Coutinho (1992) PDF

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A Terceira Revolucao Industrial e Tecnoldégica: As Grandes Tendéncias de Mudanca Luciano Coutinho O Crescimento “Virtuoso” 1983-90: Coordenacao Politica e Inovagao Econémica Ap6s dez anos de crise, caracterizados pela estagflacao; pelos choques de pre~ 0s do petréleo; pelo choque da taxa de juros e conseqiiente instabilidade financeira; pela relativa paralisia dos fluxos de acumulagdo produtiva de capital; pela expressi- va redugio das taxas de incremento da produtividade — entre 1973 e 1983 —, as principais economias industriais reencontraram a senda do crescimento econdmico. Com efeito, oito anos consecutivos de expansdo sustentada, com estabilidade de pre- 08, marcaram o evolver da economia mundial capitalista entre 1983 ¢ 1990. Se as taxas médias de crescimento nessa fase recente no foram to espetacular- mente elevadas quanto as obtidas na “idade de ouro” do pés-guerra, néio obstante, é rele- vante destacar: (1) a vit6ria da estabilidade e da sustentabilidade do crescimento por so- bre osrecorrentes surtos de forte especuilaciio cambial (causados pelo enorme e continua- do desequilibrio comercial dos EUA contra 0 Japao e a Alemanha) e por sobre dois ver- dadeiros terremotos especulativos ocorridos nos mercados mundiais de capitais em outu- bro de 1987 em janeiro de 1989 (respectivamente, a partir das violentas “quebras” veri- ficadas nas bolsas de valores de Nova lorque e de Téquio);¢ (2) retomada firme dos flu- xos privados de acumulagao de capital (com um pico globalmente sincronizado em 1989), acompanhados de uma sensfvel recuperagao do incremento da produtividade e, mais importante, de uma aceleragio crescente da difusio de inovagdes econémicas (téc- nicas, organizacionais e financeiras) nas principais economias industriais capitalistas. E intuitiva a compreensio de que os dois aspectos acima destacados sao forte- mente interdependentes: de um lado, a capacidade politica de coordenar, com credi- bilidade, a estabilidade macroeconémica e, de outro lado, a aceleragao da acumula- 40 produtiva de capital com inovagao reforgam-se mutuamente — alimentando um cfrculo virtuoso de expansdo com estabilidade de precos, expressivo incremento da produtividade e aumento moderado, porém continuo, dos salérios reais. A capacidade politica de coordenar a conjuntura, apagando-se incéndios poten- cialmente devastadores com presteza, ficou evidenciada principalmente pela atuac orquestrada das autoridades econémicas ¢, em especial, pela “sensibilidade” demons- trada pelos condutores da politica econémica norte-americana, a saber: (a) a répida e ECONOMIA E SOCIEDADE - 69 Luciano Coutinho coesa reagdo A surpresa do default mexicano em 1982; (b) a acomodagao suave das fa- léncias financeiras, imobilidrias, agricolas e especulativas nos EUA entre 1983 1989; (c) anotavelmente bem-sucedida orquestragao da desvalorizagio planejada do délar entre 1985 (Acordo do Plaza) e 1987 (Acordo do Louvre), com fixagao de me- canismos cooperatives de contengio da especulagao cambial entre os Bancos Cen- trais; (d) a competente e répida atuagio compensatéria do Fed e do Banco do Japaoem 1987 e 1989, respectivamente, visando neutralizar a propagagao dos impactos finan- ceiros das “quebras” de suas bolsas de valores; (e) 0 tratamento coordenado, duro € objetivo dispensado aos paises devedores, evitando a ocorréncia de defaults simulta- neos ea formacdo de uma efetiva alianga de pafses devedores; ¢ (f) a administragao a0 ‘mesmo tempo gil, sensivel e fria, calculada com relagdo ao financiamento do deficit do balanco de pagamentos dos EUA, evitando o actimulo de tenses criticas, com rea- do pronta e eficaz diante da instabilidade dos fluxos de capitais (desde a hist6rica re~ ‘mogiio do imposto de renda na fonte sobre aplicadores estrangeiros, em 1984), ¢ com sinalizago e coordenagio das flutuagdes de cdmbio e juros de forma a domar expec- tativas instabilizadoras. Deve-se, em grande medida, creditar & fragilidade do balan- 60 de pagamentos dos BUA e & delicadeza necesséria as intervengdes sinalizadoras sobre os mercados internacionais voluntérios de cimbio, capitais e aplicagdes finan- ceiras a inegdvel sensibilidade demonstrada pelas autoridades de politica econdmica norte-americanas com relagdo as reagdes de seus parceiros relevantes, no campo fi- nanceiro e cambial (enquanto praticavam a velha politica do