Schopenhauer

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Schopenhauer Os PensadoréS Schopenhauer “O homem comum, este produto industrial da netureza, tal come esta o apresenta dianiamenie aos milhares, & incapaz, ao menos de mode persisten- Je, de uma observagie em todo senti- do inteiramente desinteressada: ele po- de dirigir sua atencaa 3s coisas somen- fe enguanio estas apresentam uma rela 30 qualquer, mesmo que apenas mui mediatizada, com sua vontade.’” SCHOPENHAUER: O Mundo. come Vontade » Ropresentagio. “Se 0 munds todo, como represen- 7a¢30, 6 apenas a visibilidade da vonta- de, a arte € 0 exclarecimento dessa yisi- bilidate, a Camara obscure a mostrar objets com mais pweza ¢ permitr uma melhor visio de conjunto.e combi- nagdo das mesmus, o teatre no teatra, 2 palca sobre o paleo no Hamlet.” SCHOPENHAUER: © Munda como Vontade © Representagt0 “C estilo de Kant traz sempre @ marca de um espirite superior, de ums genvina © sha onginalidade e de uma fora de pensamento inteiramen- te fora do comum; pode-se talver de- signar 9 caréter desse estilo; bem a p70- Pésito, como de uma Balhae secura, que the permite langar mio dos con- ‘ceitos com firmeza e¢ escothétos com grande sequrancs, para depois poder joné-las de [4 para c4, com a maior li- berdade, para assombro do leitor.” SCHOPENHALER: Critica da Hiosafia Rantiana Os Pensadoré3 5394, Zod. 84-1634 CIP. Brasil. Catalogagao-na-Publicagao ‘Cimara Brusileira do Livro, SP Schopenhauer, Arthur, 1788-1860, © mando como vontade ¢ representayao, LIN pt, ; Critiea da filosatia antianat ; Parerga e puraligomena, cup, V, VIlI, XIL, XIV / Artur Schope- hauer ; traduyées de Wolfrang Leo Maar ¢ Maria Liicia Mello e Oliveira Cacciola, — 2, ed. — Sio Paulo : Abell Cultural, 1985, (Os pensadores) Inclui vida e obra de Schopenhauer, Bibliografia. 1. Conhecimento - Teoria 2, Filvsofis alemé 3. Kant, Immanuel, 1724-1804 ~ Ontologia 4. Pessimism 5, Vontade 1, Maar. Wolfgang Leo. IL, Cacciola, Maria Melo ¢ Oliveira. I11. Titulo, TV. Titulo: Critica da filosofia kantiana, V. Titulo: Parerga ¢ paralipamena, VI. Série, DD-193 fndices para catélogo sistematico: 1. Conhgcinmento : Teoria : Filosofia 121 2. Filosofia ulemé 193 3. Kantismo ; Filosofia eritica 142.3 4. Pessimismn : Filosofia 149.6 5. Teoria do conhecimento : Filosofia 121 6. Vontade ; Motafisica : Filosofia 123 ARTHUR SCHOPENHAUER O MUNDO COMO. _- VONTADE E REPRESENTACAO (II PARTE) CRITICA DA FILOSOFIA KANTIANA PARERGA E PARALIPOMENA (CAPITULOS V, VIII, XII, XIV) pees iene Velfgang Leo Maar © Maria Liicia Mello ¢ Oliveira Cacciola ‘de Rubens Rodeigues Torres Flo icricee de any of Karan) 1985 EDITOR: VICTOR CIVITA ig ee Die Sete ale Wille und Vorstefieiy Prurerge: net Poratipesmena © Copyright desta edigio, Abril $.A. Cultural, ‘Sou Paulo, 180 2.*edicun, 14S. Direitos exclisivs subre as tradugdes deste volume, Abril S.A. Culm, $30 Paul Ditcitos exclusiva sobre “*Schopenfiauer — Vida ¢ Obra”, Abril 8.4. Cultural, Sin Paste, SCHOPENHAUER VIDA E OBRA ‘Consultoria: Rubens Rodrigues Torres Fitho " Fite de Heinrich Floris Schopenhauer, comerciante da cidade de Dantzig, na Prussia, 0 filésofo Arthur Schopenhauer estava destina- do a seguir a profissso de seu pai. Por isso, a familia nunca se preocu- pou muito com sua educagao intelectual e, quando contava apenas doze anos de idade, em 1800, induziu-o a empreender uma série de- viagens importantes para um futuro comerciante, Schopenhauer per Correu a Alemanha, a Franca, a Inglaterra, a Holanda, a Suica, a Silé- sia’ © a Austria, Mas seu interesse nao foi desperiado por aquila que seu pai mais desejava: @ que fez de mais importante, durante ¢ssas viagens, foi redigit uma série de considleragdes metancdlicas e pessi- mistas sobre a miséria da condigo humana, Em 1805, a familia fi- xou-se om Hamburgo e 0 obrigou a cursar ume escola comercial. A morte do pai (possivelmente voluntiria) permitiudhe, contudo, aban- donar para sempre os estudos comerciais ¢ voltar-se para uma carrei- ra universitéria, como era seu desejo. Assim, Schopenhauer passou a dedicarse aos estudos humanisticos, ingressando no Liceu de Wei- mar em 1807; dois anos depois, encontrava-se na faculdade de medi- cina de Gottingen, onde adquiriu vastos conhecimentos cientificos, Em 1811, na Universidade de Berlim, assistiu aos cursos dos filésofos Schleiermachor (1768-1834) e Fichte (1762-1814). Este dltimo seria, mais tarde, acusado por Schopenhauer de ter deliberadamente carica- turado a filosofia de Kant (1724-1804), tentando “envalver o peva ale- mio com a neblina filosdfica’. Em 1813, Schopenhauer doutourou- se pela Universidade de Berlim com a tese Sobre a Quddrupla Raiz do Principio de Razdo Suficiente. Nessa poca, sua mie, Johanna Schopenhauer, estabeleceu-se em Weimar, onde comegou a obter progressivo sucesso como novelista e passou a freqientar os circulas mundanos que Schapenhauer detesta- va_e se esforgava