INSCIENCIA DE OQ HOMEM E A NATUREZA ADQUIRINDO C SI PROPRIA! 4 alguns anos, apds ter escrito apés ter escrito as iiltimas linhas de uma vasta obra, a Nouvelle géographic universelle, eu expressava 0 desejo de um dia poder estudar o homem na sucessio das idades, da mesma maneira como o observera nas diversas regides do globo, e estabelecer as conclusdes sociolégicas as quais fora conduzido. Concebi o plano de um novo livro, em que seriam explicitadas as condigdes do solo, do clima, de todos os ambientes nos quais aconteceram os fatos da histéria; em que se mostraria a harmonia dos homens e da Terra; em que as condutas dos povos se explicariam, da causa ao efeito, por sua consonincia com a evolugao do planeta. Tal livro € 0 que apresento ao leitor. Logicamente, eu sabia de antem&o que nenhuma pesquisa me faria descobrir essa lei de um progresso humano, cuja miragem sedutora se agita, sem cessar, em nosso horizonte, se afasta de nds e se dissipa, para voltar a se formar de novo. Surgidos como um ponto no infinito do espago, nada conhecendo sobre nossas origens nem nossos destinos, ignorando até se pertencemos a uma tinica espécie animal ou se varias humanidades nasceram sucessivamente para se extinguir e ressurgir novamente, nds estariamos pouco & vontade para formular regras de evolugo ao desconhecido, para combater 0 nevoeiro, na esperanga de Ihe dar uma forma precisa e definitiva. Nao. Mas, nessa avenida dos séculos que os achados dos arquedlogos prolongam constantemente naquilo que foi a noite do passado, podemos ao menos reconhecer o lago intimo que liga a sucesso dos fatos humanos 4 agdo das forsas teltiricas: énos permitido seguir, no tempo, cada periodo da vida dos povos correspondente a mudanga dos meios, observar a aco combinada da natureza e do proprio homem, reagindo sobre a Terra que o formou. A emog&o que se tem ao contemplar todas as paisagens do planeta na sua variedade sem fim ¢ na harmonia que thes di a agdo das forgas étnicas, sempre em movimento, essa propria suavidade das coisas, nds as sentimos ao ver a procissto dos homens sob suas vestes de opuléncia ou de infortinio, mas todos igualmente em estado de vibragao harménica com a Terra, que os carrega e os sustenta, 0 céu que os ilumina e os associa as cnergias do cosmo. E, da mesma forma que a superficie das regides nos apresenta, continuamente, sitios de beleza que admiramos com todo o poder do nosso ser, 0 decurso da Histéria nos mostra, na sucessio dos fatos, cenas incriveis de grandeza, cujo estudo € conhecimento sé nos enobrece. A geografia historica concentra, em dramas incomparaveis, em realizagdes espléndidas, tudo aquilo que a imaginacao pode evocar. Em nossa época de crise aguda, em que a sociedade se concentra tio profundamente abalada, em que 0 remoinho da evolugao se torna to rapido que o homem, tomado de vertigem, procura um novo pouto de apoio para a diregio de sua vida , 0 estudo da Histéria 4 tanto mais interessante quanto mais o seu dominio, cada vez mais amplo, oferece uam série de exemplos mais ricos e mais variados. A sucessio das idades se toma, " RECLUS, Elisée — publicado em :ANDRADE, Manuel Correia de (org) - Geografia — Colecdo Grandes Cientistas Sociais, w° 49, Ed. Atica, S30 Paulo, 1985para nés uma grande escola, cujos ensinamentos se ordenam diante de nosso espirito e acabam até por se agruparem em leis fundamentais. A primeira categoria de acontecimentos que o (itoriador constata nos mostra como, pelo efeito de um desigual desenvolvimento nos inc:\ iduos e nas sociedades, todas as coletividades humanas, com exce¢ao dos povos que permaneceram no naturismo primitivo, se desdobram, por assim dizer, em classes ou castas, n&o apenas diferentes, mas também opostas em interesses e em tendéncias, até mesmo francamente inimigas em todos os periodos de crise. Tal é, sob mil formas, 6 conjunto de fatos que se observa em todas as regiGes do universo, com a infinita diversidade que determinam os sitios, os climas ¢ 0 dédalo cada vez mais intrincado dos acontecimentos. O segundo fato coletivo, conseqtiéncia necessiria do desdobramento dos corpos sociais, € que 0 equilfbrio rompido de individuo a individuo, de classe a classe, oscila constantemente em toro de seu eixo de repouso: a violacdo da justica sempre clama vinganga. Dai, incessantes oscilagdes.Aqueles que comandam procuram permanecer como chefes, enquanto os que os servem fazem esforgos para reconquistar a liberdade e em seguida, arrastados pela energia de seu élan, tentam reconstituir 0 poder em proveito Proprio. Assim se sucedem as guerras civis, complicadas com guerras estrangeiras, massacres ¢ destruigSes, numa confusdo continua, finalizando diversamente, de acordo com © impulso respectivo dos elementos em luta, Ou entio os oprimidos se submetem, tendo esgotado sua forca de resisténcia: morrem lentamente e se extinguem, no tendo mais a iniciativa que faz a vida; ou entao ¢ a reivindicagao dos homens livres que os conduz, e no$ caos dos acontecimentos pode-se discemir verdadeiras revolugées, isto é mudangas de Tegime politico, econdmico e social, devidas & compreenso mais clara das condigdes do meio ea energia das iniciativas individuais. O terceiro grupo de fatos, relativos ao estudo do homem em todas as idades egides, nos confirma que qualquer evolugao na existéncia dos povos sé pode ser criada pelo esforgo individual. E na pessoa humana, elemento primério da sociedade, que é Preciso procurar 0 choque impulsivo do meio, destinado a se traduzir em acdes voluntarias para difundir as idéias ¢ participar nas obras que modificar8o o feitio das nacdes. O equilibrio das sociedades s6 é instavel por causa do disturbio imposto aos individuos em sua franca expansto. A sociedade livre se estabelece pela liberdade aleancada, no seu desenvolvimento completo, a cada pessoa humana, primeira célula fundamental, que se agrega em seguida e se associa, como Ihe agrada, as outras células da mutvel humanidade. E na proporgao direta dessa liberdade ¢ desse desenvolvimento inicial do individuo que as sociedades ganham em valor € nobreza: ¢ do homem que nasce a vontade criadora que constréi e reconstréi o mundo. A ‘luta de classes’, a procura do equilibrio e a decisio soberana do individuo, {ais sdo as trés ordens de fatos que nos revela 0 estudo da geografia social e que, no caos das coisas, se mostram bastante constantes para que se possa dar-lhes o nome de ‘leis’. Ja é muito conhecé-las ¢ poder dirigir, segundo elas, sua propria conduta e sua parte de aco na geréncia comum da sociedade, em harmonia com as influéncias do meio, conhecidas e analisadas a seguir. E a observacao da Terra que nos explica os acontecimentos da Historia, € esta nos leva, por sua vez, a um estudo mais aprofundado do planeta, a uma solidariedade Mais consciente do nosso individuo, ao mesmo tempo tio pequeno e tio grande, como 0 imenso universo.