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232 LOPES + MACEDO sujeitos por meio de atos de criagao. Um curriculo instituinte em con- traposicao a ideia de curriculo como expressao do instituido é defen- dido por nés (no capitulo anterior), aproximando curriculo de cultura e definindo-o como enunciagao. Atarefa de tornar o curriculo instituinte envolve desconstruir 0s discursos que visam a controlar a proliferagio de sentidos, dentre os quais podemos destacar as identidades estereotipadas e fixadas e a propria teoria curricular que as apresenta como horizonte. Trata-se, portanto, de um movimento no sentido da desconstrucao de hegemo- nias, ndo com a esperanca de substitut-las por contra-hegemonias, mas com 0 objetivo de impedir que se fortalegam de tal maneira que se el questioné-las. Tal movimento implica uma acao po- ica, conceito este que também precisa ser compreendido em bases discursivas e que abordaremos no préximo capitulo. Capitulo 11 No que concerne a teorizagao sobre politica curricular, muitos estudos se cruzam com as teorias da correspondéncia e com as pers- pectivas que vinculam o currfculo ao poder, a estrutura econdmica, a ideologia e & hegemonia, abordadas nos capitulos 1 e 3. Tal tendéncia 6 pertinente, sobretudo, nos estudos que assumem uma orientagio estrutural no ambito da pesquisa em politica educacional. Mas também 6 possivel identificar estudos sobre politica que tém por base discursos curriculares e a hist6ria do pensamento curricular e que buscam cons- tituir uma teorizacao especifica sobre politicas de curriculo. 's curriculares ainda nao Com esse enfoque especifico, as politi tém sido destacadamente investigadas. Na Inglaterra, é possivel iden- tificar trabalhos importantes na segunda metade dos anos 1980. Mas (© nascimento desse campo, com questdes proprias, no Brasil e nos Estados Unidos, pode ser situado apenas no inicio dos anos 1990, quando se ampliam os estudos sobre o tema, mesmo em autores com foco nas investigagées em politica educacional. Em parte, isso pode ser explicado pelo fato de terem se multiplicado as pesquisas voltadas para o entendimento do impacto dos varios documentos curriculares produzidos em um periodo interpretado como 0 auge de reformas neoliberais. Alguns marcos desse periodo podem ser identificados no ‘Ato de Reforma Educacional na Inglaterra, de 1988, no governo de 24 LOPES + MACEDO ‘Margaret Thatcher (1979-1990, pelo Partido Conservador);na produgio de documentos curriculares nos diferentes estados dos Estados Unidos, em muitos casos pela primeira vez na histéria, durante o governo Ronald Reagan (1981-1989, pelo Partido Republicano); ena publicacdo dos parametros e diretrizes curriculares nacionais durante 0 perfodo do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002, pelo Partido da Social Democracia Brasileira) no Brasil. Esses documentos sao entéo analisados como parte dos efeitos dos processos de globalizagio eco- némica e cultural ¢ de seus impactos na educacao. Ha que se ressaltar, contudo, que tanto no Brasil quanto no exte> rior muitas das vezes os trabalhos sobre politicas so mais voltados & critica dos documentos e projetos em curso do que as investigacées teéricas e empfricas sobre politicas de curriculo propriamente ditas. Nesse émbito, varios trabalhos criticos ao neoliberalismo, considerado como ideologia do mundo capitalista global, contribuem para produ- zir um interesse de pesquisa na politica curricular. Para isso, também compete uma compreensio da politica que valoriza sua dimensao formal: diretrizes e definigdes apresentadas em documentos assinados por instituigdes executivas e legislativas do Estado. Nesse sentido, a politica ¢ interpretada como um guia para a prética, seja para orientar de forma técnica como a pratica deve ser la, sea para orientar de forma critica como a pratica deve- ria ser para assumir determinadas finalidades de transformacao social. Com isso, e também em virtude de grande parte dos primeiros estudos sobre politicas curriculares serem de cunho estrutural, é pos- sivel identificar nesse dominio a mesma separacdo entre proposta € prética, curriculo formal e curriculo em agao, destacada no Capitulo 1 como uma das marcas do campo do Curriculo. Muitas investigagées focalizam as orientacdes apresentadas as escolas, visando a analisar sua pertinéncia para a prética, suas finalidades ou suas caracteristicas, Outras destacam como a pratica implementa ou nao essas orientagdes. Por vezes, também, tais orientagdes so compreendidas como produ- ges de governos ou do Estado, vinculadas ou nao as agéncias multi- laterais. Mais recentemente, contudo, vém se ampliando os estudos TEORIAS DE CURRICULO 235 que buscam superar tal separacao entre proposta e implementacao, bem como entre estrutura e agéncia, por meio de abordagens discur- sivas, na diregio do que ja foi apontado nos Capitulos 8, 9 ¢ 10. Neste capitulo, procuramos dar conta das principais questoes relativas a essas investigacdes, ressaltando alguns importantes autores que ganham destaque nos estudos realizados, particularmente na In- glaterra, pais onde esse campo tem desenvolvimento mais amplo. Iniciamos com uma breve apresentagio de algumas das principais concepgies de politica que norteiam os estudos em pauta, priorizando a forma como abordam a relacdo entre projeto e implementagao. Concepcies de politica e a separacdo entre projeto e