Alan Sokal e Jean Bricmon Imposturas Intelectuais PDF

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_- —_- ; A: ciéncias modernas st tesouros culturais que estao entre {as mais marcantes conguistas humanas. Como outros, me- recem uma relagao de respeito e escripulo. Sokal e Bricmont mos- tram quio facilmente obviedades como essas podem ser esquecidas, € qudo prejudiciais podem ser as conseqiiéncias para a vida inte- lectual e as atividades humanas. Eles também oferecem uma ponde- rada e construtiva andlise critica de temas fundamentais da investi gagdo empirica. E uma contribuigao oportuna e substancial.” Noam CHomsky “Sokal e Bricmont tiveram a coragem de dizer 0 que ninguém ousava.”” Jon HENLey, Guardian “Desinformagao (...) Um produto intelectual e politicamente insignificante.”” JULIA Kristeva, Le Nouvel Observateur ANGELO RINALO!, Express “Pobre Sokal.” Jacques Derrina, Le Monde '501"0! qUOWUg Ukaf [eYog ULLY Alan Sokal ¢ Jean Bricmo ; TU AIS O abuso da their pf welds Miso 6s-mode ros oe I Prefiicio edigio brasileira {A publicagao na Franga do nosso livro Impostures intellectuelles' parece ter criado uma pequena tormenta em determinados circulos intelectuais. De acordo com Jon Henley, em artigo publicado no The Guardian, nds mostramos que “a moderna filosofia francesa é um monte de velhas toli- ces”. Segundo Robert Maggiori, em artigo publicado no Libération, nés somos uns cientistas pedantes sem senso de humor que corrigimos erros sgramaticais em cartas de amor.’ Gostarfamos de explicar sucintamente por que ambas as caracterizagdes do nosso livro sio erréneas, e de responder tanto aos nossos criticos quanto aos nossos superentusiasmados defenso- res. Em especial, queremos desfazer um bom niimero de mal-entendidos. O livro originow-se da farsa agora famosa que consistiu na publica~ do na revista americana de estudos culturais Social Text, por um de nés, de um artigo satirico cheio de citagGes sem sentido, porém infelizmente auténticas, sobre fisica e matematica, proferidas por proeminentes inte- lectuais franceses e americanos.* No entanto, apenas uma pequena par- tedo “dossié” montado na pesquisa bibliogréfica realizada por Sokal péde ser incluida na parédia. Apés ter exibido este longo dossié aos amigos cientistas e ndo-cientistas, ficamos (paulatinamente) convencidos de que valeria a pena torné-lo disponivel para um piblico mais amplo. Quise- ‘mos explicar, em termos laicos, por que as citag6es so absurdas ou, em muitos casos, simplesmente carentes de sentido; e desejamos também discutir as circunstncias culturais que permitiram que esses discursos alcangassem tal reputagao endo fossem, até agora, desmascarados. TEligons Ode Jasob, Pais, outubro de 1997. Henley (1997) Maggi (1997). ‘oll (1996), tradusido ag no apéndie A 10 ALAN SOKAL £ JEAN aRICNONT Mas o que pretendemos exatamente? Nem oito nem oitenta. Mostra- ‘mos que intelectuais famosos como Lacan, Kristeva, Irigaray, Baudrillard ¢ Deleuze abusaram repetidamente da terminologia e de canccitos cienti- ficgs: tanto utilizando-se de idéias cientificas totalmente fora de contex- to, sem dar a menor justificativa — note-se que nfo somos contra a extrapolagio de conceitos de um campo a outro, ¢ sim contra extrapolagées feitas sem fundamentag3o —, quanto atirando a esmo jargdes cientificos nna cara de seus leitores ndo-cientistas, sem nenhum respeito pela sua re Tevancia ou mesmo pelo seu sentido. Nao pretendemos dizer que isso in- o restante de sua obra, sobre a qual nao emitimos julgamento, ~ Somos, por vezes, acusados de ser cientistas arrogantes, porém nos- sa visio do papel das cincias exatas é, na verdade, bastante modesta. Nio seria bom (para nds, matematicos e fisicos) que o teorema de Gédel ow a teoria da relatividade tivessem implicacées imediatas e profundas no estudo da sociedade? Ou que o axioma da escotha pudesse ser usado no estudo da poesia? Ou que a topologia tivesse algo a ver com a psique humana? Contudo, este nao € 0 caso. Um segundo alvo do nosso livro € 0 relativismo epistémico, especifi- camente a idéia — a qual, pelo menos quando manifestada explicitamen- te, € muito mais comam no mundo angléfono do que no franesfono — de queamoderna cigncia nao ¢ mais que um “mito”, uma “narragio” qu uma “Construgio social", entre’ muitas outras.‘ Além de gritantes abu- sos (p. ex., Irigaray), dissecamos um bom nimero de confus6es muito freqlentes nos circulos pés-modernistas e de estudos culturais: por exem- plo, apropriagZo indevida de idéias da filosofia da ciéncia, como a da subdeterminagdo da teoria pela evidéncia ou da impregnagio tesrica da observacio [theory-ladenness of observation], com o intuito de susten- tar um relativismo radical. Este livro, portanto, é a fusdo de dois trabalhos — relacionados en- tre si — reunidos sob a mesma capa. Primeiramente, trata-se de uma colegio de abusos extremos descobertos, mais ou menos por acaso, por Sokal; s4o as “imposturas” do titulo, Em segundo lugar, contém a nossa critica a0 relativismo epistémico e aos conceitos erroneos sobre a “ciéncia pés-moderna”; estas andlises sio consideravelmente mais delicadas. A "Convem saeatar que a nosa discuss ¢limitada ao relativism epstémicofcogniive; no tata- mos dos assuntos mais dlicados do telatvimo moral ou erste, conexio entre estas duas criticas é principalmente sociolégica: os auto- 18s franceses das “imposturas” esto na moda nos mesmos circulos aca- démicos de lingua inglesa onde o relativismo epistémico € a pedra-de- toque. Existe também uma ténue ligacao légica: se alguém aceita o relativismo epistémico, tem menos motivo para ficar aborrecido com a deturpagio das idéias cientificas, que, de qualquer modo, no passam de mero “discurso”. Obviamente, nao escrevemos este livro apenas para denunciar alguns abusos isolados. Temos objetivos mais amplos em mente, mas nao n cessariamente aqueles a nés atributdos. Esta obra trata da mistificagio, da linguagem deliberadamente obscura, dos pensamentos confusos ¢ do prego incorecto dos conceites sentificos, (Os textos que citamos po- ser a ponta de um iceberg; contudo o iceberg deve ser definido como um conjunto de praticas intelectuais, nao como um grupo social. Suponhamos, por exemplo, que um jornalista descubra, ¢ publique, documentos demonstrando que alguns altos e respeitaveis politicos s0 corruptos. (Salientamos que isto é uma analogia e que nao considera- ‘mos 08 abusos aqui descritos de comparavel gravidade.) Muita gente, sem diivida, chegaria rapidamente a conclusio de que a maioria dos politicos é corrupta, ¢ os demagogos que pensarem tirar proveito politi- co dessa nogio irio estimulé-la.” Mas a extrapolagio seria errénea, Da mesma forma, considerar este livro uma critica generalizada as humanidades ou as ciéncias sociais — como alguns analistas franceses 0 fieram— € nio apenas interpretar mal nossas intengbes como também Provoca uma curiosa confusio, revelando um desprezo implicit por aquelas disciplinas.