro - e que também afetam os pequenos produtores rurais, e passam a incluir a reforma agréria nos seus discursos e nas suas reivindicagées. Mas hé um. * Bata € uma sintese da Confertncia realizada pelo Presidente da ABRA - Luis Carlos Guedes Pinto, no 3° CCongresso Nacional do MST - Movimento dos Sem-Terta, realizado em Brasilia de 24 2 27 de julho de 1995. 0 CConsetho Ealitoral da Revista decidiu publicé-o como editorial deste ntimero que analisa 08 90 Anos do Estatuto dda Terra, em rzio da oun pertinéncia ma conjuntura atua, apestr mesmo, do eVente ter acontecido a posteriore a periodizacdo abrangida por este volume, eis que somente foi possivel a sua insercio, devido ao atraso ocorrido na Preparagio dos textos pelos respective autores Reforma Agréria 3 Editorial detalhe fundamental, e que na verdade nao é um detalhe: para eles reforma agréria nao é redistribuicao de terras, mas sim mudancas na politica agricola: no crédito, nos precos, no seguro, na assisténcia técnica e outras similares. Isto tudo sem dtvida ¢ importante e interessa aos pequenos produtores. Mas nao é, de forma nenhuma, reforma agréria. Daf perigo nos momentos de crise na politica agricola, como est acontecendo atualmente, de sermos envolvidos por esse discurso e deixarmos a questao principal, que ¢ a redistribuigao da terra, para um segundo plano. Portanto, companheiros, sem deixar de batalhar por uma politica agricola adequada aos interesses dos pequenos produtores, nao nos esquecamos que a luta principal ¢ pela reforma agraria, pela redistribuigéo das terras improdutivas dos latiftindios. ‘A reforma agraria continua um tema atual no Brasil, e se faz necesséria por ‘uma razao muito simples: porque a terra continua extremamente concentrada nas mos de uns poucos, e milhdes de trabalhadores rurais continuam sem terra. ‘Além de concentrada nas mios dos latifundiérios, uma grande parcela destas terras encontra-se ociosa, praticamente abandonada. Assim sendo, estas terras do estdo cumprindo a sua fungao social e, de acordo com a lei e com a propria Constituicao Federal, devem ser desapropriadas Nao temos dividas em afirmar, com base em intimeros estudos j4 realizados, aquilo que vocés todos conhecem na propria pele: a concentrasao da terra no Brasil, que é uma das mais altas do mundo, é o principal fator responsavel pelas injusticas sociais, pela miséria e pelos conflitos que existem no campo. Nao podemos deixar de dizer, também, que 6 um engano muito grande pensar que a agricultura brasileira vai bem porque produz bastante, por duas razées principais: em primeiro lugar porque poderia produzir muito mais uma vez que temos milhdes e milhdes de hectares de terra ociosa; em segundo lugar, 0 que é ainda mais importante, porque de nada adianta produzir se milhdes de trabalhadores nao tem renda, nao tem dinheiro para comprar, E 96 vio ter renda e dinheiro se houver redistribuicao da terra. ‘Além das razdes fundamentais acima citadas, a reforma agréria continua atual e necessiria para o Brasil tendo em vista seus impactos de natureza econémica, social e politica. Esta mais do que comprovado que os assentamentos so a forma mais barata, e muito mais barata, de gerar empregos. Criar um novo emprego na agricultura custa 10 ou, em alguns casos, 20 ou 30 vezes menos do que na indtstria. Além da criago de empregos a baixo custo a reforma agraria aumenta a produgao de alimentos e matérias primas para o mercado interno e para a exportacdo, porquie as terras que estavam ociosas nos latiftindios passarao a produzir. Para colocar estas terras em produgio vai ser preciso adquirir adubos, tratores, plantadeiras e tudo o mais que ¢ preciso para preparar a terra, plantar, colher e transportar a producao. Isto significa aumentar o emprego nas inddstrias ea renda dos operérios. Por outro lado, com a venda da producao os assentados vao adquirir roupas, méveis, sapatos ¢ tudo mais que necessitom. E isso também 4 Jancire/Abriv96 Editorial contribui para ampliar o mercado dos produtos industriais. Todo este incremento da producdo e do consumo de produtos agricolas e industriais, além de aumentar ‘0 emprego e a renda dos trabalhadores, vai resultar numa maior arrecadagdo de impostos pelo governo, que assim vai poder gastar mais em satide, educacio, construcao de estradas ¢ muitas coisas. Isto que estou falando nao é sonho, e pode ser comprovado em alguns municipios onde hé projetos de assentamentos de reforma agraria. Os trabalhadores que recebem terras através da reforma agréria aumentam_ a sua renda e assim podem melhorar sttas condiches de vida no que se refere a moradia, educacao, satide, vestudrio, mobilia para sua casa, lazer e muitas outras coisas. Isto também pode ser comprovado visitando os assentamentos, e muitos de voces aqui presentes, senao todos, sabem disso. Mas hé ainda um aspecto tao ou mais importante que os anteriores. Estou querendo me referir a participagao politica dos beneficiados pela reforma agréria, que passam a exercer a sua cidadania, isto é, tormam-se verdadeiros cidadaos, presentes nas discussdes politicas e muitas vezes nos partidos politicos, e j4 temos muitos vereadores e até prefeitos e deputados eleitos com 0 apoio dos assentados. Além de ampliar a participacao politica dos trabalhadores que recebem terra, uma verdadeira reforma agraria com alcance nacional teria como resultado romper 0 poder politico dos latifundirios, como aconteceu com 0 Japao, a Coréia, Formosa e muitos outros paises. Nao temos divida em afirmar, como fazem muitos estudiosos no Brasil e em outros pafses, que o latifindio é sindnimo do atraso, e é preciso romper com o poder dos latifundidrios para que haja desenvolvimento. Nenhum pais do mundo conseguit desenvolver-se tendo uma estrutura agraria tao concentrada como a do Brasil; em outras palavras: nao é possivel um verdadeiro desenvolvimento sem democratizar 0 acesso a propriedade da terra. segundo ponto que desejamos destacar é que a reforma agréria nunca foi e nem seré uma concessio, um favor. A reforma agréria 6 sempre uma conquista dos trabalhadores, fruto de sua luta e persisténcia. Nao nos esquecamos que a oposigao a reforma agraria, uma verdadeira reforma agraria, 6 muito grande e provém nao apenas dos fazendeiros, mas de todos aqueles que so grandes proprietarios de terras, e que no Brasil de hoje inclui banquelros, industrials, comerciantes e muitos outros profissionais que adquiriram iméveis rurais em todo o pais. £ aparentemente curioso e vale a pena analisar com um pouco mais de atengao 0 fato de que no Brasil de hoje ninguém tem a coragem de falar abertamente contra a reforma agraria - todos os politicos, todos os partidos dizem-se a favor da reforma agraria - e ao mesmo tempo nada se faz para concretiz4-la, para efetiva-la. O que acontece é que nao basta falar em reforma agraria, mas é preciso dizer com clareza o que entendemos por reforma agraria. Para nés reforma agraria é redistribuicdo da propriedade da terra de forma ampla e imediata; para aqueles que estdo no poder e todos os demais que se opdem a redistribuigao da terra, reforma agraria é mais crédito, de preferéncia subsidiado, Reforma Agriria 5 Editorial garantia de precos e outras medidas similares. Daf voltamos aquele ponto a que ‘me refer no infcio da minha exposicao. £ preciso estarmos alerta para nao sermos enganados. ‘Apesar de tudo e das dificuldades que sempre temos encontrado, é necessério reconhecer que avancamos. E que este avanco é fruto da luta dos trabalhadores. A propria realizacao deste 3° Congresso Nacional, com mais de 5.000 participantes de todo o Brasil, é uma demonstracio disto. Quando nés analisamos as estatfsticas, os ntmeros relatives aos assentamentos e as familias que receberam terras, notamos claramente que eles aumentaram nus Gltimos anos, principalmente depois do surgimento e ampliagao do MST para todo 0 pats. Isto demonstra a importancia e o acerto da atuagao do Movimento na busca dos seus objetivos. E vem dar o animo e o estimulo necessérios para continuarmos nesta dura batalha pela realizacio da reforma agraria. Peer tinalmente, nao podemos perder de vista que a reforma agraria faz. parte de uma luta maior que é a transformacao da sociedade brasileira, na busca de um pais mais justo e solidario. Daf a importancia da unido dos trabalhadores do campo e da cidade; fico assim muito feliz em ter como companheiro de mesa 0 Presidente da CUT - Central Unica dos Trabalhadores - a notdvel figura de Vicente Paulo da Silva, Vicentinho. Concluindo, companheiros, e resumindo esta minha intervencdo, eu ndo tenho dividas em reafirmar juntamente com voces que: ~ a reforma agréria 6 urgente e necessaria; ~ € preciso ocupar, resistir e produzir. Muito obrigado. Luts Carlos Guedes Pinto Presidente da ABRA 6 Jancirg/Abriyos Ensaios e Debates Estatuto da Terra (ET), Trinta Anos’ José Gomes da Silva’ Introdugio Este texto ¢ dividido em duas partes: na primeira apresentamos nossa visio da questdo agraria do Brasil, na entrada do dltimo lustro deste século; na segunda abordamos em rdpida anélise os desafios que se vislumbram para a Reforma Agraria no Brasil atual, localizando-se em dois cenérios distintos: 0 nacional, aqui dentro de nossas fronteiras e 0 “planetério” (como diz o Betinho), este igualmente importante, j4 que a Reforma Agrdria, no caso dos pafses em desenvolvimento, foi, em diversos casos impulsionada de fora para dentro. Apresentamos ainda, um esbogo de proposta para a atualizacao do Estatuto da Terra face as sucessivas mutilacdes, amortecimentos e deformacdes por que tem passado, e a necessidade de contemplar us novos desafios que tein surgido nestes trinta anos (enfrentamento da questo ecol6gica, protecao da agricultura familiar, demarcagdo das terras indigenas etc), que exige também essa atualizacao. 1. Reforma Agraria, 1995 Aqui, vamos utilizar os estudos que efetuamos durante a Gltima campanha presidencial, epis6dio em que a Reforma Agraria constituiu importante ‘issue’ dos debates e que nos levou, inclusive, a preparar um documento’ defendendo a possibilidade de assentar 800 mil familias durante os quatro anos de mandato. ° Este artigo ¢ uma compilagto de virios outro: texto apresentado no Semindrio Intemacional Comemorativo des 30 Anos do Estatuto da Tera, realizado em Recife, PE, em 02/12/94; anigo publicado na Folha de S. Paulo de 30/11/94; © notas para apresentacso em debate realizado em Cuiabi, MI. cm 24/05/95, promovide pelo Ditetorio Regional do Partido das Trabahadores. > Engenheiro-Agrinamo e fazendeiro, Conselheiro da AssociagSo Brasileira de Reforma Ageiria - ABRA, foi Presidente da SUPRA (Governo Castello Branco), Secetaro de Agricultura e Abastecimento do Estado de S. Paulo {Govemo Montoro) e Presidente do INCRA (Govero Sarney). * Diversos especialistascolaboraram na preparacio de capitulos solados desse documento. A mengio de alguns poderia resultar em algsima omissio nese longa lista de companheiros. Reforma Agréria 7 Ensaios e Debates 1.1. Estratégia para a Implantacdo de uma Reforma Agréria no Brasil a) Reforma Agraria, por definicdo, 6 um processo amplo e massivo de redistribuicao dos direitos de propriedade e uso da terra agricultével de um pafs, feita a tempo de beneficiar a gerac&o e que vive na ocasido em que o processo & desencadeado. Duas nogdes basicas estdo af contidas: dimensio e temporalidade. Assim, se nao for massiva, isto 6, se nfo guardar uma dimensao compativel com a magnitude da questo agréria do pais, nto pode ser chamada de reforma, j4 que ndo conduziré nunca as mudancas estruturais que esto na crista dos objetivos do processo. Resumem-se a simples acdes fundidrias topicas como as que tem sido realizadas até agora e que se traduzem na melancélica marca anual de 10 mil familias assentadas no perfodo de 1964/93. A fixago de metas pode ainda ser feita a partir da experiéncia e da recomendagao dos organismos especializados. A FAO, por exemplo, indica como meta 0 assentamento anual de5% das famflias sem-terra. Tomando esse contingente, como sendo entre 6 a 7 milhoes de familias, no Brasil a meta deveria ser entre 300 mil a 350 mil familias assentadas por ano, o que fica muito acima daquela aqui considerada. Por outro lado, 0 proceso ndo pode perpetuar-se no tempo, como tem acontecido. Por esse motivo tem sido adotado o pertodo de 15 anos. Entao, a primeira questo que se coloca & um govemo que se diz progressista, que tanto tem anunciado "reformas", vai ou ndo tentar implementar uma Reforma Agraria de verdade no Brasil? Se a resposta for afirmativa, ndo ha como escapar de metas como a que foi fixada. ‘A concretizacao dessa saga, é claro, vai depender dos meios e das circunstancias. Se 0s primeiros nao estiverem disponiveis e 0s tiltimos bloquearem a proposta, nada feito. E ndo ser a primeira vez que isso acontece. +) Se o Brasil nao redistribuir terra - 0 recurso abundante - vai redistribuir o que? © A visio “viavel’ das 800 mil famflias baseia-se na premissa indispensavel de qualquer processo de mudanga: 0 efeito "bola de neve" da decisao politica tomada no mais alto nfvel. Assim, acredita-se que, iniciado o proceso, a sociedade (como aconteceu em outros patses, hoje desenvolvidos) se convence que se trata de “uma coisa boa" e passa a apoiar o Governo, exigindo, inclusive, as mudancas que se fizerem necessérias na legislacao.” * © mais recente exemplo dese efeito & o Plano Real que elegeu Ferrando Henrique Cardoso: everteu a8 pescrisas, reseuscitou o PFLe ganou a elekéo. 8 Janeira/AbriVos Ensaioe e Debates E esse o motivo pelo qual a presente Proposta menciona apenas as 200 mil famflias iniciais. As demais, previstas nas metas globais, viréo como decorréncia. Ou ndo virdo, se as premissas ndo se concretizarem. 4d) Levar em conta que a ultimacao do processo deve acontecer em 15 anos e no nos 12 anos que esto sendo propalados - creio - como resultado da redugao do mandato presidencial. e) Nao esquecer que entre as benefici4rios da Reforma Agraria esto os minifundistas (cerca de 2 milhdes), isto é, agricultores com terra insuficiente. Se por um lado a Concentracao Parcelaria na versdo européia (aglutinar até 13 parcelas, como foi feito na Espanha), 6, tecnicamente mais dificil que o assentamento realizado em latiffindios ou terras improdutivas, em termos de desencadeamento do processo e consecugio de metas, a inclusdo desses agricultores pode oferecer resultados mais Ageis. Sim, porque no caso brasileiro trata-se apenas de ampliar-espacial ou tecnologicamente - a capacidade produtiva de uma tinica parcela, sitio, lote ou posse. £) A legislacao fala em PNRA - Plano Nacional de Reforma Agraria (art. 23, Lei n’ 8.629 de 15 de fevereiro de 1993) mas nao exige que o mesmo seja debatido previamente. Todos os governos tem, simplesmente, publicado 0 PNRA no Diario Oficial e nao h4 nenhum motivo para ser diferente. Em outras palavras, ndo se deve repetir 0 erro de 1985 quando 0 “bom-mocismo” atirou o PNRA as feras da UDRe seus aliados. g) Nao esquecer a forga do Presidencialismo. h) A famosa “decisio politica’ que tem servido para explicar a nao realizagdo da Reforma Agraria até hoje, deve existir com firmeza e constante acompanhamento em qualquer presidente que se disponha a realizar uma Reforma Agraria no Brasil. 1) Um processo de mudangas, com a magnitude do que ¢ aqui proposto, necessita de uma parceria entre o Estado e a Sociedade, sobretudo no nivel estadual e municipal. Isso exige capacidade organizativa, inclusive dos beneficidrios. Aqui, os movimentos de massa nao podem ter o cardter hegemnico ou insurrecional. j) Iniciar sempre o processo pelas desapropriagdes mais faceis e as amigaveis: maiores latiftindios, regides em que a sociedade apoia abertamente a Reforma Agraria, terras de usinas de acticar e destilarias de alcool inadimplentes, regides de fronteiras que permitem agdes discriminatérias de baixo custo etc. Reforma Agraria 9 Ensaios Debates 1.2. As LimitagGes Constitucionais e Legais 'A Constituicao Federal (CF) de 1988 foi madrasta para a Reforma Agraria. Se ela foi cidada - como a chamou o velho Ulysses - apadrinhou apenas 0s urbanos, esquecendo-se, pior, penalizando os sem-terra. ‘A legislagao que regulamenta a CF - a Lei Agraria e a Lei do Rito Sumario ~ ‘embora procurassem avancar, nao puderam, ¢ claro, alterar a lei maior. De outro lado, na negociagdo com a direita e no bojo da desfavoravel correlagao de forgas cxistente no Congreso Nacional em 1993/94, acabaram incorporando dispositivos cerceadores como 0s artigos 7" e 12° da Lei 8.629 de 25 de fevorsiro de 1994, Felizmente, mesmo com essa limitagdes formais, comesam a despontar opinises de juristas, desembargadores e professores que advogam um novo direita ~ que a Constituicao e as leis atuais nao limitam - baseado, sobretudo em dois principio: — “O direito a vida sobrepée-se ao direito de propriedade"; ~ “O conflito entre o latifandio, de um lado, e direito A moradia, a0 trabalho e a vida, de outro, nio pode deixar de ser tratado, sob o ponto de vista jurfdico, a luz dos valores supremos de uma sociedade fratema, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e externa, com solucao pacifica das controvérsias" (v. preambulo da Constituigao Brasileira). 'A seguir resumimos a opiniao de alguns dos diversos partidarios dese novo Direito: + Régis Fernandes de Oliveira (Desembargador do Tribunal de Justiga do Estado de Sao Paulo e Ex-Presidente da AMB - Associasio dos Magistrados Brasileiros, Folha de S. Paulo de 28/04/91, p. 4-6)": 1a terra deve ser 0 amplo seio de onde todos retiram o seu ganho. Somente pode ser apropriada e garantida pelo poder puiblico quando esteja produzindo ¢ prestando servigos a todos. (Na época do Cédigo Civil) .."Inexistiam conflitos agririos; os confrontos eram inter-subjetivos, inter individuais, os problemas ainda nio se haviam massificado, Serd que é possivel buscar a solugio de hoje, do nosso tempo, com solucdes legais antigas, de cerca de 70 anos atrés? Ao tempo de edigio da norma, ndo havia invasio ‘multitudinéria. Logo, a solugio nao pode ser a mesma". * Prof, José Oliveira Ascenso (autor de *O Direito - Introducao de Teoria Geral’ "... A ordem juridica ndo é uma estrutura estética e acabada (0 grifo nao estd no original), mas uma ordem eoolutiva, uma resposta diferente u cada nova situagio social” (cit. Fachin & Paese, 1993). Regis Femandes de Oliveira foi eeito deputado federal por S. Paulo pelo PSDB, partido do Presidente da fe mandato, sun siglaeeata proximidade para implementar suas ideas 10 Jancire/AbriVO6 Ensaios © Debates + Exancisco Muniz (Desembargador doTribunal de Justica do Paranda): ‘@ importincia da posse em nosso meio social com estrutura necessdria ao uso e {g0z0 das coisas pelas pessoas, para satisfagio de suas necessidades vitais* (cit. Fachin & Paese, 1993), * Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (autor de *Curso de Direito Administrativo"): ",.. A linha constitucional, 0 novo Direito, sobre o qual se assenta e desenrvolve 0 Direito Constitucional Brasileiro se liga ao conhecido princtpio da fungio social da propriedade" (Cit. Fachin & Paese, 1993). * Comissio elaborada_e revisora_do_anteprojeto_do Cédigo Civil integrada por Miguel Reale (Supervisor), José Carlos Morei oti le Syh amoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro ( Membros): *.. O proprietério também pode ser privado da coisa se 0 imével reivindicado consistir em extensa drea, na posse ininterrupta, de boa fé, por mais de cinco anos, de considerivel niimero de pessoas, ¢ estas ela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras ¢ servicos considerados pelo juiz de interesse social e econémico relevante' "Nesse caso, o juiz fixard a justa indenizagio devida ao proprietario; pago o preco, valerd a sentenca como titulo para a transcrigio do imével em nome dos possuidores" (Cit. de Fachin & Paese, 1993). * Fabio Konder Comparato (Prof. da Faculdade de Direito da USP): “ua Constituigio nav ussegura, apenas o direito @ simples sobrevivencia mas sim 0 direito a uma vida digna, 0 que supée, antes de mais nada a exigéncia de que todos os poderes puiblicos - inclusive o Judicidrio - atuem de modo eficiente para a eliminaciio dos fatores de desigualdade social bésica. Constitui evidente negagio do direito a uma vida digna o fato de alguém encontrar-se impossibilitado de prover a prépria subsisténcia e a de sua familia mediante seu trabalho". "No sistema constitucional, portanto, a propriedade ndo é um direito-fim, mas um direito-meio. E garantida como meio de preservagao de uma vida digna para todos, mas ‘niio pode ser protegida quando se transforma em instrumento de exclusio de trabalhadores" “Por isso mesmo, quando a Constituigio determina, no capitulo dos direitos fundamentais, que a propriedade atenderd a sua fungio social, ela esté obviamente ‘atribuindo aos despossuidos o direito de exigir do proprietério o cumprimento desse dever fundamental". "A maior parte de nosso juizee, no entanto, continua a julgar rotineiramente, como se nio existisse Constituigio neste pais, ou como se as declaracdes de direitos humanos fossem meras declamagées retéricas para ornar discursos de fim de ano..." (otha de S. Paulo, 01/11/93). + Eugenio Fachini (Juiz de Direito): Reforma Agriria 11 Engaios e Debates +... para 0 Direito Agrério nao interessa a origem da posse e sim a finalidade dela, Logo, para o bem da producto, se a terra ficar trés anos sem produzir, 0 proprietario deveré perder a protecio legal sobre seu direito de posse.” (Jornal do MST, 04/94). 1.3, Hé Terra Suficiente para Assentar 800 mil Familias? Alguém jé disse que fazer a Reforma Agraria no Brasil no seré diftcil: ha terra sobrando. Diftcil foi fazé-la no Japao, na Coréia ena Itdlia onde esse fator foi sempre limitante. Essa assertiva nao é a que mais anima, Hé outras: a) "Entre 1970 e 1985 (1iltimo Censo Agropecudrio) cerca de 82,1 milhdes de hectares foram incorporados a area dos estabelecimentos rurais. Destes, 58% foram adicionados a dreas com mais de 1.000 hectares (exatamente as que serio atingidas pelas desapropriagées), indicando que o processo de concentragio continuava”.” Para assentar 800 mil familias serio precisos 24. ja, 29, daquele total. b) "Dados do INCRA (Estatisticas Cadastrais, com base no Recadastramento de 1978), relacionados ao ntimero de iméveis rurais, totalizam em 150 milhées de hectares 0 estoque de terras aproveitaveis no exploradas. No entanto, com o advento da Lei Agraria, algumas propriedades tornam-se insusceptiveis para desapropriagao, reduzido esse montante para algo préximo de 100 milhdes de hectares’ * 6) Apenas 0,1% do nimero dos maiores iméveis rurais do pafs, incluindo todos de 10.000 ha ou mais (exatamente 0s que serdo afetados), atinge somente 5.530 proprietérios (sendo 1.881 pessoas jurfdicas) e 6.575 propriedades, "mas abarca cerca de 60 milhdes de ha’. Existe ainda, como estoque fundiario que os Procuradores poderao contestar, 18.668.991 ha entre as maiores "posses", sendo que as maiores, em cada Unidade de Federacao (UF) pertencentes a um tinico dono, atingem 5.781.565 ha. Tomando apenas a maior propriedade rural em cada UE, a drea alcanca 14.028.732 ha (INCRA, 1985).” 4) A proposta do Govemo Paralelo (1991) quantifica as reas necessarias através de cinco critérios diferentes: ®COUTINHO, Ga R. Democratizar a Propredade ds Tera: Un imperative de Cidedania, DF, (PEA, 5 pg. (mimes). “LEITE, Sérgio, 1964, Reforma Agtria: Combate 8 Exclsto ¢ Geragio de Empregos, SP, MST, 5 pgs (enim). "KAGEVAMA, A..1986,Os Maiores Proprietirios de Terra no Brasil In Reforma Agriria, ABRA, Ano XVI-n" 1, 63-6. 