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CERE Ap | BIRLIOTECA NICOS POULANTZAS AS CLASSES SOCIAIS CLASSES SOCIAIS E RELAGOES DE PRODUCAO, O que sao as classes sociais na teoria marxista? As classes sociais sfo grupos de agentes sociais, homens, defi- nidos principalmente, mas nfo exclusivamente, por sua po sigdo no processo de produgdo, ou seja, na esfera econdmica. Dois pontos principais devem ser esclarecidcs neste mo- mento, j4 que deles derivam numerosas conseqiiéncias pra- + ticas: 1) A posiciio econémica dos agentes sociais desempenha um papel principal na determinacdo das classes sociais, Mas no se deve deduzir dai que essa posicao seja totalmente suficiente para a determinacdo das classes sociais. Com efeito, para o marxismo, 0 econémico desempenha efetiva- mente o papel determinante numa sociedade dividida em classes; mas 0 politico e o ideolégico, em suma, a superes- trutura, desempenham igualmente um papel importante. Com“eféito, sempre que Marx, Engels e Lenin procedem a uma anilise concreta das classes numa formacio social, nado se limitam exclusivamente ao critério econémico. Referem-se explicitamente a posigéo de classe, ou seja, a critérios poli- ticos e ideolégicos.” Pode dizer-se assim que uma classe social define-se por sua posicéo no conjunto das praticas sociais, ou seja, por sua posicdo no conjunto da divisdo social do trabalho. 2) © critério econémico continua sendo, sem embargo, determinante. Mas, o que se entende, na concep¢céo marxista, Por critério econédmico? Que & o econémico que define a situagdo de classe? 1) A esfera “econémica” esté determinada pelo pro- cesso de produgéo, e a posigdo dos agentes, sua distribuicdo em classes sociais, pelas relagdes de produgao. Em suma, na unidade producio-consumo-reparticio do produto social, é a produgdo que desempenha o papel deter- minante. A distribuigdo, neste nivel, das classes sociais, nio é por exemplo uma distingdo fundada sobre o montante dos lucros, uma distincdo entre ricos e pobres, ccmo acreditava toda uma tradicéo pré-marxista e continua acreditando uma série de socidlogos. A distincéo real no montante dos lucros nao é mais do que uma conseqiiéncia das relagées de produga. Bem, mas o que é esse processo de produgiio e as re- lagées de produgfo que o constituem? O processo de produgio esta constituido por uma dupla relacio que engloba as relagdes dos homens com a natureza na producgio material. Estas duas relacées sio relacgées dos agentes da produgéo, dos homens, com o objeto e os meios de trabalho, as forgns produtivas, e, assim, por este ciclo, relagdes dos homens entre eles, relagdes de classes. Quais siio estas relagées numa sociedade dividida em classes? a) A relagiio de propricdade econémica dos nao traba- Ihadores (proprietérios) com os meios de producio. Estes tém o controle rea] dos meios de produgio, e, assim, ex- ploram os produtores diretos — os trabalhadores — arran- cando-Ihes, sob diversas formas, o sobre-trabalho, +b) A relagéio de apropriacéo real, ou seja, a relagéo dos produtores diretos — trabalhadores — com 0 objeto e os meios de trabalho. 2) Quanto & primeira relagio, devemos notar que cla designa a propriedade econémica real, o controle real dos meios de producio, e se distipgue da propriedade juridica, tal como esté consagrada pelo direito, que 6 uma superestru- tura. Naturalmente, o direito confirma em geral a propric- dade econémica; mas pode ocorrer que as formas de pro- priedade juridica nfo coincidam com a propricdade econd- mica real. Em tal caso, é esta Ultima que continua sendo determinante para a definigio de classes sociais, Alguns exemplos: a) Na divisfio das classes sociais no campo, fixemo- nos no caso dos grandes arrendatdrios. Estes, segundo Lenin, pertencem ao campesinato rico, nfo tendo a propriedade juridica formal da terra, que pertence ao capitalista pro- prietdrio. Se bem que esses grandes arrendatdrios perten- gam ao campesinato rico, isto nfio quer dizer que cles te- nham ganhos elevados, mas sim que eles tém o controle real da terra e dos meios de trabalho, ou seja, que s&éo seus Proprictérios econémicos efctivos. Este é apenas um exemplo: nao entraremos, com efcito, dentro dos limites deste texto, na quest&o da divisio do “campesinato”, que nio 6 uma classe Unica, em classes, As- sinalemos, entretanto, que a diviséo dos campos em gran- des proprietarios arrendatérios, camponeses ricos, campo- 8 meses médios e camponeses pobres, englobando, em cada classe, grupos procedentes de formas de propriedade e de explorag&o distintas, nao pode fazer-se sendo distinguindo-se rigorosamente a propriedade juridica formal da propriedade econémica real. b) O segundo exemplo, muito discutido mas que nao é possivel omitir-se, concerne & URSS e aos paises “socia- listas”. A propriedade juridica formal dos meios de produ- co pertence ao Estado, considerado como o Estado do “povo". Mas o controle real, a propriedade econémica nao pertence certamente aos proprios trabalhadores, face ao enfraquecimento dos soviets e dos conselhos operdrios, mas sim aos “diretores de empresa” e aos membros do aparato. - E possivel, assim, perguntar-se legitimamente se sob a forma de propriedade juridica coletiva nado se oculta uma nova forma de propriedade econdémica privada, e se, deste modo, nao se deveria falar de uma nova burguesia na URSS. Com efeito, aboligéo da “prepriedade privada” como base de classe n&o pode significar simplesmente abolicéo da “pro- priedade juridica privada”, mas sim abolicfo da proprie- dade econémica real: ou seja, controle pelos préprios traba- lhadores dos meios de produgdo. Estas consideracdes, ademais, se revestem de impor- tancia quanto & questio da marcha para o socialismo. Se se tem bem em conta a distingdo teérica e real, capital entre propriedade econémica e propriedade juridica formal, vé-se que a simples “nacionalizagéo” das empresas nado é a so- luc&o-panacéia que se acreditou durante muito tempo; e isto nao sé porque as “nacionalizagées” revertem ao poder do Estado, com o que, sendo este burgués, as “nacionaliza- des”. se ligam aos interesses da burguesia. E por isso que, inclusive no caso de uma mudanca do poder de Estado, as nacionalizagées ou a socializac&o da economia modificam apenas a forma de propriedade jurfdica: s6 a “auto-gestio” operdéria pode modificar, fundamentalmente, a propriedade econémica e conduzir, assim, a uma abolicéo das classes. 3) Voltemos & segunda relacéo, a dos produtores di- retos — trabalhadores — com os meios e com o objeto do trabalho, relac&o que define a classe explorada. Esta relacéo pode adotar formas diversas, segundo os diversos modos de produgdo. Nos modos de producao “pré-capitalistas”, os produto- res diretos — os trabalhadores — nao estavam inteiramente “separados” do objeto ¢ dos meios de trabalho. Tomemos © caso do modo de producio feudal: ainda que o senhor detivesse de uma sé vez a propricdade juridica e a pro- priedade econémica da terra, o servo tinha a posse de sua gleba, protegido pelos costumes, ¢ dessa posse o senhor néo podia privé-lo pura e simplesmente. Neste caso, a explora- ¢&o se fazia pela extragdo direta do sobre-trabalho, em forma de servigo pessoal ou de tributo em espécie. Em contraposi¢&io, no modo de producio capitalista, os produtores diretos — a classe operdria — se encontram totalmente sem posse de seus meios de trabalho. B a apa- rigfio do que Marx designa como “trabalhador nu (despo- jado)". O operdrio nfo possui mais que sua forca de tra- balho, a qual vende. O préprio trabalho se converte numa mercadoria, 0 que determina a generalizacio da forma mer- cantil. A extracéio do sobre-trabalho se faz, pois, nao dire- tamente, mas sim pela via indireta do trabalho incorporado na mercadoria, ou seja, pela apropriacio da mais-valia, Dai derivam conseqiiéncias importantes: 1, Vemos bem que o processo de produgdo nao esta de- finido por dados “tecnolégicos”, mas sim por relagécs dos homens com os meios de trabalho; portanto, pela wnidade do processo de trabalho e das relacdes de producéo. Nao se pode falar, nas sociedades divididas em classes, de tra- balho “produtivo” neutro e em si, E “trabalho produtivo”, em cada modo de produc&o dividido em classes, o trabalho que corresponde as relagées de produc&o desse modo, ou seja, aquele que d& lugar a uma forma especifica de ex- ploragao. Produc&o, nessas sociedades, significa ao mesmo tempo e num mesmo movimento, divisio em classes, explo- racéo ¢ luta de classes. Assim, no modo de produgo capitalista, é “trabalho- produtivo” aquele que produz mercadorias, portanto a mais- valia, © precisamente o que define “cconomicamente”, neste modo, a classe operdria; o trabalho produtivo leva direta- mente & divistio de classes nas relages de producio. Isto permite resolver certos problemas, mas coloca outros; a) Nao é 0 saldrio que define a classe operaria; por- que o saldrio 6 uma forma juridica de reparticio do pro- duto pelo “contrato” de compra e venda da forca de trabalho. Se bem que todo operario seja um assalariado, nem todo as- salariado é um operario; porque nem todo assalariado é for- cOsamente trabalhador produtivo, ou seja, que produz a “mais-valia/mercadorias. Aqui Marx nos dé algumas ana- lises explicitas: por exemplo, os trabalhadores dos trans- Portes sao consideradcs trabalhadores produtivos, perten- centes & classe operdria, porque uma “mercadoria” nao existe sendo a partir do momento em que esté presente no mercado, e o que conta para a definicao do trabalho pro- dutivo é a mercadoria/mais-valia. Em contraposicao, Marx exclui dos trabalhadores pro- dutivos os assalariados do comércio, dos bancos, das agén- cias de publicidade, dos diversos servicos, etc. Isto se deve: a) — a que alguns deles pertencem & esfera da circulacao; b) — a que outros nao produzem a mais-valia, mas apenas contribuem para a realizac&o da mais-valia. 