por ridicularizar ao maximo. As relagdes entre os dois deterioraram-se a ponto de Johanna deciarar publicamente que a tese de seu filha nado passava de um tratado de farmacia; em contra partida, Schopenhauer afirmava ser incerto © futuro de sua me como romancista © que ela sumente seria lembrada no futuro pelo fato de ser sua progenitora Apesar dessas brigas, Schopenhauer freqentou durante alum tempo o saldo de sua mée. Ali tornau-se amigo de Goethe (1749-1832), quo reconhecia seu génio filosdfico @ sugeriu-lhe que tra- balhasse numa teoria antinewtoniana da visio. A partir dessa sugestéc, Schopenhauer escreveu Sobre a Visdo e as Cores, publicado em 1816, will SCHOPENHAUER Um filésefo sem publico Em 1814, Schopenhauer rompeu definitivamente com a familia & quatro anos depois concluiu sua principal obra, O Murdo canta Von- tade ¢ Representagdo. Em 1819, 9 livra foi publicade, mas um ana e meio apés haviam sido vendidos apenas cerca de 100 exemplares, A critica também nao foi favoravel § obra. Durante os anos de 1818 € 1819, Schopenhauer passou uma tem porada na Itdlia: 20 voltar, sua situacao ecanémica nao era das me- thores, Solicitou entio um posto. de monitor na Universidade de Ber- lim, valendo-se de seu titulo de doutor © passande por uma prova gqie sores umn conferéncia. Admitido em 1820. encarregou-se um curso intitulada A Filesofia Inteira, ev O Ensino do Mundo ¢ do Espirita Humana. © titulo do curso deviassc,, provavelmente, a He- gel (1770-1831), que na época era um dos mais reputados professo- tes da Universidade de Berlim, Tentando competir com Hegel, Scho- penhauer escolheu © mesmo hordrio utilizado pelo rival, mas a tenta- liva redundau em fracasso completo: apenas quatro ouvintes assis- tiam a suas aulas. Ao fim de um semestre, renunciou 3 universidad fm 1821, envolveu-se em um acidente que teve desagradayeis nsequéncias econdmicas e, sobretudo, viria causar-lhe periddica de depressio psicolégica, Nessa-Gpoca, o filésafo residia numa pensao, Cujas principais locatérios, em sua grande maioria, eram se- nhoritas de idade avancada. Essas pensionistas tinham © desagradavel habito de espionar a chegada de supostas amantes, recebidas por Schopenhauer em seus aposentas, Certa noite, quando urna costuret- ra chamada Catoline-Louise Marquet dedicava-se a esse mister, Scho- penbauer, perdende a paciéncia, atirouea cscada abaixe, Como resul- lado, foi processada e acabou senda condenado a pagar trezentos tha- Jers de despesas médicas, Além disso, ficava obrigade a pagar sessen- ta thalers anuais, até a morte de Caroline, que somente veia a falecer vinte anos depois. Durante todo esse tempo, Schopenhauer entrava em depressao nervosa, uma vex por avo, todas as vezes que era obri- gado @ pagar a pensdo. Sua revolta dizia respeita menos a quantia de~ sembolsada do que aquilo que sentia como injustica cometida pelas autoridades. Entre 1826 © 1833, Schopenhauer empreendeu freqdentes via- Bens, adoeceu por diversas vezes e tentau uma segunda expe i como professor da Universidade de Berlim, Foi mais uma tentaliva fra- cassada, somente contrabalancada pela critica elogiosa a seu O Mun- 9 como Vontade e Representag.io, publicada no periddico Kleine Bi- chersehau, A solidao ea gloria Em 1633, depois de muitas hesitaydes, 0 filésofe resolveu fixar- se em Frankfurl-sobre-o-Meno, onde permaneceria até sua marte em 1860. Durante os vinie © sete anos gue passou em Frankfurt, levou uma vida solitéria, acompanhado por seu cio. Sua predileeao por ani- mals era filosoficamente justificada; segundo Schopenhauer, entre os cSes, contrariamento a6 que ocorre entre os homens, a voniade nao 6 dissimulada pela mascara do pensamento. VIDA E OBRA x Dedicado exclusivamente 4 reflexao filoséfica, Schopenhauer tre- balhou intensamente em Frankfurt, redigindo e publicande diversas li- vros. Em 1836, vein a lume o ensaio Sobre a Vantade na Natureza, que deveria completar o segundo livro de © Mundo como Voniade & Representacdo. Na mesma Gpoca, redigiu também dois ensaios sobre moral. O primeiro, escrito para concorrer a um concurso da Acade- mia de Ciéncias de Drontheim (Norucgal, intitulase Sobre a Liberda- de da Voniade. O segundo, O Fundamenta da Moral, concorret. ao concurso da Academia de Copenhague @ continha verdadeiros insul- tos a Hegel © a Fichte, que provacaram uscndalo; embora fosse 0 nico conrorrente, o livra nao fai premiado. Posteriormente, os dois ‘ensaiog seriam teunidos cob 0 titule de Os Dais Problemas Fundamen- lats da Flica © publicades em 1841, Trés anos depois, surgiv a segut da edigao de O Munde como Vontade e Representacao, enriquec com alguns suplementos. Apesar disso, nao teve sucesso. O mesmo nao ocorreu com a tltima obra escrita ¢ publicada por Schopenhauer, Intitulava-se Parerg2 e Paralipomena e continha pe- saios sobre os mais diversos temas: politica, moral, literatu- estilo e metafisica, entre outros, A abra