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Politica exterior e desenvolvimento (1951-1964): o nacionalismo e politica externa independente Paulo G. Fagundes Vizentini* A década compreendida entre 0 suicidio de Getilio Vargas e o golpe de 1964 constitui, sob mtiltiplos aspectos, um perfodo crucial na histéria do Brasil contemporaneo, Um dos aspectos mais relevantes desta fase foi a politica exterior. Sua compreensio global, entretanto, implica a necessidade de incluir 0 segundo governo Vargas (1951-1954) na andlise deste perfodo!, A politica externa brasileira entre 1951 ¢ 1964 apresentou caracte- risticas novas, que a diferenciavam das fases anteriores. Apesar das dife- rengas existentes entre 0 nacional-desenvolvimentismo populista de Getiilio Vargas, 0 desenvolvimentismo associado de Juscelino Kubitschek de Oli- veira, ¢ a Politica Externa Independente de Jénio Quadros e Joao Goulart, bem como das particularidades que marcaram o contexto histérico de cada uma, esses projetos possuem acentuados tragos em comum e apresentam uma continuidade. Ainda que caracterizada por certas ambigilidades e interrompidas por um hiato apés o suicfdio de Vargas, a politica externa desses trés perfodos apresenta um aprofundamento continuo, que atinge sua forma superior com a Polftica Externa Independente (PEI). Embora apresentada inicialmente apenas como tentativa de realizar uma diplomacia mais auténoma perante os Estados Unidos apés as decepgdes geradas durante 0 governo Dutra (quando se esperava uma relagéo privilegiada com esse pafs como decorréncia da colaboragao durante a Segunda Guerra Mundial ¢ infcio da Guerra Fria), essa linha politica possufa rafzes mais distantes. Entre 1930 ¢ 1945, Vargas j4 havia procurado tansformar a politica exterior num instrumento de apoio ao desenvolvimento econémico. Durante a primeira metade do século XX, a politica externa brasileira leve como tendéncia predominante a inserg’o do pafs no contexto hemis- férico, onde 0 eixo principal era a relag3o com os Estados Unidos. Nao se trata apenas da dependéncia perante os EUA, mas no fato de o Brasil centrar sua politica externa no estreitamento das relagdes com Washington, * Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) | © presente texto € uma sintese da minha tese de doutorado Da barganha nacionalista & Politica Externa Independente, 1951-1964: uma politica exterior para o desenvolvimento, que se encontra no prelo. 99 dentro da perspectiva da “alianga nfo escrita”, concebida durante a ges- tao Rio Branco. A dependéncia, enquanto tal, prosseguiu depois desta fase, mas a tOnica nfo era mais essencialmente a busca de uma aproxima- go privilegiada com os Estados Unidos. ‘Ao longo desta fase, houve momentos de busca de uma relativa “autonomia na dependéncia” ou de barganha para a defesa de certos interesses brasileiros, como durante a gestéo Rio Branco e 0 primeiro go- verno Vargas. O restante da Reptblica Velha (1912-1930) e o mandato do presidente Dutra (1946-1951) caracterizam-se, em oposigao, por uma de- pendéncia relativamente passiva diante dos EUA. Entretanto, 0 perfodo 1930-1945 pautou-se por uma temtativa consciente de tirar proveito da conjuntura internacional ¢ da redefini¢Zo da economia brasileira, por in- termédio da utilizagio da politica externa como instrumento estratégico para lograr a industrializagao do pais. & necessério ressaltar, entretanto, que 0 estégio embriondrio do desenvolvimento brasileiro ¢ as escassas possibilidades oferecidas pelo contexto internacional, a longo ¢ médio pra- zos, limitaram o alcance desta inovagao varguista. A diplomacia pendular do Brasil, entre Washington e Berlim, buscava, em esséncia, reativar a velha “alianga privilegiada” com os EUA, inovando-a com outras formas de cooperago econdmica. Em suma, Vargas ensaiava uma nova politica externa em uma situacio ainda dominada por velhas estruturas de alcance regional. ‘A derrubada do ditador