4) Mas o problema é bastante mais complicado, no que concerne aos “técnicos” e aos “empregados assalaria- dos” de escritérios no seio e em torno da producéo material das empresas: entre outros, aqueles aos quais se designa, com freqiiéncia, equivocadamente, como “portadores da ciéncia”. E indtil buscar, para estes casos, uma resposta coerente em Marx. Marx da, com efeito, encerrando-se aqui no plano econémico, duas respostas absolutamente contraditérias: a) Nos Fundamentos de la Critica de la Economia Politica, refere-se 4 nogio de trabalhador coletivo. Dada, diz Marx, a socializagéo progressiva das forcas produtivas e do processo de trabalho, de um lado, e a interpenetracdo cres- cente dos trabalhos que concorrem para a producao de mer- cadorias, de outro, a ciéncia tenderia a fazer parte das forcas produtivas, e os “técnicos” deveriam, pela via indi- reta do trabalhador coletivo, ser considerados como fa- zendo parte da classe operdria; com a ressalva, eventual- mente, de considera-los como uma “aristocracia operdria”, _aristocracia operdria que, segundo Lenin, é uma camada da propria classe operdria. b) Em El Capital, Marx julga claramente que esta categoria de agentes nfo faz parte da classe operdria. A 1 beigncia, diz cle, nio é¢ uma forga produtiva direta: tao somente suas aplicacées entram no processo de producio. Estas aplicagdes, ademais, nfo contribuem senfo para o Faumento ec a realizagio da mais-valia, e nfo para a sua ; Producéo direta. Os agentes técnicos nfo fazem parte da classe operdria. Que quer dizer isto? Temos que comecar pondo de lado eertos critérios “econédmico’-“técnicos” que, de qualquer © modo, nio podem oferecer resposta: i a) A pretensa distincio entre “trabalho manual” e : “trabalho intelectual”, Esta distingéo, com efeito, e Gramsci | notou-o bem, nfo vale como tal. A néo ser que se perca Fem argticias fisiolégico-biolégicas duvidosas, esté claro que todo trabalho manual comporta componentes “intelectuais” e vice-versa. Nao se pode definir de modo algum, de ma- neira rigorosa, um “trabalho manual” que fosse o tinico tra- fbalho produtor de mais-valia. Em contraposigéo, a distin- ¢&o “trabalho manual” “trabalho intelectual” é uma cate- -goria surgida da vivéncia operdria, que leva a distincdes F reais, mas que nio sio distinedes fisico-biolégicas: leva a distincgdes polfticas e ideolégicas no scio das empresas. b) Uma pretensa distinc&éo, novamente encontrada no recente Tratado de Economia Maraista: el Capitalismo Mo- nopolista de Estado, do PC, entre trabalhador coletivo e trabalhador produtivo. Este trabalho se funda, com efeito, neste aspccto, quase cxclusivamente em critérios técnico- econdmicos. A quest&o 6 importante ¢ merece que nos detenhamos nela: O Tratado (T. 1, p. 211 ss.) tenta definir uma nogéo econdmica do “trabalhador coletivo” = os que concorrem “tecnicamente” para a producfo da mais-valia, distinguindo-a da nocao mais estrita de “trabalhador produtivo” = os que Produzem diretamente a “mais-valia”, a classe operdria. Descobre-se, assim, toda uma série de categorias espurias de Individuos que, embora nao sendo considerados como operé- rios, sio estimados como parte do “trabalhador coletivo”, numa palavra, como quase-operdrios. ‘Trata-se de uma deformacio economista, a que se une um objetivo politico preciso: Deformacio economista: Com efeito, sempre que Marx 2 ee EM ngpe emprega a noc&o de “trabalhador coletivo” é para identi- ficé-lo com uma extensao da prdpria classe operdria, do tra- balhador produtivo, Nao existe de modo algum, em Marx, distinc&o entre trabalhador colctivo e trabalhador produtivo: o termo trabalhador coletivo serve para designar, em Marx, as transformacées da propria classe operéria. Por outro lado, é certo que Marx define, em 0 Capital, o trabalhador coletivo segundo critérios unicamente econémicos. EB, adc- mais, o motivo pelo qual esse termo 6 nele sempre impreciso e ambiguo. De fato, deve-se adiantar a proposic&o seguinte: O tra- balhador coletivo n&éo é outra coisa senfio a classe operaria, com a diferenca de que este termo introduz precisamente critérios ideolégicos e politicos na delimitacdo daquela, e esta é sua significagaéo fundamental, Voltaremos a tratar disto. Em contraposicao, distinguir entre trabalhador cole- tivo e classe operdria, fazendo surgir camadas de agentes “quase-operarios”, é aproximar-se, a ponto de confundir-se com ele, do mito da classe salarial, ou seja, da concepga&o que identifica assiariado e classe operdria. ¥ possivel, pois, perguntar-se se a politica da hierarquia dos salarios e a politica da CGT em relacio ao pessoal di- retivo ndo alimentam estas anilises concernentes ao traba- Ihador ccletivo, 5. — Esta questo nos permite, ademais, avancar sobre um problema importante. Dissemos que o processo de producfo esté composto pela unidade do proces- so de trabalho e das relagdes de producao. Podemos agora aventurar uma proposicfio suplementar: no seio dessa uni- dade, nfo é o processo de trabalho — incluindo a “tecnolo- gia” e o “processo técnico”, que dcsempenha o papel dominante: sfo as relagées de producio que detém a pri- mazia sobre o processo de trabalho e as “forcas produtivas”. Isto é importante na quest&o das classes sociais. Sua delimitacéo depende das relacées de produc&o, que levam diretamente & diviséo social do trabalho e @ supcrestrutura politico-ideolégica, e nfio das coordenadas de um “processo- técnico” qualquer cm si: a diviséo do trabalho esta domi- nada pela divisio social. Assim, no caso mencionado do trabalho produtivo, que nfio é o trabalho dos participantes da “produciio" no senti- do técnico, mas dos produtores de mais-valia, tais trabalha- dores sfo explorados como classe, de maneira determinada, 13, ocupando eles um lugar determinado na divisio social do trabalho. O caso é andlago quanto aos técnicos, para os quails o critério de sua participagao no “processo técnico” do tra- balho nfo é determinante. Este caso se apresenta, ademais, igualmente para o grupo dos “vigilantes” do processo do trabalho: 6 coisa clara, por exemplo, que a questao de per- tencerem ou nao pertencerem agentes tais como “contra- mestres”, ctc... & classe operfria niio pode ser resolvida pela referéncia a scu “papel técnico” ou a divisio técnica do trabalho, mas sim em fung¢&o de critérios politico-ideo- logicos. Antes de passar aos critérios politicos e idcolégicos ne- cessdrios para a delimitagfio das classes sociais, convém con- siderar as classes de um modo de produc&o e de uma for- macio social — de uma “sociedade” — concrcta. 1. Com efeito, ao falar de um modo de produgéo, ou também de uma forma de produgdo, situamo-nos em um nivel geral ¢ abstrato: por exemplo, os modos de producio es- cravista, feudal, capitalista, etc. “Isolamos”, de certo modo, na realidade social, estes modos e formas de produc&o para . examind-los teoricamente. Mas, assim como demonstrou Lenin no Desarrollo del Capitalismo en Rusia, uma socic- dade concreta em um determinado momento — uma for- maciio social —, esta composta de varios modos e formas de producio que cocxistem nela de mancira combinada, Por exemplo, as sociedades capitalistas do principio do século XX estavam compostas por elementos do modo de produ- ¢fio feudal, pela forma de producfio mercantil simples e & manufatura — forma de transigiio do fecudalismo para o capitalismo —, pelo modo de producéio capitalista em suas duas formas, de concorréncia e monopolista. Mas essas so- ciedades cram scm dtivida sociedadcs capitalistas: ou seja, © modo de produciio capitalista dominava os outros modos e formas de produgio que coexistiam nessas sociedades. Em ; toda formacio social h& sempre um modo de producéo ¢ dominante, que atribui a essas sociedades scu caréter (ca- : Pitalista, feudal, etc.), com a tnica excegio das “socieda- : des de transicio”, caracterizadas precisamente por um equilibrio dos diversos modos de producio. Voltemos as classes sociais. Sc nos fixamos nos modos E de prodiucio unicamente, examinados de maneira “pura” e 14 MODO DE PRODUCAO E FORMACAO SOCIAL abstrata, cada modo de produc&o comporta duas classes: a classe exploradora, politica e ideologicamente dominante, ¢ a classe explorada, politica e ideologicamente dominada: amos e escravos (modo de producio escravista), senhores e servos (modo de producio feudal), burgueses e operarios (modo de producio capitalista). Mas uma sociedade concreta, uma formagio social, com- porta mais de duas classes, na medida mesmo em que est& composta de varios momentos e formas de producio. Com efeito, nfo existe formacio social que nfo comporte mais do que duas classes; o que é exato, é que as duas classes fundamentais de toda formaciio social sic as do modo de produgio dominante nessa formacio. Assim, por exemplo, na Franca atual, as duas classes fundamentais sfo a burguesia e o proletariado. Mas se en contra igualmente a pequena burguesia tradicional — arte- siios, pequenos comerciantes —, que depende da forma «- producio mercantil simples, a pequena burguesia “nova” dos assalariados nao produtivos, que depende da forma mo- nopolista do capitalismo, e varias classes sociais no campo, no qual se encontram ainda vestigios transformados do feu- dalismo. Por exemplo, as formas de parceria. 