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Nº3 Da Matta. O Ofício de Etnólogo Ou Como Ter Anthropological Blues PDF
Nº3 Da Matta. O Ofício de Etnólogo Ou Como Ter Anthropological Blues PDF
Nº3 Da Matta. O Ofício de Etnólogo Ou Como Ter Anthropological Blues PDF
«;'0 cLt r~: ..z",k,e / 191 J' This g/ory. the sweetest, the true..
or rather the only true glory. awaits
you. encompasses you already; you
wÜ/ know al/ its bril/iance on that
day 01 triumph and ioy on which.
returning to your country. we/comed
amid our delight. you will arrive in
our walls. loaded with the niost pre.
cious apoils. and bearers 01 happy
tidings 01 our brothers scattered in
the uttermost confines 01 the Universe.
Degérando..
Introdução
ou. como é também chamado o exercício do ofício na sua prática tos menos formais. Nas cstórias que elaboram de modo tragicômico
mais imediata, do trabalho de campo. Nos cursos de Antropologia um mal-entendido entre o pesquisador e o seu melhor informante,
os professores mencionavam sempre a necessidade absoluta da co- de como foi duro chegar até a aldeia, das diarréias, das dificulda.
leta de um bom material, isto é, dados etnográficos que permitis.
sem um diálogo mais intenso e mais profícuo com as teorias c0-
des de conseguir comida e - muito mais importante -
de como
nhecidas,. pois daí, certamente, nasceriam novas teorias
a velha e, porque não diZer, batida dialética do Prof. Robert
-
segundo ','
o.
foi difícil comer naquela aldeia do Brasil Central.
Esses são os chamados aspectos "românticos" da disciplina,
quando o pesquisador se vê obrigado a atuar como médico, cozi.
Merton.
dela
Desse esforço nasceram alguns livros
--
-na América e fora
ensinando a realizar melhor' tais rotinas. Os dois mais fa.
nheiro, contador de histórias. mediador entre Índios e funcioná-
rios da FUNAI, viajante solitário e até palhaço, lançl;lndo mão
destes vários e insuspeitados papéis para poder bem realizar as
mosos são o notório No'es and Queries in An'hropoloB)'. produzido rotinas que infalivelmente aprendeu na escola graduada. ~ curioso
pelos ingleses e, diga.se de passagem, britanicamente. produzido e significativo que tais aspectos sejam cunbados de "anedóticos"
. com zelo missionário, colonial e vitoriano, e o não menos famoso e, como já disse, de "românticos", desde que se está consciente
Guio de Investigação de Dados Cul'urais, livro inspirado pelo Hu.
man Relations Area Files, sob a égide dos estudos "cross-culturais"
-Sociale nãoé uma
é preciso ser filósofo para tanto - que a Antropologia
disciplina da comutação e da mediação. E com isso
do Prof. George Peter Murdock. quero simplesmente dizer que talvez mais do que qualquer outra
São suas peças impressionantes, como são impressionantes as matéria devotada ao estudo do Homem, a Antropologia é aquela
monografias dos etnólogos, livros que atualizam de modo correto onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universos
e impecável essas rotinas de "como comecei fazendo um mapa da (ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é reali.
aldeia, colhe~do duramente as genealogias dos nativos, assistindo zada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumen-
aos ritos funerários, procurando delimitar o tamanho de cada tos de mediação. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, depen-
roça" e "terminei descobrindo um sistema de parentesco do tipo dendo essencialmente de humores, temperamentos, fobias e todos
CnJw.Omaha, etc... ". Na realidade, livros que ensinam a fazer os outros ingredientes das pessoas e do contato humano.
pesquisa são velhos na nossa disciplina, e pode-se mesmo dizer - . . Se é possível e permitido uma interpretação, não há dúvida
sem medo de incorrer em exagero - que eles nasceram com a sua de que todo o anedotário referente às pesquisas de campo é um
~dação, já' que foi Henry Morgan, ele próprio, o primeiro a des- modo muito pouco imaginativo de depositar num lado obscuro do
cobrir. B. utilidade de tais rotinas, quando preparou uma série de oficio os seus pontos talvez mais importantes e mais significativos.
qUestionários de campo que foram enviados aos distantes missioná- ~ uma maneira e - quem sabe? - um modo muito envergonhado
rios e. 'agentes diplomáticos norte-americanos para escrever o seu de não assumir o lado humano e fenomenológico da disciplina, com
supercláSsico Sys'ems 01 Consanguini&y anil Alfinity 01 the Humon um temor infantil de revelar o quanto vai de subjetivo nas pesqui.
