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A NOCAO DE SITUACAO COLO: Georges Balandier Tradugao de Nicolas Nyimi Campanario Revisao de Paula Montero O problema colonial!, sejam quais fo- rem as aparéncias, continua se impondo a nos- sa atengdo como uma das questées mais im- portantes sobre a qual os especialistas das cigncias sociais tém que se pronunciar. O crescimento de novos nacionalismos ¢ as rea- Ges induzidas pela descolonizagao proporcio- nam a este problema uma acuidade e uma atualidade que nao toleram a indiferenga. As pesquisas antropolégicas consagra- das aos fendmenos de mudanga social pouco trataram da situagdo colonial enquanto uma conjuntura particular, que impée uma certa orientagio aos agentes e processos de trans- formagio. Elas consideraram esses processos separadamente — por exemplo, sob a forma da intervencdo da economia monetaria ¢ do assa- lariado, da difustio do ensino moderno, da ago da evangelizagio, etc.; mas elas nao os consideraram como constituindo um todo ¢ como preparadores da edificagéio de uma soci- edade auténoma e nova. Estes trabalhos, em sua maioria, foram organizados segundo duas orientagdes: ou eles tendem a abordar proble- mas tedricos que concernem a propria natureza da realidade cultural, sua receptividade as in- fluéncias culturais estrangeiras, suas vicissitu- des; ou visam resultados “praticos”, obtidos através de pesquisas de pequena abrangéncia, 1 Este & 0 primeiro capitulo do livro de Georges Balandier, Sociologie Actuelle de 1" Afrique Noire. Dinamique Sociale en Afrique Centrale, Patis, PUP, 1963, 2a. ed.. A primeira edigao é de 1955. contentando-se freqiientemente com um em- pirismo cémodo. Qualquer estudo concreto das socieda- des afetadas pela colonizagao que procure uma apreensio completa sé pode realizar-se, no entanto, através da referéncia a este complexo qualificado de situagao colonial. Ao aprofun- dar a anilise desta iiltima, ao determinar as suas caracteristicas de acordo com o local da pesquisa, ao examinar 0s movimentos que ten- dem & sua negagao, se torna possivel interpre- tar e classificar os fendmenos observados. Esse reconhecimento da situagSo que resulta das relagbes entre “sociedade colonial” “sociedade colonizada” requer do socidlogo um continuo esforgo critico, colocando-o em guarda contra os riscos de uma observagio excessivamente unilateral. O exame dos pro- blemas da atualidade nao deixa de ser afetado pelas “reservas” do observador ou pela sua prépria atitude em relagio a eles; o que tam- bém acontece com relagio aos novos Estados, confrontados com a tarefa da. descolonizagao. Tais observagdes explicam a importincia que atribuimos, logo de inicio, a teoria da situagio colonial. Entre os primeiros trabalhos realiza- dos na Franga, somente os de O. Mannoni de- ram atengio suficiente a esta nogo?, mas eles permanecem essencialmente num plano psico- légico e psicoanalitico. Este autor admite alids, que reteve propositadamente um aspecto até ent%o pouco percebido. Quanto A nds, 2 0. Mannoni, Psycologie de la Colonisation, Paris, 1950. Cadernos de Campo, n° 3, 1993. tomaremos, ao contrario, 0 partido da totali- dade, acreditando que hé algum falseamento da realidade no fato de reter unicamente uma das implicagées da situag0 colonial. I- Algumas abordagens. E possivel apreender a situagdo criada pela expansdo colonial das nages européias a0 longo do século passado, a partir de diversos pontos de vista. Sao muitas abordagens particulares efetuadas pelo historiador da co- lonizagio, pelo economista, pelo politico pelo administrador, pelo socidlogo preocupado com as relagdes entre civilizagdes © pelo psi- célogo ligado ao estudo das relagdes raciais, etc. Parece-nos indispensavel, para arriscar uma descrigiio de conjunto, examinar o que pode ser retido de cada uma dessas contribi Ges particulares, © historiador tem em vista a coloniza- 40 nas suas diferentes épocas e, geralmente, em fungao da metropole. Ele permite apreen- der as modificagdes ocorridas nas relagdes existentes entre esta ultima ¢ os territorios de- pendentes, ¢ mostra como o isolamento dos povos colonizados foi quebrado pelo funcis namento de uma histéria sobre a qual eles ndo tinham nenhum poder. Evoca as ideologias que nos diversos momentos justificaram a co- lonizagio e 0 descompasso que ocorre entre a doutrina e os fatos. Descreve os sistemas ad- ministrativos e econdmicos que asseguraram a “paz colonial” ¢ que proporcionaram a renta- bilidade do empreendimento colonial para a metrépole. Em resumo, 0 historiador nos faz compreender como a nado colonial se inseriu, ao longo do tempo, no scio das sociedades colonizadas. Agindo assim, cle fornece ao so- cidlogo um primeiro e indispensdvel conjunto de referencias; lembra a este que a histéria da sociedade colonizada realizou-se em fungio de uma presenga estrangeira, ao mesmo tempo 108 que mostra os diferentes aspectos assumidos por esta presenga. ‘A maior parte dos historiadores insistiu sobre 0 fato de que a pacificagao, o aprov’ namento, a valorizagdo dos paises colonizados foram realizados “constantemente em relagdo as nagdes ocidentais e nao em vista dos inte- esses locais”3, Eles mostraram como a absor- giao da Asia, da Africa e da Oceania pela Eu- ropa “transformou, pela forga e por reformas freqiientemente audaciosas, a conformagiio da sociedade humana” em menos de uma século. Eles lembraram que a exploragao econémica se apéia sobre 0 controle politico — visto