2, Estas consideragées sio muito importantes no que diz respeito & questéo das aliangas da classe operdria com as outras classes populares. Com efeito, a pequena byr- guesia, as classes populares do campo — operarios agricolas camponeses pobres, camponeses médios — sio classes dife- rentes da classe operdria. Agora bem, é certo que, na me- dida em que as duas classes fundamentais sio a burgue: ¢ a classe operdria, as outras classes populares tendem 1 polarizar-se em torno da classe operfria. Mas esta tendén- cia & polarizacdo nio significa sua dissolucdo enquanto clas- Ses numa massa indistinta: trata-sec sempre de classes com interesses especificcs. E nisto consiste o problema das aliancas. Por um laro, a classe operdria deve, em suas aliancas, assumir os inte- resses especificos das classes que constituem, com ela, o “povo” ou as “massas populares”: pensamos precisamentc na alianga operdrios-camponeses preconizada por Lenin. Por outro lado, nfo se deve esquecer que, como para toda alian- ca, existem contradig6es entre os interesses especificos dn 15 issc operiria, enquanto classc, ¢ os das outras classes pulares, Reconhecer estes fatos, é também procurar os tlos de uma justa solugéo das contradicées “no seio Povo”. Porque existem, com cfeito, duas outras interpretacées, aalmente crréneas, do fenémeno: a) Segundo a primeira, preconizada por numerosos so- Jlogos, as transformacées atuais teriam dado lugar ao iscimento de uma vasta “classe intermedidria”, que en- oba todos os grupos sociais que nfo sio nem a burguesia mo proletariado, Esta “classe-terceira-forga” seria — sua importancia numérica — o verdadeiro pilar das so- edades modernas, Entretanto, comprovou-se que nfo sio ida mais que vdrius classes; nada nos autoriza a falar atual- ente, a tal propésito, de uma fusdo dessas diferentes classes termedifrias numa Unica classe. b) A scgunda interpretagio errénea se acha atual- ente exposta no recente “Manual de Economia Maraista” E. I, p. 204 ss.), do P. C., jd mencionado, Segundo ela, cs- irlamos assistindo atualmente, sob 0 “capitalismo monopo- sta de Estado”, a um fenémeno de polarizacdo que daria tgar a uma efetiva dissolugio das outras classes da socie- ade distintas da burguesia e do proictariado: as outras clas- % sociuis, as do campesinato, as diversas fragées da pe- wena burguesia, etc., nfo existiriam ja, segundo esta in- erpretacao, enquanto classes, mas sim simplesmente en- uanto “camadas intermedidrias”, O {ato merece ser fri- Ado, j4 que jamais se havia formulado explicitamente até Bora, de maneira autorizada, tamanha enormidade. Esta aterpretacio deve, ademais, relacionar-se com a interpre- Acti atribulda ao “trabalho coletivo”: haverla de um lado 1 classe operaria (trabaJhador produtivo), do outro lado quase-operarios” (trabalhador coletivo) com interesses qua- P-ldénticos aos da classe operaria, além de “camadas inter- lidrias”, que nao teriam interesses préprios de classe, e le apenas se reagrupariam automaticamente em torno da jasse operaria. E evidente que esta interpretag&o abre caminho a uma «sem princtpios, que pode ter conseqiléncias perigo- . Comeca por negar as diferencas entre os membros da inca popular, d4 lugar mais tarde, quando as contradi- que nfo se tratou de resolver se fazem ovidentes (pro- OS CRITERIOS POLITICOS . E IDEOLOGICOS — CLASSES, FRACOES E CAMADAS, letariado-campesinato na URSS sob Stalin), a reprimir cs- sas contradigées pela forca policial, proclamando pura e simplesmente que o interesse verdadeiro dos outros membros da alianca se identifica automaticamente, em todo mo- mento, com o da classe cperfria. A scgunda parte da quest&o consiste em desenvelver © ponto evocado mais acima: os critérios puramente econé- os néo bastam para determinar ¢ localizar as classes sociais numa formacio social concrcta. A referéncia dos critérios politicos e ideolégicos é absolutamente indispen- sdvel. 1. Comecemos com os problemas relativos a classe operaria : a) Por este cuminho é que se deve buscar a solucio do problema assinalado mais acima: o dos “técnicos” ¢ assalariados organicamente vinculados A empresa. Com efci- to, se bem que os critérios cconémicos scjam suficientes para exeluir da classe operdria os assalariados do comércio, dos banecs, ete., néio oferecem, em contraposicfio, resposta al- guma quanto ao grupo social em questo. O fato desse grupo social — cujo desenvolvimento no scio das empresas se acha vinculado 4 preducio moderna -- pertencer ou nao pertencer & classe operaria depende dcs critérios politicos ¢ Idcolégicos, especialmente: qual @ sua consciéncia de classe c qual é¢ sua posigio politica conercta no scio da, empresa? Com efecito, do ponto de vista da divisio social do trabalho, esse grupo tem, cm geral, uma posicio ambi- gua, porque duplicada: contribuindo cada vez mais para a producfo da mais-valia, esse grupo esté, ao mesmo tempo, revestido de uma “autoridade” especial na vigilancia do processo do trabalho. A questio decisiva que se suscita assim, quanto & sua adscricio de classe, é saber se é essa “autoridade" na organizacio capitalista “despética” do tra- halho que tem a primazia cm sua pratica politica efetiva, ou antes sua solidariedade com a classe operaria. b) Esta referéncia aos critérios politicos ¢ ideolégi cos é igualmente indispensavel no que diz respeito a di- ferenciagio da propria classe operaria em camadas di- versas. 1) Tratcu-se a mitido de reduzir as diferencas no seio da classe operaria a diferencas “técnico-econémicas” na 17 lérios, reduzindo a este fator as diferencas ideoldgico-po- liticas no seio da classe operéria: trata-se de diferencas diretamente redutiveis A classificagio: capatazes, operd- rios especializados, operdrics qualificados, cte.. E isto, para desembocar em generalizagdes que vao frequentemen- te num sentido inverso: seja para afirmar apenas que os simples capatazcs, operdrios especializados, etc. tém uma eonsciéncia de classe e um potencial revoluciondrio mais elevado que o resto da classe operdria, seja para afirmar apenas a mesma coisa com relagio aos operérios quali- ficados. | organizacao do trabalho, ou inclusive ao montante dos sa- | : E 5 { Agora bem, informagées atuais, a experiéncia hist6- ; rea e as andlises sociolégicas demonstram que estas ge- neralizagées fundadas sobre critérios puramente “técnico- econ6micos” sao arbitrarias. As diferenciagdes na classe operéria no determinam pura e simplesmente a posigéo na organizacéo do trabalho. Dependem de critérios politi- cos e ideolégicos, das formas de luta, das formas de or- ganizacio de combate, da tradic&o: critérios que possuem | uMa autonomia propria, Para nao tomar mais que o “ exemplo do anarco-sindicalismo na Franga: Como explicar, por simples critérios “téenico-econémiccs” uma forma ideo- : Iégica que se implantou por exceléncia: ao mesmo tempo Nos capatazes das grandes empresas e nos operdrios quali- ficados das pequenas manufaturas? 2) Segundo exemplo, o da famosa “aristocracia-ope- rdria”. Trata-se aqui, ‘segundo Lenin, de uma camada da classe operdria, base da social-democracia. Agora bem, existe uma versio “economista” da concepcao da aristocracia operdria: a preconizada especialmente pela III Internacio- "mal. Segundo ela, é a camada de operdrios mais qualificadod “ @ mais bem pagos nos paises imperialistas, com as miga- s Ihas de sobreproveitos, obtidos das colénias, que as bur- ; guesias imperialistas Ihes distribuem. Estes operdrios cons- : tituiriam a base do reformismo e da social-democracia. A primeira dificuldade consistc, naturalmente, no fato de que, por causa da interpenetracaio e fus&éo dos capitais = no estdgio imperialista, nfio é possivel distinguir rigorosa- ‘Mente as partes da classe operdria que deveriam ser pagas oS sobreprovecitos imperialistas e¢ as que deveriam ser Pagas pelo capital autéctone. Mas, de qualquer forma, estu- dos histéricos e sociolégicos rigorosos relativos & base de classe dos fillados e eleitores dos partidos comunistas e so- cialistas (especialmente entre as duas guerras), em di- versos paises capitalistas, parecem invalidar a versio eco- nomista da aristocracia operdria. Especialmente os operé- rios mais qualificados e mais bem pagos de um lado, os capatazes e os “operdérios pobres" do outro, parecem re- partir-se, entre as duas guerras, em partes sensivelmente iguais entre o partido e os sindicatos comunistas, e o par- tido e os sindicatos socialistas. Se existem variacdes na- cionais, estaéo longe de ser decisivas. Isto nfo quer dizer que a nocio de aristocracia opera- ria seja falsa; desde que se refira em sua definicfio a critérios politicos e ideolégicos, diferencas de “status”, do praticas efetivas, etc. Por exemplo, um operario altamente qualificado e relativamente bem remunerado, com conscién- cia e pratica de classe, nfo pode ser considerado como per- tencente A aristocracia operdria. Em contraposigéo, um “permanente” politico ou sindical, com remuneracées_me- nes elevadas, mas com “status” e “autoridade” mais aim- bigua, pole eventualmente fazer parte daquela. Em sumn, a nogéo de aristocracia operaria, que recobre de fato a camada operéria que é o “agente da burguesia” no seio da classe operdria, atravessa verticalmente os estratos sécio- profissionais da classe oferdria. Para tomar os termes av pé da letra: do mesmo modo que, ha tempos havia “aris- tocratas” sem um centavo, pode considerar-se que um sim- ples pedo, influenciado pela ideologia burgucsa e aprescn- tando um “mimetismo” burgués pede fazer parte da aris- tocracia operdria. 