Family. (1871)1. Tal tradição é obviamente necessária e não é sas de campo, temor esse que é tanto maior quanto mais voltado
meu propósito aqui tentar denegri-Ia. Não sou D. Quixote e reco- está o etnólogo para uma idealização do rigor nas disciplinas s0-
nheço .muito bem os frutos que dela nasceram e poderão ainda ciais. Numa palavra, é um modo de não assumir o ofício de etnó-
r
nascer..E mesmo se estivesse contra ela, o máximo qUe o bom logo. integralmente, é o medo de sentir o que a Dra. Jean Carter
senso me permitiria acrescentar é que essas rotinas são como um i
I
mal, necessário. II Lave denominou, com rara felicidade, numa carta do campo, o
anthropological blues.
.! . Desejo, porém, neste trabalho. trazer à luz todo um "out~
lado" desta mesma tradição oficial e explicitamente reconhecida
i 11
pelos antropólogos, qual seja: os aspectos que aparecem nas ane. \
dotas e nas reuniões de antropologia, nos coquetéis e nos momen- Por omhropological blues se quer cobrir e descobrir, de um
1 Republicado em 1970, Anthropologiçal Publications: Oosterhout N.B. ~ocJo mais sistemático, os aspectos interpreta tivos do ofício de etnÓo
:..:..:Holanda. Veja-se, em relação ao que foi mencionado acima, pp. viii e logo. Trata.se de incorporar no campo mesmo das rotinas oficiais,
ix' do Prefácio e o Apêndice'à Parte IlI, 'pp.' SlS e 55. já legitimadas como parte do treinamento do antropólogo, aqueles
I
A VERSÃO QUALITATIVA 29
28 A BUSCA DA REALIDADE OBJE11VA
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30 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA A VERSÃO QUALITATIVA 31
tro, O ponto de partida, já que o único modo de estudar um ritual me várias formas, indo da anedota infame contada pelo falecido
brasileiro é o de tomar tal rito como exótico. Isso significa que a. Evaos.Pritchard, quando disse que estudando os Nuer pode-se fa-
apreensão no primeiro processo é realizada primordialmente por cilmente adquirir sintomas de "Nuerosis"li, até as reações mais vis-
uma via intelectual (a transformação do exótico em familiar é rea- . cerais, como aquelas de Lévi-Strauss, Chagnon e Maybury-Lewis6
lizada fundamentalmente por meio de apreensões cognitivas), ao quando se referem à solidão, à falta de privacidade e à sujeira dos
passo que, no segundo caso, é necessário um desligamento emocio- . índios.
nal, já que a familiaridade do costume não foi obtida via intelecto, Tais relatos parecem sugerir, dentre os muitos temas que ela-
mlls via coerção. socializadora e, assim, veio do estômago para a boram, a fantástica surpresa do antropólogo diante de um verda-
c~a. Em ambos os casos, porém, a mediação é realizada por um deiro assalto pelas emoções. Assim é que Chagnon descreve sua
corpo de princípios guias (as chamadas teorias antropológicas) e perplendade diante da sujeira dos Yanomano e, por isso mesmo,
conduzida num labirinto de conflitos dramáticos que servem como do terrível sentimento de. penetração num mundo caótico e sem
pano de fundo para as anedotas antropológicas e para acentuar o sentido de que foi acometido nos seus primeu'os tempos de traba-
toque romântico da nossa disciplina. Deste modo, se o meu insight lho de campo. E Maybury-Lewis guarda para o último parágralo
está correto, é no processo de .transformação mesmo que devemos do seu livro a surpresa de se saber de algum modo envolvido e ca-
cuidar de buscar a definição cada vez mais precisa dos anthropolo- paz de envolver seu informante. Assim, é no último instante do
gical blues. seu relato que ficamos sabendo que Apowen - ao se despedir do
Seria, então, possível iniciar a demarcação da área básica do
anthropological blues como aquela do elemento que se insinua na
antropólogo
duada
-
tivessem
tinha lágrimas nos olhos. g como se na escola gra.
nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial
prática etnológica, mas que não estava sendo esperado. Como um prescritivo, um sistema político segmentado, um sistema dualista,
blues, cuja melodia ganba força pela repetição das suas frases de etc., e jamais nos tivessem prevenido que a situação etnográfica não
modo a cada vez mais se tomar perceptível. Da mesma maneira que é realizada num vazio e que tanto lá, quanto aqui, se pode ouvir os
a tristeza e a saudade (também blues) se insinuam no processo do anthropological blues!
trabalho de campo, causàndo surpresa ao etnólogo. g quando ele Mas junto a esses momentos cruciais (a chegada e o último
se pergunta, como fez Claude Lévi-Strauss, "que viemos fazer aqui?
Com que esperança? Com que fim?" e, a partir desse momento,
dia), há - dentre as inúmeras situações destacáveis um outro-
instante que ao menos para mim se configurou como crítico: o mo.
pôde ouvir claramente as intromissões de um rotineiro estudo de mento da descoberta etnográfica. Quando o etnólogo consegue des-
Chopin, ficar por ele obsecado e se abrir à terrível descoberta cobrir o funcionamento de uma instituição, compreende finalmente
de que a viagem apenas despertava sua própria subjetividade: "Por a operação de uma regra antes obscura. No caso da minha pesquisa,
um singular paradoxo, diz Lévi-Strauss, em lugar de me abrir a um no dia em que descobri como operava a regra da amizade formali.
novo universo, minha vida aventurosa antes me restituía o antigo, zada entre os Apinayé, escrevi no meu diário em 18 de setembro
enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos. de 1970:
Quanto mais os homens e as paisagens a cuja conquista eu partira
perdiam, ao possuí-los, a significação que eu deles esperava, mais "Então ali estava o segredo de uma relação social mui.
essas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substituí- to importante (a relação entre amigos formais), dada
das por outras, postas em reserva por meu passado e às quais eu não por acaso, enquanto descobria outras coisas. Ele mos-
dera nenhum valor quando ainda pertenciam à realidade que me trava de modo iniludível a fragilidade do meu traba-
rodeava." (Tristes Trópicos, São Paulo: Anhembi, 1956, 402 ss.). lho e da minha capacidade de exercer o meu ofício cor-
Seria possível dizer que o elemento que se insinua no trabalho
de campo é o sentimento e a emoção. Estes seriam, para parafrasear $)940:
CI. J3.Bvans-P~ard, The Nuer, Oxford: at the Clarendon Press,
Lévi-Strauss, os hóspedes não convidados da situação etnográfica. E
tudo indica que tal introsão da subjetividade e da carga afetiva que 6 Pura Lévi-Strauss, veja o já citado Tristes Trópicos; para Chagnon e
Nfaybury-Lewis confira, respectivamente, Yanomanu: The Flerce People.
veJp.com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropo- Nova York: Rolt, Rinehart e Winston, 1968, e The Savage and The Inno-
lógica, é um dado sistemático da situação. Sua manifestação assu- cenl, Boston: Beacon Press, 1965.
,..
32 A BUSCADA REALIDADE OBJE11V A A VERSÃO QUALITATIVA 33
retamente. Por outro lado, ela revelava a contingência . modo, isola-se novamente. O oposto ocorre com muita f~eqüência:
do ofício de etnóIogo, pois os dados, por assim dizer, . envolvido por um chefe político que deseja seus favores e sua opi-
caem do céu como pingos de 'chuva. Cabe ao etnóIogo nião numa disputa, o etnólogo tem que calar e isolar-se. Emocionado
não só apará-los, como conduzi-Ios em enxurrada para pelo pedido de apoio e temeroso por sua participação num conflito,
o oceano das teorias correntes. De modo muito nítido ele se vê obrigado a chamar a razão para neutralizar os seus senti-
verifiquei que uma cultura e um informante são como mentos e, assim, continuar de fora. Da minha experiência, guardo
cartolas de mágico: tira-se alguma coisa (uma regra) com muito cuidado a lembrança de uma destas situações e de outra.
