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1231 $38 Encontramos no modo de conhecimento estético DOIS COM- PONENTES INSEPARAVEIS. Primeiro 0 conhecimento do objeto n&o como coisa isolada, mas como IDEIA platénica, ou seja, como de si daquele que conhece, nio como individuo, mas como PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO DESTITU{DO DEVONTADE, cia. — Desses dois componentes do modo de conhecimento estético resulta também a SATISFACAO despertada pela consideragao do belo, e,na verdade, satisfagio mais em face de um ou de outro, conforme © objeto da contemplacio. // Todo QUERER nasce de uma necessidade, portanto de uma caréncia, ogo de um softimento.A satisfagio pBe um fim 20 softimento todavia, contra cada desejo satisfeito permanecem pelo menos dez qué ido o sio. Ademais,a nossa cobiga dura muito, as nossas exigéncias n’0 conhecem limites;a satisfagio, ao contratio, é breve e médica. Mesto 4 satisfagio final € apenas aparente: 0 desejo satisfeito logo dé lugar a novo: aquele é um erro conhecido, este um erro ainda desconhecick ‘Objeto algum alcangado pelo querer pode fornecer uma satisfag0 duradoura, sem fim, mas ela se assemelha sempre apenas a uma esmola_ 206 rapestereh atirada a0 mendigo, que torna sua vida menos miserivel hoje, para prolongar seu tormento amanh3. — Daf, portanto, deixar-se inferir 0 seguinte: pelo tempo em que o querer preenche a nossa consciéncia, pelo tempo em que estamos entregues 20 fmpeto dos desejos com suas, continuas esperangas ¢ temores, por conseguinte, pelo tempo em que somos sujeito do querer, jamais obtemos felicidade duradoura ou paz. E em esséncia é indiferente se perseguimos ou somos perseguidos, se tememos a desgraca ou almejamos © gozo: 0 cuidado pela Vontade sempre exigente, nfo importa em que figura, preenche e move cont nuamente a conscigncia, Sem tranquilidade, entretanto, nenhum bem- -estar verdadeiro & possivel. O sujeito do querer, consequentemente, esté sempre atado roda de fxion que nfo cessa de girar, est sempre enchendo os tonéis das Danaides, é 0 eternamente sedento Tantalo.! Quando, entretanto, uma ocasiio externa ou uma disposigio in- terna nos arranca subitamente da torrente sem fim do querer, libertando o conhecimento do servico escravo daVontade, ¢ a aten¢io nio ¢ mais direcionada aos motivos do querer, mas, a0 contrario, 3 apreensio das coisas livres de sua relago com aVontade, portanto sem interesse, sem subjetividade, considerando-as de maneira paramente objetiva,estando nés inteiramente entregues a elas, na medida em que sio simples re- presentagSes, no motivos;— entio aquela paz, sempre procurada antes pelo caminho do querer, e sempre fugidia, entra em cena de uma s6 vex por si mesma e tudo esti bem conosco. E 0 estado destitufdo de dor que Epicuro louvava como bem supremo e como o estado dos deuses. Pois, nesse instante, somos alforriados do desgracado impeto volitivo, estejamos 0 Sabbath? dos trabalhos foryados do querer,a roda de fxion cessa de girar. Semelhante estado é exatamente aquele descrito anteriormente // como exigido para o conhecimento da Ideia, como pura contemplacio, Re miclogia grega,fxon tentou se envolverafeivamente com Hera, espos de Zeus, © por este condenado a girar eternamente numa roda flamejante. Tatalo ‘esafiou a onisciéncia dos deuses, cozinhando o prépri filho e o servindo a eles; otém, detcoberta em seu embuate, foi condenado a sede ¢ forme eternas,no inferno ppendurado num galho e ventando sleangar a gua présima que sempre se afista, ou Comer fintos de galhos sempre levados pelo vento. As Danas, companheiras de inforcinio de fxion eTantalo, por terem assssinado 0s maridos, foram condenadas A encher d'igua tonéis sem findo, (NT) * “Sébado”, sétimo dia da semana reservado pelos judeus a0 descanso. (N.'T) ARTHUR SCHOPENHAUER © MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAGAO 207 1233 absorver-se na intuigdo, perder-se no objeto, esquecimento de toda individualidade, supressio do modo de conhecimento que segue 0 principio de razio e apreende apenas relagées, pelo que simultinea e inseparavelmente a coisa isolada intufda se eleva a Ideia de sua espé~ ie, € 0 individuo que conhece a puro sujeito do conhecer isento de Vontade, ambos, enquanto tais, nfo mais se encontrando na torrente do tempo ¢ de todas as outras relagSes. E indiferente se se vé 0 por do sol de uma prisio ou de um palicio. Disposigio interna e preponderancia do conhecimento sobre © querer podem introduzir-nos nesse estado em qualquer ambiente, Isso 0 mostram aqueles maravilhosos neerlandeses, que direcionavam sua intuigio puramente objetiva aos objetos mais insignificantes ¢ crigiam monumentos