12. Saneir/AbrivO5 Ensaios e Debates - Levantamento das Areas ociosas dos latifindios e 4rea total dos minifindios; ~ Avaliacio das reas de “pastagens improdutivas', terras em descanso, terras produtivas ndo utilizadas e area total dos minifiindios; ~~ Estimativa nacional de terras aptas para a agricultura; - Cadastramento da "Area aproveitavel nao explorada’; = Simulagio das propriedades rurais desapropridveis segundo a Constituigao de 1988. ‘A média ubtida através desses cinco critérios alcangou 147.445.000 de hectares. Por outro lado, o estudo concluiu que as desapropriagdes necessérias atingirdo apenas um niimero reduzido de proprietarios de iméveis rurais do Pais, ou seja, menos de 2% do total. Essa cifra é extremamente importante quando se considera a Reforma Agraria a partir de uma solugio politica envolvendo forgas que possam vir a se compor com as do Governo. ©) A Tabela 1 mostra dados preliminares (sujeitos a depuracao) recentes das Estatisticas Cadastrais Anuais do INCRA e Estatfsticas Especiais do Recadastramento de 1992 preparados em 1994, apontando dois tipos de Areas Desapropriaveis: ~ Os Latiftindios por Exploragdo e Dimensao, segundo o critério do Estatuto da Terra de 1994 com Areas acima de 1.500 ha na Regitio Norte, 1.000 ha no Centro-Ceste ¢ 500 ha nas Regises Nordeste, Sudeste e Sul ~ Os Iméveis Rurais "Improdutivos', tipificados pela nova legislagao de 1993, situados acima dos limites de areas estabelecidos, isto é, maiores que 1.500 hha na Grande Regiao Norte, acima de 1.000 ha no Centro-Oeste e superior a 500 hanas Grandes Regides do Nordeste, Sudeste e Sul. Aqui, os recursos fundidrios, desapropridveis alcangam mais de 170 milhdes de ha, com uma limitagao séria apenas na Regiao Sul. Isso significa 5,6 vezes a area requerida para o assentamento de 800 mil familias. = Os Iméveis Rurais "Improdutivos', tipificados pela nova legislagao de 1993 e com rea acima de 15 médullos fiscais (limite para a Pequena e Média Propriedade, isentas de desapropriacao por Interesse Social para Fins de Reforma Agraria pela nova legislagio). Estas cifras sao bastante coerentes com as do critério anterior e mostram uma situacdo ainda mais dificil para a Grande Regiao Sul. ‘A rca total disponivel, por este critério legal, aponta quase 121 milhdes de hectares “improdutivos', acima de 15 Médulos Fiscais, ou seja, 5 vezes o necessario para o assentamento de 800 mil famflias. E importante registrar 0 pequeno ntimero de proprietarios rurais a serem atingidos, conforme mostra a dltima coluna da Tabela 1: 1,85 % pelo Estatuto da Terra de 1964 2,82 % pela nova Lei Agraria de 1993 Reforma Agréria 13 Ensaios © Debates 2,33% pela nova Lei Agraria de 1993 com o corte regional aqui considerado. f) José Eli da Veiga questiona as Estatisticas Cadastrais do INCRA, preferindo os dados do Censo de 1985, os mais recentes, e conclui que 0 estoque de terras desapropriéveis é da ordem de 50 milhdes de ha, retirando as propriedades com rea inferior a 500 ha. Mesmo assim essa Area permitiria o assentamento de 1,66 milhdes de familias (0 dobro da meta de 800 mil) em médulos de 30 ha. Essa estimativa ¢ confirmada pelo recente estudo da FAO "Diretrizes de Polftica Agraria e Desenvolvimento Sustentével para a Pequena Producao Familiar’ onde sao encontrados 54 milhdes de ha de terras nao utilizadas nos 151 milhdes de ha das grandes propriedades (de 500 a 10.000 ha), conforme dados do Censo Agropecuario de 1985. 8) £ preciso considerar ainda, para efeito do célculo da 4rea total necessaria a0 assentamento das 800 mil familias que 0 médulo médio poderd ser reduzido de 30 para algo préximo a 20 ha. Isso significaria uma area total de 16 milhdes de hha, uma reducao de 34%. Essa possibilidade decorre, principalmente do fato de se contar com trés diferentes altemnativas: 1) Adotacao de sistemas de producdo e tecnologias poupadoras de terra; II) parcelas irrigadas fora do semi-Arido; e III) médulos menores nas regides Sul e Sudeste. Areas para alcansaras metas ‘A Tabela 2 mostra trés diferentes propostas de médulos médios e porcentagens de familias a assentar, por Grande Regio, enquanto a Tabela 3, a partir da meta global de 800 mil familias e do médulo médio adotado, indica as areas necessarias a arrecadar, numa estimativa de area maxima. Esta tabela inova ao desdobrar o NE em duas 4reas "o Semi-Arido e a Regiao Nao Arido", aquela com um médulo de apenas 4 ha. Esta intensificagao do sistema de produgdo com irrigacdo diminui sensivelmente a demanda de Area, da mesma forma que a inclusio de minifundistas entre os beneficidrios, viabiliza bastante a meta de 800 mil familias. Uma estimativa de Area Minima, adotando um médio m6dulo nacional de 20 ha, reduziria a demanda para 16 milhdes de ha. Finalmente, uma estimativa de Area Média é apresentada na Tabela 4 com base em propriedades de até 7 médulos fiscais de Area Aproveitavel, 0 que resulta num médulo nacional médio de 25,6 ha Este critério, a nosso ver, € 0 que apresenta o melhor critério de racionalidade. 14° Jancire/AbriV95 Enéaios o Debates Tabela.- Areas Desaproprisvels “Latifindios” x Iméveis Rurais "Improdutivos" rail, 1992 Categoria Iméveis Rurais Area Proprietarioe™ 1000 a Tafaindioe 5.380 peal por Dimeneto e Exploragto “improdutivos” 85,781 nis0s) = s7ase 282 pela Lei 8.624 de $/0z/s acima de 15 moduloe fiscais “Improdutivos” 70.833 120.975 47.222 233 Corte Regional acima de 1.500, 1.000 e500 have (1) De um total de 5.147.000 de Iméveis Ruras com 639,026,992 ha cadastrados ex 1992, 1.219.167 com 424.97.156 ha, foram clasificados come Latinos. Tomando apenas ot Iméveis Rurais acima de 1.500 ha na regito Norte; de 1.000 ha na CentroOeste;e de 500 (area média de 2.604 ha), seriam atingidos cerca de 63.587 [proprietirios, ou se, somente 185% do total (erterio do EN). (7) Aamutindo.a media de 1,5 Imovets Kurais por Froprero, (77) De um total de 3.045.591 Imoveis Ruras recadastrados am 1992 (menos 41% que no Cadastro de 1978, atualizado até 1991), 85.781 com 115,054 ha acima de 15 médulos fiscais (Grandes Propriedades), foram Clasificados com “Improdutivos” (area média de 141 ha). Esses 85.781 Iméveis Rurais io apropriados por cerca 14¢57:188 proprietarios, ou 282% do total. ("7") Trabalhando com © mesmo corte de 1.500, 1.000 ¢ 500 ha adotado em (9, aparecem como “Improdutivos” , 70883 lméveis Rurais com 120.975 ha (rea média de 1.708 ha), apropriados por cerca de 47.222 proprietérios (apenas 233% do total). Fonte: Estatticas Cadastrais Aruais INCRA, 1992 e Eatatstcas Especais do Recadastramento de 1992, INCRA 1954 (preliminares sujeitas depuracio). Reforma Agraria 15 Ensaios e Debates: ‘Tabela 02 - Médulo Médio e % Familia na Meta Global, por Grande Regio Regito PNRA Governo Paralelo INCRA Plano de Emergéncia Modulo — % 1994 Familias Modulo % Familias ‘Norte n 10 % ” a 15 Centro-Oeste 36 8 6 15 4 3 Eo Nondeste 0 “6 st 6 3 34 0 Sudeste 153 2 30 2» 2 35 15 sul 156 10 m 10 n 5 2 10 Brasil 307 100 52 10 a 100 2 100 ‘Propricdade Familiar Média no Brasil ~ 36a (dados de J. Eda Veiga, 1954). ‘Area Média de 731 proetos do INCRA ~ 9849 ha (dados de J Eda Veiga 1984). ‘Area Média de 440 projetos com 74538 falas estudados por Guanziroli= 20,77 ha. ‘Tabela 03 - Mota, Méduilos Médios e Areas Necessérias, por Grande Regio Estimativa Maxima Regiso 1N Familias a Assentar Me. Total Area Observe duo Neceanérin cies otal Misia Aral = MBlio hay Min a) ‘Aral (ha) None 0.0010 so 700900 800.000 Médulo Governo Paralelo Nordest 250000 3162500 4° 1.000.000 250.000 Méxtulo Sormi-Arido Pro Inigacso Nondeste 11000014 —28.000 30 3300000 #25000 -Miédulo Nio-Arido Govero Paralelo Centro: 990 153000 0 6000000 1500.00 Médulo Oxste PNA 1989 Sudeste 160.000 20 40.000 30 4800.00 1.200.000 Médulo Governo Paralelo Sul 80.000 10 20000 241920000 480.000 Médulo Coven Parlelo Total 00.000 100 200,000 30 24220000 6.055.000 Médulo Governo Paralelo (Sha iragadaee Tha pars cons, benichoras oe 16 Jancir/AbriV95 Ensaios e Debates Tabela O4 - Metas, Médulos Médios e Areas Necessérias por Grande Regio Estimativa Média Regito N’ Familias a Ascentar Médulo Total Area Medio* Necessaria Total % Média Anual (ha) (ra) por Ano (ha) Norte 180,000 10 20.000 75 6.000.000 1.500.000 Nordeste 250.000 31 62.500 4 1.000.000 250,000 Semi-Arido Nordeste 310.000 “ 28.000 24 2.610.000 660.000 Néo-Arido Contro- 120.000 18 30.000 55 6.600000 1.650.000 Oeste Sudeste 160.000 20 40.000 19 3.010.000 760.000 sul 80.000 10 20,000 15 1.200.000 300.000 Total/Média 800.000 1100 200.000 256 + -20.480.000 3.120.000 (1) Propriedades com até Medulos Fiscais de Ares Aproveitavel ()3na de area trigada e ha para cas, benteitona ee 14. Existem Beneficidrios Demandando Terra e em Condigdes de Recebé-la? Quando se fala em tlpificar ou recrutar beneficidrios para a Reforma Agraria, surgem duas correntes de opinido: a dos tecnificados ou "produtivos", defendida pela Maria da Conceicao D'Incao e a dos *miserdveis" sustentada por José Francisco Graziano da Silva. Se os primeiros s4o mais aguerridos e estéo na vanguarda do MST” os outros estio na ordem do dia pois sdo também clientes do Betinho, foram mapeados pelo IPEA e acolhidos pela exitosa Campanha Contra a Fome. Nossa proposta nao discrimina nenhum segmento e simplesmente arrola minifundistas, arrendatdrios, volantes, parceiros etc. Nesse contingente heterogéneo certamente estar4a tanta os "produtivos' ('os que ajudario a ™ Inclusive com o segmento dos urbanos que, segundo recente pesquisa, engrossa aquele movimento e incorpora pestoasde methor qualifiagio profssional cultural, muitos com ralzes ‘urbanas, mas atualmente esempregades. (MARTINS, A.C. ¢ outros, Sem-Tema,oCotidiano, 319 p.#/A), Ensajos e Debates construir a nova sociedade’) e, também os indigentes, os exclufdos, "barrados no baile ou qualquer outra denominagao que se lhes dé. ‘Sem embarcar nessa controvérsia (que 0s teéricos adoram), a presente proposta ndo privilegia grupos: serio assentados para compor o contingentes de 200 mil famflias os que se habilitarem, sejam os tecnificados do Sul, os ‘portadores de toda a riqueza dos projetos de _e do saber para a construgdo de uma nova sociedade" (Conceicao) ou os indigentes (detesto este nome) do Graziano, desde que integrem movimentos organizados. ‘A Tabela 5 mostra que, afora algumas dispersdes representadas por cifras exageradas, a meta de 200 mil familias, em média, por ano, para um horizont final de 15 anos, guarda coeréncia em diversas propostas. Tabela 05- Metas para a Reforma Agréria no Brasil ‘Dados Comparativor de Diferentes Propostas —_ sss ANO FONTE METODOLOGIA BENEFICIA- _METAANUAL —OBSERVAGOES RIOSPOTENCI DE ASSENTA- ‘AIS (MIL) MENTOS (MIL) 197 Gomes da_N* total de famfias Rurais 2430 162 Implemento em 15 anos. Silva,). Menos (" Pamdine Proprictérine nto Minifundistas + 0” Familias Assalariadas depos da RA). Dado TBRA (1967) © IBGE (1968). 3085 Propartas Soma de Minifundisas, 7100 350 Implementagao em 15 PNRA—Parceiros, Arrendatirios, anos. Governo Samey assalariados perm. c temp. ¢ou recuou. {ros assalariados 106 m; Menes 35 milhoes de TRS para a ‘Agricultura Empresarial, Dados do INCRA de 1984, 1985 PNR Estimativa das familias Rurais 6000 7.000 350 Implementagio em 15 com pestoas exonomicamente anos. Governo Samey lativas de 10 anos ou mais deem ‘nto implementou. pregadsvolantes, parceirs, ‘conta propria, nao remunerado re nan devlaragio. Dados do Genso Demografico de 1980. 18 Jancire/AbriVO6 wa 1993 193, 1994 1994 1994 1994 Ensaios e Debates Governo 60% da mdin entre a somatoria 3.039 200 Implementagéo em 15 Paraelo anos. Apresentagto do ‘Governo Paralelo (4.938.000 familias); 0 total de facnfias sem terra ou com ter insuficiente (deduzides aqueles com exploracio intensiva e/ou Ihort-frat-graneiro) + TR sem ‘emprego permanente (5:11.000 familias). INCRA, —_Fatimativa. Nao fomece 4.000 100 Em andamento, PlanoE- —detalhes. smergencia MST Ftimativa, Nfo fomece 4800 500 Proposta “A RA que detalhes. squeremos"(p3) Peg. Agricultura Familiar 2254 150 Implantagto em 15 (@.263.150 pessoas), Nio anos. Remunerados (1.252.792), Con- ta Prépria (2.010.360), Emprega Referee pessoa dos e Volantes (2371.952), Em- potencialmente pregade Permanerte sem Predutwo. carteia (145.190) e Volantes ‘sem carteiea (936.802) 5.635.152 pessoas dividido por 25. pessoas por famdias = 2.254.061. Dados do PNAD (1989), Censo Agropecuario (0986), ‘CONTAG. 7 z ? 2 Graziano Dados do PNAD, 1900. 3023 200 Implementacso em 15 dda Silva, J, Farias indigertes™| (mesmo anos. Perfodo de Gover BE cfitério de Herbert de Souza) do anos hipstese do cup chefe tem ocupagso Relator). agteola, morande no campo ou ma cidade. Programa Dados doGoverno Paralelo 3039 200 Implementagio em 15, ua anos, Periodo de Governo ded anos. 1.5. Qual o Cronograma para Aleangar a Meta? Considerando as dificuldades iniciais inerentes a qualquer processo e as necessidades da adaptacdo de toda a estrutura governamental para executar um PTojeto nacional com as dimensdes de uma Reforma Agraria de verdade, nao ha como fugir de um ritmo ascendente. Reforma Agriria 19 Ensaios e Debates Assim, a Tabela 6 mostra 0 cronograma proposto para o quadriénio com as metas por Grande Regiao. Observe-se que 0 Nordeste foi sub-dividido em 2 regides, dada a necessidade de dar um tratamento diferenciado ao Semi-Arido, conforme ¢ proposto no Sub-Programa respectivo. ‘Tabela 6 - Cronograma de Execusio do Programa de Reforma Agriria do Quadriénio ANO NORTE NORDESTE CENTRO- SUDESTE SUL = TOTAL ARIDO = NAO OESTE ARIDO v 15000 15.000 -10.000»«14.000 10.000» 10.000 74.000" x 25000 50.000 15000 20.000 20.000 20.000 150.000 ce 20,000 85.000 20.000 36.000 50.000 20.000 231.000 . 20000 100.000 65.000» 50.000 80.000 30.000 345.000 Total 80,000 250.000 110.000 120.000 160.000 80.000 800.000 (¢) 60 ei familias con meta incl modterada mate as 4 mil atualmente acampadas 1.6. Ha Recursos para Aleangar a Meta? A resposta a esta indagacao crucial - num pais em crise, época de recessao econdmica, cofres da Unido raspados - comeca pelo argumento da surrada "decisio politica’: quando 0 Presidente, quer, recursos, mesmo escassos, poderao ser recolocados, sobretudo a partir do 2° ano de governo, quando 0 Geverno tem controle sobre o Orgamento. ‘A Tabela 7 mostra diversas estimativas de custos do assentamento de uma familia, realizada em diferentes épocas, por diferentes autores. Sempre que possivel foi efetuada a devida correcao dos valores, inclusive em US$, de modo a permitir uma melhor comparacio. Como se vé, a dispersao varia entre US$ 7,134.56 a LIS$ 16,100.00, com a média de US$ 9,555.59. Uma estimativa dos recursos necessdrios para assentar 800 mil familias em quatro anos comporta diversos exercfcios: 1’) A determinagao do prego médio nacional do hectare de terra desapropriada e das respectivas benfeltorias (ver Tabelas 8 9); 20 Janeira/AbriO5 Ensajos e Debates 2') O célculo do custo médio do Assentamento - Padrao de uma familia, aqui feito para trés niveis (baixo, médio, alto e muito alto), conforme Tabela 11; 3°) Os dispéndios governamentais globais para os quatro exercicios do mandato presidencial, conforme aparece na quantificacao feita na Tabela 10. Todos esses exercicios sto baseados nas seguintes premissas: a) A Reforma Agraria sera um proceso de decisio politica geral, isto 6, hd determinagao em todos os niveis de governo. b) Os custos a cargo do Organismo Executor da Reforma Agraria referem- se apenas aos investimentos intrinsecamente ligadas ao assentamento; ©) Obras de infra-estrutura como estradas vicinais, eletricidade, armazéns, escolas, centros de satide, pequenas agroindtistrias etc. sera custeadas pelos Orgaos governamentais proprios (Ministério do Transporte, Ministério da Educagao, Satide, Integracao Regional, Agdo Social, Banco do Brasil etc). "NoPNRA os custos dos Servicos de Apoio ndo serao inerentes ao processo de Reforma Agraria e representam a aplicacdo dos instrumentos de aca0 institucional nas 4reas prioritérias, normalmente proporcionados pelo Poder Paiblico'. Nao obstante, estes custos sdo inclufdos nas planilhas, j4 que correspondem a desembolsos feitos por diferentes érgios de um mesmo governo; d) O Crédito Agricola sera fornecido pelos Banco do Brasil e BNDES. Nao so imputados nem juros, nem o principal desses financiamentos. Os juros a taxas privilegiadas serao cobertos pelos saldos obtidos pelos dois bancos com operacdes a taxas de mercado e o principal, sempre devolvido pelos Beneficidrios, nao é considerado como custo; €) Para permitir alguma participacao local e levar em conta as implicacdes regionais, os Servicos de Asistencia Técnica e Extensdo Rural serao fornecidos, mediante convénio, pelos Estados, Municipios e ONGs que assumirem os projetos; f) Os indicadores adotados foram os do PNRA (outubro de 1985) atualizados, informagdes de campo, do MST e experiéncia pessoal dos autores € outras fontes. Os débitos atuais referentes ao resgate de TDAs, emitidos em governos passados, no foram aqui considerados. Um auditoria rigorosa devera ser Procedida com relacdo a esses titulos. Tampouco foram consideradas as despesas ara o custeio, consolidacdo e/ou emancipacdo dos atuais Assentamentos. Na preparacao deste documento evitamos equfvoco muito freqiiente neste tipo de andlise: a falta de correco_dos valores expressos em US$ de anos anteriores e a nao apropriacdo das parcelas havidas em pagamento do custo dos lotes, a serem feitas pelos beneficidrios. A primeira omissdo explica os baixos valores, em US$, de algumas projegdes, j4 que de 1985 a 1994, por exemplo, a inflagio norte americana atingiu 32%. No segundo caso, aparece a necessidade de aclarar a natureza de venda a Reforma Agriria 21 Ensaios © Debates prazo dos lotes, cotas em cooperativas, quinhdes condominiais, participacao societéria ou qualquer outro sistema organizacional que venha a ser adotado numa Reforma Agraria capitalista. Com isso substitui-se, de vez, a expressio “dar terra’ por “proporcionar oportunidade" na alusao a posse e propriedade da terra em projetos de assentamento. ‘Como produto final das Tabelas 8 a 11, conclui-se que,para assentar as 200 mil familias iniciais seriam precisos: ~ 08 dois primeiros anos do mandato (1995 e 1996) e cerca de US$ 1,889 mithdes, um pouco menos que 200,000 X 9,900.00 = 1,98, ao custo de USS 9,900.00 por familia (estimativa média), uma vez que alguns desembolsos serao feitos depois do final do mandato. ‘Tabela 7- Botimativa de Custos pars Assentamento de tuma Familia em Projetos de Reforma Agréria —— ANO PROPOSTA —USFAMILIA OBSERVAGOES: 1985 Proposta PNRA 7.13456" Inclui TDAs e recursos orcamentirio. Valor da terra calculado 1a thse de 60% do valor de mercado, Total de investimentos ex 4 1985 PNRA 8219.00" Refere-se apenas ao custo de implantacio doe projetce (tera ru, indenizagio de benefcitrios, agbes de redistribuigto, Ox servigos de apoto: saGde, educacio, nfraestrutura bisica, estrada de ‘deavin, armazena ene etc. assistencia tecnica, crédito) custavarn ‘mais USS 655407", Segundo © PNRA, estes custos mio sio inerentes a0 proceaso de RA e representam a aplicacio dow instrumentos “de agi institucional nas areas _prioritrias, rortnalmente proporcionadas pelo Poder Publico. (p. 44). 951 Governo 7.72800%% —_nventiment de USE 2,500.0; 1,500.00; 1,000.00 6 2,000.00, now 1", Paralelo 7 e3 ance de implantacio. 1993 INCRA, Plano 1002800" —_Inchuidos USS 2000.00 do Pracern para crédito de investimentos © {USS 500.0 para custo. 1999 SergloLete 8,224.00" cade em custon de projtoe no Est. da S. Paulo envolvendo preparacio da dren, edifcioe do ndcloo urbano e infa-estrutura (cltrficacio, saneamento etc) + arecadacéo da gleba. Ver LETTE, ', Reforma Agriria: Combate & Exclusto e Geragio de Empregos, RJ, CNRA, 1988. 3994 FAO 16,100.00 Informacto prliminar, 194. Incl valor da terra. do crédito rural fe até custos administratives com a manutengio do Organismo Executor da RA. Se (0) Doar de 1985 corrigido para junho de 199 (x 1376) (CyDsarde (1209) (CoyDsardes 1 + 5 Tt (18) 22 JaneiryAbriv96 Ensaios e Debates ‘Tabela 8 - Brasil - Média Ponderada do Prego de Terra - (em USS ha) Regito N'Familsa —PrgodeTerra GV PregodeTerra Sub-Total USS mi Assentar P'semestre/% ——Cortigide jun/94 Norte 80.000 15461 156.93 wss44 [NordesteSemi-Arido 250.000 216.480" 220.05 55,0130 Nondeste Nio-Arido 110.000 ni6s0" 2005 23.8480 Centro Oeste 120.000 68.75 65846 778152 Sudeste 160.000 80.77 85643 1370288 sul 0.000 109898 ansat 31280 Total/ Média 00.00 : - 499.23 () Tomou-se a média para todo © NE. No Semi-Arido 0 valor deve ser bem menor, © que reduzita, ‘ainda mais,» média final (9) Valor considerado com artedondamento = US$ 500.00 /ha, Fonte: Dados basicos da PGV para o 2 semestre de 1993, ‘Tabela 9- Brasil - Média Ponderada do Valor das Benfcitorias - (em USS/ha) Regito NiFamilasa Asweotar —— Valordas Valorde Benfeitorias Sub-Total USS mit Benfcitorias* 20% do Corrgide jun/94 ‘Valor ds Terra) Norte 0.000 30.92 3138 2510 Nondese Semi-Arida 250.000 4336" sum 11008, Nondeste Nio-Arido 110.000 1836 a0 asa Centro Oeste 120.000 n975 12750 20400 Sideste 160.000 10875 28 27405 sul 0000 no 683 1314 Total/ Media 800.000 - 0634" () Tomnou-se a média para todo o NE. NoSemiArido 0 valor deve ser hem menor, 0 que redizria, nda mai, a media final (7) Valor conaidorado com arvadondamente = USS 106.00/ha. Fonte: Dados bésico da RGV para 0 2 semestre de 1993, Reforma Agriria 23 Ensajos @ Debates ‘Tabela 10 - Estimativas do Custo Médio do Investimento para Implantasio do Assentamento ‘de uma Familia em Projetos de Reforma Agréria - Alternativa Média ‘Médulo de 30 ha - (Em US$ de Junho de 1994) Tema Desapropriagso de 30ha a USS, 1,900.00, Indenizagia de ‘Bengeitorias iteia 30ha a USS, 180,00/ha ‘Implementagia do Projeto Preparagio dadrea {destoca, terracearnen “to, calagem ete) Actes de Redistdbuigso Selogio de Beneficisrios, Auxtlio ‘Alimentacio Servigos de Apaio Indmestrutura, Educagto, Sande, Assaténcia Técnica Total ANOS DO ASSENTAMENTO —- FORMADE. PAGAMEN- To a (5) (5) 07) (8) anes) oe - DAs, 15 anos 4500 - 4500 $ Reais, a vista 190 - 1900 $ Reais, a vista S00 = = | 50D Reni, a vita 2000 1,200 300 300 3900, 18,100 1.200 300 300 9900 24 Janeirg/AbriVO5 FORMA DE. ‘AMORTI- zagko Manos OBSERVAGOES (© descrnbolao em TAs nto! apropriado, js que omega a ser amortizad © pelos beneficirics a ‘Parr do ¢" ano, 5$.150,00/ha, pagos ‘0 Ato da desapropring fe, Pagoe de uma 36 vex Pagos de uma 36 vex. Total (anos) para 74,000 fan * 74000 * + 74000 * * 150.000 + * 1000 * * 74000 * * 180000 * * zo * > 5.000 * Ensaios e Debates (ane) @ avo) (Fano) 0" ano) (ano) (ane) (ano) ane) @ ano) (Pano) 2 583,100 * uss 1200 + uss 3.100 * uss1.200 + uss 8100 uss 300 uss 300 * uss 1.200 * uss #3100 599.4 mithoes de USS mecot aso 7 + qamas tt wore ams t+ 754 ALTERNATI- VA MINIMA MEDIA Tabela 11 - Custo Médio do Assentamento de uma Familia ‘Segundo Alternativas Baixa, Média, Alta e Muito Alta (US$ EM 4 ANOS) AUTOR ——_USS/FAMILIA Jone Gomes 7086.00 dasitve Grupo RA/PT 9900.00 cRITERIO OBSERVAGOES Médulo de 20 ha, Custo da Terra no € Benfeitorias iniciam a impuiado, amortizaga0 no 6" ano ‘Benfeitoris entram pelo valor levantado pela PCY, corrigido. Implementacio do Projeto, Agses de Redistrbuigao e Serviges de Apoiow regos reais levantados. Modula de30 ha. CCusto de Terra nfo ¢imputado Benfeitorias a USS 150,00/ha, Implementacio do Projeto, Agdes de Benfeitoriasiniciamn a amortizagio no 6" ano Renalstibuicdo € Serviges de Apoio a pregos reais levantados. ‘Reforma Agraria 25 Ensaios Debates ALTA Grupo RA/PT 13,900.00 Médulo de 30 ha, inchui 2 parcelas do Nocusto da terra custo da terra, cstdo inchufdas as benfeitoras. MUITO ALTA FAO 16,100.00, Inclul custo total da terra crédito rural, € ste deaprons burveritcas coma smanutencio do érglo executor de RA. 117. A Viabilidade da Reforma Agraria - A Reforma Agraria, a despeito da importéncia decrescente da Agricultura na economia e na sociedade brasileira, continua como tema obrigatério nas discussdes, dentro e fora dos periodos eleitorais. ~ Oassentamento das primeiras 200 mil famflias e a consecucao da meta de 800 mil em 4 anos nao é um sonho. = Metas menores que 800 mil obrigam a tirar a Reforma Agraria do ideario dos partidos e dos movimentos sociais, substituindo-a por "assentamentos t6picos em 4reas-problema’. - Dependendo da posicao do Judiciério, a presente proposta poderd ser efetivada mesmo com as atuais dificuldades legais. Nao obstante, 0 Governo deveré propor as mudancas legislativas necessérias para assentar as 800 mil fami- lias durante o seu mandato e abrir o caminho para modificagdes fundidrias de maior profundidade. = Os dados disponfveis indicam que h4 4reas suficientes de “terras improdutivas" para sustentar esta Proposta. - H& também beneficidrios potenciais esperando terra, em némero superior ao aqui estimado. - Oritmo do ntimero de assentamentos nos 4 anos ser4 ascendente, dadas as proprias caracteristicas de "processo". ~ O assentamento das primeiras 200 mil familias, devido a dificuldades orcamentérias proprias do primeiro ano de governo, somente poderd ser alcangado em 1996. - O assentamento de 74 mil famflias no primeiro ano exigiré recursos de ordem de US$ 5994 milhdes de parte do Organismo Executor, além de outros 133,2 milhves, distribufdos em 4 anos, a cargo de outros Ministérios, Governos Estaduais, Municipais e/ou ONG's. - O assentamento de mais 150 mil familias no 2° ano devera contar com USS 1,215 milhdes para investimentos diretos na Reforma Agraria, alocados ao Organismo Executor, além de US$ 270 milhées a cargo de outros organismos que supririo os servicos de Apoio. 