3) Finalmente, pode-se mencionar aqui o problema re- lativo & questéo das diferencas salariais no seio da classe operaria. Com efeito, inclusive sendo certo que o interesse ea solidariadede efetiva de classe dominam no scio da clas- se operdria, sobretudo agrupada em torno de organizacdes de classe, nem por isso deixam essas diferenciacées salariais de colocar um problema real. N&o correspondem, de fato, a simples dados micos”, © saldrio 6, segundo Marx, uma forma juridica de reparticiio do produto social; portanto, uma forma em cuja 19 composicio intervém diretamente elementos politicos. Os “salarios” correspondem, em scu conjunto numa socicdade, e do ponto de vista de uma andlise abstrata, aos custos de reproducito da forca-trabalho; mas a “forca-trabalho” esta constderada aqui de mancira “geral"” ¢ “abstrata’. Nio se tira disto, em absoluto, que toda diferenciagio concreta do nivel dos salérios no scio da classe operfria tenha de cor- responder a necessidades “técnicas”, ou seja, ao fato de que a reprodugdo da forca-trabalho de um grupo de opera- rios relativamente mais bem pagos tenha de custar forco- samente mais — na quantia da diferenca dos salérios — que a de um grupo de operérios de salério menor. De fato, todas as anélises histéricas e econémicas tendem a demons- trar que estas diferenciagées salariais refletem, numa me- dida importante, coordenadas politicas: especialmente uma politica du burguesia com fins de diviséo da classe operdria. Isto nfo quer dizer de modo algum, naturalmente, que tal politica burguesa logre efctivamente eriar diferencia- ¢ées politicas no scio da classe operdria, e que tenha que se considerar os operérios “mais bem pagos” como sus- peitos, Mas isto demonstra, om contraposicao, a inanidade de certa politica sindical de defesa a todo custo da “hierar- quia dos sualérios", politica defendida com o pretexto de que ns diferenciagées salariais sito simples “necessidades econdmicas" devidas, de maneira exaustiva, a diferencas reais nos custos de reprodugdo da forca-trabalho. Seria tanto como considerar o salario, forma juridica, como um dado exclusivamente econdmico, e até “técnico”, e o que é mais: ser-lhe-ia atribuido “quase” um papel andlogo as relacées de producéio, De certa politica de defesa a todo custo da hicrarquia dos salarios a0 mito da “classe salarial” néo h& mais que um passo. 2. A necessidade de referéncia aos critérics politicos c idcolégicos na determinagfio de classe é particularmente dfinida no que concerne & pequena burguesia. Com feito, existe uma clusse pequeno-burguesa? Que conjuntos(?) fazem parte dela? S&o em geral considerados como fazendo parte da pe- quena burgucsia, dois grandes conjuntos de agentes, os quais, entretanto, ocupam posigées totalmente distintas na pro- dugio: 20 a) A pequena burguesia “tradicional” que tende a ir diminuindo; a pequena producio e o pequenc comércio (a pequena propricdade). Trata-se das formas de artesanato e de pequenas empresas familiares, nas quais 0 mesmo agente é de uma s6 vez proprictdrio dos meios de producfio e de trabalho, e trabalhador direto. N&o se encontra aqui exploracéo econémica, propriamente falando, na medida em que estas formas de producio nfo empregam, ou entio s6 0 fazem muito ocasionalmente, operarios assalariados. O trabalho é feito essencialmente pelo proprietério real ou membros de sua familia, que nao tém retribuigio em forma de salfrio. Esta pequena produgao obtém lucro na venda de suas mercadorias e pela participacaéo na redistribuic&o total da mais-valia; mas nao arrebata diretamente sobretrabalho. b) A “nova” pequena burguesia, que tende a aumen- tar sob o capitalismo monopolista: a dos trabalhadores as- salariados néo produtivos, que ja se mencionou, e & qual convém agregar os funciondrios do Estado e de seus diversos aparatos, Estes trabalhadores nao produzem mais-valia. Vendem eles também sua forca de trabalho; seu salario esta determinado, ele também, pelo preco de reproduc&o de sua forca-trabalho, mas sua explorag&o se faz pela extorsio directa do sobretrabalho, e nao pela producio de mais- valia. Agora bem, estes dois grandes conjuntces ocupam na produciio posigGes diferentes, que nfo tém nada em comum. Podem ser considerados como constituindo uma classe, ‘a “pequena burguesia”’? Podem ser dadas aqui duas respostas: a) A primeira inclui precisamente critérios politicos e ideolégicos. Pode-se, com efeito, considerar que essas posigées diferentes na producio e na esfera econémica tém, entretanto, ao nivel politico e ideoldgico, os mesmos efeitos. De um lado, a “pequena propriedade”, do outro Jado alguns assalariados que néo vivem sua exploracéo senéo sob a forma do “salario” e da “competici&o” longe da producao, apresentariam, por estas razdes econémicas nfo obstante distintas, as mesmas caracteristicas foliticas ¢ ideoldgicas: “individualismo” pequeno-burgués, inclinacio ao “statu-quo” e temor & revolucio, mito da “promocio social”, e aspira- ¢&o ao status burgués, crenga no “Estado neutro” acima das classes, instabilidade politica e tendéncins a apoiar “Esta- 21 fortes” ¢ bonapartismos, formas de rebeliéo do tipo “jacquerie pequeno-burgucsa”. Estas caracteristicas ideolégico-politicas comuns bas- tariam, se tal fosse o caso, para considerar que estes dois ‘conjuntos, que ocupam posigées diferentes, na economia, peonstituem uma classe, relativamente unificada, a pequena burgucsia. Além disso, ainda neste caso, nada impediria de distin- pguir “fragées” de uma mesma classe. Com efeito, como ve- jos a propdésito da burguesia, o marxismo estabelece ‘igualmente distingdcs entre fragées de uma classe, Estas ese distinguem das simples camadas porque refletem dife- renciagdes econémicas importantes, e podem inclusive se revestir, cnquanto fragées, de um papel de forgas sociais, importante e relativamente distinto do das outras fragdes da classe de que dependem. Poder-se-ia assim estabelecer -eventualmente que a fragfo pequeno-burguesa dos assalaria- edos nfio produtivos esté mais préxima da classe operéria do que a pequena-burguesia tradicional. Poder-se-ia igual- ;mente, na medida em que se trata de fracées, fazer inter- vir o clemento da conjuntwra: uma ou outra fracfo estaria ‘mais ou menos préxima da classe operdria segundo a con- juntura (aqui é onde interviria especialmente o fator natu- ral de “proletarizacfio” do artesanato, ctc.). Nada impediria, ademals, de fazer igualmente intervir aqui diferenciagées entre camadas pequeno-burgucsas, referindo-se mais par- ticularmente as divergéncias ideolégico-politicas, acima da Posicfio idcoldégico-politica fundamentalmente comum 80 conjunto da pequena burguesia. Mas, nesta solucdo, nfo se poderia esquecer que se trata sempre, e apesar de tudo, de uma mesma classe: & pequena burguesia, E que deveriamos tratar essas fracdes e camadas na questao das aliancas ou da previséo de seu comportamento (especialmente sua instabilidade). Feito Eisto, a soluciio “a)” (que acabamos de expor) seria, apa- rentemente, a mais correta. b) Segunda solug&o, sob duas formas: bi) Reservar o termo pequena burguesia para a pe- quena burguesia tradicional, e falar a propésito dos assa- Jarlados néo produtivos de uma nova classe social. Isto co- loca, néio obstante, problemas tedricos ¢ reais dificcis: a menos que se considere que o modo de producéo capitalista 22 estA superado e que nos encontramos numa sociedade “pds- industrial” ou “tecnocratica” qualquer, que produziria essa nova classe, como suster que o préprio capitalismo, em seu desenvolvimento, produza uma nova classe? O que é possi- vel para os ideélogos da “classe diretorial” ou da “tecno- estrutura” & inconcebivel para a teoria marxista. b2) Classificar, a exemplo do PC, a esses assalariados nao produtivos, nfo na pequena burgucsia, mas sim nas “camadas intermedidrias”. O que é igualmente falso, como j@ se viu, e por uma raz&o adicional: se bem que o mar- xismo fale de camadas, de fracgées e de categorias, a fim de designar conjuntos particulares, nem por isso essas ca- madas, fragées e categorias deixam de continuar possuindo uma adscrigéo de classe. A aristocracia operaria é, com efeito, uma camada especifica, mas uma camada da classe operdria. A burguesia comercial é uma fragdéo, mas uma fragio da classe burguesa. Os “intelectuais” ou a “buro- cracia” sao com efeito, e voltaremos a isto, categorias so- ciais particulares, mas que tem wma adscric¢éo de classe burguesa ou pequeno-burguesa. Isto €, ademais, entre outras coisas, o que distingue o marxismo das diversas concepgdes norte-americanas da “estratificagio” social. Enquanto estas ultimas definem, de maneira fantas- tica, diversos grupos sociais diluindo e fazendo desaparecer, as classes sociais, o marxismo introduz de maneira rigorosa diferenciagses no seio da divisio em classes. As fracées, as camadas © as categorias nfo esto “fora” ou “& margem" das classes sociais; fazem parte das classes 3. A referén- cia dos critérios politicos e ideolégicos é igualmente im- portante para a determinacio das fracdes da burguesia. Com efeito, a burguesia se apresenta constitutivamente dividida em fracées de classe. Agora bem, algumas dessas fragdes sio j& localiz4veis ao nivel econémico da constitui- ¢&o e da reproducio do capital: burguesia industrial, co- mercial e financcira, grande capital e capital médio no estdgio do capitalismo monopolista (imperialismo). Mas, no estaégio imperialista precisamente, surge uma distingfio que nao é perceptivel apenas ao nivel econdmico: a existente entre “burguesia entreguista" e “burguesia na- cional”. 