estadonovista € o cardter da politica exter- na do governo Dutra evidenciaram esses elementos acima apontados ¢ a tendéncia a formas mais ou menos passivas de uma acomodayio submissa aos Estados Unidos ainda se fariam sentir entre 1951 ¢ 1964, Sem embargo, a volta de Vargas ao poder vai significar uma importante mudanga. & inegavel que ainda iria persistir em larga medida a ilusdo de que o Brasil poderia, por meio de uma barganha nacionalista, voltar a lograr estabelecer vinculos privilegiados com os EUA; isto até o final do governo Kubits- chek. Mas a situago nos anos 50 era diferente. O desenvolvimento eco- némico ¢ a progressiva afirmagdo de um novo perfil sécio-politico da so- ciedade brasileira, impunham novas demandas & politica exterior. ‘A década de 1950 abria-se com o incremento da urbanizagio ¢ da industrializagao, a afirmago de uma burguesia industrial, de segmentos médios urbanos, de uma jovem classe operéria ¢ outros trabalhadores 2 MOURA, Gerson. Autonomia na Dependéncia: a politica externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 100 urbanos ¢ rurais. O sistema politico tinha de responder a crescente partici- pagdo popular, enquanto as contradigdes da sociedade brasileira consti- tuiam um terreno fértil para conflitos sociais. Assim, Vargas viu-se na contingéncia de retomar o projeto de desenvolvimento industrial por subs- tituigdo de importagées, incrementando a inddstria de base. O setor externo da economia possuia, nesse quadro, um papel fundamental, A obtengao de capitais tecnologia s6 poderia ser lograda incrementando-se a coope- ragdo econdmica com a poténcia entéo hegemdnica do mundo capitalista, 08 Estados Unidos. No quadro da Guerra Fria, entretanto, 0 espaco de manobra era muito limitado para atrair a atencdo americana, visando su- plantar 0 “descaso” de Washington para com a América Latina, ¢, em particular, para com o Brasil. S nesse quadro que Vargas procura implementar uma barganha nacionalista, que consistia em apoiar os EUA no plano politico-estratégico da Guerra Fria, em troca de ajuda ao desenvolvimento econémico brasi- leiro.? Esta politica, a0 mesmo tempo, fortaleceria a posig&o intema do governo, granjeando-Ihe apoio de diferentes forgas politicas. As contradi- des internas cada vez mais pronunciadas © os magros resultados obtidos no plano externo atingiram um ponto grave a partir de 1953, com a eleigdo do republicano Eisenhower. Neste momento, Vargas viu-se na contin- géncia de aprofundar sua barganha diplomatica, visando reverter um qua- dro crescentemente adverso. O problema, entretanto, cra que o cenério in- ternacional nfo oferecia suficientes alternativas, pois os paises socialistas ainda eram considerados “inimigos”, a Europa ocidental ¢ o Japio mal conclufam a reconstrugéo econémica, enquanto o Terceiro Mundo recém despertara como realidade politica, devido ao embriondrio estdgio da des- colonizagéo. A América Latina, por seu turno, encontrava-se sob forte pressdo dos BUA, além de politicamente bastante dividida. De qualquer forma, Vargas procurou tirar proveito. dos limitados espagos, além de tentar criar outros. Entretanto, mesmo esse esbogo de multilateralizacéo, que visava mais barganha com os Estados Unidos do que a uma nova forma de insergo no plano mundial, viu-se obstaculizado pelos acirrados conflitos internos, nos quais a oposigao articulava-se diretamente com Washington, isolando o governo e levando 0 presidente ao suicfdio em 1954. A derrubada do governo Vargas ¢ a reac conservadora que se seguiu, tanto no plano interno como, sobretudo, extemo, evidenciaram que @ barganha nacionalista havia se tornado uma politica incémoda para o Statu quo internacional hegemonizado pelos Estados Unidos. A tentativa ° HIRST, Ménica. O pragmatismo impossivel: a politica externa do Segundo Governo Vargas 1951-1954. Rio de Janeiro: CPDOC-FGH, 1980 (mimeo) 101

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