duradouros de sua objetividade e paz de espitito nas pinturas de NATUREZA-MORTA, que o espectador estético no pode considerar sem comogio, visto que aqui se presentifica 0 calmo ¢ seteno estado de espfrito do artista livre de Vontade, que era necessirio para intuir objetivamente tio insignificantes coisas, consideré-las tdo atenciosamente © depois repetir essa intuigio de maneira tio Iimpida. Na medida em que o quadro também exige a participagio do espectador em semelhante estado, a sua comogio muitas vezes é incrementada pela oposi¢io ‘com 0 estado pessoal inguieto, a constituicio mental irrequieta turvada pelo querer vee- ‘mente, na qual se encontra. No mesmo espirito, pintores de paisagem, em especial Ruisdael, frequentes vezes pintaram temas paisagisticos ‘extremamente insignificantes, e com isso produzicam 0 mesmo feito de maneira ainda mais aprazivel Efeito tio intenso é alcangado exclusivamente pela forga interna de uma mente artistica, Aquela disposi¢io mental puramente objetiva também seri favorecida ¢ fomentada exteriormente pela intuigio de objetos que predispdem a ela, pela exuberincia da bela natureza que nos convida a sua contemplacio ¢ até mesmo se nos imp6e.A natureza, 420 apresentar-se de um s6 golpe a0 nosso olhar, quase sempre consegue nos atrancar, embora apenas por instantes, 8 subjetividade, a escravidio do querer, colocando-nos no estado de puro conhecimento. Com isso, quem é atormentado por paixdes, on necessidades ¢ preocupagées, torna-se, mediante um nico ¢ livre olhar na natureza, subitamente aliviado, sereno, reconfortado. // A tempestade das paixdes, o impeto 208 desrénch dos desejos* e todos os tormentos do querer sio, de imediato, de uma maneira maravilhosa, acalmados, Pois no instante em que, libertos do querer, entregamo-nos a0 puro conhecimento destitufdo de Vontade, como que entramos nim outro mundo, onde tudo o que excita a nossa Vontade e, assim, tio veementemente nos abala, no mais existe, Tal ibertagio do conhecimento eleva-nos tio completamente sobre tudo {sso quanto 0 sono e o sono. Felicidade e infélicidade desaparecem, N3o somos mais individuo, este foi esquecido, mas puro sujeito do conheci- ‘mento, Existimos to somente como olho césmico UNO, que olha a partir de todo ser que conhece, porém s6 no homem tem a eapacidade de tornar-se tio inteitamente livre do servigo da Vontade, Nesse sen- tido, as diferengas de individualidade desaparecem tio completamente que é indiferente se 0 olho que vé pertence a um rei poderoso ou a ‘um mendigo miserivel. Pois felicidade e peniiria nao sio transportadas alm daqueles limites. Note-se 0 quo préximo de nés pode sempre se encontrar um dominio em que podemos nos furtar por completo A nossa pentirial Mas quem tem a forga para nele se manter por longo tempo? Assim que surge novamente na consciéncia uma relago com a vontade, com a nossa pessoa, precisamente dos objetos intuidos pu- ramente, 0 encanto chega a0 fim. Recaimos no conhecimento regido pelo principio de razio. Nao mais conhecemos a Ideia, mas a coisa isolada, elo de uma cadeia 4 qual nés mesmos pertencemos. De novo «estamos abandonados is nossas pentirias.~A maioria dos homens quase sempre se situa nesse ponto de vista, jd que Ihes falta por completo a objetividade, isto 6 a genialidade. Fis por que de bom grado nunca ficam sozinhos com a natureza; precisam de sociedade, ao menos de uum livro, Seu conhecer permanece servil & Vontade. Procuram, por conseguinte, s6 por aqueles objetos que tém alguma relago com 0 seu querer e, de tudo que nfo possua uma tal relaglo, ecoa em seu interior, semelhante a um baixo fundamental, um repetitive ¢ inconsolivel “de Sum der Laldenchaien (tempest das paixdes) ¢ Drang des Winches inpeto dos desejs), justamente termos que compéem nome do movimento atitico ultrarcominticealetnio, Siem wad Diag Schopenhauer tem agai em mente, sem dvia,a inguictaio romntica de seu periodo, cya obra exponenca oi Ossie neta do jven Werte, de Goethe, que, ila por ovens impettosos¢atormentados, mites vezes nfo cortespondidos smoresamente (como o personagem principal de romance), desencadeou urna onda de scion na Eusopa. (N.T) ARTHUR SCHOPENHAUER © NUNOO COMO VONTADE E REPRESENTAGKO 209 1234 1238 nada serve” Assim, na solido, até mesmo a mais bela cercania assume ppara eles un agpecto desolado, cinza, estranho, hostil. Essa bem-aventuranga do intuir destitufdo de vontade é por fim, // também 0 que espalha um encanto tio extraordinatio sobre o passado ¢ a distincia, expondo-os em luz exuberante por meio de uma antoilusio, pois, na medida em que tornamos presentes os perdidos dias pretéritos,longinquamente situados,na verdade a fantasia chama de