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‘uma tarde de amena cavaqueira, a minha estimada professora Francisca Bicho convidou-me a escrever um artigo para a Revista InterAGE, publicagdio que pretende ser um. espaco de informagio e debate de ideias. E eu, embora me reconhega para tal pobre em palavras, emotive aessa lisonja, aceitei oapelo! Decorria 0 ano 99 do século passado, quando terminou a minha passagem pelo “Liceu”, atual Escola Secundéria Diogo de Gouveia. Foram tempos vitais, de aprendizagens e vivéncias que me prepararam da melhor forma para enfrentar os obsticulos que se apresentariam, e que se continuardo a apresentar ao longo da vida. Durante este tempo de virtuosa vivéncia partilhada com colegas ¢ professores, aconteceram momentos bons emenos bons. Othando para trés surpreendo-me por no encontrar, oundo recordar, os menos bons. ‘A minha relagao com colegas e professores sempre foi notavel. Estes tempos contribuiram, de forma determinante, para a pessoa que hoje sou. Nesta escola foram criados os lagos de amizade, que se foram cimentando, e ainda hoje persistem. E nos bragos e abragos dos amigos que encontro alento & inspiragdo para saborear cada momento que a vida me oferece. Fui crescendo em valores e aprendi que na amizade deve existir primeiramente o tespeito -¢ isso implica tentar conviver com os defeitos respeitara individualidade de cada um -bemcomoa solidariedade, a cumplicidade, a sinceridade, a honestidade e 0 companheirismo, que sio caracteristicas que deverio estar sempre presentes para o salutar relacionamento interpessoal. Ainda hoje subsistem, vigorosamente, os sélidos inquebriveis lagos de amizade que foram construidos, e éa esses amigos que quero agradecer sua constante presenga no caminho daminha vida, ‘A Escola nao é apenas sinénimo de Escolaridade. Ensinaré de facto umaarte, em quese deve entregar a alma, O professor deve associat aos seus conhecimentos cientificos uma atitude artistica na transmissio dos mesmos e de outros saberes & conhecimentos. A vertente humanista ¢ 0 entusiasmo sio duas das qualidades mais importantes que um professor deve apresentar, ¢ tais qualidades eu encontrei-asnamaioria dosmeus professores, que mostraram ser verdadeiros ‘mestres e foram uma grandiosa fonte de inspiragao: ~ contagiavam-me com a sua energia positiva e 0 seu entusiasmo, iam alimentando a minha curiosidade com as suas sabias palavras, ae fomentavam um constante desafio intelectual na busca e compreensao da verdade. Neste ambiente comega a desenvolver-se 0 meu gosto por Histéria e Geografia. chegada a hora de entrar na faculdade! A opgao foi a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa ¢ em primeiro lugar o curso de Arqueologia e Historia. Porém, desiludida com a fiaca componente pritica do mesmo, optei por permutar de curso e ingressei em Geografia. Os tempos passados na grande cidade, ¢ em concreto pelos corredores da sabedoria, foram ‘um despertar para o mundo, para 0 conhecimento & para 0 contacto com diferentes realidades ¢ pessoas que se revelaram de riqueza extraordinéria. Os conteiidos programiticos das cadeiras da licenciatura acalmavam a minha excessiva ¢ voraz: curiosidade acerca da distribuigdo dos mais diversos fendmenos ea sua relagao com 0 espago geogrifico. O gosto pela Geografia cedo se desenvolveu, pois sempre me senti uma pessoa némada, impelida para © movimento constante, para a deslocaydo, & repudiando em geral todas as formas de sedentarismo. Paralelamente a este sentimento, também tive o estimulo da professora de Geografia, do ensino secundario, a professora Anabela Oliveira, que se destacou pela competéncia cientifica e pedagégica, sempre pautada pelo rigor. No entanto, outros ingredientes acabaram por se agregar, como por exemplo a curiosidade pelos mais diversos lugares ¢ pela organizagio do mundo, © gosto por mapas antigos, um enorme interesse por viajar, a preferéncia por ir do lado da janela sempre que viajava, o desejo de conhecer 0 estrangeiro compreender © que estava a ver, ¢ finalmente 0 gosto por trabalhar ao ar livre - investigar os fenémenos no espago fisico, caminhar, conhecer, falar, ver e sentir, . Hoje concluo que "somos seres “inescapavelmente” Geograficos”. Finda a licenciatura, senti que estava preparada para contribuir com uma visio diferente para a Gestio do Territério, pois um Gedgrafo, com o conhecimento do espago edos fenémenos, tem uma informagao vasta, diversificada, multidisciplinar e poder sempre contribuir para encontrar solugdes & até mesmo prever tiscos. No entanto, foi nesta fase de entrada para 0 mercado de trabalho que comecaram os problemas... em particular essa dificuldade com que hoje se debatem milhares de jovens com formagio académica! - 0 problema da insergiio no mercado de trabalho - 0 alcangar 0 primeiro ‘emprego (!)