alcangou inespe- rado sucesso, logo depois de ser publicada em 1851. A partir dai, a notariedade do autor espalhousse pela Alemanha e depois pela Euro- pa. Um artigo de |. Oxenford, publicado na Inglaterra, deu inicio a grande difusio de sua filosofia. Na Franga, muitos filésofos ¢ escrito Fes Viajaram até Frankfurt para visiti-lo, Na Alemanha, 2 filosofia de Hegel entrou em dectinin ¢ Schopenhauer surgiu como idolo das no- vas geragies. Assim, 05 dltimos anos da vida de Schopenhauer proporciona- ram-lhe um reconbecimento que ele sempre buscou, Artigos ceiticos surgiram em grande quantidade nos principais periddicos da época. A Universidade de Breslau dedicou cursos 4 andlise de sua obra ¢ 0 Academia Real de Ciencias de Berlim propas-the o titulo de membro, om 1858, que ele recusou: Dois anos depois, a 21 de setembro de 1860, Arthur Scho nhauer, que Nietzsche (1844-1900) chamaria “o cavaleiro. solitario’ faleceu, vitima de pneumonia. Contava, entao, 72 anos de idade. O mundo cego ¢ irracional O ponto de partida do pensamento de Schopenhauer encontra: se na filosofia kantiana. Immanuel Kam (1724-1804) estabelecera dis- tingdo entre os fendmenas e a coisa-emesi (que chamou noumenon), isto €, entre 0 Gue nos aparece € O que existiria em si mesmo. A coi- sa-em-si (noumenan) na poderia, segundo Kant, ser abjeto de conhe- cimenta cientifics, como até enti pretendera a metafisica classica. A ciéncia restringir-se-la, assim, aa mundo dos fendmenos, e seria constituida pelas formas a priori da sensibilidade (espago ¢ tempo) © pelas categorias do entendimento, Dessas distingdcs, Schopenhauer concluiu que o mundo nao seria mais do que representacdes, entendi- das por ele, num primeiro mamento, camo sintese entre 0 subjetivo e 9 objetiva, entre @ realidade exterior ¢ a consciéncia humana, Como afirma em O Mundo coma Vontade e Representacdo, "par mais maci- G0 © imenso que seja este mundo; sua existéncia depende, om qual- % SCHOPENHAUER quer momento, apenas de um fio Gnico ¢ delgadissimo: a conscién- cia em que aparece”. Em outra passapem de sua principal obra, Scho. penhauer deixa mais clara essa idéia; “O mundo como representa- §40, isto & unicamente do ponte de vista de que 0 consideramos aqui, tem duas metades essenciais, necassarias e insepardveis, Uma & © objet; suas formas sd0 0 espaco eo tempo, donde @ pluralidade. A outra metade € O sujeto; n4o se encontra colocada no tempo © no es Pago, porque existe inleira c indivisa em todo ser que percebe: dai re- sulla que um 36 desses seres junto a0 abjeto completa © mundo como representacdo, tao perleitamente quanto todas as milhoes de seres so melhantes que existem: mas, também, se esse ser desaparece, 0 mun- do come representagao nao mais existe” Nac se pode dizer que essas idéias expressem exalamente o pen- Samento Kantiano, mas. seja como for, Schopenhauer chagou a esas sonclusées, partindo da mestre que tanto admirava. Schopenhauer, contudo, separa-se, explicitamente, de Kant em um ponto essencial © a partir dai, constréi uma filosofia original. Para Kant, a coisa-em- $1 € inacessivel ao conhecimento humano, pois encontra-se aléin dos limites das estruturas do proprio ato cognitivo, entendide coma sinte- se dos dados da intuicio sensivel, sintose essa realizada polas catego- rias @ priori do entendimento. Schopenhauer, ao contrario, pretendeu abordar a propria coisa-em-si. Essa coisa-em-si, raiz metafisica de to- da a realidade, seria a Vontade, Segundo 0 autor de O Mundo como Vantacle e Representacso, a experiéncia interna do individuo assegura-lhe mais do que o simples fato de ele ser “um objeto entre outros”. A experiéncia interna tam- bém tevela ao individuo que ele é um ser que se move a si mesmo, um ser ative Cujo Comporlamento manifesta expressa diretamente sua vontade. Essa consciéneia interior que cada um possui de si mesmo como vontade seria primitiva e iredutivel; A vontade revelar-se-ia imediatamente a todas as pessoas como 9 em-si ea Percepgao que as pessoas tém de si mesmas como vontades seria distinta da percepgao que as mesmas ttm como corpo. Mas isso nao significa que Schope- nhauer tenha esposado a tese de que as agdes corporais © as agdes da vontade constituem duas séries de fatos, entendidas as primeitas co mo causadoras das segundas. Para Schopenhauer. © corpo humano & apenas objetivagao da vontade, tal como aparece sob as condigoes da percepcdo externa, Em outros termos, 0 que se quer e © que se faz io. uma ea mesma Coiba, vistos, porém, de perspectivas diferentes, Da mesma forma como nos homens, a vontade seria o principi fundamental da natureza. Para Schopenhauer, na queda de uma pe- dra, no crescimento de uma planta ou no puro comportamenta instin- tive deur animal afirmam-se tendénctas, em cuja abjetivacan se cons: tituem o> corpos. Essas diversas tendéncias nao passariam de disfar- es sob os quais se oculta uma vontade Unica, superior, de cardtor