big stick no campo co- mercial). Com efeito, a sucesso exitosa de encontros de cuipula entre as liderangas da OCDE, caracterizando uma fase de intensa coordenagao politica e de politica cambial ¢ financeira entre os Estados capitalistas parece ter finalmente vindicado a tese kaut- skiana do “superimperialismo”, isto é, uma tendéncia a coalizagao deliberada dos Es- tados capitalistas frente as crises econémicas e politicas. ‘Sem embargo, por mais impressionante que possa parecer a cooperacdo entre as poténcias capitalistas nos tiltimos anos, esta no seria suficiente para assegurar a sustentagiio cantimnada dos fluxos (decisdes) privados de investimento produtivo — num clima de instabilidade global — sem a articulagdo e difusdo, simulténea, de um poderoso cluster de inovagées, baseado em novas tecnologias de impacto abrangen- te, sobre o conjunto das estruturas industriais das principais economias capitalistas. ‘A aplicagao (ou criagdo por meio dela) da microeletronica de uma base tecno- l6gica comum a uma constelagdo de produtos e servigos agrupou um conjunto de i diistrias, setorese segmentos na forma de um “complexo eletrénico”, densamente in- tra-articulado pela convergéncia intrinseca da tecnologia da informagao. A formagao desse poderoso cluster de inovasées capazes de penetrar amplamente (uso generali- zado), direta ou indiretamente, todos os setores da economia configura a formagao de um novo paradigma tecnol6gico no mais puro sentido neo-schumpeteriano. 70- ECONOMIA E SOCIEDADE A Terceira Revolugio Industrial e Tecnoldgica ‘As condigées fundamentais para tal parecem ter sido preenchidas, a saber: (1) amplo espectro de aplicagiio em bens e servicos; (2) oferta crescente e suficiente para suprir a demanda na fase de difusio acelerada; (3) rapida queda dos pregos relativos dos produtos portadores das inovagées, reduzindo continuadamente os custos de ado- do destas pelos usudrios; (4) fortes impactos conexos sobre as estruturas organizacio- nais, financeiras ¢ sobre os processos de trabalho; (5) efeitos redutores generalizados sobre os custos de capital ¢ efeitos amplificadores sobre a produtividade do trabalho. As condigdes técnicas para a constituigao do “complexo eletrénico” esta- vam configuradas desde os meados dos anos 70, nas economias industriais avan- ¢adas, com a aproximagio da base tecnolégica das indiistrias de computadores e periféricos, telecomunicagées, parte importante da eletr6nica de consumo e um segmento da area de automagao industrial. Foi ao longo dos anos 80 e especial- mente na fase de crescimento mundial continuo apés 1983 que a rapida difusao dos bens e servigos do complexo eletrOnico preencheu inequivocamente as condi- ‘ges econémicas schumpeterianas (de / a 5, acima enumeradas), produzindo que Christofer Freeman e Carlotta Perez denominaram de um verdadeiro “venda- val de destruigdo criativa”. A forga desse processo de inovagdes técnicas, sociais ¢ gerenciais seré a seguir evidenciada, mas, de inicio, é preciso sublinhar que essa forga decorreu em larga me- dida da impressionante velocidade de redugdo dos pregos relativos, viabilizada pela espetacular queda do custu real de processamento (bit/US$) a partir da produgiio em larga escala de “chips” cada vez mais poderosos (exponencialmente) a pregos caden- tes. O Relat6rio de Paulo Tigre, deste projeto, assim descreve: “A microeletronica e suas aplicagdes tém satisfeito completamente estes requisitos. Tomando os compu- tadores como exemplo, alguns estudos estimam que a redugdo média real dos pregos dos equipamentos, em nivel internacional, ajustados em termos de qualidade e per- formance, tem sido superior a 20% ao ano nos dltimos vinte anos. Tal redugao de pre- ‘¢0s no tem paralelo na historia econémica mundial”. As Sete Tendéncias da Inovacao nas Principais Economias Capitalistas De forma sintética é possivel destacar sete principais tendéncias novas que vém emergindo no cenério mundial nos tiitimos anos e que devem ganhar corpo ao longo dos anos 90, a partir da vigorosa expansio do complexo eletrénico. Sao elas: (1) 0 pe- so crescente do complexo eletrénico; (2) um novo paradigma de produgao industrial —a automacio integrada flexivel; (3) revolugiia nas processos de trabalho; (4) trans- formacao das estruturas e estratégias empresariais; (5) as novas bases da competiti- vidade; (6) a “globalizagao” como aprofundamento da internacionalizagio; e (7) as “aliangas