23, Entende-se por burgucsia entreguista a fragho da bur- gucsia cujos interesses estéo constilutivamente ligados ao capital imperialista estrangeiro, o da principal poténcia im- perialista estrangeira, e que se acha assim inteiramente en- feudada, do ponto de vista politico-ideolégico, ao capital estrangeiro. Por burguesia nacional, entende-se a fracéo da burguesia cujos interesses est&o vinculados ao desenvolvi- mento econémico nacional, e que entram em contradigéo relativa com os interesscs do grande capital estrangeiro. E sabido que esta disting&o, ainda no caso de que apenas valha para alguns pafses colonizados, é importante. Com efvito, seguindo as etapas, existe a possibilidade de formas de alianga entre a classe operdéria ¢ a burguesia nacional contra o imperialismo estrangeiro ¢ cm favor da indcpen- déncia nacional (esse foi especialmente 0 caso da China sob MAO). Agora bem, esta distingéo entre “burguesia entreguista” ¢ “burguesia nacional” nfo reflete inteiramente posigées econémicas; por causa da interpenetracéo pronunciada dos capitais sob o impcrialismo, a distingfio entre capitais vincu- lados ao imperialismo estrangeiro e capitais nacionais se torna muito imprecisa e muito discutivel. Por outro lado, esta distingio nio ccincide com a cxistente entre grande capital © capital médio: podem existir grandes monopdlios nacionais de interesses relativamente contracitérios com os dos mo- nopolios estrangeiros, assim como podem existir empresas médias enfeudadas, por mUltiplos sub-convénios, ao capital eslrangeiro. De fato, entende-se por burguesia nacional, a fracio da burguesia que, excluindo a questo de seus inte- resses “nacionais”, esta por acréscimo disposta, praticamente, do ponto de vista ideolégico e politico, a opor-se, e se opée efctivamente, & submissio de um pais ao imperialismo estrangeiro. Mas é evidente que na atualidade nado se pode falar, tiatando-se dos paises cupitalistas desenvolvidos, de uma burguesin nacional, ou seja, praticamente opzsta ao capitas lismo norte-americano, e isto, por causa da interpenctragéo internacional crescente dos capitais do predominio maci¢o do capital norte-americano ¢ da decadéncia politica e ideo- idgica da classe burguesa. Parece especialmente mais que duvidoso que a politica degaullista de “independéncia na- . AS CATEGORIAS SOCIAIS cional”, muito mais ficticia, tenha correspondido a qual- quer “burguesia nacional francesa. Tratou-sc muito mals de uma divergéncia totalmente de conjuntura entre capi- tais norte-americanos e franceses, de problemas internos de descolonizagéo e de neo-colonialismo, e de uma politica plebiscitaria a procura de um apoio nas massas populares. 1. Mas, excluindo as fragées e amostras de classe, 0 marxismo distingue igualmente categorias sociais. O traco distintivo das categorias sociais em relacao as fragdes e as camadas é 0 scguinte: enquanto os critérios politicos ¢ ideolégicos intervém de mancira mais ou menos impor- tante na determinacfio das Ultimas, os dites critérios de- terminam sempre o papel dominante na determinacgio das categorins sociais, Chama-se, com efcito, de categorias so- ciais conjuntas de agentes, cujo papel social principal con- siste no funcionamento dos aparatos de Estado e da ideo- logia. Tal é o caso, por exemplo, da “burocracia” admini: trativa, de que fazem parte grupos de funciondrios do Es- tado. Tal é igualmente o caso do grupo que se designa comumente com o termo “intelectuais", e que tem como Papel social principal o funcionamento da ideologia. Mas temos que repetir aqui a observac&o precedente. As categorias sociais tém clas mesmas uma adscricéo de classe; estas catcgorias nao séo grupos “& margem” ou “fora” das classes, como tampouco s&o, como tal, classes sociais. De fato, as categorias sociais nfo tém uma adscri- co de classe nica, mas seus membros pertencem em geral a classes soci diversas. Assim, os “cumes”, o “alto” pessoal da burocracia administrativa, pertence em geral por seu modo de vida, por scu papel politico, etc, @ bur- guesia; os membros intermedidrios e a base da burocracia pertencem em geral & pequena burguesia. Igual & 0 caso dos “intclectuais”, cujos membros podem também perten- cer tanto & burguesia, como A pequena burguesia. Estas categorias sociais tém, pois, uma adscricgéo de classe e nao constituem, em si mesmas, classes; nao desem- penham um papel préprio e especifico na producio. Havin que assinalé-lo, j&4 que numercsos socidlogos ¢ cientistas politicos consideraram estas categorias sociais como classes 25 ifetivas; tal € 0 caso da “burocracia” que foi considerada a hitdo como uma classe. Observemos a tal respeito, que o préprio TROTSKY, que atribuiu & burceracia soviética um papel importante na explicacio da evoluciio da URSS, jamais tonsiderou, sem cmbargo, que a burocracia tivesse cons- Hituido uma classe. Além disso, numerosos socidlogos atuais, mtre eles MARCUSE e TOURAINE, consideram que os “intelectuais” constituem uma classe distinta, e isto, fun- dando-se em geral sobre estranhos raciocinios a propésito do papel da “ciéncia como forga produtiva”, ¢ dos intelec- tuais como “portadores da ciéneia”. A fungio ideolégica flestas concepgées 6 clara: vio acompanhadas inevitavel- mente, ou da negacéo do papel da luta de classes (bur- guesia, proletariado) como motor principal do processo histérico (concepgfio da burocracin como classe), ou da ne- gacfio do pape] fundamental de vanguarda da classe operé- ria, Este é 0 caso da concepcao dos intelectuais como clas- se, intelectuais aos quais mais adiante haveria de corres- ponder o papel de vanguarda. Mas se as categorias sociais nfio sao classes, e se tém uma adscric&o de classe, por que tratar de distingui-las? E que as categorias sociais, por causa de sua relacio com os aparatos de Estado e com a ideologia, podem apresentar a mitdo uma unidade propria, em que pese pertencerem a classes diversas, E, além do mais, podem apresentar, em seu funcionamento politico, uma autonomia relativa com Tespeito as classes a que seus membros pertencem, Assim, quanto & burocracia administrativa, por causa da hierar- quia interna por delegacio de autoridade que caracteriza 0s aparatos de Estado, do “status” particular atribuido aos “funcionérios”, da ideologia interna prépria que circula mesmo no scio dos aparatos de Estado (o “Estado neutro” e “arbitro” acima das classes, a “servico da nac&o” e do “interesse geral”, etc), a burocracia pode apresentar, em conjunturas determinadas, uma unidade prépria que solda de certa forma uns aos outros seus membros burgueses e pequeno-burgueses. A burocracia pode assim, em seu con- junto, servir a interesses diferentes dos interesses das clas- se8 a que scus membros pertencem, segundo as relacdes do poder de Estado, Por exemplo na Inglaterra — MARX havia frisado isso — “os cumes” da burocracia pertenciam @ aristocracia, enquanto o conjunto da burocracia servia aos interesses da burguesia. Estes “cumes” podem além 26 disso, pertencer & burguesia média, enquanto 0 conjunto da burocracia est4 colocado a servico dos grandes mono- pélios, Enfim, os membros pequeno-burgueses da burocra- cia servem freqtientemente a interesses de “estado” que. sem embargo, se op6em a interesscs da pequena burguesia. Tudo isto tem por resultado, reconhecido por LENIN, que estas categorias sociais podem as vezes funcionar como efetivas forgas sociais; ou seja, desempenhar um papel po- litico préprio e importante numa determinada conjuntura; papel que nfo é, pois, redutivel ao fato de ir simplesmente “atras” das classes sociais a que seus membros pertencem, da burguesia e do prcletariado. Pensemos, por exemplo, no comportamento politico do “conjunto” da burocracia nos casos do bonapartismo e do fascismo. 