metalisico © presente igualmente na planta que nasce © cresce, @ nas complexas ages humanas. Fssa vontade, para Schopenhauer, @ inde- pendente da ‘epresentacao e, portanto, nao se submete a5 leis da ra- Z40_ Ao contrério de Hegel, para quem 0 real € racional, a filosofia de Schopenhauer sustenta que o real 6 em si mesmo cego © irracio: nal, enquanto vontade. As formas racianais-da consciéncia nao passa- riam de ilusérias aparéncias © a esséncia de todas as coisas seria VIDA E OBRA xl alheia 3 razdo: “A conseigncia é a mera superficie de nessa mente, da qual, como da terra, nao conhecemos 0 interior, mas apenas a crosta”. O inconsciente representa, assim, papel fundamental na filo- sofia de Schopenhauer. Sob esse aspecto, o autor de O Mundo como Vontade e Representacdo antecipou-se a alguns dos conceitos mais importantes da psicandlise fundada por Sigmund Freud (1856-1939). © préprio Freud reconheceu a importdncia das idéias de Schope- nhauer, em um de seus escritos afirma que certas consideracdes so- bre a foucura, encontradas no Mundo como Ventade e Represe Gao, poderiam “rigorosamente, sobrepor-se 2 dautrina da repressdo’ Viver é sofrer No sistema de Schopenhauer, a vontade 6 a raiz_metafisica do mundo e da conduta humana; ao mesmo tempo, ¢ a fonte de todas 05 sofrimentos, Sua filosofia 6, assim, profundamente pessimista, pois a vontade é concebida em seu sistema como algo sem nenhuma meta ou finalidade, um querer frracional e inconsciente. Sendo um mal ine- rente 4 existéncia do homem, ela gera a dor, necessdria e inevitavel- mente, aquilo que se conhece como felicidade seria apenas a inter- rupee temporaria de um processo de infelicidade e somente a lem- branca de um softimento passado criarta a ilusao de um bem presen- te, Para Schopenhauer, 0 prazer é momento fugaz de auséncia de dor © ndo existe satisfacdo durdvel. Todo prazer ¢ ponto de partida de no- vas aspiracées, sempre cbstadas @ sempre em |uta por sua realizacao: *Viver é safrer”’. Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a filosofia de Schopenhauer aponta aigumas vias para a suspensio da dor. Num pri- meiro momento, @ caminhe para a supressio da dor encontra-se na contemplagao artistica. A contemplagao desinteressada das idéias se- ria um ato de intuicdo artistica @ permitiria a contemplacio da vonta- de em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ae daminio da pré- Pria vontade. Na arte, a relacdo entre a vontade e a representacdo in- verte-se, a inteligéncia passa a uma posigdo superior e assiste a hist6- tla de sua prépria vontade; em outros termas, a inteligéncia deixa de ser atriz para ser espectadiora, A atividade anistica revelaria as idéias eternas através de diversos graus, passando sucessivamente pie tetra, escultura, pintura, poesia lirica, poesia trdgica, «; final pela musica, Em Schopenhauer, pela primeira vez na historia da “filo. sofia, a mésica ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. Liberta de toda referéncia especttica aos diversos objetos da vontade, a mUsica poderia exprimir a Vontade em sua esséncia geral e indiferenciada, constituindo um meio capaz de propor a libertag3o do hemem, em fa- ce dos diferentes aspects assumidos pela Vontade. No Nada, a salvagao A libertagio propercionada pela arte, segundo Schopenhauer, nao 6, contudo, total e completa. A arte significa apenas um distancia- mento relativamente passageiro e nao a supressao da Vontade. Para Xt SCHOPENMAUER Crenologia que atinja a libertacde, é necessdrie que o homem ascenda ao nivel da conduta ética, a qual representa uma etapa superior no processo: de superacao das “doses do mundo”. A ética de Schopenhauer nao esta, contuda, presa a nogac de “dever'; Schopenhauer rejeita as tor- mas imperativas de filosofia que sao. para ele, formas de coercao. Sua ética nado se apdia em mandamentos, antes na nogao de que a contemplacao da verdade € © caminho de acesso ao bem. Para Scho- penhauer, 0 egoismo, que faz do hamem o inimiga do homem, ad- vém da ilusio de vontades indopendentes que afirmam seus /mpetes individuais. A superagdo do egoismo somente seria possivel mediante: © conhecimento da natureza Unica universal da Vontade. Como con- segléncia moral do desaparecimento de sua individualidade, o ho- mem pode tornar-se hom; ao espitito de lula conta os semelbantes se- gue-se 6 espirito de Simpatia. Libertade, pela etapa ética, 0 homem atinge © princigio que ¢ o fundamento de toda verdade moral: “Nao Prejudiques pessoa alguma, s¢ bom com todos’. Essa ética da piedade e da comiseragio, segundo Schopenhauer, encontrau sua mais acabada expressao nos evangelhos, onde “ama a feu proximo como a ti mesma’ constitui 9 principio fundamental da cpnduta. Mas nem mesmo a ética da piedade possibilitaria ao ho- mem atingir a felicidade altima. Para Schopenhauer, a mais completa forma de salvacan para a homem somente pode ser encontrada na re- ndncia