tecnol6gicas” como nova forma de competi¢ao. ECONOMIA E SOCIEDADE -71 Luciano Coutino 1.0 peso crescente do complexo eletronico Em primeiro lugar, destaca-se 0 peso crescente e estimulante do préprio com- plexo eletrénico nas principais economias capitalistas. Com efeito, o conjunto de in- diistrias do complexo eletr6nico ganhou uma expresso quantitativa notavel (supe- rando em muitos casos o complexo automottiz, antigo “carro-chefe” do padrao tec noldgico anterior). O répido crescimento do complexo eletronico tende a aumentar ainda mais sua participago no valor agregado, no emprego e na formagao de renda nas economias capitalistas avangadas. Dois aspectos merecem atengao: (a) quanto maiora diversificac¢o eo grau de integraco do complexo eletrénico dentro da estru- tura industrial, tanto maior tende a ser a internalizagao de relagbes interativas de in- sumo-produto com elevado impacto dinamizador endégeno; (b) a crescente aproxi- magiio da base técnica do sistema de bens de capital — especialmente das industrias de méquinas ¢ equipamentos industriais — & mesma base microeletrénica do com- plexo eletronico tende a fundir esses dois relevantes complexos industriais num grande complexo eletrénico-mecatrénico, sobre © qual discorreremos no item se- guinte. Existem sélidas razBes para acreditar que as potencialidades da acumulagao produtiva de capitais, em termos de lucratividade e dinamismo dos sistemas indus- triais avangados, sero diretamente proporcionais ao grau de avango obtido nas di- mensdes ae b aqui descritas. 2. Um novo paradigma de produgao industrial: a automacao integrada flexivel [Em segundo lugar é necessério ressaltar os significativos impactos jé impostos pela nova onda tecnolégica de base microeletrénica sobre os processos de produgio industrial, Os processos industriais tipicos do paradigma tecnol6gico dominante no século XX, de base eletromecdinica, através da automagiio dedicada, repetitiva e nao programavel, foram objeto de intensa transformacdo (desde a segunda metade dos anos 70 e notadamente nos anos 80) por meio da difusdo acelerada de mecanisinos digitalizados (ou dirigidos por computadores) capazes de programar o processo de automacdo. A eletrénica substituiu a eletromecdnica como base da automacao, de tal forma que microprocessadores dedicados ou computadores dedicados passaram a guiar o sistema de méquinas ou partes deste. Com efeito: 8) 0s processos continuos de produgao, que ja eram rigidamente integrados, ab- sorveram intensamente controladores légicos programaiveis (CLP), sensores, medi- dores digitais, que, através de sistemas computadorizados de controle (distribuidos ‘ou centralizados) demonstraram-se capazes de otimizar em bases muito mais ¢fi- cientes seus fluxos de produgao, permitindo a otimizacao parcial ou global dos siste- mas com o controle e a automagao em tempo real do processo industrial; 72- ECONOMIA SOCIEDADE A Terceira Revolugao Industrial e Teenolégica b) 0s processos de automacao discretos-interrompiveis, que também haviam langado uma extensa amplitude de automagiio mecAnica dedicada, avangaram signi- ficativamente com a introdugaio maciga de CLP ¢ de outros equipamentos que, sob 0 comando de computadores, permitiram a programacio otimizada da produgao, par- cial ou total (no caso da CAM, isto €, Computer Aided Manufacturing); ) 0s processos de automacao fragmentada, dominados por linhas de monta- gem (caracteristica stricto sensu do fordismo), conseguiram substituir certos seg- Mentos repetitivos correspondentes a operagdes manuais diretas por robés dedica- dos, aproximando-se dos processos discretos-interromp(veis, incorporando os novos equipamentos digitais e controles computadorizados para os segmentos que jd esta- vam integrados por automacio eletromecanica, obtendo-se no conjunto maior rendi- mento das suas economias de escala; 4) finalmente, os processos de produgao do tipo manufatureiro-artesanal, para a produgao de bens “customizados” (ou sob encomenda), notadamente de certo tipo de bens de capital, foram objeto de avango significative com a introdugao de coman- dos numéricos (CN) e dos comandos numéricos computadorizados (CNC) em suas méaquinas operatrizes e em centros de usinagem, permitindo que segmentos criticos do processo produtivo anterior (mecanico-artesanal) saltassem para um estdgio avancado de automagao programével (e, por isso mesmo, suscetfveis de novos avan- ‘gos em diregio a formas