* Por uma questo de légica, ou as humanidades e as Géncias sociais sio co-extensivas aos abusos denunciados neste livro, ‘00 nao sio. Se forem, entio o nosso livro seria com efeito um ataque contra estas areas em bloco, mas seria justificado. Caso contrério (como Fina comadinas, wo entanto, nio¢perets. Osatoresfancenesanalsados nesta obra estho mais ‘nt moda, no mundo de ling ingles, nos departamentos de iteratora, etudos eulerais (caltural Sudies) etudos sobre a mulher O relattisma epsstenico ests espalhado de mado bastante mais brangente,e amplamente difindido também nos dominioeda acropologis, educa esocologia eincis, que demonsersm poco intrese em Lacan ob Deetze. poliscos apanhados em Mlageante delito descjario também incenivar esta interpretagSo das lmtengoes do jslst, por eaanes dint (porem Sbviat) ‘Mare Richelle em su intercssantsinn eequiibrado lia (2998), expresso remorde que alguns letores especialmente oso letores) domoso nr0 cheguemde pronto conclusio deque todas aycinctes scias do tolce.Todavin le temo euidao de resales que esta mio € 30802 Viado 12 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT. acreditamos), simplesmente nao existe raz4o para criticar um scholar por aquilo que outro, da mesma rea, diz. Mais amplamente, qualquer in- terpretagio do nosso livro como um ataque generalizado a X — seja X © pensamento francés, a esquerda cultural americana ou o que for — pressupde que todo X esteja permeado pelos maus costumes intelectu- ais que estamos denunciando, e esta acusagao deve ser demonstrada por quem quer que o faga. Os debates estimulados pela artimanha de Sokal englobavam uma lista cada vez mais ampla de questées cada vez mais fracamente relacio- nadas, no somente o status conceitual do conhecimento cientifico ow os méritos do pés-estruturalismo francés, mas também 0 papel social da cigncia ¢ a tecnologia, o multiculturalismo e o “politicamente correto”, a esquerda académica versus a direita académica, a esquerda cultural versus a esquerda econémica. Queremos salientar que este livro ndo tra- ta da maioria destes t6picos. Em especial, as idéias aqui analisadas tém pouca, talvez nenhuma, relacao conceitual ou légica com a politica. Seja qual for a visio que alguém tenha a respeito da matemética lacaniana ou da “theory-ladenness of observation”, pode-se sustentar, sem receio de cair em contradi¢i0, qualquer opinio, seja qual for, sobre despesas mi- litares, bem-estar social ou casamento gay. Existe, certamente, um vin- culo socioldgico — apesar de sua magnitude ser amitide exagerada — entre as correntes intelectuais “pds-modernistas”, que criticamos, e al- guns setores da esquerda académica americana, Nao fosse esse vinculo, no estarfamos mencionando a politica de modo algum. Contudo nao queremos que 0 nosso livro seja visto como mais um tiro na enfadonha, “Guerra das Culturas”, menos ainda como um tito partido da dircita. O pensamento critico sobre a injustica do nosso sistema econémico € $0 bre a opressio racial e sexual cresceu em muitas instituigdes académi- cas desde os anos 60 ¢ foi submetido, em anos recentes, a muito escar- nio € critica injusta. Nao existe nada em nosso livro que possa ser interpretado assim, mesmo remotamente. Nosso livro enfrenta um contexto institucional inteiramente diferente na Franga e no mundo de lingua inglesa, Enquanto os autores por nds criticados tém tido uma profunda influéncia na educagio superior france- sa e dispoem de numerosos discipulos na midia, nas editoras e na intelligentsia — dai algumas das furiosas reagées ao nosso livro —, seus equivalentes anglo-americanos so ainda uma minoria encastelada de IMPOSTURAS INTELECTUAIS 13 tro dos circulos intelectuais (conquanto bem entrincheirada em alguns redutos). Este fato tende a fazer com que paregam mais “radicais” ¢ “subversivos” do que realmente sio, tanto aos seus préprios olhos quanto aos ollios de seus criticos. Todavia nosso livro nao é contrario ao radica- lismo politico, é contra a confusio intelectual. Nosso objetivo nao é cri- ticar a esquerda, mas ajudé-la a defender-se de um segmento seu que esta na moda. Michael Albert, escrevendo no Z Magazine, resume bem a questo: “Nao hé nada verdadeiro, sabio, humano ou estratégico em confundir hostilidade & injustiga ¢ & opressio, que é bandeira da esquer- de a ciéncia e a racionalidade, o que é uma tolice.”? é, em muitos aspectos, uma tradugio direta do original francés. Mas ampliamos algumas discusses a respeito dos debates in- telectuais no mundo angl6fono. Fizemos também algumas pequenas al- teragGes para melhorar a clareza do texto original, para corrigir impre- cisdes pouco importantes e para evitar mal-entendidos. Agradecemos aos muitos leitores da edigdo francesa que nos ofereceram sugestées. Enquanto escreviamos este livro, fomos beneficiados por intimeras discusses e debates e recebemos muita critica e estimulo. Embora nio possamos agradecer individualmente a todos os que deram a sua contri- buigdo, queremos expressar nossa geatid’o Aqueles que nos ajudaram indicando fontes de referencia ou lendo ¢ criticando partes dos origi- nais: Michael Albert, Robert Alford, Roger Balian, Louise Barre, Paul Boghossian, Raymond Boudon, Pierre Bourdieu, Jacques Bouveresse, Georges Bricmont, James Robert Brown, Tim Budden, Noam Chomsky, Helena Cronin, Bérangere Deprez, Jean Dhombres, Cyrano de Do- minicis, Pascal Engel, Barbara Epstein, Roberto Fernandez, Vincent Fleury, Julie Franck, Allan Franklin, Paul Gérardin, Michel Gevers, Michel Ghins, Yves Gingras, Todd Gitlin, Gerald Goldin, Sylviane Goraj, Paul Gross, Etienne Guyon, Michael Harris, Géry-Henri Hers, Gerald Horton, John Huth, Markku Javanainen, Gérard Jorland, Jean-Michel Kantor, Noretta Koertge, Hubert Krivine, Jean-Paul Krivine, Antti Kupiainen, Louis Le Borgne, Gérard Lemaine, Geert Lernout, Jerrold Levinson, Norm Levitt, Jean-Claude Limpach, Andréa Loparic, John Madore, Christian Macs, Francis Martens, Tim Maudlin, Sy Mauskopf, Jean Mawhin, Maria McGavigan, N. David Mermin, Enrique Muiioz, TAben 11996, p. GBT. Volaremos a estas questéespoltcas no epigo. 14 ALAN SOKAL JEAN BRICMONT Meera Nanda, Michael Nauenberg, Hans-Joachim Niemann, Marina Papa, Patrick Peccatte, Jean Pesticau, Daniel Pinkas, Louis Pinto, Patri cia Radelet de Grave, Marc Richelle, Benny Rigaux-Bricmont, Ruth Rosen, David Ruelle, Patrick Sand, Monica Santoro, Abner Shimony, Lee Smolin, Philippe Spindel, Hector Sussmann, Jukka-Pekka Takala, Serge Tisseron, Jacques Treiner, Claire Van Cutsem, Jacques Van Rillaer, Loic ‘Wacquant, Nicky White, Nicolas Witkowski e Daniel Zwanziger. Res- saltamos que essas pessoas nao esto necessariamente de acordo com 0 contetido ou mesmo com a intengio deste livro. Finalmente, agradecemos a Marina, Claire, Thomas € Antoine por nos terem aturado nesses iiltimos dois anos. Introdugio Enquanto a autoridade inspirar temor reverencial, a confiusdo (0 ab surdo irdo consolidar as tendéncias conservadoras da so- Giedade. Primeiramente, porque 0 pensamento cTaro « Tagico Conidg & acumulagdo de conbecimentos (eujo melhor exem- pio & fornacida pelo progresso das ciéncias naturais), € 0 avan- odo comhecimento cedo ou tarde solapa a ordem tradicional. Pensamento confuso, por outro lado, leva a lugar nenbum pode ser tolerado indefinidamente sem produzir menhum im acto no mundo. Stanislav Andreshi, Social Sciences as Sorcery (1972, p. 90) A historia deste livro comega com uma farsa. Durante anos, fomos ficando escandalizados e angustiados com a tendéncia intelectual de cer- tos circulos da academia americana, Vastos setores das ciéncias sociais ¢ das humanidades parecem ter adotado uma filosofia que chamaremos, a falta de melhor termo, de “pés-modernismo”: uma corrente intelec- tual caracterizada pela rejeigo mais ou menos explicita da tradigao racionalista do Huminismo, por discursos tedricos desconectados de qualquer teste empirico, ¢ por um relativismo cognitivo ¢ cultural que encara a cigncia como nada mais que uma “narragio”, um “mito” ou uma construcdo social entre muitas outras. Para responder a esse