26 Jancire/Abriv96 Ensaios e Debates - A meta média, anual de 200 mil familias, para os 4 anos, implica em gastos da ordem de US$ 1.889,2 milhdes, ou seja: 31% do custo previsto para a concluséo da Usina Nuclear Angra 2 (Governo Geisel); 72% do investimento que a Telebrés realizou em 1994, apenas com terminais telefOnicos (Governo Itamar); ‘Apenas 94% do custo do discutfvel projeto para a transposicao do Rio S30 Francisco (Governo Itamar); 14% do custo final da Hidruelétrica de Itaipd (Governo Costa e Silva); Cerca de 2% da necessidade de recursos para a "Reforma" da Previdéncia Social; Perto de 4% da receita estimada do Programa de Privatizacao. ~ £ preciso modificar as normas referentes aos TDAs. Um tratamento justo e mais sério que o atual, podera diminuir e até eliminar muitas das resistencias, que os expropriados tem oferecido. _ 7 E posstvel acionar rapidamente acdes fundiérias em regides prioritarias que podem ter uma influéncia muito grande no processo de desenvolvimento da regido e apoio da sociedade exemplos: ~ Os 440 mil hectares do Pontal, de terras devolutas. Como juntar Organismo Executor e Governo do Estado, e retomé-las rapidamente? ~ Como fazer a discriminagao de terras pGblicas federais na fronteira do MS/Paraguai? (técnicos do ITASSUL, informam que haveria 700 mil hectares grilados e nao medidos nessa regiao). ‘Como aproveitar as usinas de aciicar e destilarias de 4lcool em processo de faléncia, concordata ou inadipléncia nas regides NO-NE, e que ocupam as melhores terras da regio com cana, improdutivamente? Que acdes se pode desencadear, rapidamente, para entregar para os trabalhadores as terras As margens de acudes piblicos e de vazante de alguns rios perenes do Nordeste, como 0 Jaguaribe, o Vale do Mossor6 etc? - Finalmente alguns especialistas, integrantes da corrente "pessimista’ (que eles, talvez, julguem ‘realista'), duvidam da viabilidade das metas aqui propostas. Um deles dispara: "Acho que mais realista e pragmitico é inverter 0 raciocinio. Isto 6, partir da experiencia praticae tentar estimar as possibilidades de aceleracao do ritmo das desapropriacoes." "Nessa previsdo otimista supde-se que a tio falada ‘vontade polttica', somada a maior competéncia da equipe de governo, permitiriam triplicar o desempenho médio dos tltimos governos. A média anual do governo seria préxima ao desempenho de 1987, ano em que foi registrado 0 recorde de 32.790 familias, com as desapropriagdes armadas em 1986". ‘Reforma Agréria 27 Ensaios e Debates 2. Desafios da Reforma Agraria no Brasil Atual 2:1. Cendrio Nacional Por mais paradoxal que possa parecer, uma mudanca estrutural na agricultura brasileira s6 esteve prestes a acontecer apés o golpe militar de 1964 ‘com a Emenda Constitucional n° 10 de novembro de 1964 - permitindo o pagamento das desapropriacdes em ttulos da divida piblica - e o Estatuto da Terra, estabelecendo as normas processuais para uma ampla redistribuicao de direitos sobre a propriedade da tera agricola. Perdida a oportunidade da Revolugao de 1930 (pela formacao essencialmente urbana e pequeno-burguesa dos “tenentes”), frustada a pregagao de Joao Goulart pelas “reformas de base” em 63/64 e desconsiderada a tentativa da Nova Repablica com 0 PNRA, 6 resta aquele conturbado periodo para ancorar especuilagdes a respeito de novas oportunidades para a realizagdo de uma Reforma Agraria de verdade no Brasil Sao elas discutidas adiante, sem qualquer ordem de prioridade. 2.1.1. A Filiagio da CONTAG a CUT ‘Até algumas semanas atras, o movimento mais atuante e proficuo em termos de resultados concretos estava representado pelo Movimento Sem-Terra, ligado ao PT/CUT e cujas agdes sao baseadas na estratégia de ocupagées" de latifandios, propriedades improdutivas ¢ Areas com tftulos de propriedade suspeitos. Por seu lado, a CONTAG, detentora da representagao sindical oficial, preocupava-se principalmente com problemas dos assalariados, sendo a questo canavieira de Pernambuco 0 carro-chefe das suas reivindicagées. ‘Com a historica filiagao da CONTAG a CUT, ocorrida durante © VI Congresso daquela entidade, realizado em Brasilia de 24 a 28 de abril dltimo, aprovado por quase 90% dos votantes, a Central Unica dos Trabalhadores praticamente dobrou 0 ndmero de seus sindicatos e passou a posicionar-se agora como uma Central de todos os trabalhadores no apenas do setor urbano, mas também da drea rural, Além disso, tendo agora sete diretores ligados 4 CUT, num. total de doze do colegiado central, espera-se que a CONTAG assuma posigdes mais vigorosas na luta pela Reforma Agraria. Muito embora seja verdade que o desenvolvimento somente é alcangado com a elevacao do nivel de vida dos extratos mais baixos (e aqui 0 setor rural entra com a maior contribuicao de pobreza), as caracteristicas atuais da sociedade brasileira mostram que a solucao da questao social est fortemente dependente da questo urbana: seguranca, desemprego, saneamento basico, congestionamento, © As diferengnsjuridicas, prticas € éticas entre “ocupacio” e “invasio", tem sido objeto de divers trebathos recentes, inclusive do autor, 2B Sancire/AbriVO5 Ensaios e Debates favelizacdo e outros males da cidade, embora produzidos em parte pelo esvaziamento do campo, adquirem hoje um enfoque essencialmente urbano. ‘Nesse contexto, o ajuste CUT/CONTAG adquire especial importéncia, mesmo sem falar-se na velha idéia da alianca campo-cidade, 2.1.2. A Tentativa do Betinho Animado com o sucesso de sua campanha contra a fome, baseada num trabalho difuso, descentalizado, nio-oficial, voluntério e apartidério, 0 sociélogo Herbert de Souza est4 tentando, por essa mesma via miltipla, alavancar a questo agréria, na terceira etapa de seu Movimento pela Cidadania, Contra a Fome e pela Vida. Como tética, adota, de infcio, uma nova rubrica - a Democratizacao da Terra - a partir do pressuposto de que a expressdo “reforma agréria” esté desgastada. Embora essa tética j4 tenha sido experimentada no passado com a “Revisto agraria” do governador paulista Carvalho Pinto, ¢ preciso levar em conta que a Reforma Agraria tem componentes econdmicos politicos e culturais, bastante diferentes daqueles que conformam a questo da fome. Todavia, ¢ posstvel que a figura “gandhiana” de Betinho consiga empolgar parte da sociedade urbana (aquele segmento com que ele mais trabalha), colocar em brios ‘0 governo FHC e melhorar as condicdes para a aceitag4o publica desse proceso de mudangas. Lembre-se, contudo, 0 conselho de Juscelino, mineiro como Betinho, quando Joao Pinheiro Neto foi comunicar-lhe que ia assumir a presidéncia da SUPRA no Governo Joao Goulart: ..Vocé deve conhecer 0 velho brocardo: mexa com a moral do cidadio, mexa com sua mulher, mexa com seu dinheiro, mas ndo mexa com sua propriedade, sua terra..." 2.1.3. Melhora na Postura do Empresariado A posigio do empresariado brasileiro em relagdo a Reforma Agraria precisa ser novamente analisada. Se de um lado a inversao do perfil rural/urbano, a agonia da UDR e algumas manifestagdes isoladas (como a Associacao Brasileira de Empresdrios para a Cidadania) podem indicar algum progresso, de outra parte a formacdo de blocos corporativistas - a bancada ruralista 6 0 melhor exemplo - indica ainda uma forte presenca de interesses agrarios na sociedade e na economia nacionais. Acrescente-se, ainda, em favor de uma situacdo otimista: 1) 0 fato de que as entidades rurais patronais estdo tendendo a colocar em suas diredes personalidades mais abertas ao didlogo com os Sem-Terra; 2) algumas PINHEIRO, Neto, Joo. Juscelino, wma Histéria de Amor. Rio de Janeiro, Mauad Ba, 198, p. 162. Reforma Agréria 29 Ensaios e Debates manifestagdes recentes como a de Roberto Campos de que o Brasil estaria hoje na posigao da Coréia do Sul e Taiwan, caso tivesse feito a Reforma Agraria em 1964. Se tudo isso significa uma volta aos anos 50, quando se acreditava que os industriais (pensando no aumento de consumo que a distribuigao de renda promovida por uma Reforma Agréria paderia provocar), pareciam dar apoio a essa mudanca, somente o futuro poder dizer. Nao se deve esquecer, por outro lado, esta realidade dos nimeros: um levantamento do antigo Ministério da Reforma Agraria e do Desenvolvimento Rural (MIRAD), feito em 1987, mostrava que dentre os 500 maiores grupos econémicos eram proprietérios de terra: = 15 do setor financeiro com 4.864.967 ha, dos quais 87% classificados como latiftindios e com a média de 324.331 ha por grupo; = 18 do setor industrial com 10,991.218 ha, dos quais 86% foram classificados como latiftindio (média de 610.622 ha por grupo); e = 13 do setor agropecusrio com 6.277.272 ha, sendo 83% de latiftindios e com a média de 482.867 ha. Mais recentemente sabe-se também que possuem poderosos investimentos agrarios os proprietarios das trés maiores redes de TV do pats. £ facil imaginar 0 que isso significa em termos de opinido da média perante o pablico comum. 21.4. A Validade da Nova Lei Agraria, as Propostas do Cédigo Agrério de um Novo Estatuto da Terra Recente decisio do STF anulou uma das desapropriacdes decretadas pelo presidente FHC. Enquanto alguns advogados de donos-de-terra sustentam que esse fato invalidard a atual Lei federal n’ 8,629, de 25 de fevereiro de 1993, 0 INCRA argumenta tratar-se de fato isolado, decorrente do rito desapropriat6rio utilizado naquele caso especifico. Enquanto se esclarece a pendéncia, nao seria demais tentar, mesmo na atual correlacdo desfavoravel de forcas no Congreso, aproveitar eventuais brechas na discussao da reforma constitucional para propor aperfeicoamentos na legislagao agraria. ‘Duas novas propostas surgiram recentemente: a do Cédigo Agrario, de autoria de Sonia Guimaraes Moraes (se existe um Cédigo Urbano que obriga o proprietério do solo urbano a obedecer normas e posturas, porque nao instituir também um Cédigo Agrario que impedisse a existéncia de glebas ociosas ou mal exploradas?)”; e a elaboracao de um novo Estatuto da Terra, sugerida pelo autor destas notas' © Ver MORAES, Sonia H. N. G. © Putuso das Leis Agriria © Agrcolas no Brasil: Avaliaglo de Aspectos Intervencionistas no Meto Rural, artigo publicado nesta edi. YerSILVA, José Gomes da, Um Novo Estatuto da Terra. In Demoortcia ne Tera, CNKA, n”3,malo/unho/22 30 Janeira/Abri/95 Ensaios ¢ Debates Visto na perspectiva do tempo, o Estatuto da Terra, que completou trinta anos no dia 30 de novembro tltimo, aparece como uma dessas obras, coisas, ou pessoas que precisam faltar para mostrar sua exata dimensao. Na verdade, a nossa primeira lei agréria, promulgada sob o nimero 4.504, tem feito muita falta: sua auséncia fez aumentar a concentracdo da terra e da renda, manter 0 campo como © campeao da miséria nacional e exportar violéncia para as 4reas urbanas. Apés as sucessivas amputagées que sofreu nesses seis lustros - algumas causadas pelo temor que o Estatuto (sancionado no perfodo militar, diga-se de passagem) viesse a ser aplicada -, a legislagio agréria apresenta-se hoje como uma emaranhado desconexo que tem na Constituicio Federal de 1988 um simples enunciado ret6rico, cercado de teias imobilizadoras por todos os lados. Explicando melhor: uma lei agréria é avaliada pela agilidade com que a terra 6 obrigada a cumprir a sua fungao social. O velho Estatuto, complementado pelo AI9 © 0 DecretoLei 554/69, puniam essa desobediéncia com desapropriacées pagas, posteriormente, em titulos e preso justo, este podendo ser fixado (para ser "justo" e coerente) pela declaracdo espontaneamente feita pelo proprietario para fins de pagamento do Imposto Territorial Rural. Esse poderoso instrumento de justia social era complementado pela tributagdo progressiva (em termos de uso e condigdes de exploragdo) dos imbveis rurais. Note-se aqui apenas um dos dispositivos jamais aplicados desse diploma legal: a aliquota deveria ser calculada pela soma das areas de todos os iméveis de um mesmo proprietério, qualquer que fosse a sua localizacao em todo o pafs. F claro que uma lei com essa potencialidade transformadora nao iria ficar imune a hostilidade dos latifundidrios e seus aliados na burocracia e na intelectualidade. Elegeram um bode expiatério (0s defeitos do Cadastro de Iméveis Rurais), montaram com os leilées de gado a caixa financiadora, apareceu © Mder carismético e 0 Estatuto recebeu 0 golpe de misericérdia com a constitucionalizacao da falicia da *propriedade produtiva’. Saudosismo a parte, a validade do Estatuto da Terra como instrumento de transformacao da estrutura agraria brasileira, pode ser insuspeitamente avaliada através de duas opinides de personalidades que perfilham posig6es polfticas opostas. yee pe um lado (progressista), Sonia Guimaraes Moraes" afirma que as “normas do Estatuto da Terra encerram potencial de transformacao inicial’. No outro extremo do arco politico, Roberto Campos em seu recente livro "A Lanterna na Popa" (Topbooks Editora, 1994) dedica seis capftulos a questao agréria brasileira e ao Estatuto da Terra promulgado na sua gestdo como Ministro * MORAES, Sonia HN. G, 1987. © Estado ¢ Proprcdade Agriie no Bras: mls Jutdicas ¢ Vigéncia Foltica, Disertagho de Mestradoapresentada a0 Departamento de Diteito do Estado da Faculdade de Dieto da USP, 217 pes Reforma Agraria 3f Ensaios e Debates do Planejamento e Coordenacao Economica do primeiro governo militar. Af leem- se pérolas como estas: “Nao faltavam experiéncias internacionais a avaliar, nem projetos a analisar. No ‘campo das reformas capitalistas, os exemplos recentes mais interessantes eram as realizadas com sucesso no leste asidtico - Japao, Taiwan e Coréia do Sul. A primeira, determinada pelas forcas americanas de ocupagio no imediato pés-guerra, beneficiow cerca de trés mithées de familias rurais com a posse da terra. No caso da Coréia e Taiwan, credita-se @ reforma agréria, aliada a énfase sobre a educagio, grande parte do sucesso do desenvolvimento com boa distribuigio de renda. Em todos os trés casos, a reforma agraria, vieou a democratizar o acesco a propriedade e nao a coletivizar ou estatizar a propriedade”. (9.680) "© primeiro grande modelo de reforma agréria capitalista terd sido talvez 0 Homestead Act, de 1892, que visava a democratizar 0 acesso a terra no grande Oeste americano, quase ao mesmo tempo que a Guerra de Secessio debilitava os latifiindios sulistas do reginte das plantations”. (p. 680) "O Brasil sofria pelos dois extremos: um excesso de latifindios improdutivos e de minifiindios antieconémicos, problemas ambos de igual gravidade. No primeiro caso, a tributagio progressiva poderia ser remédio eficaz. No segundo, desapropriagio ¢ colonizagio seriam as solugdes mais adequadas”. (p. 685) "0 homem que possui sua prépria terra torna-se melhor defensor da sua prépria liberdade”. (p. 686) “Hoje se reconhece, na literatura econdmica, que nossa falha emt promover uma adequada reestruturacio agraria foi um dos motivos para a ma distribuigio de renda do Brasil, comparativamente aos dois rivais asiéticos - Taiwan e Coréia do Sul. A reforma agriria foi parte do elenco de reformas desses patses nu décuda de 60, 0 que nao sé melhorou a distribuigio de renda como do poder politico entre as cidades e 0 campo, impedindo distorgbes de precos punitivas para a agricultura, para subvencionamento dos consumidores urbanos”. (p. 696) ESQUEMA PRELIMINAR E TENTATIVA DE UM ANTE-PROJETO DE LET PARA UM NOVO ESTATUTO DA TERRA Dispoe sobre o revigoramento e a atualizagio do Fstatuto da Terra e dé outras providancias, TITULOL Definigées Pretiminares ‘Art. 1 ~ Esta let regula a exploracao do expayo fundidrio nacional com vistas & defesa @ protegio do meio ambiente, a demarcacio das terras indigenas, a defesa das glebas dos pequenos Agticultores, a realizagdo da Reforma Agréria e a regulamentagio das Areas destinadas ao sistema patronal de produgao agricola. 32 Janeire/AbriV95 Ensaios e Debates § 1° - Os espacos necessarios a defesa do meio ambiente, nos termos do art. 255 da Constituigto Federal sto 08 seguintes: Le u § 2" - As terras indigenas, de acordo com o art. 232 da CF e 67 do Ato das Disposicdes Constitucionais Transitérias sto as seguintes: §3°- As terras dos Agricultores Familiares, nos termos dos artigos 5", inciso XXVI e 185 da CF 80 as seguintes: 7 W $4" - As terras destinadas a Reforma Agraria, segundo 0s artigos 5°, inciso XXIII, 184 e 186 da CF S40 as seguintes: t n- §5°- As torras para a Agricultura Patronal efo ae eeguintee: I r §6°- As terras de mineracto e garimpo. t §7" = As terras dos remanescentes das comunidades de quilombos (art. 68 do ADCT da CF de 1988) 7 u- te ThruLon Das Terras Destinadas & Defesa e Protegio do Meio Ambiente ThrULo Mm Das Terras Indigenas TiTuLo rv Das Terras dos Agricultores Familiares Ensaios ¢ Debates TITULOV Das Terras Destinadas & Reforma Agraria TITULO VI ‘Das Terras Destinadas a Agricultura Patronal ‘TITULo VI Das Terras de Mineracio e Garimpo Titulo VINE Das Terras dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos Titulo Das Disposigbes Gerais e Transitérias JUSTIEICATIVA © espace fundisrio nacional no pode continuar a ser explorado e ocupado sem a observancia de normas que garantam a preservacio e protedo do meio ambiente, a defesa das ter~ ras indigenas e dos agricultores familiares ea oportuni-dade de acesso A terra propria aos milhoes de despossuidos desse recurso e que dele dependem para sua sobrevivencia. A chamada *agricultura patronal" precisa também de ter seu uso e propriedade regulamentados pelos disposi- tivos constitucionais que submeteram o direito de propriedade ao cumprimento da funcao social. TIgualmente, carece a Nacdo brasileira de regras que assegurem a seu povo os alimentos necessérios a uma condicao digna de vida, que a vastiddo do seu territori, fertilidade do solo e a abundancia de recursos naturais esto em condigées de assegurar. Este projeto atualiza e reafirma a Lei 4.504 de 30 de novembro de 1964, relativamente aos recursos fundidrios do Pats, objetivando: = terminar com a devastacdo de matas nativas, a formacdo de pastagens predatérias, a desertificagdo e a erosdo dos solos agricolas em todas as suas formas; ~ conter a pressio sobre as terras indigenas eliminando os conflitos entre indios e garimpeiros, mineradoras, fazendeiros, posseiros e trabalhadores rurais, e evitando a consequonte destruigio fisica e cultural desses povos; = evitar a penhora e perda das terras dos pequenos agricultores, assegurando-lhes condicdes de sobrevivéncia na atividade rural, mediante aaplicacao de instrumentos adequados de politica agricola e desenvolvimento tecnolégico; = ampliar a area dos minifundistas para tamanho econdmico e fazer com que a propriedade de terra seja uma das condigées de cidadania dos despossuidos desse meio de producio e de contengio da violencia no campo; 4 Janeiny/Abrivos Ensaios e Debates - eliminar a fome e a desnutrigdo, assegurando a todo brasileiro, independentemente da condicao social, emprego, salério, renda e a racdo minima para assegurar sua sobrevivéncia e condigdes de trabalho. 2.2, Cenério Internacional No plano extemo, duas preocupacdes podem exercer alguma influéncia no encaminhamento da questao agréria nos anos vindouros: o chamado “Consenso de Washington” e a globalizacdo das relacoes intemacionais. 2.2.1. O Consenso de Washington Aqui, a situacdo difere radicalmente dos tempos de Kennedy e de sua Alianca para o Progresso, quando a ajuda norte-americana a América Latina era condicionada a realizado de reformas na educagdo, na posse da terra e no saneamento basico. ‘Agora, com a postura essencialmente economicista, mesmo de um governo democrata como o de Clinton, desapareceram as preocupacdes com o social e com a questdo agréria ainda menos. De fato, as siglas hoje sao outras FMI, BIRD, GAT e quejandos. O proprio BID, que no ano passado sempre financiou projetos de Reforma Agraria na América Latina, entrou também nessa linha ndo-reformista e adotou outras prioridades. 