quictista a0 mundo ¢. todas as suas solicitagdes, na mortificae ga0 dos instintos, na auto-anulacae da vontade © na fuga para 0 Na- di .desviemos um instante os olhos de nossa prdpria indigéncia & de nosso limitado horizonte; leverno-lo sobre esses homens que ven- cetam © mundo nos quais a yontade, atingindo a perfeita consciencia de si, se reconheceu em tudo que existe ¢ livremente renunciou a si mesma... entio, em vez dese tumulto de aspiragdes sem fim, em vez dessas passagens constantes do desejo ao medo, da alegria ac safri- mento, em vez dessas esperancas sempre inalcancadas e sempre fe- nascentes, que fazem da vida humana, enquanto animada pela vonta- de, um sonho interrompido, nao perceberemos mais do que esta paz, mais preciosa que todos os tesouros da razdo, a calma absoluta da es- pitito, esta serenidade impenurbavel, tal coma Rafael ¢ Coregio a pintaram nas figuras de seus santos e cujo brilho deve ser para nds a mais completa ¢ veridica anunciagao da boa nova: a vontade desapa- receu; subsiste apenas 9 conhecimento”. a 22 de feversiro, nasce Arthur Schapenhauer, 1789 — A 14 de julho, eclode Revolucao Francesa 1794 — Fichet publica Os Principios Fundamentais da Dautrina da Cidncia, 1807 — Schopenhauer ingressa no Liceu de Weimar. Publicagia da Feno- menotogia do Eapirito, de Hegel, 1813 — Schopenhauer doutora-se pela Universidade de Bevlim com a tese Sobre a Quidrupla Raiz do Principio de Razio Suficiente, Nasco Séren Rieckegaard, MIDAEOBRA XIII 1816 — Schopenhauer publica Sobre a Visiu € as Cores. 4813 — Nasce Karl Marx. 1819 — Publicacdo de U Mundo como Vontade © Representagao, de Scho- penhiauer. 1831 — Comte inicia a publicagse de seu Curso de Filosofia Positive. Morre Hegel. 1832 — Morre Goethe, 1835 — Nasce Johannes Brahms, Tocqueville publica a primeira parte de A Democracts na Aniérica. 1840 — Proudhon publica O que éa Propricdade? , 1341 — Editam-se Os Dois Problemas Fundamenteis da fica, de Schope- nhauer. 1844 — Narco Frindtich Wilhelm Nietzsche 1851 — Schopenhauer publica Parerga e Paralipomena. 1860 — More a 21 de setembro, em Frankiurt-salare-o-Menro, Bibliogratia Buiwe E> L’Unique Pensée de Schopenhauer, in Revue de Métaphysique et de Morale, 1938. Conuston, F.C: Schopenhauer, Philosopher af Pessimism, Londres, 1946, Gatinvis, P.: Schopenhauer, Penguin Books, Harmondsworth, 1936, Gann Pe: Schopenhauer, in The Encyclopedia af Philosophy, & vols,, The ‘MacMillan Company & Free Press, Nova York, 196; Reser. C.: Schopenhauer, Philasopire de I'Absurde, Prosses Universitaires, de France, Patis, 1967. Rost, C.; Schopenhauer, Presse’s Universitaires de fronee, Paris, 1968, Taviwr, R.: Schopeniauer, in A Critical History of Western Philosophy, edita- do por 0... O'Connor, The Free Press of Glencoe, Nova York, 1964. Zowvsien, Hi.” Arthur Schopeniauer: tvs Life and Philosaphy, Londres, 1932, O MUNDO COMO _._ VONTADE E REPRESENTACAO* (IIL PARTE) Ob nicht Natur zitletst Sich doch ergrinde?** Goethe Selegio ¢ tradugio de Wolfgang Lea Maar * ‘Traduzido co original alemdo Arthur Schopenfiauer — Sdmutiohe Werke. 2." edigio, Eberhard Brock: haus Verlag. Wiesbaden, 1949, vol. I, livre TIT, pp. 199 — 316. #F Nio-se havert de comperender por fim 4 natnroza em sev Amaga? (N, daT:) LIVRO III O MUNDO COMO REPRESENTACAO CONSIDERACAO SEGUNDA. “A representagio independente do principio de razBo: A idéia platdnica: 0 objeto da arte.” Ti td mén aei, génesin dé ouk ékhon; kat tt 16 gigndmenon mén kai apolivmenon, dnias de oudépote Gn:* Platdo + Oqued sempre, sen possuir origem? Queeo que serie o que ln, mas reximente nunea 2? (No T.) a a $30 Apresentado no primeire livro como pura representacdo, objeto para um sujeito, consideramos mundo no segundo livro por sua outra face e verificamos como esta é voniade, que unicamente se mestrou como o que aquele mundo é além da representag%o; em conformidade, denominayamos o mundo como repre- sentagdio, no todo ou em suas partes, a ohjettvidade da vontade, quer dizer: a von- tade tornada objeto, i. ¢., representagaio. Recordamos também que tal objetivagiio da vontade possuia graus numerosos, porém determinados, em que, com clareza e perfeigao gradualmente crescente, a vontade surgia na representacao, i. 2., se apre- sentava como abjeto. Reconheciamos as idéias de Platio em tais graduagdes. na medida em que estas so as espécies determinadas. ou as formas e propriedades invariaveis ofiginarias de todos os corpos naturais, orgdnicos ou inorganicos, como também as forgas genéricas se manifestando conforme leis naturais, Tais idéies. portanto, se manifestam em individuos e particularidades inumeraveit comportando se como modelo para estas suas imagens. A multiplicidade de tais individuos & concebivel unicamente mediante 0 tempo e o espago, seu surgir © desaparecer unicarhente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidndes do principio de razdo, principio dltimo de toda