flexiveis de automacao). A difusao répida dessas formas de automa¢ao programada nos anos 80 prepa- rou o terreno para um novo salto, mais abrangente e complex, que deve ganhar im- pulso nos anos 90: a emergéncia de sistemas integrados de automagao flexivel. A automagao flexivel totalmente integrada por computadores hierdrquicos de controle (ou Computer Integrated Manufacturing — CIM) tenderé a ganhar forma a0 longo dos anos 90, em dire¢o a um padrdo dominante cujas caracteristicas so ainda dificeis de prever. Computadores mais poderosos ¢ baratos (pela difusdo das técnicas de processamento em paralelo), dotados de algum grau de “inteligéncia ar- cial”, sistemas avangados de software capazes de atuar em varios niveis (do rés da planta fabril até o marketing) e de viabilizar técnicas avangadas de integragdo, novas geragGes de robotica etc, serio integrantes dos futuros sistemas CIM. A concretiza- iio desse novo estégio depende, porém, de progressos importantes nos softwares de integracio e de outros avangos técnicos a serem logrados em muitos campos: ciéncia dos materiais, microprocessadores capazes de embutir inteligéncia artificial, laser & foténica, éptica, instrumenta¢do, micromecanica etc. A evolugdo em direcio a esse estiigio avangado de automagio flexivel tende a articular-se intensamente com as técnicas de desenho (CAD) e engenharia (CAE) au- xiliados por computadores (respectivamente, Computer Aided Design e Computer Aided Engineering). Esse novo paradigma em formagao, que marcaré a indistria das ECONOMIA E SOCIEDADE - 73 Luciano Coutinho primeiras décadas do século XXI, significa, no limite, a fusio radical da mecinicae da eletronica digital, acarretando uma profunda reestruturagdo do setor ou das “in- diistrias” de bens de capital e servigos. A emergéncia desse novo complexo industrial supridor da futura geraco de processos, prevista para o fim dos anos 90 (vide o Re- latério de Arcangeli), deverd atrair para si empresas do complexo letrénico, especial- mente de computadorcs, visto que a utilizago massiva destes nos processos indus- triais ainda esta por vir. Revolucdo nos processos de trabalho O terceiro aspecto fundamental, contraface das mudangas acima descritas, é a revolugo em curso na organizacdo dos processos de trabalho. As formas de automa- do programada hoje dominantes jé vém incorporando, crescentemente, caracteristi- cas flex{veis, polivalentes que, projetadas para um limite futuro (com a estruturagao de um paradigma CIM), transformardo a fébrica num organismo complexe, “inteli- gente”, capaz de aprender e de ajustar-se. Essa transigao aponta para uma aproxima- do dos processos de produco discretos para a forma de processos continuos, ¢ per- mitiré crescente flexibilidade na producio, possibilitando uma variedade “customi- zada” de produtos sem perda das economias de escala e com plena captura das eco- nomias de escopo. Essa tendéncia a flexibilidade, ja caracterizada nas economias lideres, respon- de as necessidades oligopolisticas de competir em qualidade ¢ em diferenciagio de produtos, sofisticando e adequando suas linhas as caracteristicas e demandas dos mercados das economias desenvolvidas. A conexio interativa entre usuarios € pro- dutores vem assumindo importancia crescente e, indubitavelmente, representa um fator-chave na moldagem das trajet6rias tecnolégicas possfveis. Em outras palavras, adeterminagao causal unilateral, que a partir das possibilidades técnicas da produgio definia rigidamente as caracteristicas finais dos produtos, tende a ser superada nessa transigao tecnolégica, dando lugar a novas interagdes causais em sentido contrério. Por exemplo, a concepgao e desenho de produtos reveste-se de varios desafios: tra- ta-se de atender As demandas ¢ preferéncias dos usuarios, de incorporar com criativi- dade os avancos tecnolégicos disponiveis e, ainda, de encontrar a forma mais ade- quada para economia de custos ¢ eficiéncia na produgio. © que essas tendéncias & automacao flexivel ¢ a “customizagiio em massa” significam (ou ja vém significando) para os processos de trabalho? Sao miiltiplos os impactos: a) a introdugdo da programagdo flexivel (em contraposigao A programagao 1i- gida) exige a participagao direta da forga de trabalho fabril na condugao do processo, para operar ¢ reprogramar os ajustamentos necessdrios nos equipamentos; 74-ECONOMIAE SOCIEDADE

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