2.2.2. A Globalizagio Modismo dominante, a globalizacao nao deixa de influenciar também no encaminhamento da questao agréria nos paises periféricos. Tal como colocou Frei Beto recentemente: “No cassino global, 96 os rivos yanham. Aus demais, ilusdes © pobreza.” No que tange a agricultura, vale a pena transcrever 0 que pensa Michel Chossudovsky, professor de Economia da Universidade de Otawa, no Canad4, ‘em pleno primeiro mundo: “Neste contexto, a agricultura mundial, pela primeira vez na histéria da humanidade, tem capacidade para satisfazer as necessidades alimentares de todo o planeta. A fome, portanto, nio é mais consequéncia de ‘uma esoassez de comida’. A fome explode ‘como uma resultante direta da superabundancia global de géneros alimenticios. Desde 08 primérdios dos anos 80 os mercados de grios esto desregulamentados sob a superviso do Banco Mundial. Os excedentes norte-americanos e europeus sio usados para destruir os produtores, independentes dos patses em paises em desenvolvimento e desestabilizar a agricultura nacional produtora de alimentos. Ademais, 0 processo de ‘modernizagito’ da agricultura (incluindo a Revolugio Verde) tem levado a expropriagio dos camponeses, ao crescimento dos sem-terra e a degradacio do meio ambiente. Reforma Agraria 35 Ensaios © Debates ‘A ‘agricultura nacional’ estd insidiosumente debilitada em todo 0 mundo em desenvolvimento; a seguranga alimentar e 0s agricultores independentes estiio subordinados as exigéncias dos monopélios globais de alimentos.” E voltado ao Brasil, eis o que se escreve hoje a respeito da revisao da Teoria da dependéncia que deu fama a FHC: “A ameaga de devastagio social ou de marginalizagio econémica nacional trazida pela internacionatizagto faz com que comece @ ser repensado 0 método analitico de FHC que, por sua vez é, ele mesmo, analisado por intelectuais adversdrios e partidérios como um ‘presidente fildsofo’ de fatura intelectual dependentista (termo que FHC diz detestar). Para estes intelectuais, a bomba teérica da dependéncia estoura agora como problenta eminentemente pritico na miao do presidente. Estamos assistindo a uma sintese entre teoria e pritica ou diante da imagem do escorpiao encalacrado, dependendo das preferéncias do espectador.” Hé porém, alguns indicadores favoraveis além dos jé apontados: a propria “globalizacao t4o insistentemente esgrimida pelos conservadores, mostra 0 México da ‘crash* econdmico e da volta da insurreic4o zapatista como exemplo claro de que nao adianta adiar reformas. Ou suifocé-las, como parece ter sido 0 caso daquele pafs. 3. A Posicao do Governo FHC Com a vit6ria de Fernando Henrique Cardoso, e seus reiterados antincios de “reformas" (ou sera que ele vai ficar com a reforma fiscal e a da previdéncia?), foram para 0 poder, tanto no Executivo como no Congresso, diversas personalidades com sérios compromissos com a reforma: ex-desembargadores que defedei um novo ordenamento juridico do direito de propriedade, parlamentares e executivos que conhecem a luta dos sem terra, dos minifundistas gatichos, dos posseiros do Bico do Papagaio, dos sacerdotes que tombaram. Cito entre outros: Vicente Bogo (Vice-Governador eleito do Rio Grande do Sul pelo PSDB), Dante de Oliveira (ex-Ministro da Reforma Agraria, eleito governador do ‘Mato Grosso por uma coliga;dv em que entraram PSDB, PT ¢ PDT; 0 sindicalista rural Osmar Aratijo (Vice-Governador eleito do Piauf pelo PSDB); Joao Gilberto Lucas Coelho que foi Vice-Governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB no {iltimo govemo, ete. Cabe ainda mencionar o atual presidente da CONTAG, Francisco Urbano Filho que, concorrendo pelo PSDB, conseguiu expressiva votagao como candidato ‘a Senador pelo Rio Grande do Norte. Sao dele estas palavras recentes: "Se 0 {governo nido deslanchar 0 processo de reforma agraria, ninguém segura as ocupacées de Terras. O ministro da Agricultura nio tem compromisso com a reforma agriria. Se ele pudesse, proibiria as desapropriagées de terras’ (Folha de S. Paulo, 03 de fevereiro de 1995, p. 1-4), Como se vé, se de um lado ha um contingente pré-reforma agraria, tanto na intimidade do presidente como no proprio ministério encarregado de executar 96 SanviryAbri95 Ensaios ¢ Debates © proceso, h4 poderosos adversarios de qualquer mudanga no "status-quo" fundidrio. esse balango de forcas, do lado "contra" ha ainda todo o arco conservador da alianca eleitoral que elegeu FHC (PFL, PTB principalmente), a aguerrida bancada ruralista e o descalabro financeiro do pais que utiliza a falta de recursos como um pretexto para nao realizar reformas. Lembre-se, ainda, além da vasta literatura reformista acumulada no curriculum do atual mandatério presidencial, o fato de ter sido ele quem encaminhou a vota¢do, a favor da Reforma Agréria, na hist6rica sessio da Constituinte de 1987/88 em que o Estatuto da Terra foi castrado pela Lei Maior, com © bloqueio do proceso com a introdusao da falécia da “propriedade produtiva”, © recuo veio desde a campanha, quando a meta de 280.000 familias anunciada pelo candidato, contrastava modestamente com as propostas de seus opositores. Posteriormente, mesmo essa timida intencdo, esta sendo esvaziada com outros recuos: ~ a alianga conservadora com tradicionais adversarios da Reforma Agraria, estendendo-se, inclusive aos estados onde figuras como Antonio Cabrera (Ministro de Collor) e Allyson Paulinelli (Ministro de Geisel) ocupam as respectivas Secretarias da Agricultura em SP e MG; ~ a nomeacio para o Ministério da Agricultura e Reforma Agraria de um banqueiro que publicamente, j4 no discurso de posse, anunciowt o arquivamento da proposta agraria do Presidente; ~ a presenca de opositores da Reforma Agraria no nticleo mais intimo do poder; a frustag’o da primeira apresentacéo piiblica de FHC num acontecimento ligado a Reforma Agraria, como foi o com{cio da distribuicao de ttulos no Ceard; ~ a falta de apoio ao movimento pré-reforma agréria liderado pelo Betinho (que além de lider da Campanha Contra a Fome é também Coordenador da Campanha Nacional pela Reforma Agraria); ~ a remessa da questdo agréria para o Programa de Comunidade Solidaria, colocando a questo na faixa da benemeréncia e com formulacées praticas pouco confidveis, na opiniao de um proprio ministro da intimidade presidencial; - a nomeagio para Presidente do INCRA de Brazilio de Aratjo Neto, ex- Presidente da Sociedade Rural do Parand e tido como membro da ultra- reacionéria Unio Democratica Ruralista (UDR). Reforma Agraria 37 Enaaios ¢ Debates ‘Apesar da questo da terra ser uma espécie de ‘Fenix’ que sempre ressurge das cinzas, as negacas do governo FHC, adotadas em boa parte por ex- esquerdistas, exilados e até antigos revoluciondrios, mostra que nao existe nada mais conservador que um progressista arrependido. 98 Jancire/Abriv95 Ensaios ¢ Debates Colonizacgao de Novas Terra: a Continuidade de uma Forma de Dominagao, do Estado Novo a Nova Republica. José Vicente Tavares dos Santos! Hi trinta anos, a sociedade brasileira aguarda a implementacdo ampla da reforma agréria prevista no Estatuto da Terra, razo suficiente para analisar 0 alcance do proceso redistributivo da propriedade fundiéria pelo seu inverso, ou seja, 0 processo da colonizagao de novas terras, o qual ndo supde uma redefinicao da propriedade fundiéria, mas a incorporagio de novas terras, devolutas ou pGblicas, ao processo de ocupacdo humana do territ6rio. Para acompanhar a evolucio dos programas de colonizacio, e de assentamento, no Brasil Contempordneo, vamos recorrer a duas ordens de informagdes. Por um lado, vamos utilizar as estatisticas oficiais do INCRA, as quais cobrem todo o perfodo de 1927 a 1994. Por outro lado, buscaremos as fontes complementares disponiveis na literatura especializada acerca de programas de instalagdo de agricultores em varias regides brasileiras no mesmo perfodo.* Umae outra fonte permitiram-nos compor uma base de informagées sobre a experiéncia de colonizagao de novas terras, e de assentamento, no Brasil Contemporaneo. * Secislogo formado pela UFRGS - Univeade Federal do Rio Grande do Su, Mestre pela Universidade de Sto Paulo, Doutor de Estado pela Université de ParNantere,Profcmor Titular do Departamento de Sociologia e do Programa “de Porgraduagao. em Sociologts da UFRCS, Pexguimor do CNPy ~ Comal Nevin do Devenvolvimenta Centifcee Temi, Prb-Reltoe Adjuno de Peaquise da UFRGS, Porto Alegre, Bes » Esta bibliografia pode ser consultada em TAVARES DOS SANTOS, Jost Vicente. Matuchs, le réve de la terre (Gude surle processus decolonisation agricole et les lttes des paysans méridionaux au Brésl). Pais, Université de Paris X - Nanterre, 1986, tome le Tl. Reforma Agraria 39 Ensaios © Debal Comecemes pelos dados mais yerais: no perfodo de 1927 a 1994, o némero total de programas de instalacao de agricultores, de diferentes tipos, foi de 1.241 programas, dos quais foram de responsabilidade pGblica cerca de 1.060 e de responsabilidade particular um montante de 181 nécleos. Tais programas cobriram uma superficie de 38.031.081 ha., sendo 32.587.227 ha. em programas oficiais e 5.443.854 ha. em programas particulares. Sobre tais territorios, foram instaladas 358.047 familias de agricultores, ou seja, um némero que corresponde & estimativa de capacidade de instalaco de familias, 0 que corresponderia, em términos médios, a total de 1.836.095 pessoas; passaram a viver e a trabalhar em programas oficiais 327.252 familias e foram estabelecidas em programas privados cerca de 30.153.’ Tais dados estdo especificados na Tabela 1 ¢ podem ser visualizados no Grafico 1.‘ Entretanto, em termos globais, podemos observar que © processo de instalacao de agricultores, seja sob a modalidade de programas de colonizacao, seja sob a modalidade de programas de assentamento, é uma tarefa majoritariamente de responsabilidade do Estado (cerca de 85% dos programas eda Area e 92% das familias instaladas. Numero de Programas por Ano 250-7 200 ‘o | ere 100 | lal or so ole ene | me ng gt Anos Gréfico1 * Agmadego a Luciane Soares da Silva a elaboracio das listas ¢ tabelas, ¢ a Luciano Damiani Terres pela informatizagao das tabelas ¢ grifios, ambos bolsstas do CNP, Todos o# dados brutos foram fornecidos pelo INCRA, a cujos funcionsrioe agradeco a disponibilidade © genileza. Este projeto esta sendo financiado pelo NPG, “Todas a8 Tabelas esto dispostas no Ancxo. 40 Janeiro/Abril/95 Gréfico 2 Areas dos Programas 8.000.000 7.000.000 6.000.000 5.000.000 wroral 4,000,000 3.000.000 . 2.000.000 OF 1.000.000 . mPart Grifico 3 Instaladas 35.000 30.000 25.000 20.000 TOTAL 15,000 mor 10.000 5.000 2 ¢ Debates A partir da Lista Geral de Programas de Colonizasio e de Assentamento, elaborada para todo o periodo de 1927 a 1994, podemos comprovar a periodizacao do processo de instalacdo de agricultores na sociedade brasileira, na época contemporanea, A periodizacao a ser seguida obedece o critério da orientagao principal das politicas agrarias: de 1930 a 1945, 0 momento da *colonizagio para os trabalhadores nacionais"; de 1946 a 1964, a fase da “colonizacao como resposta do Estado as lutas sociais no campo"; de 1965 a 1984, © perfode da “colonizagao contra a reforma agréria', salientando-se que a instalagao de agricultores somente se dé a partir de 1970; e de 1985 a 1994, a etapa da ‘reforma agraria limitada’, orientada pelo I Plano Nacional de Reforma ‘Agraria, a partir do qual os programas de instalagdo de agricultores sao denominados de ” projetos de assentamentos". Para chegar a uma explicagdo sociolégica do proceso da colonizacao de novas terras, nesse longo perfodo hist6rico, de 1927 a 1994, da sociedade brasileira, retomamos a hipstese de que o estabelecimento de um processo de disciplinarizagao dos camponeses e trabalhadores rurais tem sido uma das condigdes gerais da reproducio social no setor agropecudrio, mediante 0 exercicio, pelas agéncias estatais e privadas, de um conjunto de politicas de dominasao e de legitimacao, em particular as politicas de colonizacao de novas terras. Como corolario, sustentamos a assergao de que a politica de reforma agréria, empreendida a partir do I PNRA - Plano Nacional de Reforma Agraria, de outubro de 1985, nao se afasta totalmente daquela forma de ocupacdo de novos espacos, malgrado a aparéncia, 0 novo campo de conflitos agrarios, e 0 discurso que acompanham este proceso estrutural. Sabemos que o proceso da colonizagio de novas terras constitui, para a sociologia, um processo social complexo, de uma dimensio espaco-temporal especifica, que faz interagir forcas sociais em conflito e, deste modo, produz relacées sociais. A dimensao espacial do proceso da colonizacao relaciona uma ou mais regides de origem das populagdes ervolvidas, rurais e urbanas, com outra, ou outras, regides de destino, para onde aquclas populacées tém se dirigido, em graus variados de interagao reciproca. A dimensio temporal do processo da colonizaao decorre de sua ocorréncia ciclica na sociedade brasileira, A interconexdo dessas duas dimensdes, espacial e temporal, faz com que no processo da colonizaco se desencadeiam a transformac’o e a producao de relacdes sociais de producao do social, tanto no espago agrario quanto no espago urbano. Deste modo, 0 processo da colonizacéo de novas terras pode ser interpretado como um tecnologia de poder que utiliza mecanismos de controle do espaco e de controle dos homens, reproduzindo-se enquanto uma forma de dominacio exercida por classes sociais no poder, e por instituigées publicas e privadas, componentes do bloco financeiro-industrial-agrario, sobre as classes subalternas da sociedade brasileira.’ * TAVARES DOS SANTOS, José Vicente, “As nova teras como forma de dominagi. In: Revista LUA NOVA. S80 42 Janciro/Abri/95 Eneaios e Debates 1. A Obra do Estado Novo: 0 Momento da “Colonizacio para os Trabalhadores Nacionais", de 1930 a 1945. No perfodo de 1930 a 1945, a sociedade brasileira passa de uma economia agro-exportadora para uma economia urbano-industrial, ao mesmo tempo em que se assiste a mudanca de uma politica de imigracao e colonizagao com populagoes estrangeiras, européias ndo-portuguesas e japonesas, para uma politica de orientacdo das correntes migratérias internas. As migragdes dirigem-se para as cidades do litoral, em todas as regides, simultaneamente a uma politica de colonizacao de novas terras com populagdes nacionais. Pode-se reconhecer, nos Graficos 1 e 2, que houve a implementagao de 43 programas de colonizacio, a maioria deles de responsabilidade oficial. A 4rea desses projetos alcanca 3.468.004 ha., e o ntimero de familias instaladas totalizou 36.502 familias, quase todas em programas oficiais (Cf. Tabela 2). Evidencia-se, pelo grafico anterior, que o grande momento da polftica de controle e fixagiio das populacdes correspondeu aos anos de 1941 a 1945, durante o Estado Novo, quando foram criadas as Colonias Agricolas Nacionais, em fevereiro de 1941, com © objetivo de "receber e de fixar, como proprietdrios rurais, cidadios brasileiros notoriamente pobres, aptos para o trabalho agricola, ¢, excepcionalmente, agricultores estrangeiros qualificados'.’ Entre 1941 e 1944, sete dessas Coldnias foram instaladas, em varios Estados, nas quais a agéncia federal de colonizagao procedia a uma distribuigdo gratuita de lotes, de 20 ha. a 50 ha.” Em conjunto, cerca de 36 programas de colonizacio foram implementados naqueles cinco anos, ostentando uma capacidade de instalacdo de 31.824 familias, isto é¢, 87% das familias de colonos instaladas no primeiro periodo. Esta politica de colonizagao, no quadro da estratégia da "Marcha para 0 Oeste’, configurou-se por uma orientacao das correntes migratérias das populacdes de pobres rurais, potencialmente protagonistas de situacdes de tensao social, para dois alvos bem demarcados. O primeiro destino das correntes migratorias foi definide como sendo as cidades do Sudeste, onde se iniciava a industrializacao brasileira. O segundo destino consistiu nas terras ptiblicas do Oeste e da Amaz6nia, nas quais o Estado organizou programas de colonizacio, sob a responsabilidade de 6rgios oficiais e de empresas privadas de colonizacao. Em tais programas, foram instalados pequenos proprietérios, utilizando o trabalho familiar, para 0s quais estabeleceu-se um sistema de controles e de disciplinamento, a fim de se aleangar a fixacao do homem no mundo rural. PAULO, CEDEC, n* 23, margo de 1991, p. 67-82, * C4, ESTERCI, Neide. © mito da demacracia no Pe: das Bates. Rio de Janeiro, PPGAS-Museu Nacional da UFR), 1972: NEIVA, Ivany Camara, O outro lado da Calan contrdigiese formas de resistoncia popular na Colina Agricola Nacional de Gotés; Brasilia, PPC Sociologia da UnB, 1984; LENHARO, Aleit. Colonzac e taba no Brasil ~ Os anos 530. Campinas, Ed. da UNICAMP, 2 1986, Reforma Agréria 43 Enenios e Debates Tais colonos ajudaram a configurar, naquela época, 0 campesinato brasileiro contemporaneo, agente de uma posicao social produzida pelo processo da colonizacao, localizado em varias regides: 0 campesinato originario da colonizacao européia do Século XIX, no Brasil Meridional e no Espirito Santo; os agricultores do regime do colonato, em Sao Paulo; os moradores, no Nordeste; os agregados, parceiros e meeiros, em varias regides; ¢, ainda, os colonos “nacionais', formados pela mencionada politica de colonizacdo durante 0 Estado Novo. 2. A Reptiblica Populista: o Momento da "Colonizacao como Resposta do Estado as Lutas Sociais no Campo", de 1946 a 1964. Durante a Reptblica Populista, a politica agraria predominante foi a de colonizagao, até o inicio da crise do populismo. A década de 50 foi marcada pela emergéncia de lutas sociais no campo, e por uma progressiva articulacdo politica anfvel regional e nacional, de 1954 em diante, mediante as acdes da ULTAB e das Ligas Camponesas. A resposta do Estado sempre foi um reforco da politica de colonizacao, desde o segundo Governo Vargas até o final do Governo Kubitschek, destacando-se a ocupacao do Maranhao por grandes programas de colonizacao. ‘© espaco social produzido pelo processo da colonizacio comecou a apresentar grandes transformacées. Por um lado, 0 campesinato meridio-nal consolidava-se, apresentando seu apogeu econdmico e social, com o fortalecimento da producao alimentar e daquela voltada 4 agroindiistria regional. Por outro lado, o mundo do campesinato que vivia em redes de dominagio patrimonialista se alterava: © colonato, nas regides cafoairas, os moradores, no Nordeste, e os agregados, nas regides com pecuiéria e agricultura de subsisténcia, comesavam a ser exclufdos das grandes e médias propriedades. Com isso, alimentava-se o éxodo rural, para as cidades em répida urbanizacao e industrializacao, principalmente no Sudeste, e se iniciava a expansio do assalariamento rural Podemos observar que um total de 85 programas de colonizacao foram criados entre 1946 e 1964, dos quais 53 de responsabilidade oficial e 32 de responsabilidade particular (cf. Tabela 3); a Area coberta por tais programas chegou a 2.717.254 ha., a maioria em programas oficiais, cerca de 1.986.274. J4 0 contingente populacional instalado chegou a 17.155 familias, das quais 14.012 foram viver em programas oficias e 3.143 em programas particulares. Destacam- se os anos do Segundo Governo Vargas, responsdveis por metade das familias de colonos instalados no perfodo; e o Governo Kubitschek, no qual foram instalados cerca de um quarto dos colonos no perfodo. 44 Janeiro/Abril/95 Ensaios ¢ Debates A populacao que se procurava atrair para tais programas era constitufda por habitantes das regides empobrecidas, e por aqueles que nao tinham emprego; os camponeses instalados nestes programas poderiam ter acesso a terra, por concessao gratuita ou por venda. O alvo ideolégico era a formagio de uma “classe média rural", da qual o Estado esperava um comportamento politico conservador. Nesta perspectiva, foram organiza-dos programas de colonizagio no Maranhdo, em particular nos anos de 1959 a 1961, e no Centro-Ceste. Podemos datar da década de 50, a organizagao do movimento social de camponeses e trabalhadores rurais, em forma propriamente politica, reivindicando sobretudo a redistribuigao da terra e a instauracao de direitos trabalhistas. A fundagdo da ULTAB - Unido dos Lavradores e Trabalhadores Agricolas no Brasil, em 1954, e a organizagao da primeira Liga Camponesa, em 1955, em Pernambuco, sao 0s marcos iniciais desse movimento, que culmina, em 1963, com a fundag4o da CONTAG - Confederacdo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, em 1963.’ Na década de 60, inicia-se a expansao do sindicalismo dos trabalhadores no campo, representando camponeses e assalariados: havia pouco mais de 13 sindicatos até 1960, os quais chegaram, dez. anos depois, a cerca de 1.045." Nesta conjuntura, 0 regime populista forjava um projeto de desenvolvi- mento capitalista autonomo cuja estratégia baseava-se em uma redistribuicao da terra, da renda e da tecnologia rural. Assim, a expansdo do sindicalismo dos trabalhadores na agricultura deveria incorporar as massas rurais as redes de poder politico populista a fim de impedir que os grupos rurais articulassem iniciativas mais aut6nomas. Em outras palavras, 0 sindicalismo dos trabalhadores na agricultura apresentava desde seu nascedouro uma ambigiiidade fundamental: ou servir A representagio dos interesses das classes subaltornas rurais brasileiras, ou reafirmar as estratégias de cooptacdo por clientela orquestradas pelo Estado.’ 3. O Periodo Autoritério-M Reforma Agraria”, de 1965 21984. tar: o Momento da "Colonizagio Contra a ‘A década de 60 caracterizou-se pela progressiva centralidade da questio agraria na cena politica, o que veio a se expressar na estratégia das forcas politicas responsaveis pelo Golpe de Estado de 31 de marco de 1964 em relacio ao campo: ‘uma sistematica represso ao movimento dos trabalhadores rurais e camponeses foi desencadeada, tendo como um de seus objetivos silenciar a reivindicagdo por reforma agréria. Depois, o regime autoritério-militar veio a se definir por uma > MEDEIROS, Levnikle Séivule de stn dor wovimostossacias no cape. Rio de Janeiro, FASE, 1989; BASTOS, lide Rugai. As Ligas Camponesas. Petropolis, Vozes, 184, "IBGE. Sindicatoe:ndicadores soca, Rio de Janeieo, 1989, v. 1, p32. TAVARES DOS SANTOS, Jost Vicente. "Dominacio e modos de organizagSo rural no Brasil. I Revista Critor de Ciencias Soi, Coiobra, Centro de Estudos Socnis, n° 34, feverciro de 1992, p-131-147 ef. P. 136) Reforma Agraria 45 Ensaios © Debate: politica de colonizayav de novas terras, paralela a implantacdo de uma politica de modemizacao excludente na agricultura brasileira, e a uma tentativa de controlar as correntes migrat6rias. Neste periodo foi estruturada e implementada a mais relevante etapa do processo da colonizagao de novas terras na sociedade brasileira contemporanea: foram implantados 262 programas de colonizasao, a maioria deles de responsabilidade particular, atingindo 147, e outros 115 de responsabilidade oficial (Cf. Tabela 4, visualizada nos Graficos 4 e 5). A superficie dos programas atingiu quase 24 milhoes de ha (23.720.395), a maior area tendo sido destinada aos programas oficiais (19.854.521 ha), e uma pequena parte aos programas particulares (3.865.874). Também a maioria das familias fol instalada em programas oficiais de colonizacio, pois das 162.468 familias de colonos instaladas no perfodo, um contingente de 134816 familias (83%) foram dirigidas a programas oficiais, enquanto que 27.652 familias foram instaladas em programas particulares. Grifico 4 Programas de Colonizagao - Brasil - 1965 - 1984 (Mor (ran BArorAL| Programas TOTAL oF 83 ‘Anos 46 Janciro/Abril/95 Ene Gréfico 5 Programas de Colonizagéo - Brasil -1965-1984 Familias Instelad. 