fendmeno, um de nés (Sokal) decidiu tentar uma experiéncia nao-cientifica mas original: submeter a apreciagao de uma revista cultural americana da moda, a Social Text, uma caricatura de um tipo de trabalho que havia proliferado em anos recentes, para 16 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT ver se eles 0 publicatiam. © artigo, intitulado “Transgredindo as fron- teiras: em direcio a uma hermenéutica transformativa da gravitagio quantica”,' est eivado de absurdos ¢ ilogismos flagrantes, Ademais, ele defende uma forma extrema de relativismo cognitivo: depois de ri- dicularizar 0 obsoleto “dogma” de que “existe um mundo extei 1, cujas propriedades sio independentes de qualquer individuo e mesmo da hu- manidade como um todo”, proclama categoricamente que “a ‘realida- de’ fisica, néo menos que a ‘realidade’ social, é no fundo uma constru. ‘cio social ¢ lingiiistica”, Por meio de uma série de raciocfnios de uma Logica espantosa, 0 artigo chega 4 conclusio de que “o m de Euclides e 0 G de Newton, antigamente imaginados como constantes ¢ universais, so agora entendidos em sua inelutivel historicidade”. O restante pros- segue na mesma linha. Apesar disso, 0 artigo foi aceito e publicado, Pior, foi publicado numa edicio especial da Social Text destinada a refutar a critica dirigida ao pés- modernismo ¢ ao construtivismo social por varios cientistas eminentes.2 I imaginar, para os editores da Social Text, um meio mais radical de atirar nos proprios pés. Sokal revelou imediatamente sua artimanha, provocando uma rea- do tempestuosa tanto na imprensa académica quanto na imprensa em geral.’ Muitos pesquisadores em humanidades e ciéncias sociais escre- veram a Sokal, as vezes de maneira muito comovida, para agradecer-lhe © que tinka feito e para expressar sua prépria rejeigdo as tendéncias pés- modernistas e relativistas que dominam largas parcelas de suas discipli- nas, Um estudante achou que o dinkeiro que tinha economizado para financiar seus estudos tinha sido gasto com as roupas de um imperador que, como na fabula, estava nu, Outro escreven que cle ¢ seus colegas “Reproduamos exe aago no apéndice A seid de alguns brevescomentirios no apéniceB “Entre estas eritas ale por exemple Histon (1998) Grom an Lest (1994) e Grom, Lent and Lewis (1996) Adiga epecl da Socal Text apesenata poe Row 1996), A paris Ede Sola (45862) asmosagbesdaparddastodscundascom ma dealesem Sokal (19560), eprodeadst, ‘guino apéndiceCye em Sokal (19974) Parscrtcissueroresso modernsma.eao consutvome stealdima propecia polit um tno tent he no tans no oa ence aa por exemplo, Albert 1992193), Chom (1992.99). Ehentich 2A arse fi revelada em Sokal 1996b).Oescindalo (prs nossa absolut surpesa) fi parr na primeira piginadoNew York Ties (Scote 1896), ontemational Herald Tabs (eadsbetg 1996) ‘bo tWondtes] Obserer Ferguson 1996), doLe Alone (Weil 1956) ede algun ounrs mpertantes iota Ente as eae, sudecn espe a andes de Fatk (1996), Pole (1990), Wills (1996), Alert (1996), Weinberg (196, 19968), Boghossan (1996) Epwtcin 1999). IMPOSTURAS INTELECTUAIS 17 tinham ficado excitados pela farsa, mas pedia que sew estado de animo fosse mantido em segredo porque, se bem que desejasse mudar as atitu- des na sua disciplina, ele s6 poderia fazé-lo depois de assegurar um tra- balho permanente. Mas o que significou este estardalhago todo? Apesar do exagero da midia, 0 simples fato de a mistificagio ter sido publicada prova pouco em si mesmo; no maximo revela algo sobre os padrGes intelectuais de uma revista da moda. Outras conclusdes interessantes podem ser obti- das, no entanto, examinando-se 0 conterido do simulacro.* Num exame minucioso, pode-se perceber que a parddia foi construida em torno de itagées de eminentes intelectuais franceses € americanos concernentes as alegadas implicagdes filosGficas e sociais da matemitica e das ias naturais. Qs trechos so absut provi entido, mas cos. Com efeito, a tinica contribuicao de Sokal mento” (cuja “logica” é evidentemente fantasiosa) para juntar estas citagdeS ¢ elogid-las. Os autores em questio formam um verdadeiro pantedo da “teoria francesa” contemporanea: Gilfes Deleuze, Jacques Derrida, Félix Guattari, Luce Irigaray, Jacques Lacan, Bruno Latour, Jean-Frangois Lyotard, Michel Serres ¢ Paul Virilio’ As citag6es incluem também muitos proeminentes académicos americanos em estudos culturais e campos correlatos; contudo estes autores sio freqilentemente, pelo menos em parte, discfpulos ou comentadores dos mestres franceses. Visto que as citages inseridas na farsa foram um tanto breves, Sokal reuniu em seguida uma série de textos mais longos para ilustrar a mani pulacio pelos autores das ciéncias naturais, fazendo-a circular entre seus colegas cientistas. A reagio deles foi um misto de hilaridade e conster- nagio: dificilmente poderiam acreditar que alguém — muito menos Wie Sokal (1998) para uma dscusso mas detathada ‘Neste livtosomamor 4 lists Jean Baudeilaede Julia Kristeva, Cinco dos dex “mais importantes” flgsofos frances: identficados por Lamont (1987, nota 4 sio Baudrillard, Deleuze, Derrida, Lyotarde Serres Trésdosseielosoosfrancesesescolhiges por Morley (1991) io Derrida, igaray tebertes. Cinco dosoito ilosoosfrncesesentrevistados por Rover (1994) sio Bandara, Derida, Lyotard, Serrese Vinlio. Estes meamos autore aparece ene 0s 39 pensadores ocidentas entre vistados pelo Le Monde (1984, b), ,eutre os cinghenta pensadorescontempordncos ocident {elecionados por Lechte (1994), encontramse Boudrilard, Deleuse, Devrida,Iiaray, Krist Lacan, Lyotad e Serres, “Aqui a designasio “fiso ficortersio™ sada Jato sensu; wm ermo mais preciso seria “intelectual los 18 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT renomados intelectuais — pudesse escrever tamanhos disparates. Entre- tanto, quando os nao-cientistas leram este material, salientaram a ne- cessidade de explicar com preciso e em termos de alcance geral por que as mencionadas passagens sto absurdas ou sem sentido. A partir deste momento, nos dois trabalhamos juntos para produzir uma série de and- lises e comentérios dos textos, que resultaram neste livro. Oque queremos mostrar © objetivo desta obra ¢ oferecer uma contribuigio, limitada porém ori ginal, a critica do evidentemente nebuloso Zeitgeist que denominamos “pés-modernismo”. Nao temos a pretensdo de analisar 0 pensamento p6s-modernista em geral; nossa intengao é chamar atengio para aspec- tos relativamente pouco conhecidos, isto é, o abuso reiterado de con- ceitos ¢ terminologia provenientes da matemitica e da fisica. Queremos analisar também determinadas confusbes de pensamento que sao freqiien- tes nos escritos pés-modernistas e que se relacionam tanto com 0 con- tetido quanto com a filosofia das cigncias naturais, Para ser preciso, a palavra “abuso” denota aqui uma ou mais das se- guintes caracteristicas: 1, Falar abundantemente de teorias cientificas sobre as quais se tem, na melhor das hip6teses, uma idéia extremamente confusa. A tética mais comum é usar a terminologia cientifica (ou pseudocientifica) sem se in- comodar muito com o que as palavras realmente significam, 2. Importar conceitos préprios das ciéncias naturais para o interior das ciéncias sociais ou humanidades, sem dar a menor justificagio conceitual ou empirica. Se um bidlogo quisesse empregar, em sua pesquisa, nogdes elementares de topologia matemética, teoria dos conjuntos ou geometria diferencia, ele teria de dar alguma explicagio. Uma vaga analogia nao seria tomada muito a sério pelos seus colegas. Aqui, pelo contrario, aprendemos com Lacan que a estrutura do paciente neurstico € precisamente o toro (nada menos que a propria realidade, ¢f. p. 33); com Kristeva que a linguagem poé- tica pode ser teorizada em termos da cardinalidade do continuum (p. 51), € com Baudrillard que a guerra moderna ocorre num espago nao-euclidiano (p. 147) — tudo sem explicagio, 3. Ostentar uma erudigao superficial ao atirar na cara do leitor, aqui IMPOSTURAS INTELECTUAIS 19 e ali, descaradamente, termos técnicos num contexto em que eles so totalmente irrelevantes. O objetivo é, sem diivida, impressionar e, aci- ma de tudo, intimidar os leitores nao-cientistas. Mesmo alguns acadé- micos e comentaristas da imprensa caem nesta armadilha: Roland Barthes impressionou-se com a preciso do trabalho de Julia Kristeva (p. 49), ¢ 0 Le Monde admira a erudigao de Paul Virilio (p. 169). 