- que na maior parte das vezes se resume umn estgio de nove meses e que acaba por levar a uma situagio de desemprego ... Nao foi ficil para mim, como nfo o é para a esmagadora maioria dos jovens, que é confrontada com a malograda situacdo! Depois de a muitas portas bater, poucas se abriram! Optei por deslocar - me ligeiramente da minha area de especializagio, que ¢ Urbanismo! Abracei 0 desafio do ensino e da formagio profissional, area onde ainda hoje me mantenho, ainda que sempre com vontade de mudar, procurar, evoluire conseguir! Sobre o trabalho, em primeiro lugar considero que devemos ter a consciéncia de o reconhecer como um valor, e que o mesmo deve ocupar uma posigio fuleral nas nossas vidas e na sociedade. O trabalhoa que cada um tem direito, no deve ser entendido apenas como fator de produgio, urge que seja tomado como um bem, como uma atividade social e ‘itil, de extrema importdncia para a socializagio de cada ser humano: - cada empregado, e de acordo com as suas qualificagdes, tera a retribuigao que Ihe € devida, criando assim condigdes de acesso aos padrdes de consumo, valorizando-se e valorizando asociedade. Sobre 0 cursos superiores oferecidos impoe-se uma reestruturagao: - é necessirio requalificé-los, dever-se-ia restringir a entrada em licenciaturas ara as quais o mercado de trabalho esta saturado, no existindo empregabilidade, e por outro lado, seria de criar outros cursos de acordo com as necessidades do mercado/sociedade atuais. As grandes questdes que preocupam os jovens de hoje, as teméticas que mais inquietam os jovens adultos um pouco por toda a Europa, e de forma mais aguda em Portugal, so exactamente 0 emprego - ou a falta dele -, a autonomia, a escolarizagdo/educagio, a chegada tardia ao mereado de trabalho. A idade de saida da casa dos pais, © a conquista tardia da autonomia, sfio preocupagdes que tém a sua génese no prolongamento da escolarizagio e a defeituosa incluso dos jovens no mercado laboral. Na sociedade atual vai-se adiando a entrada na idade adulta e as suas exigéncias, os jovens prolongam demasiado o estidio da juventude, com as consequéncias que isso podera vir a ter no seu futuro, como por exemplo a formagio de um agregado familiar tardio. Como poderio os jovens entrar na idade adulta?! Existe uma enorme debilidade e detetiotagao dos processos de insergio profissional, havendo até quem afirme que vivemos em tempos de grande vulnerabilidade humana, A geragio “mileurista” (na melhor das hipoteses), os (falsos) recibos verdes — que so excessivamente tributados, 0 emprego precério — trabalho incerto, os pagamentos tardios sio alguns dos fatores que levam os jovens adultos a procurar ajuda na seguranga social ou no suporte familiar, que funciona como uma almofada ao seu desemprego. Se a taxa de escolarizago da populagdo jovem aumentou nos iiltimos vinte anos, nomeadamente nos ensinos secundario e superior, no que respeita a populagao ativa nao se prevé uma descida das taxas do desemprego jovem, ¢ devido a crise, a tendéncia é de subida. O mercado esti em constante frenética mudanga, o que causa desassossego, pois torma-se cada vez mais complicado conseguir a tio ambicionada primeira experiencia profissional ... 08 processos de seleciio baseiam-se nalguns valores que parecem ultrapassados, pois que mais pesa para a selecfio de um candidato é o tempo de experiencia profissional... que nfo é conseguida! Consequentemente, ¢ apés varias tentativas sem sucesso, os jovens sentem a frustragie por nio verem o seu cutriculo reconhecida e 0 seu “canudo” valorizado, Para que os jovens consigam conquistar paulatinamente a autonomia, é necessirio combater a degradagio dos saldrios, que so & possivel com a colaboragiio da sociedade e das entidades empregadoras, que devem ser responsdveis e solidarias. A economia do nosso pais deve, também, criar empregos sustentaveis! A sociedade nio pode continuar a menosprezar as capacidades e potencialidades do capital humano, nomeadamente dos mais jovens e qualificados, tem de Ihes dara oportunidade de singrar na odisseia da vida! Se assim continuarmos, doravante iremos ter sérios problemas de cariz socioeconémico, com reflexos danosos no tecido social, e que se prendem nomeadamente com as baixas taxas denatalidade, 0 envelhecimento da populago, o aumento do indice de dependéncia de idosos! 0s jovens adultos, através do labor, devem estar a0 servico dos indicadores de desenvolvimento humano, e nao para servir ‘inica e exclusivamente objetivos financeiros! Sé assim aleancaremos uma sociedade mais justa e humana! Silvia Lourengo Alves (Geégrafa / antiga aluna) apse 202 5

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