que estes so os dois tragos especificos do fato colonial4, Os historiadores permitem, dessa maneira, entrever até que ponto a sociedade colonizada se tornou um instrumento de uso para a nacdo colonial. Podemos notar uma manifestagdo desse cariter instrumental na politica que consiste em comprometer coop- tando-a, a aristocracia nativo5 e, mais ainda, na politica dos movimentos de populagdo ou de recrutamento de mao-de-obra que esta ligada somente as necessidades da grande economia®. Ao nos lembrar de algumas medidas “audaciosas” — deslocamento de populagdes ¢ criagiio de “reservas”, modificagdes do modo de povomento, transformagao do direito tradi- cional ¢ das relagdes de autoridade, etc. — 0 historiador chama nossa atengdo para 0 fato de que “a colonizaco foi, por vezes, realmente uma cirurgia social”?. E esta indicag%io, mais 3 L. Joubert, Le Fait Colonial et ses Prolongements, in Le Monde non Crétien, 15, 1950. 4CF. R. Kennedy, The Colonial Crisis and the Future, in The Science of Man in the World Crisis, p. 308-309. 5 Colocar a classe dirigente "nos nossos interesses” dizia Lyautey, reduzir os chefes indigenas ao papel de “simples criaturas”, diz R. Kennedy. 6 Como 0s deslocamentos provocados a favor da Office da Nigéria, que produziram as mais vivas polémicas; vejam 0 panfleto de P. Herbart, Le Chancre du Niger, com prefiicio de André Gide, Gallimard, 1939. 7 E. Chancelé, La Question Coloniale, in Critique, n* 35, 1949. ou menos exata segundo as regides e os povos considerados, é de grande interesse para 0 so- cidlogo que estuda as sociedades colonizadas; ela Ihe mostra que estas, num grau varidvel, encontram-se num estado de crise latente, que elas requerem numa certa medida uma sécio- patologia. Depois de determinar esta presséo ex- terior que age sobre as sociedades colonizadas, © historiador nota a diversidade das reagdes subsequentes; aquelas dos povos do oriente, do Islio e da Africa negra foram freqiientemente evocadas em estudos comparativo. Assim a histéria da Africa ao sul do Saara revela dife- rengas importantes na resisténcia a influéncia das nacdes européias. O estudo hhistérico da colonizagio, depois de ter mostrado a impor- tancia do “fator extemo” quanto as transfor- magdes que afetam as sociedades colonizadas, coloca a presenga de um “fator interno”, im- plicado pelas estruturas sociais das sociedades submetidas; ele desemboca, por ai, em pro- blemas nos quais 0 antropdlogo encontra hor zontes familiares. Mas ao fazer 0 quadro das diversas reagdes & situag0 colonial, ele mostra como esta tiltima pode desempenhar 0 papel de um verdadeiro revelador. A colonizacao aparece como uma prova imposta a algumas sociedades ou, se podemos arriscar uma ex- pressdo, como uma experiéncia sociologica grosseira. Uma anilise das sociedades coloni- zadas nfo pode esquecer as suas condigdes especificas; elas revelam ndo somente, como perceberam alguns antropélogos®, os processos de adaptago ¢ de recusa, as condutas ino- vadoras nascidas da destruigao dos modelos sociais tradicionais, mas também manifestam os “pontos de resisténcia” das sociedades co- lonizadas, as estruturas e 0s comportamentos fundamentais — com relagdo a certos aspectos elas nos fazem chegar ao ponto, Um conheci- mento deste tipo possui um interesse teérico 8 CFL. P. Mair, The Study of Culture Contact as 4 Pratical Problem, in Africa, Vil, 4, 1934, 109 ‘Traducdo: Balandier evidente (se considerarmos a situagaio colonial como um fato que diz respeito a observacao cientifica independente dos julgamentos mo- rais que ela provoca) ¢ uma importineia prati- ca real (sugere a partir de que dados funda- mentais todo problema deve ser abordado).. historiador, por outro lado, precisa como © sistema colonial se estabeleceu € se transformou, quais foram, segundo as circuns- tancias, os diversos aspectos politicos, juridi cos ¢ administrativos; ele nos permite também localizar as ideologias que © justificaram?. ‘Numerosos estudos insistem sobre a acentuada distancia que existe entre os principios suces- sivamente defendidos e a praticaentre a mis- sdo civilizatéria (cuja expressio, sob uma forma particularmente enfatica, remonta a Na- poledo Ill) e a wilidade desejada que Eugéne Etienne define em 1894 como “a soma de vantagens ¢ de lucros que devem escoar (de todo empreendimento colonial) para a metré- pole”!0, H. Brunschwig evoca, na sua historia da colonizagao francesa, a longa série de mal entendidos que a balizam. L. Joubert recorda “a discrepancia que existia, a partir da adogao de formulas de responsabilidade civilizatoria, entre a teoria ¢ os fatos; a ruptura entre esses dois dominios, sendo a hipocrisia que justifi- cava através de principios humanitérios uma exploragao pura e simples”!!, Assim, a situa- ¢40 colonial aparece como possuidora, essen- cialmente, de um carater de inautenticidade. R. Kennedy, no scu estudo intitulado La Crise Coloniale et 1' Avenir, mostra como cada ca- racteristica do “colonialismo” — colour line, dependéncia politica e econdmica, realizagdes “sociais” insuficientes, falta de contato entre os nativos e a “casta dominante” — se apdia sobre uma “série de racionalizagdes”. A saber, de 9 Cf J. Harmand, Domination et Colonisation, Flammarion, 1910, como exemplo "cléssico” de justificagdo através das leis da natureza. 10 Citado. em H. Brunschwig, La Colonisation Francaise, Calmann-Lévy, 1949. 11 Op.cit, p. 265.

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