2. Estas observacdes so importantes, ja que termi- nam em duas consequéncias, relativas & quest&o das alian- cas da classe operdria: 1) Na alianca, indispensével para a classe operaria, com os “intelectuais” e as camadas intermedidrias e subal- ternas dos “funciondrios”, estes devem ser considerados de maneira especifica. Apresentam amitide interesses parti- culares que nfo se reduzem, por exemplo, aos interesses gerais da “pequena burguesia” a que pertencem. Limitemo- nos a citar como exemplo a importéncia que toma para , os “intelectuais” a garantia do fator da liberdade da pro- duc&o intelectual, cientifica e artistica, da liberdade de expresso e de circulagéo da informacio, etc. 2) Mas, em contraposicfo, a relacio das categorias sociais com as classes sociais jamais deve perder-se de vista. De um lado, por causa da adscricéo de classe das categorias sociais. Com efeito, é coisa clara que, em que pese sua unidade interna, manifestam-se divisdes e con- tradicgdes no seio das categorias sociais, que freqilentemente refletem adscrigées de classe diferentes de seus membros; divisées que tomam a forma, no aparato administrativo, de contradicées entre “cscalécs superiores” (burgueses) e@ “escalées infcriores” (pequeno-burgueses) divisées que se de- vem igualmente, no caso dos “intelectuais” especialmente. As ideologias diferentes que estes elaboram e transmitem. Recordemos simplesmente as contradigées que se manifes- 27 faram de mancira aguda, ultimamente, na Franga, no scio do corpo docente. Por outro lado, nfo se deve esquecer, com relacio a estas aliangas, que os membros do aparato de Estado ou os intelectuais que “caem” do lado da classe operdria, continuam sendo n&o obstante, em sua massa, e do ponto de vista de sua adscrigaéo de classe, pequenos burgueses. Indubitavelmente, isto nfo pode conduzir a um sectarism nao sao raros os casos de “intelectuais” que tomam, polf- tica e ideologicamente, o partido das classes operdrias, que militam ativamente em suns organizacées de classe, e para os quais o critério de adscricgéo de classe se des- vanece e chega até a desaparecer. Ha casos conhecidos: MARX, ENGELS e LENIN eram filhos de burgueses. Mas este problema é diferente; depende da questiio de organiza- Go da classe operaria, Resta o fato de que, na alianca com os “intelectuais", estes continuam sendo, em sua massa, pe- quenos burguescs, ¢ sua transformag&o coloca, nem mais nem menos, o problema da “revolucio cultural”. Agora bem, enquanto pequenos burgueses, apresentam a mitdo as caracteristicas fundamentais da pequena burguesia: insta- bilidade politica, extremismo de esquerda, emparelhado com um oportunismo de direita, etc. Conviria, pois, evitar aqui dois extremos, igualmente falsos e perigosos: a) Super-estimar, a propésito das categorias sociais, A questiio de sua adscric¢&o de classe: o que conduz a relegar as trevas exteriores, de uma vez para sempre, a um “intelectual filho de burgués” ou “pequeno burgués” sem atentar para a importancia que tomam sua conduta pratica ¢ suas opinides politicas ¢ ideoldgicas. b) Subestimar a questiio da adscricdo de classe, tra- tando as categorias sociais como unidades indiferenciadas, “A margem” c “fora” das classes, Porque, adcemais, pode-se cair, ao mesmo tempo, em duas direcécs falsas. 1 possivel comprova-lo nas posicdes atuais do PC e da CGT franceses, e até. na direcaéo atual do SNE.SUP. n) Com respcito A questio da super-estimacio da adscriciio de classe dos “intelectuais", basta recordar as aR Studantes-filhos de burgucses-esquerdistas-Mar- cellin”. b) Mas mais interessante é a questéo da subestimacao da adscricio de classe das categorias sociais. 1) As categorias sociais se tratam (em que pesem precaugées verbais) como entidades unificadas, A margem ¢ fora das classes, passando por cima dos enclaves de classe que nelas se manifestam. E o que ocorre, a propésito do corpo administrativo do Estado, ao qual se fazem “chama- mentos” (chamadas?) que vio dos “cumes” tecnocraticos aos escalées subalternos. Como se esta categcria social estivesse, com excecio dos representantes diretos do grande capital (POMPIDOU = banqueiro), unificada, com a res- salva de mencionar simplesmente a “ideologia tecnocratica” do alto pessoal e mantendo-se discricao quanto & sua adscri- cao de classe burguesa. Posigfio ainda mais definida no que concerne ao corpo docente que, ao que se supée, vai oferecer, dos professores titulares aos ajudantes por contrato, uma unidade irredutivel ¢ que sfo englobados sob a denominacgio geral de “intelectuais”, constituindo-se por isso mesmo num aliado possivel da classe operéria. 2) As categorias sociais estéo incluidas também nas famosas camadas intermedidrias, com o que tornam a apli- car-se as observacées feitas mais acima. Assim, os “inte- Jectuais", enquanto categoria incluida nas “camadas inter-, medidrias”, deveriam estar, como casos Ultimos, A margem ou fora das classes. O problema colocado por sua adscricio. em sua massa, & pequena burguesia se escamoteia. O que termina numa chamada, totalmente demagégica, a uma ampla alianca entre classe operdria e intelectual, sem dis- criminag&o; com a ressalva que, & menor divergéncia entre os intelectuais que tomam o partido da classe operaria e a diregao do PC, Ihes seja automaticamente aplicado o termo “pequenos burgueses” como prova irrefutavel da raiz dessas divorgéncias. 3) Dito isto, a questo da alianca classe operaria/inte- lectuais, se ccloca atualmente, nas socicdades capitalistas avangadas, de forma particularmente aguda. Isto por causa da extensfo considerivel desta categoria cntendida num sen- tido amplo, mas sobretudo por causa da crise ideologica, que precede ou acompanha a crise politica das burguesins 29 ialistas: so cada vez mais numerosos os “intelectuais” se desprendem da influéncia da ideologia burguesa, e fo deste modo suscetiveis de serem ganhos pela causa da Blasse operfiria, Ademais, parece provavel que a forma de Hianca tradicional “classe operaria/intclectuais”, fundada xclusivamente sobre a adscrigdo de classe dos “intelectuais reduzida a alianca “classe operdria-pequena burguesa”, e te passava por cima, pois, da quest&o dos intelectuais 0 categoria social, nfio basta scr para resolver 0 pro- a. f Foram propostas solugécs diferentes, que vio da con- tepcfio do “bloco histérico" de GARAUDY, que utiliza miilises de GRAMSCT, is recentes “teses” publicadas pelo ipo italiano do Manifesto. Estas solug6es apresentam pontcs comuns, e colocam almente uma série de problemas comuns: a) Em geral (mas este é igualmente o caso atual fo PC), estas solugées consideram que a alianca da classe réria-intelectual em sentido amplo, é prioritaria em lacio A nlianca tradicional classe-operdria-campesinato obre ¢ médio. Indubitavelmente, os dois objetivos niio sfio ixclusivos mas parece tratar-se, de certo modo, de uma ~adaptacHo de antigo esquema da III Internacional: frente fnicn opcréria (no scio da classe operdria) primeiro, e, Pobre sua base, frente popular (alianca da classe operdria as outras classes). Enquanto que, aqui, a alianca do tbloco” de base é a de operarios-intelectuais, a partir da fual se edifien a deste bloco com o campcsinato. Posigfio scutivel se elas existem (as aliancas), ainda tendo-se em ota o “éxodo rural” e a diminuicio numérica do cam- inato, e que, além disso, difunde uma série de ideologias ‘intelectuais” como “quase-operarics” (ciéncia = forca P odutiva). Assinalemos, ainda, que GRAMSCI via no Boloco histérico” a relaciio fundamental operdrios-cam- Bonescs. b) O “bloco histérico” operdrics-intelectuais, ¢ aqui Feside a importancia do termo bloco histérico, se distinguiria uma simples alianca, Enquanto a “alianca” implica a distingfio e numa autonomia particular de membros interesses especificos e organizacées propria, 0 loco BistGrico significa uma Vinculngfio ¢ umn solda org fembros com interesses a longo prazo, iddnticos. ‘iniea de AS CLASSES DOMINANTES Mas, por um lado, nada prova que atualmente a pe- quena burguesla intelectual veja dissolver-se seus interesses. préprios nos da classe operdria, nao obstante o fato de que aquela € mais sucetivel de colocar-se ao Jado da classe operaria. Por outro Jado, se bem que é certo que esta solucio tende a superar a distingio operdrios-intelectuais reprodu- zida no seio das organizacées de tipo leninista, nfio 6 menos certo que é uma solucdio puramente verbal. O debate, que nao & outro senfio o das formas de organizaciio das classes operdrias, permancce aberto. Enfim, algumas adverténcias s4o necessérias, concer- nentes desta vez as classes dominantes, notadamente a burguesia. Neste campo igualmente, o marxismo estabe- lece certas distincédes que evitam as andlises esqucmaticas. 