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a 1, pp 93104, 1980 TEMA DE ACTUALIZAGKO O que é a ansiedade? POR ADRIANO S. VAZ SERRA* Na reviséo sobre ansiedade que a seguir se apresenta tentamos chamar a atengio para os sepuintes pontos — a ansiedade, como conceito, tem sido empregada nas mais variadas acepgées, quer em funcio das condigées antecedentes que evocam, quer como agente causal, forga motieadora de wn comiportamento especfco, srazo de personalidade, impulso ou resposta.emocional; — presente em mumerosas situagées psiquidtricas, o seu papel primordial salienta-se, porém, nos trans- tornos neuréticos; —constinai wm conjunto complexo de emozées, formadio pela emogiio dominante do medo, i qual se associam outras, entre as quais a culpabilidade, a amargura, a vergonha ¢ o interesse-excitagt — como a emogéo dominante ¢ 0 medo sto abordadas as causas da sua génese, referindo-se os seus determinantes inatos ¢ adguirides. Aqueles, explicam-nos a universalidade das respostas de certos medos. Estes iltimos, Teoam-nos a compreender a formagio, nas pessoas, de medos especificos; —as fazer-se a andlise da resposta de ansiedade, procura diferenciar-se 0 que se deve do que no se deve tratar, dé-se realce aos diversos componente: dessa resposta (cognitiva, vegetativo e motor) & ao modo pelo qual se gera e igualmente se perpetua; —sio ainda estabelecidos ot dois grandes objectioos da recuperagéo terapeutica: promover a desacti- apd fisiolégica do individuo em relagdo com as situagées ansidgenas e fazt-lo enfrentar estas situaces em condigées de ndo-ansiedade, de forma a impedir as respostas de fuga e de evitamento que constituem, afial, @ sua imvalidagao, © que é a ansiedade? A ansiedade & um termo tio divalgado que faz parte da linguagem comum, onde € empregado nas mais variadas acepgdes. Segundo 0s especialistas 0 seu uso na lingua pormaguesa foi pouco frequente antes da 2.*metade do século xx*. Em tempos to recusdes como © século xitt a5 palavras afan © cayta € coytado so consideradas seus sinénimas ¢. No século xv os termos angustura e pressa ? ¢, no século XVI, a palavra esirita, parece terem-se revestide de ‘idéntico significado *. ‘No dicciondrio conceituade de Cindido de Figueiredo a aniedade & definida como ‘angistia’, “ansia’,incertezaafitiva’ ou ainda ‘desejo ardente’ ‘A mesma obra, por sua vez, quendo se refere & * Professor de Psiquiatria da F.M. C. ¢ Director da Clinica Psiquidtrica dos H. U.C. angiistia menciona-a como “estreiteza’, ‘aperto do coracio’, ‘aflicdo’ e “agonia’. ‘No presente artigo os termos ansiedade e angistia sao utilizados no mesmo sentido, admi- tindo que aquela se refere mais 20 componente cognitive ¢ esta mais 20 componente vegetativo do mesmo construto. INa giria corrente as pessoas utilizam 0 termo ansiedade com os mais variados propésitos. ‘Assim, jé temos ouvido individuos referirem {que estio ansiosos por acabarem dado livro policial ou irem ver determinado filme. Hé alunos que ficam muito ansiosos quando tém exames para fazet. Hé seres humanos que sentem grande ansiedade quando ttm de andar num clevador © preferem, por isso, utilizar uma escadaria, ‘mesmo que tenham de subir muitos tancos. 9 Abie 8. HE pessoss que sentem ansiedade quando se sentem rejeimadas, sfo submetidas a critica ou efectuam uma tarefa que consideram importante. Hé individuos que mudam de passeio porque ficam ansiosos por avistarem 20 longe alguém com quem sndam de relagtes tensas. Ne prética clinica psiquiétrica temos encon- trado enfermos que lavam demorada ¢ frequente- mente as mos ou outras regiBes do corpo, que sfirmam ficarem muito ansiosos se tal no fizerem quando alguma coisa os ‘Na vida quotidiasa € facil recordarmos certs pessoas que, no seu convivio, parecem sautén- teas pilhes de nervoss, sendo assim por natureza. Sensiveis a pressties psicaldgices do meio ambiente, estas constituem ameagas potenciais de uma possivel. descompensacio, ‘Em literatura ow em psicologia @ ansiedade pode ser valotizada como tuma emogo. Em termos laboratoriais tem havido autores que preférem consideré-la como um impulso * ou uma simples resposta emocional, Estes aspectos revelam que o mesmo concsito € considerado segundo formas muito diferentes. alguns casos como forga propulsora de determinado comportamento; outros, como res- posta emocional desencadeada por certos esti toulvs; noutros, como um impulso desagregador de um comportamento adequado; noutros, como 1um trago de personalidade bisica e, noutros ainda, oma uma simples emogdo, * Os exemplos citados revelam-nos que a ansie~ dade invade tanto 0 terreno do mormald como 0 do spatol6gicor, havendo os que procuram valo- rizar o que herdadave outros #0 que € adquiridos A ansiedade na prética clinica Os trantornos mediados pela ansiedade sto extremamente frequentes. Qualquer que seja a especialidade a que um clinico se dedique nela encontra situagSes em que a ansiedade desempenha um papel prepon- erase ‘Meltzer (1974), por exemplo, reftre que ta maioria dos “doentes que consultam um médico, devido a sintomas relaciovados com 0 coral, de facto ndo tem uma doenga cardiaca corginica, Hm vez disso sofrem de manifestagbes cardiacas de ansiedades. McDonald e Bouchier (1980), ao observarem cem doentes consecutives, com. quelsas gustro- intestinais, verificaram que 28 tina uma deenga psiguidtrica marcada, associada ou nifo a deenga vex Sines fisica, Notaram que entre estes, 08 tragos de satureza obsessiva etam mais notitios ¢, das sinuagSes psiquiftricas que predispunham 2 este tipo de perturbagdes, 0s distirbios de natureza emocional, usualmente designados por «mervoss oa edepressdos, ocupavam um lugar preponde- rante. Estudos de ptocedéncia diferente (Cooper e Morgan, 1973; Gardiner et al 1974; Marks et 4h, 1979 © Robertson, 1979) tém revelado dois factos importantes. Um deles, 0 da frequéncia ‘aotivel dos transtornos mediados pela ansiedade, tanto na populaglo em geral, como nos enfermos que acorrem ao clinico geral. Outro, a da iden- ‘lcapio incorrecta, pelo clinico nBo-psiquiatra, do enférmo com transtornos psiquiétricos. Factores como os anos de prética, a variabili- dade de casos observadas, 0 intesesse geral pelos problemas de psiquiatria, certas caracteristicas da personalidade do médico eo estilo da entrevista clinica sfo algumas das circunstincias de que se fem mostrado dependente a boa ou mé identi- ficago dos casos psiquidtricos (Marks et al., 1979; Robertson, 1979). © doente ansioso usualmente € ficil de detectar. Durante a entrevista com 0 miédico mostra-se inquieto, custa-the 0 scontacto dos olhos> com as outras pessoas, debita as palavras com uma frequéncia répida, sai-Ihe por vezes a voz num tom mais alto. Queixa-se de que a boca esta seca ou de que sente com frequéncia 9 corpo a tremer ¢ as mios frias ¢ hnimidas, § comum seferir que © coragio the vcostume bater depressa demaisy. Olhando-se para ele nota-se que @ sua sespiragdo € répida ¢ acompanhada, nalguns casos, de uma inepiragio dificil. Pode mencionar ainda tonturas, dores de cabega ou vémitos em citcuns- ‘incias sem que esté mais nervosoe. A familia telata ¢ ele reconhece que anda mais frritivel, que facilmente se aborrece © que traz 4 mente cheia de pensamentos de perigo, ou de outra natureza, que ndo se adequam & realidade € 0 fazem sofrer terrivelmente. Torna-se mais sensivel 20s sinais de ameaga. Custa-the cumpric com a sua vida rotineira, porque ficou mais bil as minimas presses psicolégicas e Ibe cust suportar os ruidos do meio ambiente Conforme as dreas especificas a que se encontra sensibiizado, por vezes sente-se corar ou 9 sgeguejar impiedasamente em situagdes sociais em que gostaria de se sair bem. Noutras alturas, pperante tarefas importantes em que descjaris Jembrar-se de certa matéria, dé-lhe a impressio de que studo se the varre da memérian Noutros casos, em sitios confinados, como um autocarro, 0 metropolitano, um avido ou uma simples sala cheia de gente, comesa de repente a sentir-se aflito, a ansiedade a crescer, 0 panico f atingi-lo, nota uma auténtica etempestade vege tativar dentro de si e sO deseja sair (o que nem * sempre € possivel) do local onde esti. Se nfo consegue sair ov, por qualquer mocio, acalmax-se; © panico acentua-se, agita-se, grita ou toma ati- tudes que levam os outros a sentirem-se na obrigagio de prestar ajuda, f entto levado, algamas vezes