finitude, toda individuagio, forma geral da representagao, tal como esta se da na consciéncia do individuo como tal. A idéia, porém, nao se submete dquele princi pio: por isto nao experimenta pluralidade nem mudanga. Enquanto os individuos ¢m que sc manifesta sao inumeraveis ¢ nascem © perecem incessantemente, cla permanece invariavelmente a mesma, ¢ pars ela o principio de razio nfo possui significado algum. Mas como este ¢ a forma sob a qual se cacontra todo conheci- mento do sujeito, enquanto este conhece come individuo, assim as idélas se local. zardo totalmente fora da esfera do conhecimento do sujcita camo tal. Portanto, se as idéias devem se tornar objeto de conhecimento, a condigao é a supressio da individualidade no sujeito, cognoscente. Esclarecimentos mais acurados ¢ porme- norizados sobre este assunto nos ocuparao a seguir. 831 Antes de iniciar, seja a seguinte observagiio essencial, Espero ter sido bem sucedido no livro precedente no formar a convicgiio de que aquila que é denami- nado coisa em si na filosofia de Kant, apresentado em doutrina sobremodo importante, porém obscura ¢ paradoxa, sobretudo devido & mancira pela qual 6 SCHOPENHAUER Kant a introduziu, concluindo do efcito para a causa, era encarado como ponto vonflitante, ¢ até mesmo como o lado débil de sua filosefia, que isto, assim pre- tendo, quando atingido pelo caminho bem diverso por nés percorrido, mada mais € do que a ventade, na esfera deste conceito amplinda © determinada do modo indieado. Espero, além disto, que nao se hesite em reconhecer. feita a expasicao precedente, nos graus determinados da objetivagao desta vontade, que ¢ 0 em-si co mundo, aquilo que Plato denominou as idétas eternas, ou as formas imutaveis (2idé) que, reconhecidamente 0 dogma principal, mas simultaneamente mais obs- curo ¢ paradoxo de sa doutrina, constituiu-se em objeto de meditagao, de diseus- so. de escirnio ¢ de admiracao por parte de espiritos numerasos © diversos durante séculos. Sendo a vontade a coisa em si, ¢ a idéia a objetividade imediata desta vonta- de em um grau determinado, atinamos com a coisa em si de Kant e a idéia de Pla- tao, Unica que Ihe é dnids Gn, estes dois grandes abscuras paradoxos dos dois maiores filisofos do Ocidente, nio como idénticas porém estreitamente afins, distintas apenas por uma iinica determinagdo. Ambos estes grandes paradoxos formam mesmo, justamente por se enunciarem de moda tio diverso, dadas as individualidudes extraordinariamente diferentes de scus autores, ¢ malgrado toda sua concordancia ¢ afinidade internas, 0 melhor comentario um-em relagio ao outro, ao se assemelharem a dois caminhos bem distintos conduzindo a objetivo nico. Isto permite esclarecimente em poucas palavras. Com efeito, o que Kant diz ¢ essencialmente o seguinte: “Tempo. espago e causalidade nfo sio determi- nages da coisa em si, mas pertencem unicamente a seu fendmeno, na medida em que nio passam de formas de nosso conhecimente. Mas como toda maultipli- cidade ¢ todo surgir ¢ fenecer sio possiveis unicamente mediante tempo. espaco © causalidade, também aquelas pertencem apenas ao fendmeno. e de modo algum @ coisa em si. Contudo como todo nossa conhecimento & condicionado por aque- las formas, toda a experiéncia é apenas conhecimento do fendmeno, nio da coisa em si: por isto suas leis no podem ser aplicadas & coisa em si. Isto é valido inclu. sive para nosso proprio eu, que nds conhecemos unicamente como fendmeno, ¢ niio pelo que possa ser em si”. Fix, com respeito ae ponto importante conside- rado, © seatido ¢ conteido da doutrina de Kant. Por seu lado, Plato afirma: "As coisas deste mundo, percebidas por nossos sentidos, niio possuem ser verdadeiro; elas sempre vém a ser, mas nunca sao: possuem apenas um ser relativo, so em conjunto apenas em ¢ mediante sua relagdo recfproca: assim é possivel denomi- nar todo seu set-ai um nfio-ser. Fm conseqiéncia também nao sio objetos de unt conhecimento propriamente dito (epistéme), pois este & Ppossivel quanto ao que é em ¢ para sie de um modo sempre idéntico: elas porém so apenas 0 objeto de uma suposicao sugerida pela sensagao (déxa met" aisthéseos aldgou). Enquanto limitados & pereepsao dts coisas, pareéemos homens em uma caverna escura, atados de maneira tal que impassibilite mesmo os movimentos da cabeca, ¢ que nada vissem além das silhuetas de coisas reais Projetadas em uma parede & sua frente pela luz de uni fogo aceso por tris de suas costas, inelusive uns em relagaia 408 Oulros € mesmo cada um quanto a si prdprio: somente as sombras naquela O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAGAO. % parede. Sua sabedoria, porém, constituir-se-ia na previstio da seqiiéneia daquelas sombras, aprendida por experiéncia. Por outro lado. que pede ser denominado nica ¢ verdadeiramente existente (6ntds dn) porque sempre é mas nunca ver a ser. nem deixa de ser, sdo os modelos de tais imagens: as idéias eternas. as