5.1. — O problema importante concerne aqui ao fracio- namento em burgucsia industrial, comercial e financeira, ao qual se une, sem aboli-lo inteiramente, o fracionamento entre grande e médio capital sob o capitalismo mono- polista, Ora, quando se fala da burguesia como classe dominante, é preciso nfo esquecer que se trata de fato de uma alianca entre varias fracées burgucsas dominantes, que participam da dominag&o politica. Além disso, no inicio do capitalismo. esta alianca no poder, que pode ser designada pelo terms “bloco no poder”, comportava fregiientemente outras classes além da burguesia: notadamente a aristocracia fundiaria. Mas a questao importante é que esta alianca de varias classes e fragdes todas dominantes nao pode funcionar regu- Jarmente senfo sob a direcio de uma dessas classes ou fragdes: é a fragaio hegeménica que unifica sob sua direcdéo a alianca no poder, garantindo o interesse geral da alianca, ¢ aquela em particular cujos interesses especificos o Estado garante, por exccléncia. As contradigGes internas das fracées dominantes, ¢ su luta interna para ocupar a posigio hegeménica, tém com certeza um papel secundario em relac&o a contradigiio prin- cipal (burguesia-prolctariado), mas este papel permancce importante. Com efcito, as diversas formas de Estado e de regime, Marx ji o chscrvava no "18 Brumério de Luis at sio marcadas por mudancas da hegemonia e as diversas fracées burguesas. Além disso, por outro dominagao cconémica ¢ hegemonia politica n&o se ficam necessariamente ¢ de mancira mecanica. Uma clo da burguesia pode ter o papel dominante na econo- ja sem ter, entretanto, a hegemonia politica: este foi jadamente, por longo tempo, o caso do grande capital lopolista, dominando na economia, enquanto a hegemonia Bitica pertencia a tal ou tal frag&o do capital méfio. mse a importancia dessas observacdes no exame do de- fillismo por excmplo. 4 O que seria preciso sublinhar fortemente é que a alianga E poder entre classes ¢ fracées dominantes sob a dirccio uma fracio hegeménica, a cujos intercsses corresponde particularmente o aparato do Estado, 6 uma coorde- permanente da forma de dominacao burguesa. Falar, Btadamente, da fracio hegeménica n&o deve fazer esquecer le ela nfo é a Gnica forca deminante, mas apenas a fea hegeménica de um conjunto de fracgées igualmente minantes. Quando Marx, por exemplo, designava como ico hegeménica sob Luis Bonaparte, a burguesia indus- i, ele assinalava no éntanto que a dominacio politica Mmpreendia igualmente as outras fragdes da burguesia. E-Tal & igualmente o caso, nas socicdades capitalistas is, da rclaciio especialmente entre grande c médio capital. as sociedadcs é contudo o grande capital que é a fracéo jonica: mas isto néo quer dizer que o médio capital excluido do poder politico. Ele participa dele como Yio dominantc, sob a hegemonia do grande capital. As Bntradicécs entre grande e médio capital sio apenas a frma atunl das contradicées entre fracées burguesas do- inantes. Era necessdrio sublinhar este elemento, por causa de tas anfliscs atuais concernentes ao “capitalismo mono- ta de Estado” ¢ a “alianca anti-monopolista”. Com ito, estas aniilises, falando quase somente da fracio geménica, o grande capital, fazem siléncio em torno das tras fracdes burguesas dominantes, Nio se distinguindo re fracéo hegeménica ec fragédes dominantes chega-se a Ho: considera-se de certo modo, que o lugar de dominaciio itiea € ocupado unicamente pelo grande capital, ¢ que E gtitras fragdes burguesas ficam exclufdas desse papel. A questéo é importante, e vé-se bem as conseqilénclas Politicas resultantes: a preconizagéo de uma ampla “allanca antimonopolista”, estendendo-se ao médio capital e a seus representantes politiccs ent&éo chamados de “burguesia libe- ral", “democratas sinceros”, etc.... para a retirada do poder das “duzentas familias”, consideradas como a tnica fracko dominante. Por este fato, as aliancas estratégicas — ques- tio distinta dos compromissos taticos — da classe operaria se estenderiam até as fracdes burguesas dominantes, o capi- tal médio. Sabe-se que 6 este — a grosso modo — o caminho preconizado pelos PC ocidentais para a “democracia avan- cada”, E claro que as coisas nfo séo em geral apresentadas de forma tao brutal: nem por isso elas sio menos claras como pode scr constatado no Manual de Economia Marzista a que se refcriu. Com efeito, sempre que se fala de do- minagio politica, menciona-se apenas os grandes monopdlios, Em revanche, todas as vezes que se fala de um outro “capital” diferente do “grande capital”, trata-se principal- mente do “pequeno capital”, cuja alianca é procurada. Ora, & preciso um acordo na questéo dos termos. Se se entende por “pequeno capital” a pequena burguesia artesanal, ma- nufatureira e comercial, a procura dessa alianca 6 justa, porque, com efeito, este “pequeno capital", a pequena bur- guesia, néo pertence ao simples capital, ou seja, as fracdes da burguesia. Mas o emprego do termo “pequeno capital”, toma aqui uma outra funcao: falando-se apenas de “grandes monopdlios” e de “pequeno capital” escamoteando-se o “capi- tal médio", d&-se a entender que tudo que nao pertencesse aos “grandes monopdlios”, tnica fracio dominante, faria parte automaticamente do “pequeno capital” suscetivel de alianga com a classe operéria, incluindo-se assim no pequeno capital, o capital médio. Além disso, nas raras vezes em que este manual fala do capital médio, é para situd-lo expressamente ao Jado do pequeno, na sua contradi¢&o supos- tamente comum ao “grande capital”. 5.2 — Ora, a localizacéio precisa da fracéo hegeménica do bloco no poder coloca problemas dificeis: ainda mais que a classe ou fracio hegeménica pode se distinguir da classe ou fragao reinante. Com efeito, entende-se por classe ou fracio reinante aquela da qual se recruta o “alto” pessoal do aparato do 33 Estado, o “pessoal politico” em sentido amplo, Ora, esta elasse ou fracio pode se distinguir da classe ou fragio begeménica. Marx nos fornece um primeiro exemplo no aso da Gra-Bretanha do final do dltimo século: enquanto # a burguesia financeira — os bancos — que constitui a fracio hegeménica de classe, o “alto” pessoal da adminis- tragéo, do exército, e da diplomacia, etc..., é recrutado no seio da aristocracia, que ocupa assim o lugar da classe reinante. O caso pode igualmente se apresentar com a hhegemonia do grande capital monopolista: freqtientemente, neste caso, o “alto” pessoal do Estado continua a ser recru- ‘tado no seio do capital médio, da média burguesia. Acon- tece mesmo, nestes casos excepcionais, que o pessoal politico seja recrutado no seio de uma classe que nem faz parte do bloco no poder: este foi notadamente o caso para o fascismo, onde sob a hegemonia do grande capital, foi a pequena burguesia, classe reinante, que forneceu, por via indireta do partido fascista, os funciondrios superiores do aparato do Estado. Esta distincao entre classe ou fracio hegeménica de um lado, ¢ classe ou frac&io reinante do outro lado, que conduz finalmente a estratégia de allangas e de compro- missos necessaria ao estabelecimento da hegemonia, é impor- tante. Se somos indiferentes a ela, chegamos a dois re- sultados: 5.2.1 — A nao poder descobrir, sob as aparéncias do cenfrio politico, a verdadeira hegemonia, concluindo, sem mais, que a classe que ocupa os “cumes” do pessoal estatal € a classe ou fracio hegeménica. Assim, por exemplo, no caso mencionado do fascismo, varios autores e homens poli- tleos social-democratas foram levados a considerar o fas- elsmo como a “ditadura da pequena burguesia”: obscure- cldos pela posig¢fo de classe reinante ocupada pela pequena burguesia, eles identificaram essa posicao com aquela da hegemonia real detida pelo grande capital. Mas, nas outras formas do Estado igualmente, a posigéo de fragéo reinante ocupada pela média burguesia mascarou muitas vezes o fato de que este reinado encobria a hegemonia politica do grande capital (caso patente, o New Deal sob Roosevelt nos USA), 5.2.2 — A querer descobrir a todo preco a hegemonia politica no fato de que a fragfio hegeménica, cla mesma, 34 deveria automaticamente fornecer, de seu seio, os “cumes” do aparato do Estado, Esta tendéncia pode ser encon- trada atualmente nas formulagées a propésito do “capita- lismo mcnopolista do Estado”, que se supée representar “a fusio do Estado e dos monopélios num mecanismo Unico”. As provas cientificas acrescentadas, sfio relacdes ocultas de parentesco, de passado, etc..., entre os grandcs monopélios © os “cumes” do aparato de Estado e do pessoal politico. O argumento tipico deste silogismo é: “POMPIDOU = ban- queiro de ROTHSCHILD". Ora, nfo hé divida que uma certa tendéncia se afirma atualmente no sentido da ocupacado dos “cumes” do aparato pelos préprios membros dos grandes monopélics. Mas esta tendéncia esta longe de ser generalizdvel ou mesmo predo- minante: basta mencionar a hegemonia politica dos gran- des monopélios que, muitas vezes, sc realiza atualmente sob governos social-democratas (Austria, Alemanha, Sué Gri-Bretanha sob Wilson), ou scja, sob um pessoal pro- veniente largamente da média e mesmo da pequena bur- guesia, para nao falar da aristocracia operaria, Além do mais, sabe-se que, mesmo na Franca, em razao da consti- tuigéo particular da burocracia e dos “corpos” de Estado, e dos compromissos do tipo “jacobino”, entre burguesia ¢ pequena burguesia, os cumes do aparato de Estado estao ainda largamente ocupados por membros originaérios da média e mesmo da pequena burguesia. Mas o que é importante é que este fato, que é inttil negar, nfo impede o estabelecimento da hegemonia politica do grande capital: com ecfeito, negar este fato, conside- rando que a hegemonia politica néo pode senao identificar-se na posigio de fragéio ou classe reinante, seria expor-se a criticas tio justificadas quanto inutcis. De fato, a corres- pondéncia entre os interesses da frac&io hegeménica, os grandes monopolistas neste caso, e da politica do Estado, nfio esté fundada sobre uma questio de vinculos pessoai