4. Manipular frases e sentengas que sio, na verdade, carentes de sentido. Alguns destes autores exibem uma verdadeira intoxicagio de palavras, combinada com uma extraordindria indiferenga para com o seu significado. Estes autores falam com uma autoconfianga que excede de longe sue competéncia cientfica: Lacan orgulha-se de utilizar “a mais recente evo- ugdo em topologia” (p. 35), ¢ Latour pergunta se ele nao teria ensinade alguma coisa a Einstein (p. 131). Eles imaginam, talvez, que podem ex plorar o prestigio das ciéncias naturais de modo a transmitit aos seus préprios discursos uma aparéncia de rigor. E parecem confiar que nin guém ird revelar o emprego incorreto dos conceitos cientificos. Ninguém dizer que o rei esté nu. ‘Nossa meta € precisamente dizer que o rei esta nu (¢ a rainha também). Porém queremos deixar claro: no investimos contra a filosofia, as humani: dades ou as ciéncias sociais em geral; pelo contratio, consideramos que estes campos do conhecimento sio da maxima importincia e queremos prevenit aqueles que trabalham nessas areas (especialmente estudantes) contra al- guns casos manifestos de charlatanismo.¢ Em especial queremos “des- construir” a reputacio que certos textos tém de ser dificeis em virtude de as idéias ali contidas serem muito profundas. Iremos demonstrar, em mui- tos casos, que, se os textos parecem incompreensiveis, isso se deve & exce- lente razio de qe nio-querem dizer absolutamente nada Sistem distintos graus de abuso. De um Tado, encontram-se extra polagées de conceitos cientificos para além de sua area de abrangéncia, Que sio erréneos mas por raz6es sutis. Pot outro lado, deparamos com mumerosos textos que estio cheios de termos cientificos mas sio intei- ramente desprovidos de sentido. E hi, € claro, uma massa de discursos que podem estar situados em algum ponto entre estes dois extremos, eros abaemos de dr exempos de bor trabalho ness campos — como alguns lores havin ido porque organi tal exes ater mv alm da nou capacdade ua ite Patcal nov fata mergllar ut atl de quests relevant (porque voetsctaram Keio ¥2) 20 ALAN SOKAL £ JEAN BRICMONT Embora priorizemos neste livro os abusos manifestos, falaremos tam- bém brevemente de algumas confusdes menos bvias, concernentes & teoria do caos (cap. 6). Sublinhemos que nao é nada vergonhoso ser ignorante em calcul infinitesimal ou em mecanica quantica. O que estamos criticando € a pre- tensio de alguns celebrados intelectuais de propor reflexes profundas sobre assuntos complexos que eles conhecem, na melhor das hipéteses, no plano da popularizagio.’ Neste ponto, o leitor deve naturalmente estar se perguntando: esses abusos nascem de uma fraude consciente, de auto-engano ou de uma com- binagio de ambos? Nao podemos dar nenhuma resposta categérica a essa uestao, por falta de prova (publicamente disponivel). Porém, mais impor- tante, devemos confessar que nio consideramos essa questio de grande interesse. Nosso propésito aqui é estimular uma atitude critica nao sim- plesmente em relagio a certos individuos, mas com respeito & parcela da intelligentsia (tanto nos Estados Unidos quanto na Europa ¢ outras partes do mundo) que tolerou e até mesmo encorajou esse tipo de discurso. Sim, mas... Antes de prosseguir, vamos responder a algumas das objegdes que, sem diivida, ocorrerao ao leitor. a 1. O cardter marginal das citacoes. Poder-se-ia argumentar que nds procuramos pequenos deslizes de autores que reconhecidamente nao tém formagio cientifica e que talvez tenham cometido o erro de se aventu- rar em terreno pouco familiar, mas cuia contribuicao a filosofia e/ou as cincias sociais é importante e no esta, de naneira alguma, invalidada pelos “pequenos equivocos” aqui revelados. Responderiamos, primeira- mente, que esses textos contém muito mais que meros “erros”: eles demonstram uma profunda jpdiferenca, se no desdém, pelos fatos ¢ pela 6gica, Nosso objetivo nao é, portanto, ridicularizar criticos literarios ue cometem enganos ao citar a relatividade ou o teorema de Gédel, mas baposTumAs INTELECTUAIS| 21 defender os cinones da racionalidade ¢ da honestidade intelectual que so (ou deveriam ser) comuns a todas as disciplinas eruditas. £ evidente que nao temos competéncia para julgar os aspectos nao cientificos do trabalho desses autores. Entendemos perfeitamente bem que suas “intervengées” nas ciéncias naturais no constituem os temas centrais de suas obras. Porém, quando a desonestidade intelectual (ou flagrante incompeténcia) € descoberta num trecho — mesmo marginal — do texto de alguém, é natural querer examinar mais criticamente 0 restante do seu trabalho, Nio queremos prejulgar os resultados de tal anilise, mas simplesmente remover a aura de profundidade que por ve- zes impediu estudantes (e professores) de empreendé-la. Quando idéias sio accitas como dogma ou por estar na moda, elas, mesmo em seus sdo especialmente sensiveis ao desmascaramento, at aspectos marginais, Por exemplo, as descobertas geoldgicas dos séculos XVII e XIX mostraram que a Terra é muito mais velha que os cinco mil ‘anos, ou coisa que o valha, narrados na Biblia; e, embora estas cons- enas uma pequena parte da Biblia, tiveram 0 indireto de solapar sua credibilidade geral como narragio factual storia, de modo que hoje em dia poucas pessoas (a néo ser nos Es- tados Unidos) acreditam na Biblia de maneira literal como o fazia amaioria dos europeus poucos séculos atris. Considerem, em compensagio, a obra de Isaac, Newton: estima-se que 90% de seus escritos tratam de alqui- rm isticismo. Mas ¢ dai? O resto sobrevive porque est baseado ‘em sélidos argumentos empiricos e racionais. Do mesmo modo, a maior parte da fisica de Descartes € falsa, porém algumas das questdes filosé- ficas que ele levantow ainda hoje sio pertinentes, Se o mesmo pode ser dito da obra de nossos autores, nossas constatagdes, entio, tém reve- lancia apenas marginal. Todavia, se estes escritores se tornaram estrelas internacionais primeiramente por raz6es sociolégicas em vez de intelec- tuais e em parte porque sio mestres da linguagem e podem nar seu piblico com um habil abuso de terminologia sofisticada — nao centifica e cientifica —, entio as revelagbes contidas neste ensaio po- dem, de fato, ter repercussées significativas. Deixem-nos enfatizar que estes autores diferem enormemente entre si em sua atitude em relacio a ciéncia € na importancia que dio a ela. Eles nao devem ser amontoados numa tinica categoria, ¢ queremos alertar 6 leitor contra a tentaco de assim agir. Por exemplo, embora a citagio 22 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT de Derrida contida na parédia de Sokal seja muito engragada,' trata-se