30,000 25.000 Gear 3 20.000 mor j 15.000 TOTAL, © 10.000 5.000 Ao se comemorar os trinta anos do Estatuto da Terra, cabe lembrar que esta lei compunha-se de quatro partes: a primeira era dedicada a politica de reforma agréria e da politica agricola; a segunda, detalhava a execucao da reforma agréria; a terceira, referia-se a uma politica de desenvolvimento rural; e a quarta parte, regulava os direitos de usucapiao e de parceria.” A anilise das disposigbes do Estatuto da Terra referentes a colonizacao de novas terras, nos remonta ao primeiro ato de politica agraria do Governo Castello Branco (1964-1966), a Emenda Constitucional n° 10, de 9 de novembro de 1964, que introduziu duas modificagoes importantes na legislacao fundiéria. A primeira modificacao dizia respeito as condicdes legais para a desapropriacdo de terras (art. n° 4, alterando o artigo 141, § 16 da Constituicao Federal de 1946), preservando 'o pagamento de prévia e justa indenizagio em titulos especiais da dfvida publica, com cldusula de exata correcio monetiria™; isto 6, no mesmo texto em que se previa o pagamento das desapropriagdes em titulos especiais da divida pUblica, possibilitando a redistribuigao de terras, ficavam 03 proprietérios de terras salvaguardados de eventuais perdas pois se lhes assegurava a correcao monetéria nas indenizagdes. Outra modificagdo que teve efeitos marcantes permitia ao Poder Executivo a concessao de terras ptiblicas, de 4reas superiores a 3,000 ha., sem prévia autorizacao do Senado, para projetos de colonizacao. * Para uma andlise detalhada, ct. Matuhasexusto utes (do Sul pare & Amazin) Petropolis, Vozes, 1983, esp. Patel, Capll p62. ™ Presdéncia da Repablice, Miniotéio Extrordindrio para Asuntoe Fundidic, Cletives: Lilo Agrra, Lagisagn de Reisras Pais, risprudéncia.Brastin, MEA, 983, p. 575577 Reforma Agrai Ensaios e Debates Estatuto da Terra foi promulgado em 30 de novembro de 1964, Lei n° 4.504", contendo a Mensagem Presidencial que o encaminhava uma significativa mencao a colonizagao: "Nao sio desprezadas as possibilidades oferecidas pela colonizagio, sobretudo com vistas & necessidade de expansio de nossa fronteira agricola ¢ @ ocupagio dos vazios ‘geognificos que a vastidao do nosso territério ainda est apresentando (Item 23)”. Ainda na primeira parte do Estatuto da Terra foi definida a colonizagao: "Colonizagio,toda aatividade oficial ow particular, que se destine a promover o aproveitamento econémico da terra, pela sua divisdo em propriedade familiar ou através de Cooperativas (Art 4, IX)”. Na terceira parte da lei, formulava-se a "politica de desenvolvimento rural’ e, para implementé-la, criava-se o INDA - Instituto Nacional de Desenvolvimento ‘Agrério, entre cujas finalidades estava a execugdo da politica de colonizacio. Delimitava-se, primeiro, a colonizagao oficial: "Na colonizagio oficial, 0 Poder Piiblico tomard a iniciatioa de recrutar e celecionar pessoas ou familias, dentro ou fora do territério nacional, reunindo-as em micleos agricolas ou agroindustriais, podendo encarregar-se de seu transporte, recepcio, hospedagem e encaminhamento, até a sua colocagio e integragio nos respectivos nicleos. (Art. 55)" Em seguida, a lei estabelecia os marcos da colonizag4o particular: "Para os efeitos desta Lei, consideram-se empresas particulares de colonizacio as pessoas fisicas, nacionais ou estrangeiras, residentes ou domiciliadas no Brasil, ou juridicas, constituida e sediadas no Pais, que tiverem por finalidade executar programa de valorizagio de drea ou distribuigio de terras. (Art. 60)" Percebe-se que o Estatuto da Terra constituiu um corpo jurfdico acerca da propriedade e uso da terra, o qual estipulava um feixe de politicas - reforma agréria, colonizagéo e desenvolvimento rural - a serem acionadas segundo a constelacio de poder vigente. Desde sua promulgacao, em novembro de 1964, até ‘comecar a ser implementado segundo as orientacdes do Poder autorit4rio-militar, no final da década de 60, outras decisdes foram sendo tomadas. Tais decisdes visavam, em conjunto, viabilizar a nova incorporacao da Amazonia a economia brasileira, antes mesmo que se regulamentasse a politica de colonizacao. Primeiro, ‘em 1965, foram aplicados 4 Amazonia os incentivos fiscais até entio autorizados para o Nordeste”; segundo, foram criadas algumas agencias federais importantes, a SUDECO - Superintendéncia da Regio da Fronteira Sudoeste, em 28 de novembro de 1965, o Sistema Nacional de Crédito Rural, 0 Banco da Amazonia, ‘em 28 de setembro de 1966, e a SUDAM - Superintendéncia do Desenvolvimento da Amazénia, em 27 de outubro de 1966; terceiro, estabeleceu-se a Amazonia Legal, vasta regido abrangendo os Estados do Amazonas, Paré, Acre e Mato © dem, ibider,p. 12-56. © Emenda Consitucional n* 18, de 1 de janeiro de 1965 48 Janciro/Abril/95 Enssios ¢ Debates Grosso, uma parte do Maranhao e de Goids (ao norte do paralelo 13) 03 entao territérios de Rondénia, Roraima e Amapé."* Foram promulgadas, no mesmo dia 27 de outubro de 1966, as normas referentes a politica de colonizacéo, as quais viriam a ser implementadas progressivamente a partir de 1970, perdurando até o final do regime autoritério- militar. Novamente, efetuou-se a definicao: “Colonizacio ¢ toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso a propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econdmico, mediante o exercicio de atividades agricolas, pecudrias e agroindustriais, através da divisio em lotes ou parcelas, dimensionados de acordo com as regides definidas na regulamentacdo do Estado da Terra, ou através das cooperativas de produsao nela previstos (Art. 5)". Por outra parte, este decreto estipulava um conjunto de normas sobre © processo da colonizacdo: para a selecdo dos colonos, envolvendo prescricées de idade (entre 21 e 60 anos), de profissio (nao serem proprietérios rurais, de inddstrias ou de estabelecimentos comerciais; nio serem funciondrios ptblicos) e de biografia ("possuam boa sanidade fisica e mental e bons antecedentes"); para sua residéncia na parcela; seu regime de trabalho (‘comprovada vocacao" para o exercicio da atividade agréria) e sua racionalidade no empreendimento (‘demonstrem capacidade empre-sarial para geréncia do lote na forma projetada’) = (Art. 64). Paralelamente a colonizacao oficial, a lei indicava a colonizagio particular: "A colonizacao particular tem por finalidade complementar e ampliar a agéo do Poder Pablico na politica de facilitar 0 acesso a propriedade rural através, de empresa organizada para sua execucao”.(Art.81). Tais empresas poderiam usufruir de um conjunto de subvengdes e estimulos estatais: acesso a terras dispontveis e financidveis a longo prazo; obras e recursos de infra-estrutura; selegio, capacitagio e encaminhamento de agricultores; apoio a pedidos de financiamento de seus projetos (Art. 88). A colonizacao particular poderia, também, organizar-se por intermédio de cooperativas de colonizagio (art, 30). ‘As disposicdes do Estatuto da Terra, regulamentadas dois anos depois, estabeleceram um sistema de colonizacao cujos elementos constituintes foram: as reas a serem colonizadas; as agéncias responsaveis, oficiais e particulares; 0 financiamento das operagbes de venda dos lotes rurais; a organizacéo do espaco nos nticleos de colonizacao; e os mecanismos de selecao dos colonos a serem instalados nos programas de colonizacdo. A clientela dos programas de colonizacao foi delimitada mediante tais procedimentos de selegao social, dando- se preferéncia aos camponeses minifundidrios das regides meridionais. Como resultado da implantacao do sistema de colonizasio, estabeleceu-se um forte controle do espaco e dos homens que vinham a habitar esses espacos. "bei 5.173, de27 de outubro de 1966 e, depois, Lei Complementar 31, de 11 de outubro de 1970. Decreto.n* 59.428, de 27 de Outubro de 1956. In: Presidéncia da Repablica, Op. Cit. P. 120-142, Reforma Agraria 49 Ensaios ¢ Debates ‘A politica de colonizagao, durante vs Governos do Perfode Autoritério- militar definiu uma nova regiio de expansao agricola, a AmazOnia, na qual situavam-se a maioria dos programas de colonizacao organizados no periodo. Os fluxos migratérios, no perfodo, apresentaram duas direcdes predominantes: no sentido campo-cidade, no Centro-Sul e Nordeste; e tendo como destino éreas rurais e urbanas localizadas na AmazOnia. Os programas de colonizagio estiverem fortemente presentes em trés das quatro correntes migrat6rias interregionais que se configuraram desde a década de 1970": ‘a) Nordeste-Sul: teve sua origem nos Estados do Nordeste, em Minas Gerais e no Espirito Santo, e como regides de destino os Estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Parand; b) Sudeste-Oeste: abrangeu tanto migrantes do Nordeste quanto naturais do Sudeste, em especial dos estados do Espirito Santo e do Paranda, que se deslocavam para o Centro-Oeste e Norte, dirigidos e estimulados pelos programas de colonizacio, oficiais e particulares, assim como pelas politicas de desenvolvimento regional; c) Nordeste-Norte: este fluxo, jé iniciado desde o ciclo da borracha, foi incrementado na década de 40 e adquiriu forte impulso com ‘a construgio da rodovia Transamaz6nica, em 1970, com 0 estimulo dos programas de colonizacao oficial no Par4; d) Syl-AmazOnia Ocidental: retraca 0 movimento demogréfico originado no Rio Grande do Sul, para 0 oeste de Santa Catarina e Paran4, tendo apresentado um desvio para 0 Paraguai e norte da Argentina; mas se dirigiu, nos «ltimos vinte anos, para Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondénia e Acre, regides nas quais foram organizados programas oficiais e particulares de colonizacao. espaco social agrario tornou-se muito mais complexo neste perfodo, como efeito da moderizacio desigual ¢ excludente da agropecudria, mas também como resultado da politica de colonizacao. Por um lado, o campesinato meridional entrou em crise, sob o peso da expansio do binémio trigo-soja, passando a transferir-se para a regiao oeste da regio Sul, e, nos anos 70, para a ‘Amazénia Ocidental, sob a tutela dos programas de colonizacao, oficiais e particulares.” Por outro, a proletarizayao dos trabalhadores na agricultura se consolidou nas regides da média e grande producao, sendo o trabalhador temporario, 0 "béia-fria", a grande personagem dos conflitos agrarios nos anos 70, nas regides cafeeiras do Parand e de Sao Paulo, e do acticar, no Rio de Janeiro e na Zona da Mata Nordestina” CENTROS DP ESTUDOS MIGRATORIOS, Migrates: xa forgade. So Poul, Paulina, 1980, p. 2. "TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Matuchas, excusto ute Petropolis, Vous, 199. " DINCAO, Maria Conceigho. A qustto do bia,fria. Sto Paulo, Brasiliense, 1964; SIGAUI co dircts: estudos sobre trababtadres da cana de apicar de Pemambuc. Sio Paulo, Duss Ci NEVES, Delma, Por tras dos vende canaias. Nitrsi, EDUFF 1989, ),Ligia. Os clandestnos¢ lades, 1979; PESSANHA 50 Janeiro/Abril/95 Ensnios « Debates Reapareceu na cena social e politica 0 camponés posseiro, em Iuta pela posse da terra e contra a expansio dos capitalistas rentistas na Amaz6nia ocidental ¢ oriental, capaz de engendrar outras formas de relacionamento com o na critica da sociedade baseada na propriedade privada da terra”. Todavia, a figura social produzida pela politica de modernizagao nos programas de colonizagio foi a do 'colono-modelo’, em tudo a antitese do posseiro: constituin o camponés tecnicamente mais moderno, aquele que tivesse adotado a modemizagio tecnolégica prevista no modelo de desenvolvimento agricola, cristalizando a idéia de "progresso’; ainda mais, seria aquele camponés politicamente conformista: 0 seu perfil de comportamento politico 6 a submissio, configurada na figura do "pioneiro’. Revelou-se, por conseguinte, uma dimensao constitutiva do processo da colonizagao: 0 paradoxo resultante de uma percepgio de enclausuramento, por parte das populagdes de colonos, em um espaco potencialmente ilimitado, percepgao fundada na vivencia de relaoes de poder, sejam autoritsrias, sejam de clientela.”” A enorme expansio dos programas de colonizagio nao impediu o gririos, os quais expressaram um sistemdtico mercado, com o trabalho ¢ expressando u recrudescimento dos conflitos recurso a violéncia por parte das classes dominantes agririas, para a defesa da propriedade fundidria ¢ das relagdes de trabalho extorsivas. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se as lutas sociais, reorganizadas a partir da liberalizagao gradual do regime politico: desde 1974, as lutas pelo valor do produto, na Regiao Sul; desde 1978, as lutas pela terra, a partir do Rio Grande do Sul e da Amazonia; e desde 1979, as lutas pelos direitos do trabalho e as greves nas regides cacaueiras © canaviviras, no Nordeste ¢ no Sudeste. Fxpressivamente, os grificos indicam que foi exatamente a partir de 1975 que houve um sistematico crescimento do naimero. de programas de colonizagao, da Area abrangida e do volume de familias instaladas em programas de colonizacdo. Deste modo, 0 fim do regime autoritrio-militar, e a transigao para o regime civil, viriam a repor no centro do debate politico a questao agraria MARTINS, José deena, Camila dia da noite Sas Paulos Hue, 989, > TAVARES DOSSANTOS, Jone Viet Mutu, esha eta Petals, Vora, 1 Reforma Agraria 51 Eneaios @ Debates - Brasil - 1985 - 1994 Programas de Colonizag: 250: 200: 150: 100: TOTAL 50. IDOF Programas. 0. OF 8 88 87 68 89 90 a TOTAL 92 93 ‘Anos 4 Gréfico 6 4, A Nova Reptiblica: 0 Momento da "Reforma Agréria Limitada", de 1985 1994. © primeiro Governo da Nova Repiblica promulgou o I PNRA - Plano Nacional de Reforma Agraria, sob forte pressdo dos proprietérios fundiarios com severas reservas do movimento camponés e de trabalhadores rurais, apés um intenso debate politico no perfodo de maio a outubro de 1985". Os assentamentos realizados no perfodo de 1985 a 1994 - abrangendo os Governos Sarney (1985-1989), Collor (1990-1992), e Itamar Franco (1993-1994) - podem ser avaliados pelos seguintes dados: chegaram a 850 programas de assentamento, todos de responsabilidade oficial, envolvendo 141.922 familias, e cobrindo uma drea de 8.125.428 ha. (Cf. Tabela 5, visualizada no Grafico 6 e 7). Pode-se perceber uma répida aceleracao da instalacéo de familias de agricultores no Govemo Sarney, uma queda no Governo Collor e uma pequena retomada no Governo Itamar. Em relagio ao periodo autoritério-militar, houve um significative aumento do ntimero de projetos, ainda que em rea trés vezes ‘menor; e o nfimero de familias assentadas em dez anos quase igualou o nimero de familias instaladas pela politica de colonizagao anterior. SILVA, José Gomes da, Cand porter, Sto Paul, Ed, Busea Vida, 187; TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. *"Depois da Constituint’ a colonizacio agecola, uma solugho para a crise agréria brasileira” In: Revista Reforma Agrira, Campinas, ABRA, Ano 18, 1°? agosto-noverbro de 1988, p. 3651. 52 Janeiro/Abril/95 Ensaios e Debs Programas de Colonizacao - Brasil - 1985 - 1994 Familias Instaladas 35.000 30,000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 [rota JOF Familias 85 OF 88 87 88 89 99 gy TOTAL Anos 92 93 4 Grifico 7 Neste perfodo, evidenciou-se uma progressiva retirada do Estado da politica de bem-estar social no campo, e a tentativa de universalizar 0 complexo agroindustrial, aumentando a exclusio social. Uma configuracao especifica, embora nao totalmente nova, do campesinato adquiriu a forma dos camponeses vinculados por contrato as agroind.strias, em particular nos ramos da avicultura, suinocultura e fumicultura, no Sul e Sudeste do Pafs.* Ao mesmo tempo, a crise econémica provocou 0 efeito paradoxal de crescimento da producao de alimentos, em grande parte por pequenos produtores, entre 1980 e 1985, assim como uma expansio dos pequenos estabelecimentos, em sua maioria minifundidrios, no Nordeste e no Sul.” De modo significativo, os grandes personagens da segunda metade dos anos 80 e do inicio dos anos 90, foram os camponeses e trabalhadores "sem terra", protagonistas de uma forte organizagao politica, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que foi se disseminando por varias regides brasileiras, recusando a politica de colonizacao e recolocando a questao da fungao social da propriedade fundidria e da necessaria efetivagéo de uma reforma agraria; apés a ‘obtencao da terra, este Movimento foi incentivador de formas cooperativas e coletivas de producao no perimetro dos assentamentos. Ao mesmo tempo, nao deixou de se fazer presente o exercicio da violéncia no campo e de se registrar a presenca de formas coercitivas de relacbes de trabalho. ® PAULILO, Maria Ignes Silveira. Produtor ¢aprondstria:consensose dssensos. Floianépelis, Editora da UPSC, 1990; MENEZES, Francisco, Politica Agricola ¢ Govemo Collor. Rio de Janeiro, FASE, 1991. ® REZENDE, Gervdsio Castro de. Crise Extonae Agricultura: Brasil Anos 80. Rio de Janeito, FASE, 1988. Reforma Agraria 53 Enasios ¢ Debates 5. Conclusao: a Continuidade da Colonizagao de Novas Terras. Desde a instauragio da Nova Reptiblica, ao longo do perfodo que denominamos de ‘reforma agréria limitada’, de 1985 a 1994, a politica de assentamentos do I Plano Nacional de Reforma Agraria apresentou resultados muito similares, do ponto de vista das regides de instalagao das familias, a politica de colonizag’o do periodo autoritério-militar, conforme indica uma comparacdo entre os dois perfodos. Vale relembrar a distribuicéo regional dos programas de colonizacao, implementados entre 1927 e 1984, e dos programas de assentamento, entre 1985 e 1994, segundo o volume de familias instaladas. No primeiro periodo, entre 1927 e 1945, a regido Centro-Oeste e a regio Sul apresentaram o maior contingente de colonos; no perfodo seguinte, entre 1946 e 1964, a regiao Centro-Ceste acolheu metade das familias, seguida pela regido Nordeste, Gréfico 8 Programas de Colonizagéo e Assentamento - Brasil - 1927-1945 milias Instaladas - 12% 54 Janeiro/Abril/95 Ensaios © Debates Grafico 9 Programas de Colonizagho e Assentamento Brasil - 1946-1964 Familias Instaladas Noe a centro Nordeste 51% 2% su Suseste T% ™% Gréfico 10 Programas de Colonizagéo e Assentamento - Brasil - 1985-1984 Familias instaladas Norte 65% onto 0 Nordeste 17% ‘Sudeste Su o 25H Ensaios ¢ Debates ‘Observando, agora, a distribuigéo regional dos programas de colonizagao implementados durante o periodo autoritario-militar, identificamos a predomi- nancia da regidio Norte (65% das familias instaladas), Centro-Oeste (17%), as duas chegando a instalar 82% dos colonos, e a regiao Nordeste (11). Finalmente, os dados disponfveis sobre os assentamentos realizados entre 1985 e 1994, revelam que se manteve uma expressiva participasio de assentamentos na Regiao Norte (50%) e Centro-Oeste (13%), totalizando portanto 63% das familias instaladas, embora a regido Nordeste tenha aumentado sua participagio (26% das familias assentadas). E digno de nota o fato de a Regiao Sul no apresentar um aumento da participacdo no total de familias assentadas, mantendo-se em 5% em ambos os perfodos, malgrado o expressivo aumento das lutas sociais pela terra ocorridas nesta regiao nos iltimos dez anos. Grdfico 11 Programas de Colonizagao e Assentamento - Brasil - 1985-1994 s Instaladas. Norte 50% centro O 13% 56 Janeiro/Abril/95 Ensaios ¢ Debates A indicagao dos principais Estados brasileiros onde se localizaram os programas de assentamento indica uma expressiva concentragdo nos mesmos Estados onde se processava a realizacao de programas de colonizacio, de 1927 a 1994. Tal continuidade vem a sugerir que ainda nao se efetuou, até hoje, uma politica de reforma agréria no Brasil, se entendermos por tal nogdo uma redistribuicdo da propriedade da terra, e uma redistribuicdo do poder, no espao agrario. Sabemos que o campo de conflitos agrarios no qual se insere a politica de assentamentos é muito diverso daquele configurado pela politica de colonizacao, sendo a maior diferenca a presenca das lutas pela terra e de movimentos de colonos e trabalhadores sem terra, em varias regides, inclusive nas regides Centro- Oeste e Norte"; por outro lado, tais mobilizagoes nao conseguiram alterar 0 contingente de familias instaladas nas regides Sul e Sudeste. O que se verifica é a Teiteracio das praticas de serem utilizadas 4reas localizadas nas novas terras do territorio brasileiro, a fim de serem implementados programas de colonizacio, primeiro, e de assentamentos, mais recentemente. Nao obstante, nem um nem outro tipo de programa de instalagao de agricultores tem resolvido a questao agraria, evidenciando a continuidade de uma forma de dominagao, a colonizacao de novas terras, na sociedade brasileira Bil iografia ASTI, Fide Raat Ac igac Camponrcac Potmipaie, Varo, 1084 CENTRO DE ESTUDOS MIGRATORICS. Migrantes:éxodo orade. S40 Paulo, Paulinas, 1980 DINCAO, Maria Conceicio. A quesido dobar, So Paulo, Brasiliense, 1984, [BSTERCI, Neide. O mito da democracia no Pat das Banderas. Rio de Janeiro, PPGAS - Museu Nacional da UFR), 197. IBGE. Sindicatos:ndcadores soi. Rio de Janeiro, 1989, v.1, p31. IANNI, Octavio, Origos agirias do estado railei. Rio de Janeiro: CivilizagHo Brasileira, 1984. LENIIARO, Alsi Colnizugse rabato no Bras - Os ais 90. Campinas, Ea da UNICAMP, 1986, MARTINS, Joné de Souza, Caminlada no cio denote, Sto Paul 1989 MEDEIROS, Leonilde Servolo de, Histina dos movintntas aca no campo, Rio de Janeiro, FASE, 1989. MENEZES, Francisco. Politica Agricola e Gover Collor. Rio de Janciro, FASE, 1991 NEIVA, Wwany Camara. O out lado de Colonia: contradiges «forma de resistencia popular na Calinia Agricola Nacional de Gos, Brasia, PPC: Sociologia da UnB, 1984, PAULILO, Mata Ignez Silveira, Produtor eaproindisria:consenss ¢disenses, Forianspo 1998, PESSANHA NEVES, Delma Ports dos verdes camavais. iter, EDUFF, 1989 REZENDE, Gervisio Castro de. Crise Exemtae Agriculture: Brasil Anos 80, Rio de Janeiro, FASE, 1988, ROMEIRO, A. ¢t ali ongs) Reforma Agra pradacio, prego e rida -O Relatrio da FAO em debate, Rio de Jani, ‘VOZES/IBASE/FAO, 1934, Ealtora da UPSC, % Entre outros, ef ROMEIRO, A. e ali (orga). Reforma Agraria: product, emprego¢ ronda -O Relatorio da FAO em debate. Rio de jancio, VOZES/IBASE/FAO, 1984 Reforma Agraria 57 Eneaios ¢ Debates SIGAUD, Lig. Os dandestnes dict estado abr trabaadores da cana de acer de Pemambuc. So Paulo, Dust Cidades, 1979. SILVA, Joat Gomes da, Cando por terra. S80 Paulo, Ed. Buscs Vida, 1987, TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. "Depots da Constituint: a colonizacio agricola, uma solucto para a crise ngrivia breieia? In: Revista Reforma Agri, Campinas, ABRA, Ano 18,1" 2, agosto/novembro de 1988, 2655, As novas terras como forma de dominagio". In: Revista La Nava. So Paulo, CEDEC, ‘samargo de 1991, p. 67-82. on sBominagto © modos de organizacio rural no Brasil. In: Revista Cron de Ciencias Soci ‘Goimbre, Centro de Estudos Socais, n* 34, fevereio de 1992 p.131-147 "Matuchos, exclusdoetula(o Sul para a Amazénia). Petropolis, Vozes, 19. “A conatructo de um outro olharsociol6gico sobre o eampo*. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE “SOCIOLOGIA, Naturezy, Histriee Culture: rpensando o social. Porto Alegre, Editora da Universidade - LURRGS, 19%, p. 77-84 (Cadernon de Sociologia, Programa de Pos-graduacto em Sociologia, v4," especial). Indice das Tabelas 1, Projtos de Colonizagio ¢ Assentamento Brasil - Lista Geral - Pertodo 1927-1994 - Ordenado por Ano de Instalacson 2. Projeton de Colonizacio © Assentamento - Brasil - Lista Geral - Pertodo 19271945 - Ondenado por Ano de Instalagto 3, Projetos de Colonizagdo © Assentamento - Brasil - Lista Geral - Perfodo 1946-1964 - Ordenado por Ano de Instalagao, 4, Projetoe de Colonizacio Astentamento - Brasil - Lista Geral - Pertodo 1965-1984 - Ordenado por Ano de Instalaao 5, Projetcs de Colonizagio ¢ Assentamento - Brasil - Lista Geral - Perfodo 1985-1994 - Ondenado por Ano de Instalacio 6: Projeton de Colonizngio © Accentamante - Bra - sta Caral -Perfodo 1927-19 -Ordenado por Reyito Indice dos Graficos 1. Projtos de Colonizacio © Assentamento - Brasil - Lista Geral -Perodo 1927-1994 - Niimero de Programas 2. Projet de Colonizacio e Astentamento - Brasil Lista Geral -Perfodo 1927-184 - Arca dos Programas 23, Projetos de Colonizagdo e Assentamento- Brasil -Linta Geral -Periodo 1927-199 - Farias Irstaladas 4. Projtos de Colonizagdo © Assentamento - Brasil - Lista Gna - Perfo 1965-1984 - Namero de Programas 5: Projtos de Colonizagto © Assentamento- Brasil -Lista Geral -Perfodo 1965-194 - Fai Irstaladas 6, Projetos de Colonizaggo e Assentamenta - Brasil -Lista Geral -Periodo 1985-1986 - Nimero de Programas 17, Projtos de Colonizagio¢ Assentamento - rail - Lista Geral Perfo 1985-1994 - Faris Italadae £. Projetos de Calonizagio e Assentamento - Brasil: Lista Geral -Perfodo 19271945 - Farias Istaladas 9, Projtos de Colonizagaoe Assentamento rant - Liste Gera - Perfo 10463064 - Faring Iataladas 10, Protos de Colonizagéo ¢ Assentamento- Bras - Lista Geral -Perodo 19651984 - Farias Intaladas 11. Projetos de Colonizagio e Assentarento- Brasil - Lista Geral -Perfodo 1985-1954 - Faria instaladas 58 Janoiro/Abril/95 Ensaios e Debates TaBELAs PROGRAMAS DECOLONZAGAO E ASSENTAMENTO -BRASI-LISTA GERAL 'BERIODO 1027-1994 ‘ORDENADO POR ANO OA INSTALAGAD PROGRAROS TEAR Fans wo [rovat or Pat ror “oe pan tora, "oe pat wt Po} soos] ay aoa] — 3 ao = Esco ae at ia att otis 00 60] 160 eo sen etter = to pett [elie ao oto = = eo ep = sete tet fe foto. > = [eo tao |r i rc =. 