depende, fundamentalmente, de uma série de coordenadas objetivas, concernentcs ao conjunto da organizacio da cco- nomia ¢ da socicdade sob 9 dominio dos grandes mono- pélios, e ao papel objetivo do Estado a este respeito. O Estado nao constitui um simples “instrumento” que a fragio hegeménica n&o poderia adaptar a seus interesses a nio scr que 0 possuisse, no sentido fisico, “pesscalinente” em 35 mios. por causa de suas fungGes objetivas com respeito ao sistema social no seu conjunto, que o Estado nfo pode, numa sociedade organizada sob 0 dominio dos monopdlios, senao scrvir, finalmente, a seus interesses. Além disso, 0 problema da diferenciacfio eventual entre classe ou fracio reinante, e classe ou fracio hegeménica, se confunde aqui com a questio jA mencionada a propésito das categorias socials, como a burccracia administrativa: a de sua auto- nomia relativa com respeito as classes e fragées as quais seus membros pertencem. Por causa do papel objetivo do Estado, estas categorias servem também aos interesses hegeménicos, muitas vezes em contradicio com os inte- resses de sua classe ou fracio. Isto nfo quer dizer, naturalmente, que o fato de que © alto pessoal do Estado pertenca a esta ou aquela fracéo ou classe seja indiferente. E claro, por exemplo, que a interpenetragao atual crescente entre os membros e agentes diretos dos mcnopdlios e 0 pessoal do Estado tem suas razes: facilita 0 embargo do Estado pelos monopélios. Mas @ preciso ver que esta questio naio é a mais importante. Assim, por exemplo, um “governo popular” nao saberia se limitar a simples modificacgdes no alto pessoal estatal, acreditando com isso que as simples boas intencées politicas sfo suficientes para mudar as coisas: trata-se de trans- formar as préprias estruturas do Estado, e as da sociedade. Por outro lado, é claro também que as transformacdes n&o podem ser bem conduzidas deixando o aparato e 0 pessoal estatal intatos: é sabido que transformagéecs estru- turais que se chocam-com as reacdes do pessoal estatal podem ser absolutamente inoperantes, Pode-se dar conta da importancia da quest&o relendo-se os textos de LENIN referentes ao empregos dos “especialistas burgueses” no aparato do Estado operario. 5.2.3 — Finalmente, algumas observacées concernen- tes A forma das contradigées entre classes e fragées doml- nantes, hegeménicas, reinantes no seio do aparato de Estado. Seréo simples observacdes indicativas, porque n&o cabe entrar aqui, neste texto sobre as classes sociais, num exame do problema do Estado. Com efeito, o que seria preciso levar em considerac&o, @ que o Estado é composto de varios aparatos: em linhas @erais, 0 aparato repressivo e os aparatos ideolégicos, tendo 36 o aparato repressivo a repressio como pape) principal, e os aparatos ideolégicos a elaboraciio e inculcacéo ideolégica como fungao. Citemos, entre os aparatos ideolégicos, as igrejas, o sistema escolar, os partidos politicos burgueses e pequeno- burgueses, a imprensa, 0 radio, a televisio, as editoras, etc. Estes aparatos pertencem ao sistema estatal em razio de sua fungéo objetiva de elaboracio e inculcacio ideolégica, independentemente do fato de que, do ponto de vista juri- dico-formal, sejam estatais-publicos — ou mantenham um carater privado. O aparato repressivo compreende ele mesmo varios ramos especializados; o exército, a policia, a administracio, a@ magistratura, etc, Ora, ja se havia constatado que o terreno da dominacio Politica nfio est& ocupado somente pela classe ou fragiio hegeménica, mas por um conjunto de classes ou fracées dominantes. Dai mesmo, as relacées contraditérias entre estas classes e fracées se exprimem, como relacdes de poder, no seio dos aparatos e de seus ramos. Isto quer dizer que os aparatos e ramos nao cristalizam, todos, o poder da classe ou fracio hegeménica, mas podem exprimir o poder e os interesses de outras classes ou fracdes dominantes. E neste sentido que se pode falar de uma autonomia rela- tiva dos diversos aparatos e ramos entre eles, no seio do sistema estatal, e de uma autonomia relativa do con- junto do Estado em relagio a classe ou fragéo hegemGnica. Tomemos alguns exemplos: no caso de uma alianca ou de um compromisso burguesia-aristocracia fundidria nos comecos do capitalismo, a administracéo burocratica central constituiu a sede do poder da burguesia, enquanto que a igreja (igreja catélica em particular) continuou sendo a sede do poder da aristocracia fundidria. Desajustes seme- Thantes podem aparecer também entre os préprios ramos do aparato repressivo: na Alemanha, por exemplo, entre as duas guerras e antes do aparecimento do nazismo, o exército era a sede do poder dos grandes proprietdrios de terras, a magistratura, a sede do poder do grande capital, enquanto a administragéo era dividida entre o grande e o médio capital. No caso da transicéo para a hegemonia do grande capital, muitas vezes a administrac&o e o exército é que cons- tituiram sua sede de poder (0 complexo militar-industrial), 37 enquanto 0 parlamento continuava sendo a sede de poder do médio capital: além disso, ai esta uma das razécs do declinio do parlamento sob o capitalismo monopolista. Mais ainda: no que concerne em particular aos aparatos fdeolégicos, que possuem, por sua funcéio, uma autonomia maior que a do aparato repressivo, comprova-se que podem as vezes constituir sedes de poder de classes que nem fazem parte das classes dominantes, E o que acontece as vezes com a pequena burguesia, em raz&o de suas aliancas e compromissos passados com o bloco dominante; na Franca especialmente, onde estes compromissos tém, por razdes historicas, uma grande importancia, o sistema escolar cons- tituiu por longo tempo um aparato de Estado “cedido” de # certa forma a pequena burguesia. Pequena burguesia que © esteve assim, por muito tempo, erigida em classe-apoio do E sistema. i E Mas isto nio quer dizer que o Estado capitalista scja E-um conjunto de pecas soltas, exprimindo uma “reparticéo” do poder politico entre diversas classes ¢ fragées. Bem ao contrério, o Estado capitalista exprime sempre, acima das contradicées no scio de scus aparatos, uma unidade interna propria, que é uma unidade de poder de classe: o da classe ou fragéo hegeménica. Mas isto se faz de maneira com- plexa. O funcionamento do sistema estatal é assegurado, com efcito, pela domindncia de certos aparatos, ou ramos sobre os outros: e€ 0 ramo ou aparato que domina é, em regra geral, aquele que constitui a sede do poder da classe ; ou fraciio hegeménicn. Isto faz com que, no caso de uma modificacio de hegemonia, ocorram modificacées e des- Jocamentos de dominancia de certos aparatos e ramos para outros: estes deslocamentos determinam também as mu- = dancas das formas de Estado e das formas de regime. Vé-se pois que toda andlise concreta de uma situagaio mereta deve levar em consideracéo de uma sé vez as =relacdes de luta de classe, e as relacdes reais de poder ‘no seio dos aparatos de Estado, relacées reais, que esto “em geral escondidas sob as aparéncias institucionais for- mais. Além do mais, a anflise precisa das- relagdes de ‘poder no seio dos aparatos pode ajudar-nos a localizar, de maneira exata, a fracio hegeménica: constatando, por eexemplo, a domindncia de um aparato ou de um ramo pobre os outros, constatando igualmente og interesses espe- g 38 cificos a que ele serve de maneira predominante, pode-se tirar conclusGes sobre a fracéo hegeménica. Mas trata-se sempre aqui de um método dialético: com efeito, por um outro lado, localizando, no conjunto das relac6es de uma sociedade, a fracéo hegeménica e suas relacdes privilegia- das com um aparato ou um ramo, pode-se obter respostas quanto & questéo de saber qual é o aparato dominante no Estado, ou seja, o aparato através do qual a fracéo hegeménica detém as alavancas reais de comando do Estado. Mas é igualmente claro que, na relagio complexa luta de classes-aparatos, é a luta de classes que tem o papel principal. Néo sio as modificagdes “institucionais” que tém por consequéncia os “movimentos sociais” como acre- dita toda uma série de socidlogos “institucionalistas”; é a luta de classes que determina as modificagdes dos aparatos, 7 Concluamos enfim estas breves notas por uma obser- vacao conhecida, mas que nfo se repete jamais o bastante: o que distingue o marxismo, como ciéncia, das outras ideologias da sociedade, nfo é o simples fato de que o marxismo fala de classes socials; quase todo mundo faz isso, e MARX observava que jA se havia falado de classes sociais antes dele. O que distingue 0 marxismo é a impor- tancia que ele atribui & “luta” de classes como motor da histéria. Mas a luta de classes 6 um elemento histérico ¢ dinamico. A constituic&o, e portanto definig&o, das classes,+ das fragGes, das camadas, das categorias, n&o pode ser feita senéo tomando-se em consideracio o fator dinamico da luta de classes; tomando pois em consideragao suas conseqtiéncias eventuais sobre a extincao, a restricio, a polarizacgaéo, a reconstituicfo sob neva forma, etc, das divis6es sociais, A delimitacio das classes n&éo se resume assim jamais a um simples estudo “estatico” das estatis- ticas: depende do processo histérico. Trad. de RAIMUNDO HENRIQUE BARBOSA 39

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