de abuso isolado; uma vez que nio existe um emprego sistematico ir correto da ciénciana obra de Derrida, nio existe capitulo especifico sobre Derrida neste livro. Por outro lado, a obra de Serres esta repleta de alu- sGes mais ou menos poéticas a cigncia e sua hist6ria; contudo suas assertivas, embora extremamente vagas, nao so, em geral, destitufdas de sentido nem totalmente falsas, ¢ por isso nao as discutimos aqui em detalhe.? Os primeiros trabalhos de Kristeva se baseiam firmemente (e abusivamente) na matematica, mas ¢la abandonou esta abordagem ha mais de vinte anos; nés os criticamos aqui porque os consideramos sin- tomiticos de certo estilo intelectual. Todos os outros autores, em contrapartida, invocaram extensamente a ciéncia em suas obras. Os tex tos de Latour levam consideravel quantidade de Agua ao moinho do rclativismo contemporaneo ¢ esto fundamentados numa andlise supos- tamente rigorosa da pratica cientifica. Os trabalhos de Baudrillard, Deleuze, Guattari e Virilio estdo repletos de referéncias aparentemente ceruditas & relatividade, a mecdnica quintica, & teoria do caos etc. Assim, no é initil demonstrar que sua erudigao cientifica é bastante superfi- Gal. Além do mais, iremos fornecer referéncias de textos adicionais desses autores onde o leitor poder encontrar outros numerosos abusos. 2. Vocés nao entenderam o contexto. Defensores de Lacan, Deleuze et al. poderiam afirmar que suas citagdes de conceitos cientificos sio validas e até profundas, e que nossa critica falha porque nao conseguimos entender © contexto. Afinal de contas, admitimos de boa vontade que nem sempre entendemos o restante da obra desses autores. Nio seriamos nés uns cien- tistas arrogantes e intolerantes, que deixam escapar algo sutil e profundo? Contestariamos, antes de mais nada, que, quando conceitos da ma- tematica ou da fisica sio trazidos para outra area do conhecimento, al- gum argumento deve ser fornecido para justificar sua pertinéncia. Em todos os casos aqui apresentados, verificamos que nao existe nenhum argumento deste tipo, nem préximo ao trecho que citamos nem em ne- nhuma outra parte do artigo ou do livro. ‘Além do mais, existem algumas “maneiras praticas de proceder” que podem ser utilizadas para determinar se a matemitica esta sendo inclu "x ciaglo completa we encontra em Dertida (1970, p. 265-268), ‘Vide, contudo, cap. We pp. 240¢278 pata alguns exenplosdeabusoy mais manifestosna obra de sere, IMPOSTURAS INTELECTUAIS. 23 da com algum objetivo intelectual verdadeiro em mente ou simplesmen- te para impressionar o leitor. Primeiro, nos casos de uso legitimo, o au- tor necessita ter um bom conhecimento da matemitica que ele pretende empregar — em especial, nio deve haver erros grosseiros — e deve ex- plicar as nogdes técnicas necessarias, tao claramente quanto possivel, ‘em termos que sejam inteligiveis para o pretenso leitor (presumivelmente um nao-cientista), Em segundo lugar, como os conceitos matematicos tém significado preciso, a matematica é util principalmente quando apli- cada a campos nos quais os conceitos tém igualmente significado mais ‘ou menos preciso. £ dificil perceber como a nogdo matematica de espa- {go compacto pode ser aplicada proveitosamente em alguma coisa to mal definida quanto o “espaco de jouissance” (gozo} em psicandlise. Em ter ceiro lugar, € especialmente suspeito quando conceitos mateméticos in- tricados (como a hipstese do continuum na teoria dos conjuntos), que raramente sao usados, quando muito na fisica — e certamente nunca na guimica ou biologia—, se tornam milagrosamente relevantes em huma- nidades ou em ciéncias sociais. 3. Licenca poética. Se um poeta utiliza palavras como “buraco ne- gro” ou “grau de liberdade” fora de contexto e sem uma verdadeira com- preensio do seu significado cientifico, isso nao nos incomoda. Do mes- ‘mo modo, se um escritor de ficcdo cientifica usa corredores secretos no espago-tempo de forma a enviar seus personagens de volta para a era das Cruzadas, isto é simplesmente uma questo de gosto. Em contrapartida, insistimos em que os exemplos citados no livro nada tém a ver com licenga poética. Esses autores dissertam, com pretensa seriedade, sobre filosofia, psicanilise, semistica ou sociologia. Seus tra- balhos sio objeto de incontaveis analises, exegeses, semindrios € teses de doutorado. Seu objetivo € nitidamente produzir teoria, e € neste terreno que os criticamos. Além disso, seu estilo € habitualmente pesa do e pomposo, € por iss0 é altamente improvavel que sua meta seja pri- mariamente literdria ou poética. 4. O papel das metéforas. Algumas pessoas pensario, sem davida, que estamos interpretando esses autores muito literalmente € que as passa- "Fara usrarmatsdlarament que suas fiemag6es io romadasa sério em pelo menosalguns setores académicos de lingua ingles, remos citar trabalhosparalelos que, por exemplo, znalisam eelabo- ‘ama topologia ea logica matematica de Lacan, a meciaica dos ludos de Ingaraye asinvenge Preudoctentieas de Deleuze e Guattar 24° ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT gens que citamos deveriam ser lidas como metaforas e nao como racioci ios precisos. Na verdade, em certos casos a “ciéncia” tem indubi tavelmente a pretensio de ser metaférica; porém qual é 0 propésito des- tas metaforas? Uma metafora é usualmente empregada para esclarecer um conceito pouco familiar relacionando-o com outro conceito mais fami ar, nfo o contrério. Suponhamos, por exemplo, que num seminério de sica te6rica tentassemos explicar um conceito extremamente técnico de ‘quiintica de campos comparando-o ao conceito de aporia na teoria literaria de Derrida. Nosso pablico de fisicos se perguntaria, com razio, qual é 0 objetivo de tal metéfora — se € ou nio pertinente — a nao ser simplesmente exibir nossa propria erudi¢ao, Do mesmo modo, nao vemos a utilidade de invocar, mesmo metaforicamente, nogées cientificas muito ‘mal dominadas para um piblico de leitores compost quase inteiramente de ndo-cientistas. A finalidade da metafora nio seria entdo apresentar como profunda uma observagio filos6fica on sociolégica bastante banal, reves- tindo-a clegantemente de jargao pretensamente cien 5. O papel das analogias. Muitos autores, incluindo alguns daqueles discutidos aqui, tentam argumentar por analogia. Nao nos opomos, de modo algum, ao esforgo de estabelecer analogias entre os diversos do- minios do pensamento humano; de fato, a observacio de uma analogia valida entre duas teorias atuais pode, com freqliéncia, ser muito stil ao desenvolvimento subseqiiente de ambas. Neste caso, contudo, pensamos que as analogias sdo entre teorias bem estabelecidas (nas ciéncias natu- rais) e teorias demasiado vagas para serem testadas empiricamente (por exemplo, psicandlise lacaniana). Nao se pode deixar de suspeitar que a funcdo destas analogias é ocultar a fragilidade da teoria mais vaga. Queremos enfatizar que uma teoria incompleta — seja na fisica, na biologia ou nas ciéncias sociais — nao pode ser redimida com 0 mero envolvimento em simbolos ¢ formulas. O socidlogo Stanislav Andreski expressou essa idéia com a sua habitual ironia: teori ico? Para aleangar ostatus de autor neste ramo de negécios, a reveitaé tio simples quanto compensadora: pegue um livro universitirio de mate- rética, copie as partes menos complicadas, enxerte algumas referd cias literatura sobre um ou dois ramos dos estudos soci, sem se preocupar em demasia se as frmulas que vocé anotou tém alguma relagio com as ages humanas reas, e dé ao seu produto um titulo IMPOSTURAS INTELECTUAIS 25 bbem sonoro, que sugiea que voce encontrou a chave da ciéncia exata do comportamento coletvo, (Andreski 1972, pp. 129-130.) A critica de Andreski visou originalmente a sociologia quantitativa ame- ricana, porém é igualmente aplicavel a alguns dos textos aqui citados, notadamente os de Lacan e Kristeva. 