2 apt el Soo | some Pepa ‘sac con | — sooo 000 | 1.000 [ae a frets | can gsr] —earaoo| ree] iret — ato | aa BE ats Ps fsa a0) 7 so_| 3} || — sate 2658| a0] — 25 ze st 3 joss} — sais —ers8| “sor ad a3 | saseet —a 207] a1 625 — 00] err 273 sles Zot aes | Poe ae Biss | 68) se 1-1} ~““iro00 |" 00 | sooo} 572] aan | 265 S18 fa fats res [78 75510 000| aos | — eas] 185 [Te ST aco] sco] sano | ana 30 fae Sets [1 | ataeae [a5 tos] posste| ~ eno! se er a Sefer sa [ies sea | 35.000] esr rast [7 | sizra|—2925|—as.z00| 500] a6 |] etfs Te ff asa ne | sas roe 1050 | axe] ras ra sc[ zest | —zeast 10 600 toe “reso “ooo oso} as | as | a [oe ee aa a se | are ere te | 8 | mean ao te] 6 fase tees a [oes esse 1.456] a a ase] —t5 975 a ei Sepa 20 a tt an Boe et sans] — saa] — at 78 2 T0561 e061 |e 5 [ae | aur ser | aor am. 20) Se ize] ath fre Ta aaa [air se 8.9] mee te fan fait ws 7s ro se 10} 0 S12 | Bsr arr | ose ee | on 82 ape is 70a | e270 fa fee apse 016 149 767 eet oie 7p Praoonrart 1165082 | ste ts eefog Tis ts | asses astsss| —29a71 [83 fogs] — ros] : ‘ae [-ap foe fof aor 3 aor 3 7 er—| pet ae | of isoease| renee weasel oft prt oP serait teoraae 22508 [toate oP iran rir eve] tee} — sofa oe tof ast nf aaa} sate at_| re] rato [sos] sonore a358| leet 299 | von | 0755 3 75 99, BI, 2818 e[ar par [of eso | tesont 208-4368] ae [oe seu e622 vino Ln srorat | +241 [1080] 191 [3.091 61] 32.507 27] 5.043.054 [359.0471 227250 [30 796 Reforma Agriria 59 Ensaios e Debates TABELA2 PROGRAMAS DE COLONIZAGAO_E ASSENTAMENTO - BRASIL PERIODO 1927 - 1945 ORDENADO POR ANO DE INSTALAGAO. PROGRAMAS "AREA (ha) FAMILIAS ANO|TOTAL1 OF Part] Area. OF Part _|Familias OF Part 27 4 503.753] 509.755] 3.649] 3640 28 ol of o | o] ol 29 ‘of oto o ol o] | 30 [1 [of 8134] 8.f34] Tit iit 31 11 of 19.900] 19.900] 160] 160] a2 11 |— of 9.060] 9.060] at aio] 33 ‘oof | Ql 132] 132] — | 34, ‘of of ol ol Ol qo 35 1] ol ol Q ol ‘of _} 36 of oto 9] | ‘ol of Of 37 oo} ol | o ol ol Om 38. 411 | _of 2200] 2200) ‘o| 785) 785] —o} 39 1 [of ol q oj o ‘o_o 40 of 0 |} ol o ol o o| 1-4 | 0} 250,000] 250-000] ‘of 3.986] 3.996] Of aT1{ dl ol oF o ‘o_o a1 | of 300:600| 306.000] ‘of 40.000] 10,50] 0} 11-1 | of 484.000] 484.000) ol o of Of selar[t_ [7884957] 1.037.957 Ol gf 421 2.621.004] q GO Janeire/Abriv95 Ensaios e Debates TABELAa PROGRAMAS DE COLONIZAGAO - BRASIL -LISTA GERAL PERIODG 1946. 1964 ‘ORDENADO FOR ANO DA INSTALAGAO Trans — REA fay FATS ano otal OF pat | rota, "OF Pex_| tora. oF Part as] 00 0 7 7 7 7 a7_[-1_ {1+ 1-0} —va500] — rao] Zar] a6 [5+ _| —a20.700] — 222-70] ca ‘aa_[-6 [3 [| — 10770] 19.770 i [oe 8.405] 20a] 50 sal si_|-e }-3 [5 | 10.53 ——asisl 6.11 587] sa[ 6 [a [2 se.ssel—a7.207] a1. 300] A B18] 5 ee 2 372] 558 | }-a | 315 755] 13.755] 200. s6[ 5 |e | 1 [ — sasool—— 00] —— 38.009) srs 1 [2 | aiaezal 33.105) — 305 5 se] 6 [3 {3 | — taro] 12820] — 1350] so] -«}-3 [1] “tet seal — 125.508] —a5.00] 6o_|-7-}-2- | -|— strat — 2.053] 25 20] a a a TED ef-s 2 1 zeit — 20085 ra ep 2p 7.850] 4000) 35 ai 125) Bas) ef 3.325 3.375 of 122 12 q Foust [35-5 wa | 277 5a) 986 27a] —Toaswo| —THss] —_Taora] 3) Reforma Agréria 61 Ensaios e Debates TABELAG PROGRAMAS DE COLONIZAGAO - BRASIL. LISTAGERAL PERIODS 1965. 1986 ‘ORDENADO POR ANO DAINSTALAGAO_ as TERS TRS io prorat oF tora, TOTAL ban Spe Z tat —oree] — ee Tie] —ae0 3 e]——fees| — pear — eet rea[ tres —oraeit reser] a ‘oan “| —“pee[ ar a7 + eo] — seem] —ters| ease] soe rot 7 4 ee ZT ir Sa Sre| Seer oar] sees eal 2a a ott —taoees — esses — bran] —asoe] tae] 0a a a Teeset eeeert— sot = oA saorser | 2oTme7i| ase 160] 277] Tass | — ae St arase[vese|—air dee] —2m66| sae ener {tt tort its tose ees] eat] sae Taitaeo[ Tasso] aes 10] arses | Wore] Base qi Se sts aerart | nasesos|poosse]—aeaio| —2a7oa] i708 Teel tasess above | sos 20 | — ta es] sooo] eas St ee aeisors neste] aces] te reo] Bs Pe | ctsetar| teteee] aie ros azra| — sass] see a Seong] passe —seani | sou | 31] tor Teva asso sie Lronsesnr] saeeava] Tense | —Toeare| —o7ase 62 Janeire/Abriv95 Ensaios Debates TABELAS. PROGRAMAS DE COLONIZACAD - BRASIL -LISTA GERAL PERIODO 1865. 1994 (ORDENADO FOR ANO DA INSTALAGAO AREA pay AN, yor," oF 20435] 25.05. Biss. gael a 30.452 | T600.452 a2see| 22.684 7187-443 [1.607 442 22.908 | 22.506. = TUrA1| TZ A3t 16.326 | 16.326, : 231-365 | 231-363. 3312] — 9312) 06.75 | 606.075 74360 | 74368 775593 | 1.755.953 23789] 2a 709 Yes.081 | — 165.091 4260| — 4268 282125 Ti7I0| 71.710. 3.125.408] 6.125.428 Far-sz2 | —7ai.922, Reforma Agriria 63 Ensaios e Debates TABELA 6 Projetos de Colonizacao e Assentamento - Brasil Periodo 1927-1994 - Por Regio Periode de 1927 # 1945 Regio__| Programas | __Aroa Familias Centro O aj 558.450) 13,565] Norte 6] __782.627| 4521 Nordeste: 445.716} 6316 ‘Sul 2al 1.660.951] 10.712] Sudeste 20.260) 1.388] ‘BRASIL aa] 3.468.004] 36.502 Periodo de 1946 a 1964 Regido | Programas |__Area Familias Centro 25] _1,098.107| 8.695] Norte | 51.105| 571 Nordeste De] 1.188.437 5.547| Sul 15 27.468 1.157] Sudeste 16| ___352.137| 1.187| BRASIL a5] 2.717.254] 17.155] Periodo de 1965 a 1984 Regiio | Programas | _Area Familias Centro 0 129] 3.724.164] 27271 Norte. 46] 18.579.512| 107.079] Nordeste a] 1.155.716] 47.081! Sul 35|___ 181.570] 7.335] Sudeste 16 79.431 3.702 BRASIL ‘Beal 23.720.395] 162.468] Periodo de 1985 a 1994 Regiéo _| Programas |__Aroa Familias Centro O Tor] 1.164.257 18.153] Norte 211] 5.381.842] 70.634 Nordeste 315] _ 1.251.983] 36.995] Sul 153) 148.719] 7.0711 ‘Sudeste 64] 177.593] 9.182] BRASIL Bool 8.124.428] 142.035} 64. Janeiry/Abriv95 Ensnios ¢ Debates, Reflex6es sobre a Politica Agraria Brasileira no Periodo 1964 - 1994. Luis Carlos Guedes Pinto! I. Uma Breve Descricgo 1-Antecedentes: do Descobrimento (1500) & Promulgacio do Estatuto da Terra (1964). A ocupacao do territério brasileiro pelos portugueses a partir de 1500 (descobrimento) até 1822 (independéncia politica) se d4 com base na concessio de sesmarias pelos reis (ou seu delegados), aos senhores de posses vinculados a Coroa. As sesmarias, medidas em léguas (6.000 m), constitufam-se em imensas reas de terras. A estrutura fundiéria brasileira nasce, pois, sob a égide da grande propriedade rural, o latifandio. A exploracao econémica das sesmarias, face as circunstancias do mercado mundial, e a subordinacao da colonia a Portugal (0 monop6lio comercial da coroa, também chamado 0 exclusivo metropolitano), impde o cultivo de um s6 produto (no caso a monocultura da cana-de-agticar), que vai se desenvolver com base na ‘exploragao da mao-de-obra escrava importada da Africa. Kecha-se assim 0 quadro que vai dominar a economia brasileira durante alguns séculos: a grande propriedade, monocultora, com base na mdo-de-obra escrava, voltada para o exterior. Poder-se-ia acrescentar, tendo em conta a atualidade do tema, que esta atividade foi extremamente predatoria, destruindo ampla e aceleradamente os recursos naturais (j4 em meados do século XVII encontram-se ordenacdes da Coroa manifestando preocupacées com este problema). Por o¢asiao da Independéncia (1822), face A ruptura com Portugal e a auséncia de uma legislacao que regulamentasse a posse da terra, tivemos um breve periodo em que homens livres passaram a ocupar pequenas 4reas de terras, devolutas, que prolongou-se até a aprovacio da Lei n® 601 do Império (conhecida como Lei de Terras), em 1850. Na realidade, durante estes 28 anos, que alguns * Profesor de Economia Agricola do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Presidente da AssociagSo Brasileira deReforma Agra - ABRA, Reforma Agriria 65 Enaaios © Debates autores chamam da era das posses, 0 nfimero de posseiros que se assentam em terras piblicas foi relativamente pequeno nio alterando 0. perfil da estrutura agréria do pafs, que continuava assentado no latiftndio monocultor (agora estamos na época do café, em plena expansio), utilizando mao-de-obra escrava e voltado para 0 exterior. © pais atravessa alguns momentos extremamente significativos de sua historia durante o século XIX, sem qualquer mudanca substantiva na distribuicao da propriedade da terra. Assim tivemos a Independencia (1822); 0 fim do tréfico de escravos (1851); a libertagao dos escravos (1888) e a proclamacao da Reptiblica (1889). Politicos e outras figuras proeminentes deste periodo, inclusive de postura conservadora como José Bonifacio de Andrada e Silva, chamaram a atengao para a necessidade de facilitar 0 acesso a terra com vistas a estimular 0 progresso econémico e a abertura social. De fato, estamos diante de um proceso onde os grupos dominantes na sociedade brasileira se anteciparam e conduziram, de acordo com seus interesses, as mudangas acima mencionadas. © periodo que vai de 1889 a 1930, conhecido como da Primeira Repéblica ou Reptblica Velha, foi dominado pela oligarquia cafeeira. Grandes Areas foram incorporadas ao processo produtivo e os imigrantes (europeus, em maior escala, € japoneses) passam a desempenhar um papel relevante no proceso produtivo. ‘Aumenta 0 nfimero de propriedades e de proprietérios em relagdo as décadas anteriores, mas em sua esséncia, a estrutura fundidria se mantém inalterada. ‘A revolugao de 1930, que derruba a oligarquia cafeeira, dé um novo impulso ao processo de industrializagao, introduz a legislacao trabalhista e da ao Estado um papel proeminente no processo econémico, nao intervém na ordem agraria, O governo que entao se instala, através de um golpe em 1937 instaura a ditadura e prolonga-se até 1945. Com o fim da Segunda Grande Guerra, temos também a redemocratizacao e a elaboragao de uma Nova Constituigao (1946). O pafs continua seu processo de transformacio com a industrializagio e a urbanizacao aceleradas. A questao agraria comeca a ser colocada com uma énfase cada vez maior, como um obstaculo ao desenvolvimento. Dezenas de projetos de lei de reforma agraria so apresentados ao Congreso Nacional. Nenhum ¢ aprovado. No final dos anos cingiienta e inicio dos sessenta, intensificam-se a debates e amplia-se a participacao popular em relacao as reformas estruturais, consideradas essenciais para o desenvolvimento econdmico e social do pafs. As assim chamadas reformas de base (agréria, urbana, bancaria, universitaria) entram na ordem do dia. Entre estas, sem ditvida alguma, é a reforma agraria que polariza as atencdes. Em 11/10/62, através da Lei Delegada n® 11, é criada a Superintendéncia de Politica Agraria - SUPRA, com as atribuicdes de: a) colaborar na formulacao da politica agraria do pais; b) planejar, promover e executar a reforma agraria e, em cardter supletivo, as medidas complementares de assisténcia técnica, financeira, educacional e sanitéria, Em margo de 1963 é aprovado e sancionado o Estatuto de Trabalhador Rural, que passa a normatizar 66 Janeire/AbriVO6 Ensaios ¢ Debates as relacdes de trabalho no campo, que até entdo estivera A margem no que se refere a legislacao trabalhista. No final de 1963 e infcio de 1964 0 movimento popular cresce extraordinariamente e, como contrapartida inevitavel, comeca a articular-se a reacdo. Em 13 de marco de 1964 0 Presidente da Repablica assina decreto prevendo a desapropriagio, para fins de reforma agréria, das terras localizadas numa faixa de 10 quilémetros ao longo das rodovias, ferrovias e acudes constru{dos pela Unido. No dia 15 do mesmo més envia ao Congreso Nacional a mensagem de abertura da sessao legislativa, propondo uma série de providencias consideradas “indispensdveis e inadiaveis” “para atender as velhas ¢ justas aspirag3es da populagao”. A primeira destas providéncias propostas era a reforma agraria. Para tomé-la vidvel pleiteava mudangas na Constituicao, em particular no que se refere A desapropriacao por interesse social, cujo pagamento deixaria de ser prévio e em dinheito. No dia 31 de marco de 1964 ocorre 0 golpe de Estado, com 0 apoio das forcas armadas e dos segmentos conservadores da sociedade brasileira, A maior parte das liderancas progressistas do pafs, incluindo deputados, senadores e governadores de Estado, é afastada da vida politica através da cassagao dos Tespectivos mandatos e/ou dos direitos polfticos. ‘O novo governo, sob lideranca militar, surpreendentemente inclui entre as suas prioridades a realizacao da reforma agréria. Este compromisso assumido publicamente reflete o nivel que havia atingido o debate do tema no pafs. Em conseqiiéncia, o Presidente da Repiiblica designa um grupo de trabalho, sob a coordenacao do Ministro do Planejamento, para a elaboracao de um projeto de lei de reforma agraria. £ oportuno recordar que neste mesmo perfodo varius paises da Ameri Latina entdo se propondo a realizar programas de reforma agréria, e para tanto estio adequando a sua legislacéo, em decorréncia dos compromissos internacionais assumidos com a assinatura da Carta de Punta del Este, onde as replicas do continente se propde a “impulsionar, respeitando as particularidades de ‘cada pais, programas de reforma agriria integral ... a fim de substituir 0 regime de latifiindios e minifiindios por um sistema justo de propriedade, de maneira que ... a terra se constitua para o homem que a trabalha, em base da sua estabilidade econdmica, fundamento do seu crescente bemt-estar e garantia de sua liberdade e dignidade” (artigo 6 6 grupo de trabalho avanca rapidamente em seus estudos e conclui que a alteracdo do dispositivo constitucional que regulamenta a desapropriacao por interesse social, ¢ pré-condicio para implementar um programa de reforma agraria. Como conseqiiéncia é elaborado um projeto de emenda constitucional, rapidamente aprovado pela Camara dos Deputados e pelo Senado Federal, que permite a Unido promover a desapropriacio da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenizacao em tftulos especiais da divida piblica. (Emenda Constitucional n° 10 de 10/11/1964). Reforma Agraria 67 Ensaios e Debates Vinte dias ap6s, em 30 de novembro de 1964, é sancionada pelé Presidente da Repiblica, apés aprovacao pelo Congreso Nacional, a Lei n* 4.504 que dispoe sobre o Estatuto da Terra e dé outras providéncias. Trata-se de um texto longo (128 artigos), detalhista, abrangente e, deve-se dizer, bem elaborado. Na realidade, como dizia a mensagem n* 33 que encaminhou o projeto de lei ao Congreso Nacional “nao se contenta o projeto em ser uma lei de reforma agréria. Visa também a modemizacio da politica agricola do pafs tendo por isso mesmo objetivo mais amplo e ambicioso; é uma lei de Desenvolvimento Rural’. O Estatuto esta dividido em quatro partes: Titulo I. - Disposigdes Preliminares Titulo I - Da Reforma Agraria Titulo III - Da Politica do Desenvolvimento Rural Titulo IV - Das Disposicdes Gerais e Transitorias Sabe-se, através de depoimento de membros do grupo de trabalho jé referido, que ainda que © objetivo inicial fosse elaborar uma lei de reforma agraria, a conjuntura, e as circunstincias: politicas do perfodo, obrigou-os a incorporar 0 tema relativo a politica agricola. £ oportuno destacar que mesmo fazendo esta concessao, o texto da lei distingue clara e nitidamente as medidas de reforma agraria daquelas de politica agricola (ou de desenvolvimento rural). Assim sendo, as questdes relativas a tributacao da terra e a colonizacao, que freqiientemente sio apresentadas como substitutivas da reforma agréria, estdo colocadas sob o Titulo III da lei - Da Politica de Desenvolvimento Rural - com 0 propésito de diferenciar, de forma a nao deixar a menor diivida, os dois campos de atuacdo. Faralelamente foram criados dois érgaos distintos, para tratar das diferentes agdes: o Instituto Brasileiro de Reforma Agraria - IBRA, para cuidar da reforma agraria, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrario - INDA, para executar a politica de desenvolvimento rural. Consciente das maiores dificuldades que encontraria em sua ago 0 rgio responsével pela reforma agraria, determinou a lei a subordinacao do IBRA diretamente a Presidéncia da Repablica, enquanto ficava o INDA vinculado ao Ministério da Agricultura, tradicionalmente bem relacionado, para nao dizer ligado, aos interesses do patronato rural. ‘A mensagem n* 33 a que j4 nos referimos, encaminhando 0 projeto de lei ao Congreso, apresenta de forma clara e objetiva a situacao do campo no pais, comprometendo-se ao mesmo tempo com a sua transformasao. O problema agrario considerado prioritario com base na sua dimensao politico-social. Reconhece-se a extrema concentracao da propriedade da terra no Brasil ¢ a situacao de miserabilidade em que vive parcela significativa da populacao rural, as tensdes sociais daf decorrentes e a auséncia de qualquer perspectiva de superacao deste quadro, se ndo houver mudanca na estrutura agraria. Sao apresentados os fundamentos econdmicos da reforma agraria e seu impacto altamente positivo deste ponto de vista, em especial no que se refere ao aumento 68. Jancire/Abriv9s Ensaios e Debates, da oferta de produtos agropecudrios e alargamento do mercado consumidor. Destaca também o caréter democratico da solucdo proposta para o enfrentamento do problema agrério do pafs, realcando a importincia da funcao social da propriedade. Concluindo podemos afirmar que, do ponte de vista estritamente legal, 0 Brasil estava dotado do instrumental juridico ¢ institucional necessério para desencadear um programa nacional de reforma agraria. 2. Trinta Anos de Estatuto da Terra: 1964 - 1994, As principais ocorréncias no campo da reforma agréria nos diltimos trinta anos, isto 6, ap6s a promulgacao do Estatuto da Terra, sao descritas a seguir de forma bastante sintética. A nomeacao da primeira Diretoria do Instituto Brasileiro de Reforma Agraria logo apés a sua instalacio no final de 1964, demonstra que os grupos politicos que fizeram incorporar ao Estatuto da Terra a parte relativa a politica agricola - abrindo desta forma a primeira brecha que viria a permitir uma série de desvios como veremos a seguir - eram mais fortes e prevaleceram. Esta afirmagio tem como fundamento 0 fato de que os membros do grupo de trabalho mais combatives e comprometides com 0 projeto de reforma agrdria foram marginalizados. De outro lado, as primeiras iniciativas do IBRA, ao invés de dirigirem-se no sentido de agdes concretas com vistas a redistribuicao da propriedade da terra, ou seja, projetos efetivos de reforma agraria, através da desapropriagéo e demais instrumentos previstos na lei, concentraram-se na realizado de levantamentos de dados, principalmente através do cadastramento dos iméveis, e sua andlise. Para tanto montou-se, inclusive, um aparato para processamento das informacdes dos mais avangados para a época. Foi tao grande © envolvimento com este tipo de atividade que poder-se-ia dizer que os meios tomaram-se 0s fins. Em margo de 1965 sao baixados dois Decretos (n*s 55.889 ¢ 55.891), onde, por um lado, as atividades de zoneamento, cadastro e tributacao passam a ter primazia sobre aquelas relativas a desapropriacio por interesse social; por outro, passa a mencionar-se como meios a serem utilizados pelo Poder Pablico para a ‘execugao da reforma agréria a tributacdo, a assisténcia e protecdo a familia rural, a colonizacao, a desapropriacdo por interesse social ou utilidade publica € 09 “demais meios complementares previstos na legislacao em vigor”. Em 1967 0 IBRA promove a realizagio de um grande encontro sobre Ocupacio do Territério, onde a énfase ¢ a colonizacao, a expansao da fronteira. Ora, como ja apontamos anteriormente as atividades relativas a colonizacao eram uma atribuicéo do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrério, mesmo porque estavam contempladas no Titulo III do Estatuto da Terra, que trata da Politica de Desenvolvimento Rural. Na realidade esta iniciativa do IBRA, ainda que em contradicio com a lei, estava antecipando mudancas futuras, que comentaremos a seguir. Reforma Agraria 69 Ensaios e Debates Em 1968 foram publicados trés documentos extremamente significativos sobre as distorges que ocorriam no érgao responsével pela execugdo da reforma agréria no Brasil. Trata-se dos Relat6rios do General Luis Carlos Pereira Tourinho (interventor do IBRA) e do Grupo de Trabalho Interministerial criado pelo Decreto n* 63.250 (para fazer uma avaliacao das atividades do IBRA), e do informe da Missao da FAO. Os dois primeiros textos apontam fatos lamentaveis, como aspectos relatives a imoralidade e corrupcdo administrativa, ‘empreguismo e o caético sistema de gestéo implantado. Destacam também que, no plano orcamentario, os maiores recursos eram destinados ao Departamento de Cadastro e Tributacao, nao havendo praticamente agdes concretas de reforma agréria. O informe da FAO também destacava a auséncia de realizacdes, bem como uma série de desvios de natureza conceitual e pragmética. Propée ainda o informe um conjunto de medidas para desencadear um efetivo programa de reforma agréria, chegando a indicar a meta de 250.000 familias a serem assentadas por ano, ao longo dos seguintes 20 anos. ‘Os debates que se seguiram a publicagao dos documentos acima referidos tiveram grande repercussao e chegaram a sensibilizar o Presidente da Republica (Costa e Silva, 0 2 do ciclo militar iniciado em 1964) que, com base nos poderes discricionarios decorrentes do Ato Institucional n’ 5, baixa 0 Ato Institucional n*9 dotando o pais de um instrumental jurfdico extremamente forte para a desapropriagao por interesse social uma vez que: a) a justica passava a ter um prazo de 48 horas para deferir a petic4o expropriatoria e mais 24 horas para a expedicao dos competentes mandados de imissao de posse e de transcricéo de propriedade em nome do IBRA, o que se fard dentro do prazo improrrogavel de 3 dias da data da apresentacao do mandado; b) o valor da indenizagao da propriedade, na falta de acordo seria aquele declarado pelo seu titular para fins de pagamento do imposto territorial rural. Estes dispositivos praticamente nunca foram utilizados. Em 1970, 0 Decreto-Lei n® 1.110 do dia 9 de julho, extingue o IBRA_e 0 INDA e cria o Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria - INCRA, subordinado ao Ministério da Agricultura. Como o proprio nome indica, o novo 6rgo passa a ser responsavel pela reforma agréria e pela colonizagao, sendo que © seu primeiro Presidente assume anunciando a prioridade desta tiltima em relagdo a primeira, A subordinagio ao Ministério da Agricultura, de tradicao patronal, implicava, no que se relaciona a reforma agrria, ndo apenas num rebaixamento institucional, mas sobretudo politico, uma vez que o IBRA fora vinculado diretamente a Presidéncia da Repablica. ‘A partir de 1970 sao lancados pelo Governo Federal varios programas especiais de desenvolvimento regional que, direta ou indiretamente apresentam- se como substitutivos da reforma agraria. Entre estes temos o Programa de Integracao Nacional - PIN (1970); o Programa de Redistribuicdo de Terras e de Estimulo a Agroindistria do Norte e Nordeste - PROTERRA (1971); 0 Programa Especial para o Vale do Sto Francisco - PROVALE (1972); © Programa de Polos 70. Jancire/AbriVos Ensaios e Debates, Agropecuarios e Agrominerais da Amazénia - POLAMAZONIA (1974); 0 Programa de Desenvolvimento de Areas Integradas do Nordeste - POLONORDESTE (1974). Posteriormente mais de uma dezena de programas similares foram criados, abrangendo a regido Centro-Ceste, o Norte-Fluminense, novas éreas do Nordeste, 0 Sul de Mato Grosso, a regiio geo-econémica de Brasilia, o Noroeste do Parané e a Lagoa Mirim entre outros. Sobre o PIN e 0 PROTERRA, sem diwvida alguma os programas que mereceram maior atencdo e aos quais foi destinada uma soma significativa de recursos, acrescentaremos algumas informagdes. O PIN, com o propésito de ocupar parte da Amazénia, ao longo da rodovia Transamazénica, atravéo de projetos de colonizacao com base nas agrovilas buscava integrar “os homens sem terra do Nordeste com as terras sem homem da Amaz6nia”. Na prética, entretanto, © que se verificou foi que a maior parte das aproximadamente 5.000 familias que se deslocaram para regido eram procedentes do Sul do pats, principalmente dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Diversos estudos demonstram