com grande aparato, a um posto de urgtncias médicas ou a alguém que the possa valer. As circunstincias em que tal ocorre fice mareadas por muito tempo na sua recordacto. Conforme foi reftrido, 0 sbater demasiado do coragioy torna-se uma queixa frequente. To usual que um dos primeiros médicos americanos ‘gue estudow estas situagSes, as denominou de scoraglo irritivels, vindo mais tarde a receber © nome do seu autor © a ser conhecido por #Sin- roma da Costas, em homenagem a Jacob Mendes da Costa que, em 1871, chamou a stengdo para estes casos (Nemiah, 1975). Num individuo com um estado de ansiedade © coragio altera facilmente o seu fancionamento, Além de uma taquicerdia leve ou moderads, inconstante, pode ocorrer uma pequena depressd0 na jungio S-T e uma inversio das ondas T (Schweitzer © Adams, 1979). E frequente o individuo ansioso preocupar-se com 0 coraglo. Muitas vezes adquire 0 costume de palpar o pulso ou de levat a mao 4 regifo pré-cordial, para saber ecomo 0 coragio esté a wabalhan. “Tais manobras, em luger de o apazi- ‘guar, inquietam-no mais ¢, algumas vezes, @ frequéncia cardiaca acentua-se tanto que 0 cenfermo teme que aquele érgfo ihe vé rebentar, Os estados de ansiedade sto frequentes Tnvestigagées realizadas a nivel da populagio em geral ttm revelado uma prevaléncia que oscila entre 3.5% (Tyrer, 1979) até uma taxa Hio alta como 31% (revisio de Schweitzer e Adams, 1979). Admire-se, porém, que cerca de 3/4 dos enfermos com ansiedade patolégica nunca so observados por um psiquiatra, 0 que pode ser um indicativo do éxito conseguido com ‘medidas simples de intervenglo terapéutica ou da sua propria evolugio favorivel. No entanto, fem casos mais graves, que carecem de interna: ‘ert gsiguidtrico, em-se observado a sua recaida com frequéneia, quando tm de enfrentar de novo a comunidade onde vive (Kerr er. al, 1974) 0 ue & a alate? A percentagem de individuos do sexo feminino, com estas alteragdes, costuma ser das vezes superior & do outro sexo. ‘A nivel das consultas de um clinico geral os transtornos mediados pela ansiedade surgem com uma prevaléncia que, consoante os autores, se encontra entre 10-20% (Schweitzer © Adams, 1979). Constituem, por isso, das situagSes psi- ‘guidticas mais comuns com que este tipo de clinico tem de aprender a lidar. Além disso, segundo os autores referidos, 0 tempo que con- somem a0 médico, pela aenlo que € solictado 4 prestar ao enfermo ejou aos seus familiares, € bastante maior do que o que precisa de dediear as outras situagées de rotina, A ansiedade no contexto psiquidtrico ‘Num estudo pormenosizado de Henri By (1950), relativo 8 ansiedade mérbida, 0 autor menciona que 0 conceito de ansiedade € de introduglo recente na semiologia psiquidtrica. Refere que, ‘no século x1, 0 termo € pouco usado, preferindo os autores designar as situag6es que actualmente se denominam por ansiosas, como correspondendo a um estado de fobia, d medo, de pantofebia ou de panofobia (H. Ey, pp. 387-388). © mesmo cientista salienta ainda que foi Lalanne (1902) um dos primeiros autores do presente século que claramente valorizou a ansiedade como uma manifestaglo frequente nas neuroses © nas psicoses. Porém, assinala que ja anteriormente Morel, em 1866, chamara a atengio para 0 lado emorivo de grande mimero de quadros linicos psiquidtricos, no qual 2 ansiedade estava implicita ‘Mais acrescenta Henri Ey que, durante bas- tante tempo e para muitos clentistas, os termos ansiedade, angiistia e medo tiveram um significado idémtica,’ Isto _passou-se com investigadores antigos ‘e, de forma particular, com Darwin, ‘Mosso, Mac Dougall e Ribot que, nos seus estudos sobre as emog6es, munca se referiram nem a angistia nem a ansiedade mas apenas a medo. Gradvalmente, porém, um certo aimero de psiguiatras e de psicélogos, foram tentando dife- renciar a ansiedade do medo. Assim, em sintese, passou-se a mencionar que o medo consiste numa sreacglo de defesa... frente a um abjecto presenter, enquanto que a angistia ou ansiedade epréfiguea nna Sua estrutura tm perigo a vir e, por isso mesmo, mais vago, incerto, misterioso e lancinantes GH. Ey, pg. 382).

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