volta apenas os objetos, nio o sujeito do querer, que outrora carregava consigo seus softimentos incuraveis, como 0 faz agora. Mas, tais softimentos foram esqicidos. Desde entio cederam frequentemente 0 seu lugar a ‘outros. Com iso, intuigdo objetiva fa efeito na recordagiio exatamente como faria a intuicio presente, no caso de ser possivel entregarmo-nos a esta livres do querer: Eis por que, sobretudo quando uma necessidade nos angustia mais do que 0 comum, a recordagio stibita de cenas do passado distante muitas vezes paira diante de nés como um paraiso perdido. Apenas 0 objetivo, no o individual-subjetivo, é chamado de volta pela fantasia, figurando diante de nés aquele objetivo como se, outrora, fosse tio puro e t4o pouco turvado por qualquer relagdo com a vontade como o € agora a sua imagem na fantasia ~ ombora antes a relagio dos objetos com © nosso querer provocasse tanto tormento quanto agora, Podemos furtar-nos ao soffimento"seja pelos objetos presentes, seja pelos objetos longinquos, desde que nos elevemos & pura consideracio objetiva dos mesmos e consigamos criar a ilusio de que somente os objetos esto presentes, nfo nés. O resultado é que, libertos do si-mesmo sofiedor, tornamo-nos, como sujeito do conhecer, inteiramente unos com os objetos; ¢, assim como nossa necessidade hes é estranha, assim também, nesse instante, semelhante necessidade é estranha a nés mesmos. Resta apenas o mundo como tepresentagio; © mundo como Vontade desapareceu. Por meio de todas essas consideragdes espero ter tornado claro de que espécie e envergadura é a participagio que possui a condigio subjetiva da satisfacdo estética, ou seja, a libertagio do conhecer a servigo da vontade, o esquecimento de si-mesmo como individuo a elevagio da consciéncia a0 puro sujeito do conhecer, atemporal € destituido de vontade, independente de todas as relagSes. Ora, junto com esse lado subjetivo da contemplagio estética sempre entra em cena simultaneamente, como // cortelato necessério, 0 seu lado objetivo, 210 suesrenca a apreensto intwitiva da Ideia platénica. Antes, porém, de pasarmos 4 consideragio mais detathada desse lado objetivo ¢ das realizagdes da arte a cle relacionadas, é aconselhivel nos determos naquele lado subjetivo da satisfagio estética ¢ coroarmos a sua consideragio com a cexplicitagio da impressio do SUBLIME, jé que este depende por inteixo da condigio subjetiva da impressio estética, e nasce por meio de uma modificagio dela. Depois consideraremos o lado objetivo, com 0 que seri completada toda a presente investigagio. Entrementes, cabe ainda esta observagio referente ao que foi dito até agora.A luz 6 0 mais aprazivel das coisas. Ela se tornou simbolo de tudo o que é bom e salutar. Em todas as religides ela indica a salvagio eterna, enquanto a escuridio indica a danagio, Ormuzd mora na mais pura luz, Abriman na noite eterna. O paraiso de Dante assume as aparéncias de Vauxhall em Londres, visto que todos os espiritos bem- -aventurados aparecem em pontos de luz, reunidos em figuras regulares.. A auséncia de luz nos torna imediatamente tristes;seu retorno, alegres. As cores despertam de imediato um prazer vivaz e, caso sejam trans- parentes, atinge o gran supremo. Tado isso provém exclusivamente do fato de a luz ser 0 correlato e a condigéo do modo de conhecimento intuitivo mais perfeito,o (nico que nio afeta imediatamente a vontade. Pois, diferentemente das afecges dos outros sentidos, a visio, em si, imediatamente ¢ por meio de seu efeito sensivel, nio é capaz do agea~ divel ou desagradavel da SENSAGAO no érgio. Noutros termos, niio tem ligago imediata alguma com a vontade. S6 a intuigio originada no entendimento pode ter tal ligagdo, que, dessa maneira, encontra-se na relagio do objeto com a vontade, Ji na audigio se dé algo comple- tamente diferente. Tons podem provocar dores imediatamente e, sem referéncia a harmonia ou 4 melodia, podem ser também de imediato sensualmente agradiveis. O tato, enquanto uno com o sentimento do Corpo inteiro,esté ainda mais submetido a esse influxo imediato sobre a vontade, embora também haja tato destitufdo de dor ou agrado. O odor, entretanto, é // sempre agradével ou desagradivel;o paladar ainda mais. Portanto, esses dois tiltimos sentidos so 0s mais intimamente ligados & vontade. Bis por que sempre foram chamados de sentidos menos nobres «por Kant, de sentidos subjetivos. Por conseguinte,a alegria proveniente da huz € de fato apenas a alegria derivada da possibilidade objetiva do modo de conhecimento intuitive mais puro ¢ perfeito. Nesse sentido, ARTHUR SCHOPENHAUER © MUNDO CONO VONTADE E REPRESENTAGKO an

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