que os custos foram elevadissimos, 0 namero de familias beneficiadas reduzido e 0 impacto sobre a regiao insignificante, © PROTERRA, instituldo pelo Governo Federal como um dos instrumentos para enfrentar a longa e intensa seca que atingia a regiao criou uma estrutura administrativa e mecanismos operacionais paralelos ao INCRA. Mesmo sendo um programa passou a ter sede e funciondrios proprios. Recuou no que se refere as desapropriacées, na medida em que o pagamento das terras foi feito 8 vista, em dinheiro, cabendo aos proprietérios escolher as areas que deveriam ser expropriadas, Ao mesmo tempo permitiu aos mesmos proprietatios desvincula- rem-se das obrigacoes trabalhistas com os empregados que atuavam nestas areas. ‘Além de um alcance baixfssimo - depois de quatro anos de sua criago havia assentado 491 familias segundo a Confederacdo Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG ou 894 segundo o INCRA - 0 programa liberou créditos altamente subsidiados aos fazendeiros 0 que, somado ao pagamento em dinheiro das terras desapropriadas (e pelos mesmos selecionadas), transformou-se numa verdadeira negociata agraria, como denunciou por diversas vezes 0 movimento sindical dos trabalhadores rurais. Finalmente cabe destacar 0 desprezo e a nao utilizagdo de toda a legislacao existente, e ja citada, que permitia a desapropriacao com pagamento através de titulos da divida ptblica, resgatdveis em vinte anos, para nao falar dos dispositivos draconianos do Ato Institucional n* 9. No final de 1969, quando o Estatuto da Terra comemorou quinze anos de existencia, a Associacao Brasileira de Reforma Agraria - ABRA promoveu um evento em Campinas para avaliar as realizagoes do perfodo no que tange a reforma agréria, ao qual compareceram representantes dos trabalhadores rurais e de outras entidades, além de estudiosos de universidades e drgaos governamentais. Vale recordar algumas das constatagdes do encontro: a) 9.327 familias haviam sido beneficiadas através de projetos de reforma agraria e 39.948 através de projetos de colonizagio; Reforma Agraria 74 Ensaios © Debates B) 0 indice de Gini da distribuicdo da terra no Brasil havia passado de 0,731 (1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975); ©) se fossem consideradas no célculo também as familias sem terra (uma vez que os valores expressos no item anterior foram calculados apenas quanto & distribuicdo da terra entre os que sao proprietédrios) o indice de Gini passa a 0,879 (0960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975); 4) oconjunto dos 50% dos menores iméveis detinha 4,4% da 4rea total com uma area média de 4,4 ha em 1960, e 1,4% da area e 3,1 ha de 4rea média em 1975. De outro lado, 1% dos maiores iméveis apropriavam 44,4% das terras com area média de 3.328 ha em 1960 e 44,6% das terras com 4rea média de 3.576 haem 1975; @) quanto ao ITR, o valor da terra nua declarado (e aceito pelo INCRA) em 1975, variou de Cr$ 900,62/ha para os minifindios, a Cr$ 42,40/ha para os iméveis de mais de 10.000 ha; 6) enquanto os minifiindios tiveram o ITR lancado em Cr$ 2,36/ha em média, os iméveis de mais de 10.000 ha tinham-no em Cré 0,51/ha ou seja, em base 4,6 vezes menor; 8) no que diz respeito a arrecadacao do ITR, o INCRA conseguiu receber 68,7% do imposto langado sobre os miniftindios e 18,6%, do devido pelos imoveis de mais de 10,000 ha. A principal conclusio do evento poderia ser sintetizada dizendo-se que 0 Titulo II do Estatuto da Terra, que trata da Reforma Agraria, havia sido na pratica abandonado, enquanto o Titulo III que trata da Politica Agricola, dirigida aos que tém terra, havia sido implementado em larga escala. No inicio da década de 1980, no Governo do General Joao Figueiredo (5° Presidente Militar pés 64), face ao agravamento dos conilitos relativos 4 posse de terra na regiao Norte do pals, institui-se 0 Ministério Extraordindrio para Assuntos Fundiétios - MEAF e os Crupos Executives de Terras do ‘Araguaia/Tocantins - GETAT e do Baixo Amazonas - GEBAM. Como se verifica, uma vez mais o INCRA, 6rgao piblico jé existente e criado especificamente para agées fundidrias (de reforma agraria, titulacdo, colonizacao, ete) ¢ marginalizado, instalando-se novas estruturas para desempenhar suas fungées. Note-se que, a0 mesmo tempo em que 0 INCRA € ignorado, procura-se reconhecer a importancia da questao agréria ao instituir-se um Ministério Extraordinario para o seu enfrentamento. © balanco das realizagées do GEBAM e GETAT, posteriormente extintos, da mesma forma que o MEAF, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de titulos de terra de posseiros regularizados. Destaque-se que a énfase de toda a acdo fundiaria dos seis anos do Governo Figueiredo concentrou-se no programa de titulacio de terras, ficando as acdes de reforma agréria para um plano secundério, para no dizer ignoradas. Durante este sexénio foram 72. Jancira/Abriv95 Ensaios e Debates assentadas 37.884 familias, todas em projetos de colonizacao, numa média de 6.314 por ano. A agio fundiaria dos cinco governos militares no perfodo 1964-1984, pode ser resumida através da seguinte tabela: Tabela 1 - Agio Fundiaria no Perfodo dos Governos Militares - 1964/1984 cOLONAGKG-REFORMA AGRARIA pecuLaRizacio ‘AREAS DESAPROPRIADAS AREAS Fawias ineas Areas ines |ARRECADADAS BENEFICADAS DISCRMINADAS ARRECADADAS _BENEFICIADAS 0) byes 3) Unidas 0) =) Unidades 1a5mibses 185, 170minbes 115ml «S08mibtes 107 imine 119d Fonte: INCRA A Lei n® 8.022 de 12/04/90 transferiu para a secretaria da Receita Federal, do Ministério da Fazenda, a competéncia referente a administracao das receitas arrecadadas pelo INCRA, em especial o Imposto Territorial Rural - ITR. ‘No comeso dos anos oitenta comeca a articular-se a partir do Estado do Rio Grande do Sul, uma acdo coordenada de ocupasao de terras ociosas por parte de trabalhadores rurais auto-denominados sem-terra. Estas ocupagdes que vio multiplicar-se ao longo dos anos, manifestando-se também em outros estados da federacao, vao dar origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, que se constitui formalmente em 1985 com a realizagao do seu 1° Congreso Nacional. Este movimento, que hoje tem sua Coordenacao Nacional em Sio Paulo, e atua através de Coordenacdes Estaduais em 20 estados e no Distrito Federal, realizara em julho do corrente ano o seu, 3 Congresso Nacional. Sem davida alguma a atuacdo do MST tem se constituido em um fator de pressio fundamental sobre o poder pitblico, tanto estadual quanto federal. Cabe registrar em 1983 0 langamento em Sao Paulo de uma Campanha Nacional pela Reforma Agraria, reunindo entidades e pessoas comprometidas com a realizagao de um programa de transformacio da estrutura agréria do pats. Esta campanha, com imensas dificuldades persiste até os dias de hoje, e tem atuado através da publicacao de boletins e da realizacao de alguns atos pablicos em favor da reforma agraria. Em 1985, depois de 21 anos de governos militares toma posse um Presidente civil, 0 vice José Sarney, face ao impedimento do titular Tancredo Neves que, acometido de grave doenca vem a falecer. Sarney, em principio, leva pratica 0s compromissos assumidos por Tancredo Neves com a Conferéncia Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (Igreja Catélica) e com 0 movimento sindical dos trabalhadores rurais, no sentido da realizagéo de um efetivo Reforma Agraria 73 Ensaios ¢ Debates programa de reforma agréria. Para tanto cria um Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrario - MIRAD, ao qual passa a subordinar-se 0 INCRA. Para Ministro é nomeado um advogado e professor universitario do Pard, com vinculos estreitos com a Igreja Catdlica. Para Presidente do INCRA, 0 6rgao executive do Ministério, é designado um dos mais combativos, senio 0 mais combativo, batalhador pela reforma agréria no pafs, que havia sido membro do Grupo de Trabalho que elaborou o Estatuto da Terra, tendo ficado A margem do processo quando da instalagao do IBRA. ‘A expectativa criada com a instalacio do MIRAD e as designacdes acima mencionadas, 6 amplificada com a presenga do Presidente da Reptiblica e varios de seus Ministros, na abertura do Congreso Nacional dos Trabalhadores Rurais promovido pela CONTAG em Brasilia, em maio de 1985, ao qual compareceram mais de 4 mil delegados de todo o pals, representando mais de 8 milhdes de trabalhadores do campo. Em seu discurso, no calor das emocées, 0 Presidente da Reptiblica compromete-se fortemente com a execucio das mudancas estruturais no agro brasileiro. O INCRA di inicio a elaboragao do Plano Nacional de Reforma Agraria- PNRA, previsto no Estatuto da Terra, o qual ¢ conclufdo rapidamente e prevé 0 assentamento de 1.400.000 familias ao longo de cinco anos. Paralelamente & elaboragao do PNRA, as forcas politicas contrarias 4 sua realizagao articulam-se em todo 0 pais, inclusive e especialmente no Congreso Nacional, € passam a pressionar fortemente o Presidente da Repiblica. ‘Quando o Plano Nacional de Reforma Agraria é encaminhado ao Gabinete do Presidente, a fim de que seja assinado o decreto que deveria aprové-lo, as pressdes se multiplicam e 0 decreto que acaba sendo editado, ainda que mantenha a meta de 1,4 milhdes de beneficiarios, sofre algumas mudancas radicais que, por um lado indicam um enorme recuo e, por outro, tornam invidvel a concretizagio das metas. Apenas para que se tenha uma idéia das alteracdes introduzidas no texto do Decreto, e no seu espfrito, cabe destacar duas pela sua “originalidade” uma que diz que os latifiindios (por dimensao ou por exploracao) que estejam cumprindo sua funcao social (sic) nao poderao ser desapropriados; outra toma as dreas com alta incidéncia de arrendatérios ou parceiros ndo desapropridveis. Em outras palavras, a primeira cria a figura do latiftindio produtivo; a segunda colide frontalmente com o Estatuto da Terra (artigo 20) que reza exatamente o contrario. ‘© epis6dio da assinatura do Decreto que aprovava 0 PNRA levou 0 Presidente do INCRA a demitir-se, no que foi acompanhado por praticamente toda a equipe que vinha se estruturando no INCRA para executar o Plano. Como ja se previa, o Governo Sarney, que se prolonga até 1990, deixa como saldo um miimero extremamente reduzido de beneficidrios de projetos de reforma agraria, menos de 10% da meta original, conforme se constata através da seguinte comparacao: 74 Jancire/Abriv95 Ensaios ¢ Debates Tabela 2 - Metas e realizagSes Governo Samey: 1985/1990 PROGAAMADAS DOIPWRA METAS EXECUTADAS Assentamento (0° 6 amis) 1.400.000 snoco Desapropagdo (oa om ha) 000000 4500000 Fonte: INCRA No decorrer da década de oitenta deve ser registrada a significativa ampliagao e fortalecimento dos orgaos (Institutos, departamentos) estaduais que tratam dos assuntos fundidrios. Praticamente todos os estados da federacao contam hoje com este tipo de instituicao, sendo que em seu conjunto, atingiram um ndmero de beneficidrios de programas de reforma agraria que se assemelha aquele do INCRA. Merece um destaque especial o trabalho do Congresso Nacional durante a elaboracao da Constituigao aprovada em 1988. Ha absoluto consenso entre os que acompanharam estes trabalhos, que o mais polémico de todos os temas discutidos @ que foram incorporados no texto final da carta, foi aquele relativo a desapropriacdo da terra para fins de reforma agraria, que se encontra no capitulo Ml (Da Politica Agricola e Fundidria e da Reforma Agraria) do Titulo VII (Da Ordem Econ6mica e Financeira). Houve imensa e intensa mobilizacao das forcas sociais interessadas na questdo, destacando-se as atividades desenvolvidas pela Uniao Democrética Ruralista - UDR, que articulava os segmentos patronais, contrarios a qualquer dispositivo que permitisse a desapropriagao por interesse social, mesmo das 4reas ociosas. Contando com o apoio dos setores conservadores da sociedade, que controlam a maior parte dos bens patrimoniais, inclusive a terra, a UDR conseguiu, no contexto de uma constituinte que adotou varias teses consideradas avancadas, articular seus interesses utilizando-se das mais variadas manobras, fazendo prevalecer, ainda que por escassa maioria, o seu ponto de vista. Tudo 0 que se incorporou a Constituicao em termos da funcao social da propriedade rural e desapropriacao por interesse social foi anulado pela introdugdo do inciso II do artigo 185, que diz que “a propriedade produtiva” é insiiscetivel de desapropriacdo para fins de reforma agraria, nao definindo o que entende por propriedade produtiva. Tal dispositivo, como se previa, tem dado margem A infindAveis disputas judiciais. £ oportuno recordar neste momento que © Capitulo II do Titulo VI, que trata da Politica Urbana, é muito mais avangado quando dispoe sobre a desapropriacao da propriedade urbana (sobre este assunto Reforma Agraria 75 Ensaios e Debates foram escritos dezenas de artigos e, inclusive, um livro - O Buraco Negro, de José Gomes da Silva - ao qual remetemos os interessados em maiores detalhes). Ainda sobre a Constituicao Federal de 1988 deve-se destacar 0 artigo 51 do Ato das Disposicdes Constitucionais Provisérias que determina a revisdo pelo Congreso Nacional, através de Comissdo Mista, nos trés anos a contar da data de promulgagao da Constituicao, de todas as doacdes, vendas e concessdes de terras ptiblicas com Area superior a trés mil hectares, realizadas no periodo de 1° de Janeiro de 1962 a 31 de Dezembro de 1987, estabelecendo os critérios para a revisio. Passados seis anos e meio da promulgacéo da Constituicdo, sequer a Comissao mista do Congresso Nacional foi instalada. Em 21/10/87, o Decreto-lei n’ 2.363 extingue o INCRA passando suas atribuigdes para o ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrario - MIRAD, e cria o Instituto Jurfdico de Terras - INTER, ao mesmo tempo em que, através do Decreto n? 95.074 altera a estrutura basica do MIRAD para adequar-se as novas atribuicoes. Em 29/03/89 o Decreto Legislativo n* 02 rejeita os termos do Decreto-lei n® 2363/87 ficando em conseqiiéncia restabelecido o INCRA, com suas competéncias anteriores. © Governo Collor (1990/92) se propde a assentar 500.000 familias. Na pratica, extingue o MIRAD e, com sua politica de desmantelamento da administragio ptblica, acelera 0 proceso de desgaste a que vinha sendo submetido o INCRA ha diversas gestdes. Com a extingao do MIRAD 0 INCRA volta a subordinar-se ao Ministério da Agricultura, agora com o nome de Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agraria - MAARA. ‘Apesar de seu. compromisso inicial, 0 programa de assentamentos é paralisado, cabendo registrar que nesse perfodo ndo houve nenhuma desapropriagao por interesse social para fins de reforma agraria. © Govemo Itamar (1992/94), com todas as dificuldades decorrentes da situagdio em que assume, procurou retomar alguma iniciativa no que se refere aos projetos de reforma agréria. Aprova um Programa Emergencial para o assentamento de 80.000 familias, das quais 23.000 sio atendidas com a implantagdo de 152 projetos numa 4rea de 1.228.999 ha. No final de 1994, ap6s 30 anos da promulgacdo do Estatuto da Terra, periodo que ultrapassa o de uma geracdo, o total de familias beneficiadas pelo Governo Federal e pelos 6rgios estaduais de terra, em projetos de reforma agraria e de colonizacao, pode ser sintetizado na seguinte tabela elaborada pelo INCRA: 76 Jancire/AbriV95 Editorial Tabela 3 - Brasil-Assentamentos rurais até 1994 ‘ipos de Astentamento 6 Aven (rithies ha) Nimero de Familias Ae rdora gr (ote) 0 a 103518 agen luis etaduis 78 50 asta cobrizagios (gv-fedoah « 14 esses Toma. 1698 m2 250898 Fonte: INCRA, IL Algumas Constatagées (com base na experiéncia de 30 anos do Estatuto da Terra) 3, Sustentagio Politica Insuficiente. A primeira e principal constatagdo que emerge da andlise dos dltimos trinta anos é que, de fato, no contexto das forgas politicas que tem conduzido as decisdes governamentais a reforma agraria ndo encontrou um suporte politico suficiente que permitisse, além da aprovagao de atos de natureza formal (leis, decretos e outros tipos de decisdes normativas) e declaracées de intengdes, a sua efetiva implementacio. Mesmo tendo contado em alguns momentos com 0 apoio explicito de altas autoridades do poder executivo, e até do Presidente da Repablica, como foi o caso de Castelo Branco; de ter o suporte legal e instrumentos jurfdicos complementares de natureza radical (Estatuto da Terra e Ato Institucional n* 9); de dispor de um_ Plano Nacional, como o I PNRA qtte, aprovado por decreto do Presidente da Republica comprometia-se a assentar 1,4 milhdes de famflias num periodo de cinco anos; além de intmeras outras manifestagdes favoraveis oriundas dos mais respeitéveis representantes dos poderes legislativo, executivo e judiciario; de constar dos programas de todos os principais partidos politicos do pais; de fazer parte do programa de Governo de todos os candidatos a presidéncia nas tltimas décadas, a reforma agraria nunca encontrou um respaldo politico entre as forgas que controlam as acdes do poder piblico federal no Brasil. Nao cabe, nem € propésito deste texto, fazer uma andlise do jogo politico que tem dominado o pafs ao longo de sua histéria, e nos dltimos trinta anos em particular. O que se pretende destacar é que, mesmo fazendo concessées de natureza legal, formal, institucional e, em pequena escala, até mesmo operacional, os segmentos sociais vinculados aos grandes proprietarios de terra, indiretamente, tém conseguido impedir a execugao de um programa efetivo de Reforma Agriria 77 Ensaios Debates reforma agréria, uma vez que contraria os seus interesses, podendo calacar em xeque a sua propria dominagao. Isto nao significa, obviamente, ignorar os movimentos sociais que lutam pela reforma agraria em todo o pafs e que est4o presentes nos partidos politicos, atuando nos érgaos piblicos federais, estaduais e municipais, nos poderes executivo, legislative e judiciério; muito menos as contradigdes internas do proprio Governo. Entretanto, o predominio ¢ o das forcas politicas conservadoras que se opdem a mudanga da estrutura agraria do pafs, e as conseqiiéncias daf decorrentes. Esta constatacdo é fundamental e preliminar, uma vez que é um dos principais elementos explicativos de outras que se apresentam a seguir. 4. A Instabilidade e Enfraquecimento Institucional e a Manipulagio Politica do Orgao Responsdvel pela Reforma Agraria. A breve descrigéo apresentada no item 2 demonstra claramento a sucossao de alteracdes institucionais ocorridas ao longo das tiltimas trés décadas. Estas mudancas evidenciam, por um lado a perda da importancia relativa do ponto de vista hier4rquico-rebaixamento da Presidéncia de Reptiblica para 0 Ministério da Agricultura e, posteriormente, extingao do Ministério responsével (MIRAD) retornando ao Ambito da Agricultura - e por outro a auséncia de uma proposta de acao clara que devesse ser efetivada. A leviandade e irresponsabilidade com que a questdo agraria ¢ tratada institucionalmente, atinge 0 seu auge com a extingao do proprio Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria - INCRA em 1987, com a edigio do Decreto Lei n* 2.633, e a sua posterior anulacdo por meio do Decreto Legislative n’ 02 de 29/03/89. Paralelamente a estas alteragdes sucedem-se mudangas organizacionais internas que acentuam o grau de instabilidade. A descontinuidade administrativa ea auséncia de uma politica de formacao, capacitacaio e valorizagao dos recursos humanos levaram a um éxodo de muitos profissionais altamente qualificados e a um desanimo e descrenca entre os que ficaram. Esta situayau extremamente desfavoravel para a atuacao de qualquer 6rgao, é agravada pela continua reducao dos recursos financeiros ¢/ou inoportunidade de sua liberacio. Este enfraquecimento institucional atinge o auge durante o Governo Collor (1990/1992), quando quase toda a administragao publica federal é submetida, de forma irresponsavel e inconseqiiente, a um processo de desmantelamento e sucateamento, cujos reflexos est4o presentes até os dias de hoje. O INCRA foi fortemente atingido, com demissdes e disponibilidades de servidores em larga escala e sem nenhum critério objetivo, além de contratos irregulares de obras e servicos, denunciados e apurados através de comissdes de inquérito administrativo. ‘Acresca-se & instabilidade e enfraquecimento institucional, a manipulagao politica do 6rgao responsavel pela reforma agréria. Raros e de curta duracao foram 0s perfodos em que o IBRA/INCRA/MIRAD, esteve sob a direcao de 7B Jancire/AbriV95 Ensaios e Debates administradores comprometidos com a transformacao da estrutura fundidria do pats. Pelo contrario, predominaram os gestores vinculados aos proprietérios rurais ou oriundos diretamente deste grupo. Diversas foram as administracdes que se opuseram claramente as aces de reforma agraria entrando em conflito, inclusive, com os grupos técnicos respons4veis da instituigdo. Como conseqiténcia 08 critérios do mérito, da competéncia técnico-administrativa e do compromisso com 0 processo de mudanca social, foram substitufdos pelo apadrinhamento politico partidario, para a designacao dos ocupantes dos cargos de directo e chefia, tanto ao nivel central, em Brasilia, quanto ao nivel das delegacias e/ou superintendéncias estaduais. Ora, tendo em conta o predominio dos partidos conservadores, e que sua forca é ainda maior nos segmentos relacionados ao setor primério e nas regides onde a estrutura agréria é mais concentrada, nao ¢ diftcil compreender porque sio nomeados com freqiiéncia, para executar a reforma agraria, pessoas que nao tem nenhum compromisso com esta proposta, quando n&o se opdem abertamente & mesma. A subordinacao do INCRA ao Ministério da Agricultura, tradicionalmente de orientacio nitidamente patronal, articulada com 0s interesses dos grandes proprietérios, dificulta ainda mais sua atuacdo, na medida em que toda a tramitaco de cardter desapropriatério, que depende de atos do Presidente da Republica, passa necessariamente pelo Ministério © suas assessorias. A titulo ilustrativo 6 oportuno recordar que em diversos momentos, tanto o INCRA quanto o Ministério da Agricultura, estiveram sob 0 comando de grandes proprietarios de terras, algumas vezes inclufdos entre os maiores latifundidrios do pais, detendo dezenas e até centenas de milhares de hectares. 5. Distorgbes da Politica Agricola. A incorporacao da temitica relativa ao desenvolvimento rural no Estatuto da Terra, através do Titulo III, além de ter dado pretexto a freqiientes desvios na aluaséo governamental no campo da reforma agraria, através de sua aplicagio distorcida contribuiu para o agravamento da situagao fundidria do pafs. Com a institucionalizacao do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, a partir de 1965, o financiamento a atividade agropecuaria tomou-se o principal instrumento da politica agricola. Durante quase duas décadas as taxas de juros reais foram negativas, sendo que na segunda metade dos anos setenta o valor pago pelos mutudrios foi em média inferior a 50% daquele compactuado. Bilhdes de délares foram desta forma transferidos para os tomadores de crédito rural. Tendo em vista que menos de 20% dos estabelecimentos rurais tiveram acesso a esse financiamento altamente subsidiado, e que entre estes ocorreu uma grande concentragao dos recursos (houve anos em que 1% dos maicres tomadores receberam 38% do total do crédito), verifica-se a centralizacao dos beneficios nas maos de um pequeno ntimero de proprietérios. Estes recursos, fartos e baratos, foram utilizados freqiientemente para a aquisicdo de mais terras, o que por sua vez facultava um maior acesso a esse crédito favorecido. A utilizagio destes Reforma Agriria 79 Ensaios e Debates, recursos financeiros foi ainda mais grave, na medida em que era freqiiente o seu desvio, ou seja, a sua nao aplicagao de acordo com 0 projetado, o que foi reconhecido através de depoimentos pelos proprios presidentes do Banco do Brasil e Banco Central e Ministro da Fazenda. Inimeros escandalos deste tipo de desvios foram denunciados, tendo ocorrido inclusive o assassinio de um promotor ptblico em Pernambuco, a mando de grandes proprietérios. Em sintese, 0s recursos destinados ao financiamento da producdo agropecuéria, subsidiados pelo conjunto da sociedade, foram em parte aplicados na compra de terras. Estudos similares a estes que demonstram a concentragdo do crédito, indicam que a maior parte dos recursos destinados a outros instrumentos operacionais. da politica agricola (precos_ minimos, seguro agricola, armazenamento, assisténcia técnica, pesquisa) foram, direta ou indiretamente, destinados a atender os interesses dos maiores proprietérios. ‘A aplicagao dos dispositivos do Titulo III do Estatuto da Terra - Da Polftica de Desenvolvimento Rural - teve, como um de seus sub-produtor, o aumento do grau de concentragio da propriedade da terra em pais, o que é confirmado por diversas pesquisas realizadas no periodo. 