formas originais de todas as caisas. Nao thes cabe a murttiplicidade: pois cada uma ¢. con- forme sua esséncia, unicamente enquanto é 0 proprio modelo, cujas reprodugdes ou sombras sic todas as coisas da mesma espécie, de igual nome, indivi- duais ¢ transitérias. Também nao possuem comego e nem fim, pois sio verdadei ramente existentes, nunca porém 0 que comega. nem o que termina, como suas cOpias pereciveis. (Estas duas deierminagdes negativas contém necessariamente 0 pressuposto, porem, de que tempo, espago ¢ causalidade niio possuem significado nent validade para as idéias, que nao existem nestes.) Assim. apenas delas pode- mos ter um conhecimento propriamente dito, uma vez que pode ser objeto deste unicamente o que existe sempre e sob qualquer consideragio (portanto em si), e n&o ¢ que existe. mas também nio existe, confarme seja enfocado™. Esta é a dou- trina de Plato. E evidente, e nao requer qualquer comprovagiio adicional, que o sentido interno de ambas as doutrinas é totalmente o mesmo, que ambas explicam o mundo visivel como um fendmeno, sem existéncia em si, e que somente mediante o que nele se manifesta (para um, a coisa em si, para outro, a idéia) pos- sui significado ¢ realidade emprestada: realidade esta porém, verdadeiramente existente, a que, conforme anibas as doutrinas, todas as formas daquele fenéme- no, mesmo as mais gerais e essenciais, so inteiramente estranhas, Para negar estas formas, Kant as ¢ncerrou em expressdes abstratas ¢ por assim dizer negou 4 coisa em si o tempo, a espaco ¢ a causalidade como meras formas do fendmeno. Plato, por outro lado. niio atingiu a expressiio mais elevad: recusou aquelas formas somente de modo med! camente é possivel mediante aquelas. ou seja. a multiplicidade do analogo. o sur- gir € o desaparecer. Por redundancia, contundo, descjo ressaltar ainda com um exemplo aquela peculiar ¢ importante concordancia, Esteja frente a nds um ani- mal em sua vitalidade plena. Platdo dira: “Este animal nao tem uma existéncia verdadeira. mas somente uma aparente, um devir constante, um ser-ai relative, que pode ser chamado tanto n&o-ser quanto um ser. Verdadeiramente existente & apenas a idéia que se reproduz naquele animal, ou 0 animal em si mesmo (atid 16 thérion), de tudo independente, mas existindo em e para si (kath’ eantd, aet hosau- 285), sem comego, sem fim. porém sempre do mesmo modo (uel én, kar medépote ouite gigndmenon, oute apollimenon). Portanto, enquanto reconhe- vemos neste animal a sua idéia, ¢ totalmente indiferente e sem significado 0 ter- mos frente a nds agora este animal, ou seu ancestral de um milénio, que o local Seja este Ou num pais distante, que se apresente desta ou daquela mancira, posi gdo ou agao, que finalmente scja este ow aquele individuo de sua espécie: isto tudo nao existe ¢ refere-se somente ac fenémeno: unicamente a idéia do animal possui existéncia verdadeira ¢ é objeto de conhecimento real”. Assim Plato. Kant diria por exemplo; “Este animal é um fenémeno no tempo, no espaco € na causalidade que todos sio as condigées a priori da possibilidade da experiéneia que se encon- izado, dis suas idéias, a0 negar a estas 0 que uni- s SCHOPENHAVER tram em nossa capacidade cognitiva, ¢ nao determinagdes da coisa em si. Por isto este animal, tal como o pereebemns neste instante determinado, neste dado local, em conexiio com a experiéncia, i. ¢.. a cadeia de causas ¢ efeitos, como um indivi duo que teve inicio ¢ do mesmo modo negessariamente tera fim, nao é um ser em si, Mas um fendmeno valido apenas em relagdo ao nosso conhecimento. Para se conhecé-lo no que possa ser em si, conseqgiientemente independente de todas as determinages sittadas no tempa. no cspaco ¢ na causalidade, seria necessario um modo de conhecimento outro do que o tinico que nos é possivel, através dos seatidos e do entendimento”. Aproximando ainda mais © enunciado kantiano do plat6nico. diriamos: tempo, espago e causalidade sao aqueles dispusitives de nosso intelecto gragas a que 0 ser tinico de qualquer espécie. propriamente existente, s¢ nos aprexenta como uma multiplicidade de seres de mesma espécie, num nascer e perecer inces- santemente rcnovade, num sucessio infinita. Tomar as coisas mediante ¢ con- forme dito dispositive é a apercepgao imaneare: mas fazé-lo com consciéncia do proceso empregado constitui a apercepgao transcendental, Esta Ultima atingi- mos in absiracto pela critica da razdo pura, contuda excepcionalmente ela pode se yerificar também de modo intuitivo. Este adendo final meu, que me esforgo por aclarar com este tereeire liveo. ‘Tivesse jamais a doutrina kantiana, tivesse, a partir de Kant, a doutrina pla- tGnica side cfetivamente compreendida ¢ interpretada, houvesse sido meditado com fidelidade @ seriedade sobre © sentido ¢ contetido interno das doutrinas de ambos os grandes mestres, em vez de empregar a torto € 4 direito os termos de um ¢ parodiar o