que faz sentido num dia; no outro, só conseguimos fi- muito mais emocionante, quando um indiozinho que era um misto
tas coloridas de baixo valor. . . de secretário, guia e filho adotivo, ofereceu-me um colar. Trans-
Do mesmo modo que estava preocupado, pois havia crevo novamente um longo trecho do meu diário de 1970:
mandado dois artigos errados para publicação e tinha {,
que corrigi-los imediatamente, fiquei também eufórico. "Pengi entrou na minha casa com uma cabacillha presa
Mas minha euforia teria que ser guardada para o meu a uma linha de tucum. Estava na minha mesa remoen-
diário, pois não havia ninguém na aldeia que comigo do dados e coisas. Olhei para ele com o desdém do~ cano
pudesse compartilhar de minha descoberta. Foi assim sados e explorados, pois que diariamente c a todo o mo-
que escrevi uma carta para um amigo e visitei o encar- mento minha casa se enche de índios com colares para
regado do Posto no auge da euforia. Mas ele não es. trocas pelas minhas missangas. Cada uma dessas trocas
tava absolutamente interessado no meu trabalho. E, é um pesadelo para mim. Socializado numa cultura
mesmo se estivesse, não o entenderia. Num dia, à noite, onde a troca sempre implica uma tentativa de tirar
quando ele perguntou por que, afinal, estava eu ali estu- o melhor partido do parceiro, eu sempre tenho uma re-
dando índios, eu mesmo duvidei da minha resposta, beldia contra o abuso das trocas propostas pelos Api-
pois procurava dar sentido prático a uma atividade nayé': um colar velho e mal feito por um punhado sem-
que, ao menos para mim, tem muito de artesanato, de pre crescente de ~as. Mas o meu ofício (em des-
confusão e é, assim, totalmente desligada de uma rea- ses logros, pois missangas nada valem para mim e, no
lidade instrumental. entanto, aqui estou zelando pelas minhas pCqUlHUlS
E foi assim que tive que guardar segredo da minha bolas coloridas como se fosse um guarda de um lmllco.
descoberta. E, à noite, depois do jantar na casa do en- Tenho ciúme delas, estou apegado ao seu valor..- (!ue
carregado, quando retomei à. minha casa, lá só pude di. eu mesmo estabeleci. .. Os índios chegam, ofen~ccm os
zer do meu feito a dois meninos Apinayé que vieram colares, s~m que eles são mal feitos, mas sabem que
para comer comigo algumas bolachas. Foi com eles e eu vou trocar. E assim fazemos as trocas. São ('e7e-
com uma lua amarela que subiu muito tarde naquela nas de colares por milhares de missangas. Até 'Lu" das
noite que eu compartilhei a minha solidão e o segredo da acabem e a notícia corra por toda a aldeia. E, então, fi.
minha minúscula vitória." carei livre desse incômodo papel de comerciante. Te-
rei os colares e o trabalho cristalizado de quase todas
Esta passagem me parece instrutiva porque ela revela que, no as mulhf'res Apinayé. E eles terão H1issarl~!ls !Jara ou-
momento mesmo que o intelecto avança - na ocasião da descober- tros colares.
ta - as emoções estão igualmente presentes, já que é preciso com- Pois bem, a chegada de Pengy era sinal de mais uma
partilhar o gosto da vitória e legitimar com os outros uma desco- troca. "Mas ele estendeu a mão rapidamente: - Esse é
berta. Mas o etnólogo, nesse momento está só e, deste modo, terá para o teu ikrá (filho), para ele brincar. . .
que guardar para si próprio o que foi capaz de desvendar. E, ato contínuo, saiu de casa sem olhar para trás. O
E aqui se coloca novamente o paradoxo da situação etnográ. objeto estava nas minhas mãos e a saída rápida do in-
fica: para descobrir é preciso relacionar-se e, no momento mesmo diozinho não me dava tempo para propor uma recom.
da descoberta, o etnólogo é remetido para o seu mundo e, deste pensa. Só pude pensar no gesto como uma gentileza.
"'0.