implementacéo ‘A concepgao de politica como guia para a pratica se faz muito presente nos estudos politicos de cunho administrativo que dominam as investigacdes sobre politicas educacionais até os anos 1970. Nesses estudos, uma pesquisa em politica tem por finalidade produzir um conhecimento visando a melhorar a pratica pela intervengio adminis trativa. A sociedade capitalista 6 considerada como um dado a cabendo ao investigador compreender a politica do Estado capil sem questioné-lo. Essa perspectiva nao é grandemente modificada pelos estudos de andlise politica, apés os anos 1970. Tais estudos se detém na busca de solugdes para os problemas de implementacdo das politicas e, assim, permanecem baseados em uma separacao entre projeto e pritica. Os investigadores na perspectiva administrativa e na de andlise politica acabam atuando mais como uma comunidade epistémi seja, uma comunidade de especialistas numa dada 4rea de conheci- mento que atua, sobretudo, para produzir diagnésticos e apresentar icas, nao tendo como caracteristica teorizar sobre je como podem ser desenvolvidas as agies de contestagao as politicas em curso. 236 LOPES + MACEDO Apenas com os enfoques que situam a politica como ciéncia social que 0 foco da investigagao dirige-se a construgao teérica e ao enten- dimento de por que as politicas funcionam da maneira que funciona. Nesse sentido, as pesquisas nao sao realizadas para governos ou orgaos financiadores em geral, visando a resolver questdes especificas, mas dirigem-se aos pares da comunidade académica. A concepgao de po- litica comeca também a se apartar da visdo restrita as agbes dos 6rgaos ‘governamentais e a politica passa a ser encarada de forma processual, envolvendo negociacao, contestagao e uta, portanto, disputa por hegemonia. Tal perspectiva nao faz com que a concepgao de politica como ciéncia social afaste-se da prética e nao se preocupe com a solugao de problemas politico-sociais. Modifica-se, contudo, o entendimento de quem define a agenda desses problemas a serem enfrentados: se 08 administradores politicos e as demandas voltadas a eficiéncia do sis tema, ou se finalidades como a de justica social. Particularmente no enfoque critico da ciéncia social, a derar o desenvolvimento das capacidades humanas, da dignidade e da distribuigao equitativa de bens econémicos e sociais, desvelando desigualdades e injustigas.* Com o advento das teorias pés-estruturais, o enfoque critico vem sendo redefinido e as primeiras concepges das ciéncias sociais, mais influenciadas pelo marxismo, vao sendo substituidas ou matizadas pelos enfoques discursivos. O foco da hegemonia na investigacao politica permanece, porém a forma como a hegemonia é entendida se modifica: de uma construgao fundamentada na estrutura econémica, com Antonio Gramsci, para a decorréncia de uma articulagio que constrsi um discurso provis6rio e contingente, tal como analisado por Emesto Laclau. Modifica-se, também, a concepgao de poder, inicialmente por influéncia dos estudos de Michel Foucault e posteriormente pelos trabalhos do proprio Laclau. Enquanto os estudos estruturais valorizam, 1.OZGA, Jenny: noestigaio sobre polticas aluccionis, Porto: Porto, 2000.239p, ‘TEORIAS DE CURRICULO 237 a concepgao do poder centralizado como decorrente da estrutura eco- némica, os estudos pés-estruturais entendem 0 poder como difuso: nao hé um tinico centro de poder, mas relagbes de poder que se cons- tituem com miiltiplos centros formadores de uma microfisica. A ideia de uma relacao vertical de poder, em que dominante e dominado sao polos fixos e opostos, pode ser substituida pela concepgao de poderes obliquos, nos quais a definigao de um centro depende de uma relagdo politica definida contingencialmente, sem uma prefixagio anterior a0 pr6prio processo politico e sem assumir qualquer determinagao essen- cial e absoluta (ver Capitulo 9). Com isso, é grandemente modificada a relagdo entre politica e rética. Caso consideremos que existe um centro de poder primordial —as agéncias que controlam o fluxo internacional de capit do; 0 govern, em qualquer niv —, a politica tende a ser compre! centro. No caso da politica de curriculo, a pratica das escolas perma- nece situada fora do espaco de decisdo politica. Trata-se de um espaco de implementagao de orientagdes definidas por poderes externosa ela. Caso seja considerado que o poder é difuso e sem centro, com miiltiplos centros contextuais sendo produzidos, a pratica das escolas tende a ser considerada também como um centro decis6rio e de produgao de sentidos para a politica. A pratica deixa de ser considerada como 0 Outro da politica, mas passa a ser parte integrante de qualquer pro- cesso de produgao de politicas. Nas distingdes entre essas concepgies, mostra-se como decisiva a interpretagio conferida a estrutura. Nos estudos que assumem um, enfoque estrutural de cunho marxista, de forma geral é considerado ida como determinada por esse ica é um conjunto de decisdes determinadas, em ultima is relagdes econdmicas estruturadas pel ducao capitalista. Nesse caso, a funcao do Estado capi tir a acumulagdo de capital e sua continua expansao, bem como ga- rantir a legitimagao desse processo hegeménico, incluindo a agao do proprio Estado. Admite-se uma fragmentacao do poder econdmico na sociedade e essa fragmentacao expressa interesses divergentes e que

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