6. Quem é competente? Temos sido freqiientemente confrontados com a seguinte pergunta: Vocés desejam impedir os fildsofos de falar sobre ciéncia porque eles nao tém a formagao requerida; mas que qua- lificagées tém vocés para falar de filosofia? Essa pergunta revela um monte de mal-entendidos. Antes de mais nada, nao queremos impedir ninguém de falar sobre coisa alguma. Em segundo lugar, o valor intelec- tual de uma intervencio é determinado pelo seu contetidor nao pela iden- tidade de quem fala ¢ muito menos pelos seus diplomas." Em terceiro fagar, ha uma assimetria: nds nao estamos julgando a psicandllise de Lacan, afilosofia de Deleuze ou a obra concreta de Latour na sociologia. Ape- nas nos limitamos as suas afirmagées sobre a matemitica e as ciéncias fisicas ou sobre problemas elementares da filosofia da ciéncia. ‘WD agi Noam Chomsky ilstra o asunto mito bem No meu préprio trabalho profisional abordet uma variedade de campos dstintos. ‘Teabathet na lingasica matemdtica, por exemplo, sem nenhuma eredencil profit salem matic; nesta ea sou totalmente astodidats, «nao muito ber form do, Porém sempre oi considado pelasuniversidades par falar sobre lingistice mat ‘mdtica em seminiriosecoléqaios de marematica. Ninguém nunca me perguntou se utinhacredenciais apropradas para falar sobre estes assntos; os matematicns do Seimportam nem um pouco.O que eles queriam saber erao que eu teria a der. Nin udm jamais fezmenhuma objec ao meudieito de dizer, indagando se tenho grande Aoutorem matemtica ou se cores estados svangadonarexpeto Iso monea enrsia fem suas cabecas. Querem saber se estou certo ou errado, seo tema € interessante ou ‘io, se abordagens melhoressio possives—adiscussdo gira em tornado assunto en, inl sobre o meu dceito de disco, Em contrapartid, nas discusses ou debates concernentes a questdes sociis ou 4 politica externa norieamericana, Vietnd ou Oriente Medio, por exemplo,o tema Invaravelmente exquent, eqientemente com considerivel violencia, Sou fepet plo, na citagio abaixo menciona dois problemas fundamentais na filoso- fia da matematica: a natureza dos objetos matematicos, em particular dos nimeros naturais (1, 2, 3, ..), €a validade do raciocinio por “indugio matematica” (se uma propriedade ¢ verdadeira para o niimero 1 se podemos mostrar que 0 fato de ser verdadeira para o niimero 7 implica que é verdadeira para o nimero m + 1, pode-se deduzir, entio, que a propriedade € verdadeira para todos os mimeros naturais). Hi quinze anos venho ensinando meus alunos a contar no maximo até cinco, o que € dificil (quatro é mais facil), e eles entenderam pelo me- ‘nos isso, Porém, nesta noite, permitam-me permanecer na dois. Natu- ralmente, 0 que vamos tratar aqui diz respeito A questdo dos niimeros inteiros,e essa questio nio é simples como, penso, muita gente aqui ji sabe. Enecessério ter, por exemplo, certo nimero de conjuntos e uma correspondéncia um a um. £ verdadeiro, por exemplo, que hi exata- ‘mente tantas pessoas sentadas nesta sala quantas cadeiras. Todavia, € ecessirio haver uma colegio composta de niimeros inteiros para cons- ‘tituir um inteiro, ou um miimero natural, como € chamado. E, certa- ‘mente, em parte natural, mas somente no sentido de que nés nio en- tendamos por que ele existe, Contar no € um fato empirico, ¢ €impossvel deduzit 0 ato de contar a partir de dados empiricos somente. Hume tentou, mas Frege demonstrou perfeitamente a inépcia da tentativa. A. real dificuldade reside no fato de que todo ntimero inteiro é em si mesmo uma unidade. Se ev tomar 0 dois como unidade, as coisas si0 muito agradaveis, homem e mulher, por exemplo—o amor mais a unidadet Porém, apés um lapso de tempo, acabou, depois desses dois no hi 40 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT rninguém, talvez uma crianga, masisto esta noutro plano, e paragerar 0 trés€ outra questo. Quando tentam ler asteorias dos mateméticos sobre 1s nfimeros, vocés deparam com a f6rmula “n mais 1” (wn + 1) como) fundamento de todas.asteorias. (Lacan 1970, pp. 190-191) Até aqui, nada mau: aqueles que j4 conhecem o assunto podem identifi- car as vagas alusdes aos debates classicos (Hume/Frege, indugio mate- mitica) e destacé-los de algumas afirmagoes bastante questionaveis (por exemplo, 0 que ele quer dizer com “a real dificuldade reside no fato de que todo mimero inteiro é em si mesmo uma unidade”?). Contudo, da- qui em diante, o raciocinio de Lacan torna-se cada vez mais obscuro: esta questio do “um mais” que se tomana chave da génese dos nimeros, «¢, em ver desta unidade unificadora que constitui o dois no primeiro ‘e480, proponho que se considere dois na verdadeira génese numérica do dois. Enecessério que esse dois constitua o primeiro inteiro que ainda no nasceu como niimero antes que o dois surgisse. Vocé tornou isto possivel porque o dois li esta para dar existencia ao primeiro wm: coloque dois no lugar do um ¢, em conseqiiéncia, no Tugar do dois voce veri o trés aparecer. O que temos aqui € algo que eu poderia chamar de marca. Vocé deve ter alguma coisa que esteja marcada ou algo que nfo esteja marcado, E com a primeira marca que adquirimos © status da coisa. E exatamente dese modo que Frege explica a géne- se do nimero: a classe que é caracterizada por nfo conter nenhum elemento é a primeira classe; tem-se o um no lugar do zero, € € fécil compreender em seguida como o lugar do um se torna o segundo lu- gar que cede lugar para o dois, trése assim por diante.*® (Lacan 1970, p. 191, grifo do original) E € nesta passagem obscura que Lacan introduz, sem explicagio, @ pretensa ligaco com a psicandl Tigi Tana Fave Seaver uma alusio, un unto confus, am procedimentotdcnico utizado e@ gies matemstia para defini, em trios de conjontos, os mimmeros naurais: 0 dentificido com fo conjunto sazio€ (quer diver 0 conjunto que no posta aenhum elemento); depois 1 € entific ocomoconimto (8) (quer dizer 0 conjunto tendo @ como seu nico elemento}, depois 2 ie ted com aconiuto () tno 6 aconjota gu posal dex lementonBe seas 9 IMPOSTURAS INTELECTUAIS. 41 ‘A questio do dois é para nés a questio do sujeito, e nesse ponto nés ~atingimos um fato da experiéncia psicanalitica, dado que 0 dois nao ‘completa o um para fazer dois, mas deve repetir 0 um para permitir que o um exista. Essa primeira repetigio a Gnica necessiria para explicar a génese do niimero, e € nevessiria s6 uma repetigéo para constituir ostatus do sujeito. O sujeito inconsciente é algo que tende ase repetir, mas s6 uma repetigio 6 necessiria para constituf-lo. En- tretanto, observemos mais detidamente o que € necessério pata que o segundo repita o primeiro a fim de que possamos ter uma repetisio. [Nao podemos responder a essa questio apressudamente, Se voce res- ponde muito rapidamente, responderé que € necessirio que eles e- jam 0s mesmos, Nesse caso, 0 principio do dois seré 0 dos gémeos— € por que nic dos trigémeos ou quintuplos? No meu tempo, ensina- ‘vases criangas que niio se deviam somar, por exemplo, microfones com diciondrios; mas é um total absurdo, porque nao haveria adiglo se io féssemos capazes de somar microfones com dicionarios ou, como diz Lewis Carroll, repolhos com reis. A identidade (sameness) nio esti nascoisas, mas namarca que torna possivel adicionar coisas sem nenhuma consideracio pelas suas diferengas. A marca tem o efcito de pagar a diferenga, ¢ esta é a chave daquilo que acontece com o sujei- 10, 0 sujeito inconsciente na repetisio; porque vocts saber que este sujeito repete algo peculiarmente significativo, 0 sujeito esté aqui, por cexemplo, nesta coisa obscura que denominamos, em alguns casos, trauma (ou prazer delicioso. (Lacan 1970, pp. 191-192, grifo do original) ‘A seguir, Lacan tenta relacionar Iégica matematica ¢ lingifstica: En apenas levei em consideragio o comego da sequéncia dos ni- ‘metos inteiros, porque é um ponto intermedidrio entre alinguagem e a realidade. A linguagem é constituida pela mesma espécie de carac terfsticas unitérias que usei para explicar 0 um e 0 um mais, Porém essa caracteristica na linguagem nio é idéntica& caracteristca unit tia, visto que na linguagem nés temos uma colegio de caracteristicas diferenciais. Em outras palavras, podemos dizer que a linguagem é constituida por um conjunto de significantes — por exemplo, ba, ta acete. et. —, conjunto que finito, Cada Significant est apto asustentar ‘omesmo processo em relagio ao sujeito, e €bem provavel que o pro- ‘cesso dos ntimeros inteiros seja apenas um caso especial desta relagio centre significantes. A definigo desta colegio de significantes € que 42 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT. cles constituem o que chamamos o Outro. A diferenga propiciada pela cexisténcia da linguagem é que cada significante (contrariamente a car racteristica unitéria do ntimero inteiro) é, na maioria dos casos, nio- idéntico a si mesmo — precisamente porque temos uma colegao de significantes, nesta colesio um significante pode ou no se designar asi mesmo. Isto é bem conhecido e € 0 principio do paradoxo de Russell Sese tomar 0 conjunto de todos os elementos que nio fazem parte de xex Co conjunto que se constituiu com tais elementos conduz a um parado- xo que, como se sabe, leva a uma contradiglo."* Em termos simples, isto apenas significa que num universo de discurso nada contém tudo,!? «aqui se encontra outra vez a separagio que constitui o sujeito. © sujeito é a introdugo de uma perda na realidade, porém nada pode inttoduzir isso, jé que pelostatus a realidade € to plena quanto pos- sivel. A nogio de perda é o efeito proporcionado pela instancia da caracteristica, que € 0 que, com a intervengio da letra que vocé deter- rminar, localiza — digamos a,,a,,a, —, € 0s lugares si0 espagos, por uma falta. (Lacan 1970, p. 193) Primeiramente, observemos que, a partir do momento em que Lacan pre- tende exprimir-se “em termos simples”, tudo se torna nebuloso, Em se- gundo lugar — e mais importante —, nenhum argumento é apresentado para vincular estes paradoxos pertencentes aos fundamentos da matemtica ‘com “a separagio que constitui o sujeito” na psicandlise. Poderia Lacan ter tentado impressionar o piiblico com uma erudigéo superficial? TO ATT ale des end Ral 72497) Concept aeereieet i, sumpanocodnn tention eon Gurs om ‘epectivamente Maisadiante na texto, Lacaaexieve Axe Bx para expruni os mestionconcetoe UMPOSTURAS INTELECTUAIS 43 Em sintese, esse texto ilustra perfeitamente o segundo e terceiro abu- s0s de nossa lista: Lacan exibe para os nio experts seus conhecimentos de légica matematica; porém sua explanacio ndo € original nem peda- gégica do ponto de vista matematico, ¢ a ligago com a psicandlise nao é sustentada por nenhum raciocinio.® Em outros textos, mesmo 0 contetido supostamente “matematico” é sem sentido. Por exemplo, num artigo escrito em 1972 Lacan enuncia a sua famosa maxima — “nao existe relagdo sexual” — e traduz esta ver- dade bvia em suas fam@sas “férmulas da sexuagao”:" ‘Tudo pode ser sustentado para se desenvolver em torno daquilo que eu apresento sobre a cortelagio l6gica de duas f6rmulas matematicas ‘que, ao serem indicadas matematicamente Vx - @x € 3x - Ox , assim se enunciam:"* primeira, para todox, @x ésatisfeita, o que pode ser traduzido por um V denotando valor de verdade. Isto, traduzido no discurso analitico que é a pritica de fazer sentido, “quer dizee” que todo sujei- to como tal, porquanto af reside o desafio desse discurso, se inscreve da relagio na fungio filica de modo a precaver-se da auséncia do re- lacionamento sexual (a pritica de fazer sentido [sens], & justamente para se referir a esta auséncia [ab-sens); a segunda, ha como exces 0 caso, familiar em matematica (0 argumentox = 0 na fungio exponencial Ix), 0 caso onde existe um x parao qual @x, a funsio, ndo é satisfeita, quer dizer, ndo funciona, «std excluida de fat. E precisamente dali que eu conjugo 0 todo do universal, mais ‘modificado do que se poss imaginar dentro do paratado do quantor, Para oexiste wm, com o qual o quintico forma par, sendo patente sua diferenga com aquilo implicado pela proposigio que Arist6teles cha- ma de particular. Eu 0s conjugo do que oexiste um em questio, para fazer um limite a0 paratodo, é que o afiema ou o confirma (que um provérbio ji objeta ao contraditério de Aristételes) la =———— SY por icmp ier (197778) Raglan Suva (1990) para comentrioradoradorestbre Memes de Lacan, ite dea lnguage de Lacan er to obs aide no-gramatica, reprodasinos somple em nls pos cad Nils maton sinbolo esi “para odo" sola esignie “exe plo oil qe clas chamadonde"quntcalor aniealve-quascalor cane’ 44° ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT Que eu enuncie a existéncia de um sujcito ao fazé-lo dizer que no fung3o proposicional x implica que ela se inscreve de um quantor de que esta fungi se acha cortada do fato de que ela no tem neste ponto nenhum valor que se possa notar de verdade, o que quer dizer tampouco erro, 0 falso somente para entender falsus como cai- do, como ja ressaltei. Em logica classica, pensando nela o falso nio € visto apenas como da verdade o contritio, o falso adefine também. E portanto correto escrever como o fago: Ex - Bx (1 Que o sujeito se proponha aqui ser chamado mulher depende de dois modos. Fi-los Bee Gee Ar ax. Sua representagio nao costuma ser usacda em matemdtica.!® Ne- Bar, como a barra colocada acima do quantor indica, negar que existe tum no se faz, e menos ainda que oparatodo nio seria se paraniotode, E af, no entanto, que o sentido do dizer se liberta, daquilo que, conjugando-se af onyania que faz murmurar os sexosem companhia, € acrescenta que entre eles relagio no hi. O que deve ser tomado, nto no sentido de que, a0 reduzir nossos 4quantors a sua leitura segundo Aristteles, igualaria ondoexistunt ao nadaé de seu universal negativo, faria retornar 0 prj maivtet, 0 ndotodo (que ele, no entanto, soube formular), atestemunhar aexis- téncia de um sujeito a dizer nao a fun¢ao fii, a supor isto da con- trariedade dita de dois particulares. io reside ai o sentido do dizer, que se infere destes quantors. E que para se introduzir como metade a dizer das mulheres, 0 sujeito se determina do que, nfo existindo suspensio da funsio falica, tudo possa aqui ser dito, mesmo provindo dos sem-razio. Mas é um todo fora do universo, que se Ié diretamente do segundo quantor como néotodo, (O sujeito na metade onde ele se determina dos quantors negados, ‘TExaamente iso Abarea exprime negagio ("abo que") e, portanco,s6 pode ser al cads em proposgdes completa, 130 em quantiicadoressolados tas como Ex ou Ax. Pode'se ‘Ze — que as seviam logicamenteequivalentes supor que aqui Lacan queria dince Ex 2s proposigds inictis Ax € Ex Fe —, mas ele