"1, A VERSÃO QUALITATIVA 35
34 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA :.:
mas ainda duvidei de tanta bondade. Pois ela não exis- 111
te nesta sociedade onde os homens são de mesmo V8-
lor."7
'Mas o que se pode deduzir de todas essas observações e de to-
t.das essas impressões que formam o processo que denominei ano
Que o leitor não deixe de observar o meu último parágrafo. . thropological blues?
Duvidei de tanta bondade porque tive que racionalizar imediata. . Uma dedução possível, entre muitas outras, é a de que, em
mente aquela dádiva, caso contrário não estaria mais solitário. Mas Antropologia, é -preciso recuperar esse lado extraordinário das rela-
será que o etnólogo está realmente sozinho? ções pesquisador/nativo. Se este é o lado menos rotineiro e o
Os manuais de pesquisa social quase sempre colocam o pro- mais difícil de ser apanhado da situação antropológica, é certamen-
. blema de modo a fazer crer que é precisamente esse o caso. Deste te porque ele se constitui no aspecto mais humano da nossa rotina.
modo, é o pesquisador aquele que deve se orientar para o grupo É o que realmente permite escrever a boa etnografia. Porque sem
estuaado e tentar identificar-se com ele. Não se coloca a contrapar- ele, como coloca Geertz, manipulando habilmente um exemplo do
tida deste mesmo processo: a identificação dos nativos com o siste. filósofo inglês Ryle, não se distingue um piscar de olhos de uma piso
cadela marota. E é isso, precisamente, que distingue a "descrição
ma que o pesquisador carrega com ele, um sistema formado entre
o etnólogo e aqueles nativos que consegue aliciar -pela simpatia, densa" - tipicamente antropológica -
da descrição inversa, fo-
amizade, dinheiro, presentes e Deus sabe mais como I - para que . tográfica ou mecânica, do viajante ou do missionário.8 Mas para
distinguir o piscar mecânico e fisiológico de uma piscadela sutil e
lhe digam segredos, rompam com lealdades, forneçam.lhe lampejos
novos sobre a cultura e a sociedade em estudo. comunicativa, é preciso sentir a marginalidade, a solidiío e a sau-
Afinal, tudo é fundado na alterilidade em Antropologia: pois dade. É preciso cruzar os caminhos da empatia e da humildade. .
Essa descoberta da Antropologia Social como materia interpre-
só existe antropólogo quando há um nativo transformado em in-
tativa segue, por outro lado, uma tendência da disciplina. Tendên-
formante. E só há dados quando há um processo de empatia cor-
cia que modernamente parece marcar sua passagem de uma ciên-
rendo de lado a lado.'É isso que permite ao informante contar mais cia natural da sociedade, como queriam os empiricistas ingleses e
um mito, elaborar com novos dados uma relação social e discutir americanos, para uma ciência interpretativa, destinada antes de
os motivos de um líder político de sua aldeia. São justamente esses tudo a confrontar subjetividades e delas tratar. De fato, neste pIa.
nativos (transformados em informantes e em etnólogos) que sal- no não seria exagero afirmar que a Antropologia é um mecanismo
vam o pesquisador do marasmo do dia-a.dia da aldeia: do nascer e dos mais importantes para deslocar nossa própria subjetividade. E
pôr.do-sol, do gado, da mandioca, do milho e das fossas sanitá- o problema, como assume Louis Dumont, entre outros, não pilre-
rias. ce propriamente ser o de estudar as castas da lndia para 'conhece-
Tudo isso parece indicar que o etnólogo nunca está só. Real- Ias integralmente, tarefa impossível e que exigiria muito mais do
mente, no meio de um sistema de regras ainda exótico e que é seu que o intelecto, mas -
isso sim -
permitir dialogar com as for-
objetivo tomar familiar, ele está relacionado - e mais do que mas hierárquicas que convivem conosco. É a admissão - roman-
-
nunca ligado - a sua própria cultura. E quando o familiar come- tismo e anthropological blues aparte de que o homem não se en.
xerga sozinho. E que ele precisa do outro como seu espelho e seu
ça a se desenhar na sua consciência, quando o trabalho termina, o
antropólogo retoma com aqueles pedaços de imagens e de pessoas guia. .
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