estilo de outro; nio se subtrairia o reconhecimento de quanto ambos os grandes sAbios concordam, ¢ 0 significado estrita, o objetivo de ambas as dou- trinas, é estritamente o mesmo, Naw somente ndo se teria comparudo constante- mente Plato e Leibniz, quem de modo algum seu espirite inspira, ou atécom um conhecido senhor' ainda vivo, come a zombar dos manes do grande pensador da antiguidade; mas ter-se-ia de um modo geral muito além do que o feito, ow mether, no se teria retrocedido de modo tio ignominioso como nestes derra- deiroy quarenta anos; nose ceria sido logratlo, hoje por um, amanhii por outro cabega de vento, ¢ niio se teria inaugurado na Alemanha o século XIX, to promissoramente significativo, com farsas filosficas apresentadas sobre o tamu: Jo de Kant (como ocasionalmente os antigos durante os funerais dos seus), sob 0 justo escirnio de outras nagées, visto ser o alemao, sério ¢ mesmo cerimonioso, © menos indicado para tanto. Porém tao restrito ¢ 0 piblico efetivo de filésofos verdadeiros, que, mesmo os discipulos que compreendem, lhes sia conduzidas mui parcamente através dos séculos. Fist dé narthekopharoi mén pollai, békkhoi dé ge paurdi. (Thyrsigeri quidem mutt, Bacchi vero patci,)* He atimia philosophia did wita prospéptoken, héti ow kath’, axian autés hapténiai ou gar néthous edei dptesthai, allé gnésious. (Eam ob rem philosophia ' BH Jacobi (N, do A.) * 114 muitos vondutorcs de Tirso, mas somente poucos Bacuntes, (N.doT.) © MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAGAO. ” in infamiam incidit, quod non pro dignitate ipsam attingunt: neque enim a spuriis, sed a legitimis erat attrectanda. (Platav.) Estribavam-se nas palavras, as palavras: “representagdes @ prior?, formas conscientes do intuir ¢ do pensar independente da experiencia, conceites primiti vos do entendimento puro”, etc., e perguntava-se entao seas idéias de Platao, que também pretendem ser conccitos primitivos ¢ além diste também reminiscéncias de uma intuigdo das coisas verdadeiramente existentes, anterior 4 vida, nio seriam fénticas com a3 formas kantianas do intuir ¢ do pensar. que se encontram a priori em nossa consciéncia: estas duas doutrinas inteiramente heterogéneas, 2 kantiana das formas, que restringem o conhecimento do individuo ao fendmena, e a plats nica das idéias, cujo conhecimento nega explicitamente aquelas formas — estas doutrinas, nesta medida diametralmente opostas. pois que se assemelhavam um pouco em suas expresses. eram comparadas com atengdo, discutidas quanto & suia identidade, concluindo-se por fim que nao eram mesmo iguais, ¢ inferindo que a doutrina das idéias de Platio e a critica da razfio de Kant nada possuem em comum., * Mas isto é 0 suficiente sobre este assunto. §32 Em conseqiléneia de nossas consideragdes anteriores, com toda a cainei Géncia interna entre Kant ¢ Platiio, ¢ a identidade do objetive que ambos tinkam em mente, ou a concepgio de mundo, que os estimulava ¢ conduzia ao filosofar. idéia e coisa em si ndo sao simplesmente uma e a mesma: mas a idéia & para nds somente # abjetividade imediata, ¢ por isto adequada, da coisa em $i, que porém ela propria é a vemade, a vontade enquanto ainda ndo objeti- vada, ainda ndo tornada repreventagée. Pois a coisa em si deve, conforme Kant, ser livre de todas as formas press ao conkecimento como tal: e é apenas um erro de Kant (como sera mostrado no suplemento), * que cle ndo incluisse entre estas formas, antes de todas a8 outras, o ser-objeto-para-um-sujeito, por ser justamente esta a forma primeira ¢ mais geral de todo fendmeno, isto &, representagao; eis porque ele deveria ter recusado cxpressamente a sua coisa em si o ser objeto, o que o teria preservado daquela grande inconseaiiéneia, que niio se tardou em des- cobrir. A idéia platonica, por outro lado, é necessariamente objeto, algo reconhe- cido, uma representagio, ¢ justamente devide a isto, e somente devido a isto, dis~ tinta da coisa em si. Ela se despojou apenas das formas subordinadas do fendmeno, todas por nés compreendidas sab o principio de razao, ou melhor, ainda néo as adotou; contudo manteve a forma primeira e mats geral, a da repre- iy hi del * Por iso a filosafia caw na inftimia, pois que a el su suficiense: porguc ni sleveria ser seupasan de charlaties, muy de profissionais. (Na 0 ) + Vija-se por exeaiplo: dmimanwel Kant, iow Monumento de Fr, Buuterweck, p. £5, Histéria da Filosofia, de Buble, tomo 6, p, B02 ate BLS e 25.(N, A) © Trata-ee'do adonda ao 1," vol, de Q Mando Coma Fontade « Represertagdo, que se denoming Cridiew de Filosofia kamiana, ¢ que ports 9 seguinte epigrafe: “Civ te privilage dr vrai gémie, ot swrtawe abt gs qul vonvce tne caeriére, de faire tmpuniement de grandes foures (Voltaire) (2a privilégio do verdadciro genio, snbreruda dagjucle que abre novos ramos, de fazer inpunemente grandes erscs.J (N, do T.)

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