6. A Questo Legal e o Poder Judiciario. Apesar da existéncia do Estatuto da Terra, e da inclusdo de um capitulo que trata “Da Politica Agricola e Fundiéria e da Reforma Agraria” na Constituicao Federal de 1988, persistem uma série de problemas de ordem legal nos proprios dispositivos constitucionais e na legislacao complementar, que dificultam o processo de expropriacao e redistribuicao de terras. ‘A titulo de exemplo pode-se citar que as pequenas e médias propriedades, bem como as propriedades produtivas, independentemente de sua dimensao, sio iméveis insuscetiveis de desapropriaco de acordo com a Lei n* 8.629 de 25/02/93. Aqui temos dois sérios problemas: a caracterizacao da propriedade como produtiva ou nao, o que tem dado margem a complexas e demuradas disputas judiciais; e a possibilidade do desmembramento de grandes iméveis improdutivos em varios outros pequenos e médios com o objetivo de burlar a lei, pois sio insuscetiveis de expropriacao. A Lei complementar n* 76/93, também. chamada Lei do Rito Sumario, possibilita a contestagéo da acio expropriatéria de tal sorte, que reduz e compromete a eficacia do instituto da desapropriacao. ‘A questao legal se agrava com 0 comportamento do Poder Judicidrio que, na maioria das vezes, atua claramente em favor dos proprietérios e um prejuizo dos trabalhadores sem terra. Assim 6 que as decisdes de despejo sio extremamente Ageis, enquanto que aquelas relativas a desapropriacdo, ou caracterizacao de reas griladas, sio sempre procrastinadas, demoradas, intermindveis. Vale aqui uma mencao a propria burocracia interna do INCRA que, associada A manipulacao politica do érgao, toma-se mais um inibidor do processo 80 JancinyAbriv95 Ensaios Debates de reforma agréria, uma vez que, devido a sua lentidao, dé tempo para que 0 futuro expropriado fracione seu im6vel ou tome-o aparentemente produtivo, introduzindo gado, simulando um inicio de cultivo, ou recorrendo a outro artificio. 7. O “Desviacionismo” O recurso a iniciativas ou programas e projetos outros que ndo modificam a estrutura fundiéria, como um substituto da reforma agréria, tem sido uma constante nos iiltimos trinta anos. Os primeiros desvios do IBRA ocorreram logo apés a sua instalagio, como apontamos na parte I, quando concentrou suas atividades no levantamento e processamento de dados, e comecou a intervir na questo da ocupagio do territ6rio, acdo tipica da 4rea de colonizagao. A intromissdo nesse campo foi tio acentuada que em 1970 0 IBRA e 0 INDA foram oxtintos, dando origem ao INCRA, cuja atuagao concentrou-se nos programas de colonizacao, que passaram A grande evidéncia com a construgdo da estrada Transamazénica, e foram apresentados como solucdo para o problema fundiério do pafs e do nordeste em particular. A soguir, principalmente durante a década de 1970, foram 0s chamados programas especiais que tomaram-se “moda”, apresentados com uma abordagem integrada para a superagto dos problemas regionais e setoriais. Desta forma foram langados mais de dez programas especiais, entre os quais destacamos 0 Programa de Integracao Nacional - PIN, que inclufa a construgao da ‘Transamazénica e a implantacao de projetos de colonizagio ac longo da mesma; 0 Programa de Redistribuicdo de Terras e de Estimulo A Agroindtistria do Norte e Nordeste - PROTERRA; o Programa de Polos Agropecudrios e Agrominerais da Amazonia - POLAMAZONIA; 0 Programa de Desenvolvimento de Areas Integradas do Nordeste - POLONORDESTE e varios outros. Sobre todos estes programas ha diversas pesquisas, estudos e avaliacbes demonstrando que seus objetivos de cardter social e de transformasao da estrutura fundidria, nao s6 nao foram atingidos, como muitas vezes sequer safram do plano das intengoes. Posteriormente, durante a primeira metade da década de oitenta, tem-se 0 programa de regularizacio e titulagao de terras, que contou inclusive com a implantagdo de dois grupos especiais, o Grupo Executivo de Terras do Araguaia - Tocantins - GETAT e 0 Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas - GEBAM, e de um Ministério Extraordinario para Assuntos Fundidrios - MEAF. O resultado destas iniciativas que contaram com ampla divulgagao nos meios de comunicagdo, também ficou muito aquém do anunciado, conforme se verifica na Tabela 1, uma vez que a meta era de entregar um milhdo de titulos de propriedade. Outros programas e iniciativas de menor escala e de carter regional, como linhas especiais de crédito para pequenos produtores e projetos de assisténcia técnica para este mesmo publico, também foram implementados, freqiientemente Reforma Agraria 81 Ensaios e Debates com 0 apoio do INCRA, como substitutos de projetos de intervensao fundiéria. Como era de se esperar, 0 seu impacto em termos de transformacao estrutural foi nulo. 8. A Pulverizacio, a Falta de Continuidade e o Abandono dos Projetos. ‘Além das tealizacdes em termos do nimero de familias assentadas encontrarem-se muito aquém das necessidades e das pr6prias metas anunciadas pelos diversos governos que se sucederam nos iltimos trinta anos, pode-se identificar problemas relativos a pulverizacao, falta de continuidade e abandono dos assentamentos. Na medida em que, de fato, os programas elaborados jamais foram implementados, a atuagdo governamental sempre se deu “caso a caso”, pontualmente, procurando resolver problemas e questdes locais e/ou emergenciais. Esta sistematica além de encarecer 0s projetos, na medida em que do permite a atuagio em escala, dificulta os indispensdveis trabalhos de assisténcia, cruciais no perfodo de implantagao de qualquer projeto. De outro lado, a situagdo de isolamento dos projetos também impede que os mesmos troquem experiéncias e se associem, tornando-os mais vidveis no enfrentamento dos mercados, tanto de compra de insumos e maquinas, quanto de venda de seus produtos. Outra conseqiiéncia da nao implementacao dos programas ¢ a falta de continuidade dos trabalhos do INCRA, ou érgios que dele recebem delegacao, junto aos projetos. As acdes so desta forma intermitentes, gerando uma série de problemas na gestao das areas reformadas. O resultado ¢ a situacao de verdadeiro abandono em que acabam ficando a maioria dos assentamentos, tornando extremamente dificil a subsisténcia das familias af instaladas. Os problemas so das mais variadas ordens: a infra-estrutura nao € conclufda ou é entregue de forma precéria, iniciando-se rapidamente 0 seu desgaste ¢ desestruturagao; 08 agricultores nao sio preparados e capacitados para a nova situacdo; 0 crédito inexiste, 6 escasso ou inoportuno; a assisténcia técnica ¢ descontinua e as vezes despreparada; os servicos de educacao e de assisténcia a satide nao sao instalados ou funcionam precariamente; a documentacao relativa aos lotes tem uma tramitacao lenta, criando varios tipos de problemas para os assentados. Esta lista poderia alongar-se com a inclusio de muitas outras situages desfavordveis que enfrentam os projetos dificultando a sua sobrevivéncia. Como conseqiiéncia ha muitos assentamentos que tem aspecto e resultados negativos, 0 que é muitas vezes explorado pela imprensa e outros meios de comunicacdo e, em seguida, utilizado intensamente por todos os que se ‘opdem A reforma agréria. Nao seria exagero dizer, face ao exposto nos itens anteriores, que este abandono em alguns casos faria parte de uma estratégia anti- reforma. ‘Apesar de todos os obstculos citados acima, a maioria dos assentamentos apresenta um balanco positivo para as familias beneficiadas, que se encontram 82 Janeirc/AbriV95 Eneaios e Debates em situacdo significativamente superior 4 anterior e também quando comparadas com qualquer outra categoria de trabalhadores rurais no campo. Isto encontra-se claramente demonstrado na pesquisa sobre os principais, indicadores sécio-econdmicos dos assentamentos de reforma agraria realizada sob 09 auspicios do Projeto BRA 87/022, FAO/PNUD - Ministério da Agricultura. Hé ainda varios exemplos de assentamentos tio bem sucedidos, que no s6 transformaram a agricultura do municfpio em que se encontram, como tornaram- se na principal fonte de receita dos mesmos, como ¢ 0 caso de Promissio no Estado de Sao Paulo. 9. A Ineficdcia do Imposto Territorial Rural - ITR No contexto do Estatuto da Terra, 0 Imposto Territorial Rural foi concebido como “um instrumento para a implantagdo da reforma agraria”, “empregando sobretudo o principio universal da tributacdo progressiva através de um sistema que leva em consideracao fatores que fazem variar 0 imposto em funcao de caracteristicas de tamanho, localizagao e condigdes de exploracao” (Mensagem n* 33, de 1964). O ITR, desta forma, além de desestimular a alocacao ineficiente de terras, constituindo-se em “instrumento de uma politica econémica de interesse nacional”, teria 0 efeito complementar de gerar recursos de natureza fiscal. Passados trinta anos 0 que se verifica € que o ITR néo cumpriu, em nenhum momento, nem minimamente, 0 objetivos a que se propunha. Pelo contrério, mostrou-se absolutamente inécuo. Do ponto de vista do conjunto da estrutura agréria, os estudos demonstram que o grau de concentracéo da propriedade aumentou, pasando o indice de Gini de 0,80 para 0,83 entre 1.960 e 1,985, tendo diminufdo a participacao relativa dos menores iméveis, bem como sua area média, tendo ocorrido o inverso com o estrato dos maiores iméveis. ‘A absoluta ineficécia do ITR é decorréncia do elevado grau da subtributacdo e da evasao fiscal. A subtributayao decorre essencialmente do baixfssimo valor da terra nua declarado, e aceito pelo governo (IBRA/INCRA/Secretaria da Receita Federal), que se constitui na base para o célculo do imposto, e, ainda, pelos percentuais de Area aproveitdveis, bem como pela produtividade obtida nas exploragdes (ambos declarados pelo proprietario), e as implicagdes daf decorrentes no Grau de Utilizagao da Terra (GUT) e Grau de Eficiencia na Exploracao (GEE), que juntos permitem uma reducao no imposto de até 90%. Ainda que fixado pelo INCRA, o valor da terra nua (VIN) mostra-se significativamente inferior a0 do mercado, e a diferenca cresce com o aumento da Area dos iméveis. Estudo feito por Carlyle Vilarinho demonstra que a relagao do percentual do VIN com o prego da terra para 1980 e 1985, variava de 20% para as propriedades com menos de 10 ha, até 1,2% para aquelas com mais de 10.000 ha! Além disto, comprova que a 4rea declarada aproveitavel (base para o célculo do imposto), através de diversos subterftigios é sempre inferior a real. Temos aqui, novamente, uma grande diferenca entre estratos de 4rea: 0s menores declarando Reforma Agriria 89 Ensaios e Debates 94% da area como aproveitavel, e os maiores 51%. Quanto A produtividade, os valores indicados pelos proprietarios, com o objetivo de reduzir o valor do imposto, sao inacreditéveis. Apenas como exemplo temos: - cana-de-acticar em Minas Gerais: rendimento segundo a FIBGE (1979) - 40.497 Kg/ha, rendimento médio declarado ao INCRA - 451.951 Kg/ha; - arroz de varzea no Rio Grande do Sul: FIBGE - 3.400 Kg/ha, INCRA - 31.156 Kg/ha; - café em Sao Paulo - FIBGE - 1.500 Kg/ha, INCRA - 19.299 Kg/ha. Para 1985, o valor (Cr$/ha) do ITR emitido e sua relacao com o prego da terra foi de 0,091 para iméveis com menor de 10 ha; 0,031, de 50 a 100 ha e 0,049 para os maiores de 1.000 ha. ‘Quanto ao valor efetivamente arrecadado, o que se verifica € que 0 mesmo, além de ter sido sempre baixo, vem caindo significativamente nos tiltimos anos, e que o grau de inadimpléncia é muito elevado e maior nos extratos de maior Area. Dados do INCRA, tomando como base cruzeiros de Janeiro de 1992 mostram que oITR arrecadado em milhdes foi 1972 = 9.769; 1982 = 135.628; 1992 = 24.600. Em relagdo a inadimplencia, para 1990, 65,94% dos iméveis pagaram 0 imposto langado, mas o valor arrecadado foi de apenas 34,41% do langado, o que demonstra claramente que a inadimpléncia se encontra nos extratos dos maiores iméveis. ‘As informagoes acima apresentadas que procuram sintetizar 0s dados mais relevantes sobre 0 ITR nas tiltimas tres décadas, evidenciam que os objetivos a que se propunha - desestimular a alocacao ineficiente de terras e gerar recursos de natureza fiscal - ndo foram, em absoluto, alcancados. 10. A Terra como Reserva de Valor. A aquisicao de terras por razdes nao diretamente ligadas & sua funcao produtiva é uma tradicio ndo 6 no Brasil, mas na maioria dos patses latino- americanos e em varias outras regides do mundo. Fator fundamental no processo de producao agricola, a terra ¢ escassa e nao reprodutivel, assegurando aos seus detentores uma posicao privilegiada tanto do ponto de vista econdmicu, quanto politico e social No Brasil, especialmente nas tiltimas trés décadas, uma série de fatores contribuiu para um investimento cada vez maior em terra com fins especulativos, ‘como reserva de valor, tornando-se a mesma parte integrante do “port-félio” de muitos agentes financeiros que nao tinham - e muitos continuam nao tendo - qualquer vinculo com a producao agropecuaria. Entre estes fatores destacamos os seguintes: ~ Seguranga. Referimo-nos aqui a seguranga em sentido duplo. Em primeiro lugar frente a instabilidade econdmica e ao proceso inflacionario galopante que tem sido uma constante no pais, Em segundo lugar do ponto de vista legal, uma vez que a legislacao brasileira, tanto ao nivel da Constituicao 84 Janciry/AbrivOs Ensaios e Debates Federal, quanto ao nivel da legislagao complementar, oferece ampla protegio ao direito de propriedade em geral, e ao da propriedade da terra em particular. = Imposto Territorial Rural extremamente reduzido. Este ponto jé foi analisado no item 9. Somado ao comentério anterior relativo a seguranca, a terra ‘no Brasil torna-se um bem extraordinariamente atrativo. ~ Acesso a subsfdios decorrentes da politica agricola. Durante um longo perfodo, conforme jé foi destacado em outra parte deste texto, o crédito rural foi praticado com taxas reais de juros altamente negativas. A propriedade da terra era pré-condig4o para o acesso a estes financiamentos, cuja fiscalizacao quase sempre foi tragil e desatenta, permitindo 0 desvio e aplicacao destes recursos em outras atividades com maior rentabilidade e também na compra de mais terras. ~ Reducao do imposto de renda. A legislacao relativa ao imposto de renda sobre a atividade agropecudria, além de benevolente d4 margem a uma série de subterfigios, pormitindo que ganhos obtidos em outros setores sejam aplicados na agricultura sem o pagamento do imposto devido. Esta, entre outras, é uma das fortes razdes que tem atrafdo industriais, banqueiros, comerciantes e profissionais liberais bem sucedidos para a atividade agropecuéria. ~ Regularizacao de ganhos de origem duvidosa. Tendo em vista que tanto a legislacao de carter dominial, quanto aquela relativa aos impostos sobre a propriedade e a renda serem flexiveis, benevolentes e aplicadas com pouco rigor sobre a agricultura, a compra de terras tem sido uma forma de “acertar” perante autoridade, ganhos de origem duvidosa. = Valorizagav sistematica, inclusive em decorréncia de investimentos do poder publico. Todos os indicadores de prego demonstram que a médio e longo prazo a terra no Brasil é um ativo que se valoriza positivamente, ou seja, a taxas superiores a inflagdo. Ha intimeras situagdes entretanto, em que esta valorizagio é extraordinaria, muito superior a inflacdo, e decorre de investimentos em infra- estrutura (estradas, barragens, linhas de transmissao de energia, meios de comunicagao) realizados pelo poder piiblico. Como nao se cobra nenhuma taxa de melhoria em decorréncia desta valorizagao devida a um investimento ptiblico, 0 ganho é apropriado de forma privada, pelos proprietarios de terra. O acesso a informagao privilegiada que permite conhecer antecipada e reservadamente onde serao Tealizados 0s investimentos pablicos acima referidos ¢ fundamental, e restrito a pequenos grupos, em geral ja detentores de significativo patriménio. ,__~ Fonte de prestfgio e poder. Finalmente nao se pode deixar de mencionar que além dos beneficios de natureza econdmica, a propriedade da terra, principalmente de grandes extensdes, proporciona também beneficios de natureza politica e social, como fonte de prestigio e poder. Isto se manifesta concretamente nao s6 nas pequenas cidades do interior do pais, onde a importéncia de agricultura ¢ maior, mas também no Congreso Nacional, onde a chamada Reforma Agraria 85 Ensaios © Debates “Bancada Ruralista” tem uma influencia muito superior aquela correspondente ao seu significado no conjunto da economia e da populacao. Em muitas regides do pais o controle da terra ainda significa controle de votos. IIL A Titulo de Conclusio 11, Nao Houve Alteracio na Estrutura Agréria. Resultados Medfocres. Passados trinta anos da promulgacao do Estatuto da Terra, a lei brasileira de reforma agréria, e de todo um imenso conjunto de dispositivos legais de natureza complementar (leis, decretos, portarias, instrusées, resolugdes, etc), e da instalagdo de uma maquina administrativa para sua execug4o, compreendendo milhares de funcion4rios, a estrutura agréria permanece inalterada, praticamente intocavel, em seu perfil basico. Todos os dados, aos quais ja fizemos referencia, demonstram que 0 indice de concentracdo da propriedade da terra aumentou, tendo-se ampliado a area detida pelos grandes imoveis, e se reduzido aquela sob dominio dos pequenos. Ou seja, houve um agravamento da situacéo apontada como indesejavel quando da aprovacao do Estatuto da Terra, agravamento este que se deve por um lado, a nao aplicacao da lei em seu Titulo relativo a Reforma Agraria, e por outro a implementacio do previsto no Titulo relativo a Politica Agricola, em especial ao crédito rural. ‘Ao longo deste perfodo, que ultrapassa ao de uma geragio, mais do que suficiente para a realizacio de amplos programas de transformacao social, inclusive de reforma agréria, como jé ocorreu em diversos paises, 0s resultados da experiencia brasileira sio medfocres, conforme se verifica na Tabela 3. De 1964 a 1994 foram assentadas 350.836 familias, das quais 85.181 em projetos de colonizaso, 122.114 através de aces fundidrias estaduais e 143.514 em projetos de reforma agraria do governo federal, o que d4 uma média anual de 11.694, 2.839, 4.070 e 4.783 famflias respectivamente. Estes nGimeros sdo absolutamente ridfculos diante da dimensao do problema agrério brasileiro, onde h4 milhées de familias sem terra ou com pouca terra, vivendo em condicdes que oscilam entre a pobreza e a miséria. Estes resultados também sao medfocres quando comparados com as proprias metas oficiais, uma vez que, por exemplo, o Governo Samey se propés a assentar 1,4 milhdes de familias, e o Governo Collor 500.000. Note-se que em projetos de reforma agraria propriamente ditos, o governo federal atendeu a uma média de 4.783 famflias por ano o que é, sem diivida alguma, insignificante. Além destes resultados absolutamente inexpressivos, a aco fundiéria, tanto de responsabilidade federal quanto estadual, apresenta dois sérios agravantes que sao: a situacdo de abandono em que se encontra a maioria dos projetus, e a implantasdo casufstica dos mesmos, fora de uma proposta de planejamento mais amplo, que permita a formacao de 4reas reformadas, que em muito favoreceriam todo o trabalho de assisténcia, orientacao, e instalagao de infra e super estrutura comum, rebaixando os custos e ampliando as possibilidades de sucesso. 86 JenciryAbriVOs Ensaios © Debates Os programas de colonizacao e titulagao, complementares aos de reforma agraria, e que receberam maior ateng4o durante os governos militares, também foram inexpressivos. Apenas 85.151 familias beneficiadas através de projetos de colonizacao e 113.000 receberam titulos de propriedade (Tabelas 1 e 3). Como conseqiiéncia, segundo as estatisticas oficiais (FIBGE -1985), persistem no pais mais de um milhdo de pequenos posseiros, permanentemente sujeitos a agdo da grilagem, origem da maioria dos conflitos de terra, com situacéo a ser regularizada. 12. A Questdo Agréria Continua Atual Mesmo nao tendo ocorrido nenhuma mudanga na estrutura agraria brasileira, que continua apresentando indices de concentracio da propriedade da terra dos mais elevados do mundo, é comum ouvir-se a afirmagao, oriunda de diversos setores da sociedade, inclusive académicos, de que a reforma agraria 6 um tema superado no Brasil, nao mais fazendo parte da chamada agenda, como acontecia ha 30, 50 ou 100 anos atras. Esta afirmativa tem como fundamento os seguintes principais argumentos: A sociedade brasileira ¢ hoje predominante urbano-industrial. Se h4 cincoenta anos 75% da populacdo vivia no meio rural e trabalhava nos campos, e apenas 25% estavam nas cidades, hoje esta situacdo inverteu-se. A agricultura, que era 0 principal setor da economia e respondia pela totalidade das exportagoes, atualmente é responsével por apenas 10% do PIB e 35 a 40% das exportacdes. Apesar desta imensa perda de sua importancia relativa, o setor primério brasileiro sempre cresceu e continua crescendo em termos absolutos. Isto se comprova nao apenas pelas informagdes de natureza estatistica, mas também observando-se que o pafs nao tem pasado por crises importantes em termos de abastecimento, a ndo ser em curtos perfodos de natureza conjuntural; que as exportagdes de produtos agropecudrios continuam se expandindo; que as importacdes de produtos primérios, com excegdo do trigo, ndo sdo relevantes; que mesmo em relacdo ao trigo houve anos em que se produziu trés quartos do consumo; que a agricultura tem se diversificado e modemizado atendendo a demanda do mercado interno e as exigencias cada vez maiores dos mercados intemacionais, especialmente da Unido Européia, Estados Unidos e Japao. Estes indicadores demonstram pois, de forma insofismavel 0 excelente desempenho da agricultura brasileira. Acrescenta-se ainda, costumeiramente, o argumento de que a resposta do setor tem sido sempre extremamente 4gil aos estimulos que lhe s40 oferecidos. Assim sendo, conclui-se que nao ha razdo para levantar-se o tema da reforma agréria, frente a a uma agricultura que tem evidenciada tal gran de eficiéncia. Nao ha problema de producdo e, desejando-se amplid-la, basta proporcionar os incentivos adequados. Este racioc{nio aparentemente incontestavel ¢ frégil, limitado, enviesado, distorcido, parcial e, portanto, equivocado. Reduzir 0 problema agrario, como de resto 0 problema da propria sociedade brasileira, para nao dizer da humanidade, Reforma Agréria 87

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