BELTING - Corpus Christi - A Controve Ürsia Sobre A Ceia

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DAFNE EDITORA - COLECEAO IMAGO {Nas fontes relativas & controvérsia sobre aa imagens, habitu almente, no se fica a saber grande coisa sobre a figuratividade, ‘mas bastante mais sobre as relagbes de poder no espaso prblice ‘as imagens eram, uma e outta vez, apresentadas em lugares pi biicos para atrair sobre elas a pritica que rotulamos de culto. A estrulgto da imagem é tao-s6 a outrafaceta do culto da imagem, 0 culto da imagem sab o signo contrério ov a violencia contra as imagens em nome das quais se sofreu violéncia. As imagens consolidavam-ce nas acgdes simbélicas nelas realizadas,efracas- savam, se elas Ihes fossem recussdas, Tornavatn-se assim herds, martes ou inimigos, decerto em ver dos homens que estavam por detrésdelas,e que directamente se no podiam stacar. JA sia ‘rodugio era uma aczdo simbélica ¢ encorjava 0s observadores, diantedelas ¢em piblico,a demonstrar asus fé ou a recusar a sua lealdade - 0 que, por seu turno, equivalia a uma acgio simbélics, ‘As imagens surgiam, pois, como uma ocasito ou como um desafio calculade da sociedade a exercer diante delas actos piblicos deste jez, 0s quals, de outro modo, nio teriam tido nenhum enderego eu oportunidade. (3.2) No quadio da sua antropologia da imagem, onde se constitaem ‘como pardmetros essenciis imagem, o.corpo eo soporte dasima- _gens, Hans Belting confronta fontes relevantes com breves episé- ios historicas e imagens como a Santa Face de Cristo, a Verdnica ‘ou o retrato de Lutero, Assim se exploram, com grande minscia terica, as fertels consequéncias heuristicas desse choque, com consequénciasrelevantes para a nossa contemperaneidade, Imago & um projecto de divulgacao de textos e autores que tém vvindo arepensar a imagem em terms inovadores, explorando corn ssrande lberdade e pertinéncis 0 seu enraizamento e a5 suas rela: ‘es com as mais diversas problematicas,saberes, crengas prticas. sewredatnesem pt Pep2a Vv waseury e113] Sunjoq suen Vv Ra oe Corpus Christi A questio relativa ao corpo € afectada, hoje, por uma incerteza que abrange igualmente as ciéncias da natureza. Aparentemente, toda a certeza sobre o corpo, em que vivemos, se perdeu. Séo tantas as alter- nativas que se oferecem para dele falar que 0 seu conceito nos sur- ‘ge como uma Fata Morgana, que se desvanece quanto mais dela nos aproximamos.Também a discussio, agora em moda, sobre a perda ou a fuga do corpo jé nao sabe exactamente qual é, de facto, 0 objecto de semelhante negagao. Temos a impressio de nos havermos extraviado sum labirinto, ao passo que Gutras épocas mais antigaé dispunham de regras lingufsticas capazes de oferecer, sobre o corpo, uma orienta- ‘sao. Gostaria, porém, de discutir, nas paginas seguintes, a grande vira- gem em que nos encontramos,e decerto com a tese de queaaporia no conceito de corpo era jé algo especifice da cultura europeia, quando os teélogos dirigiam ainda o discurso. © corpus Christi, um tema de desencorajante amplidio, recorda- 28 (Gioputa sabre snaino relat de Osiander, pes (p84, inscribe soba teal de vlads). f, ‘nda Eberhard GROTZINGER, Lather und 2vingl Die Rit ander mitelaberlichen keer vn der ‘Messe ls ure des Abendmableretes,Gutersloh, Berger Verag, 1980, dissera na wiltima ceia»: isto é0 meu corpor; logo, 0 «é» nao poderia ser mal entendido apenas como um simples denotar ou significar (sig- nificare), Se Santo Agostinho pode ainda chamar ao pio «um sinal do corpo de Cristo», dai nao ha que tirar falsas conclusées e desacreditar a palavra de Deus. Com efeito, «também nés lhe chamamos um sinale nem por isso deixamos de acreditar que o corpo esté ali presents. Ex- pressa-se aqui uma compreensio dos signos, que é permedvel a outra realidade. Era, pois, uma estratégia correcta, por ium lado, relativizar a palavra (porque se nao devia forcar demasiado o conceito de signo) €, Por outro, religé-la ao milagre presente na palavra omnipotente de Deus. Presenga ou representacao eramas alternativas € entre elas nao havia nenhum acordo ou identidade. Transmutou-se 0 pao em corpo ou persistiu como sinal, que Peirce teria incluido entre os simbolos, j ‘que nao era possivel entendé-lo nem como icone nem como index? Lutero, segundo o relato de Hedio, refugiou-se na afirmagdo de que a s6 a palavra de Deus poderia dar o salto do sinal para o signi- ficado,e portanto ser uma «palavra sacramental», Mas a outra parte objectou-lhe que Jesus, com 0 seu corpo, como qualquer outro corpo, nko podia estar presente ao mesmo tempo em muitos lugares, depois da sua ascensao a0 céu. Se quiséssemos tomé-Lo a sério enquanto cor- po, Ele nao podia estar simultaneamente no céu e na ceia. Mas ambas as faccbes estavam de acordo em rejeitar a iconizagio desenfreada gue o pao sofrera na liturgia e na praxis imaginea da Igreja catélics As intimeras imagens que,com um corpo ensanguentado ¢ dilacerado, remetiam para o partir do pio e para a PaixSo, confundindo assim si- nal e corpo, eram diabélicas. Havia aqui um repertério inteiro de ima- * Meike SCHLAE, bide dee Corpa Chri Dern, Mann, 2002 gens catélicas, que se aduziam como «imagens do corpus Christi», para estimular a fantasia, frente a Eucaristia,no acto de «devoraor privada, € para representar 0 corpo sacramental como um hibrido de corpo ¢ imagem." Tudo isto deveria agora pertencer ao passado. No acto da ceia comum, havia um acordo nas novas Tgrejas, por separadas que estivessem relativamente & questo do signo. $6 aqui se queria viven- ciara presenga de Cristo na comunidade, a saber, no ritual comunité- rio, e nfo num olhar curioso, para o qual nada havia por descobrir. 0 culto das héstias, com as suas lendas milagrosas, tornou-se um tema do passado. Também a questo do corpo continuou a ser um tema de grande actualidade, s6 que agora surgiu o desejo de o repensar.Se,de facto, se tomasse a sério o corpo, nao poderia pretender-se reencontré- -lonum sinal, como era 0 pao. 0 signo, por seu turno, nao pre © reproduzir, pelo que a deficiéncia icénica do pio eucaristico ja ndo tinha grande peso. No lado dos Reformadores, deu-se um abandono de toda a ambivaléncia entre imagem e corpo, a qual,no pensamento catélico, foi favorecida, advogando-

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