dé a entender que esta reformulagdo banal nde € de modo alum nin intengio. Qualguer pessoa ¢ live de aprsehtar ina nova nota, 25 ‘com a obrigagio de expor seu sgaicado, IMFOSTURAS INTELECTUAIS 45 € que nada de existente estabelega limite da fungio, que nio saberia asseguiar-se seja o que for de um universo. Assim, ao se basear nesta metade, “elas” nao sio nulotodas, com a conseqiéncia e pela mesma razio de que nenhuma delas € tampouco todo. (Lacan 1973, pp. 14- 15,22) [Tout peut étre maintenu a se développer autour de ce que ifavance dela corrélation logique de deux formules qui, &s'inscrire mathématiquement vx @x e 3x-@r sénoncent: lapremigre, pour toutx, x est sitisfait, ce qui peut se traduire un Vnotant valeur de verte. Ceci, traduit dans le discours analytique dont c'est la pratique de faire sens, “Veut dire” que tour sujet en tant ue tel, puisque c'est la ’enjeu de ce discours, 'inscrit dans la fonction phallique pour parer a absence du rapport sexuel (Ia pratique de faire ses, c'est justement de se reférer 3 cet ab-sens); la seconde; il ya par exception le cas, familier en mathématique (Pargumentx = 0 dansla fonction exponenticlle 1/x), le cas ob il existe tun x ponr lequel @y la fonction, n'est pas sitisfaite, cest-I-dire ne fonctionnant pas, est exclue de fat. Crest précisément dot je conjugue le rons de universelle, plus modifié qu’on ne s'imagine dans lepourtout du quanteur, AVilexiste 4un que le quantique lui apparie, sa différence étant patente avec ce 4quiimplique la proposition qu’Aristote dit particule. Je les conju- gue de ce que/'il existe un en question, a faire limite au pourtout, est ce qui laffirme ou le confirme (ce qu’un proverbe objecte déja au contradictoire d’Aristot). (9) Quej'énonce existence d'un sujet la poser d'un dire que non & la fonction propositionelle x, implique qu'elle s‘inscrive d'un uanteur dont cette fonction se trouve coupée de ce qu'elle n’ait en ce Point aucune valeur qu’on puisse noter de vérité, ce qui veut dire erreur pas plus, le faux seulement 3 entendee alsus comme du chu, ce 0d j'ai deja mis Pacceat. En logique classique, qu’on y pense le faux ne Sapergoit pas qu'’a tire de la vérité Penvers il a désigne aussi bien, __ Test done juste d’écrire comme je le fais: Ex - De gg De do modes dépend quel ues se propose treat ferme, Be Or ee Ae or 46. ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT Leu inscription n’est pas d’usage en mathématique. Niet, comme la barte mise au-dessus du quanteur le marque, nier qu’existe un ne se fait pas, et moins encore que pourtout se pourpastoute. C'est la pourtant que se livre le sens du dire, de ce que, s'y conjuguant lemyania qui bruit des sexes en compagnie, il supplée ce gu'entre eux, de rapport nyait pas. Ce qui est 4 prendre non pas dans le sens Qui, de réduire nos {quanteurs leur lecture selon Aristore, égalerait lenexistun au mulnest de son universelle négative, ferait revenir le uri neiveet, le pastout (qu'il a pourtant su formuler), 3 temoigner de existence d'un sujet & dire que non ala fonction phallique, ce & le supposer de la contrarieté dite de deux particuligres. Ce n'est pas la le sens du dire, qui sinserit de ces quanteurs. Test: que pour s'introduire comme moitié & dire des femmes, le sujet se détermine de ce que, n’existant pas de suspens & la fonction phallique, tout puisse ici s'en die, méme & provenir du sans raison. Mais Cest un tout dhors univers, lequel se lit tout de go du second quanteur comme pastout Le sujet dans la moitié od il se détermine des quanteursniés, est de ce que rien d’existant ne fasse limite dela fonction, que ne saurait sien assurer quoi que ce soit d'un univers, Ainsi a se fonder de cette moitig, “elles” ne sont pastoutes, avec pour suite et da méme fait, qu'aucune non plus n’est toute. (Lacan 1973, pp. 14-15, 22)] Entre os outros exemplos de terminologia altamente complicada lancada ao leitor, mencionemos em Lacan (1971): reunido (em Logica matematica) (p. 206) e teorema de Stokes (um caso em que Lacan € par- ticularmente desavergonhiado) (p. 213). Em Lacan (1975e): gravitagao (“inconsciente da particula”!) (p. 100). Em Lacan (1978): teoria do campo unificado (p. 280). E-em Lacan (1975a): Bourbaki (pp. 30-31 € 46), quark (p. 37), Copémico e Kepler (pp. 41-43), inércia, mc? 2 leis de grupo, formalizagiio matemética (p. 118). Conclusio Como avaliar a matematica de Lacan? Os comentaristas bre as intengées de Lacan: Até que ponto teve ele intengio de “mate- matizar” a psicandlise? Nés nao estamos em condigSes de dar uma res- IMpOSTURAS INTELECTUAIS 47 posta definitiva a esta questio — que, afinal de contas, nao tem muita importancia, visto que a “matemstica” de Lacan € tio extravagante que do tem como desempenhar papel fecundo em nenhuma anilise psico Hégica séria. —~Certamente, Lacan tem uma vaga idéia da matematica que ele invo- ca (e nao muito mais). Nao ser com ele que um estudante aprender o que é um niimero natural ou um conjunto compacto, porém suas colo- cagdes, quando inteligiveis, nem sempre sao falsas. Contudo, ele se ex- cede (se é que podemos usar esta palavra) no segundo tipo de abuso re- lacionado em nossa introdugao: suas analogias entre psicandli matematica sio as mais arbitrarias que se possam imaginar, ¢ delas nio Oferece absolutamente nenhuma justificagio empirica ou conceitual (nem agui ném em nenhum lugar de sua obra). Finalmente, como ostentagio de uma erudicio superficial e manipulagio de sentengas sem sentido, os textos citados acima seguramente falam por si s6s. ‘Terminemos com algumas observagdes gerais acerca da obra de Lacan. Sublinhamos que estes reparos vao muito além do que pretendemos ter demonstrado neste capitulo e, portanto, devem ser considerados como conjeturas plausiveis que merecem um estudo pormenorizado. O aspecto mais surpreendente de Lacan e seus discipulos € prova- velmente sua atitude diante da ciéncia, privilegiando, indo a extremos ificeis de imaginar, a “teoria” (ou, mais precisamente, o formalismo e 0 jogo de palavras) em detrimento da observagao e da experiéncia. Além do mais, a psicandlise, supondo que ela tenha uma base cientifica, € uma éncia muito jovem. Antes de se lancar em vastas generalizagSes teéri- as, seria prudente checar a adequacio empfrica de pelo menos algumas Suas proposigdes. Ora, nos escritos de Lacan se encontram princi- Palmente citagées ¢ anilises de textos e conceitos. Os defensores de Lacan (bem como de outros autores aqui discuti- dos) inclinam-se a responder a essas crt Sia que iremos chamar de “nem/nem Tiados nem como ciéncia, nem como filosofia, nem como poesia, nem. Fica-se entio diante daquilo que se poderia chamar um “misticismo laico”: misticismo, porque discurso objetiva provocar efeitos mentais ‘Que nao sio puramente estéticos, ¢ sem se direcionar, de modo algum, & ¥az4o; laico, porque as referéncias culturais (Kant, Hegel, Marx, Freud, icas recorrendo a uma estraté- esses textos néio devem ser ava- oe literatura contemporanea...) nada tém a ver com as religides 48. ALAN SOKAL E JEAN SRICMONT | | tradicionais e sio atraentes ao leitor moderno. Além do mais, 0s textos | de Lacan tornaram-se com o tempo cada vez mais enigmaticos — carac- i teristica comum a muitos textos sagrados —, combinando jogos de pa- lavras com sintaxe fraturada; ¢ cles serviram de base para a exegese | reverencial de que se incumbiriam seus discfpulos. Podemos perguntar se nio estamos, afinal de contas, lidando com uma nova religido.

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