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2 FUNDAMENTOS PARA A COMPREENSAO CONTEMPORANEA DA PSIQUE mente tt Sse ee ss eg eS NOGA A FILOSOFIA = DA LINGUAGEM, A EPISTEMOLOGIA eee eC Ta Ota APONTANDO NOVOS CAMINHOS PARA O PENSAMENTO CONTEMPORANEO Retest) Gis) 46 SRB ES alte ed) 3 LINGUAGEME PSICOLOGIA FILOSOFICA AAAI ESSE QOOOOO © ! »OOOOO )©OOOOE YOIOIOIOOIOLO) CLOLICIOOIOIOIOKO NOOIOIOICIOIOIOIOKS — O Castelo — 10/02/2015 —/ ©) »)) OOO Cor gam. he ©) JOTOOKCIOIOLOIOTOTOKC VOTCTOIOOKOOTOIOIOXC © )OOOOOOOOOO ©) = YOTCIOIOOTS) ) ED) ©OOOQOO« CKOTOTO) BLO Ra A i [Us prsanio instiGante ste némero de Mente, Cérebro & Filosofia 0 século XX focali- 72 a profunda renovaclo do pensamento iniciada no Reino Unido, na primeira década do século XX. Desenvolvimentos dda matematica levaram a uma valorizagto da Igica enquan- to esfera do conhecimento. A Universidade de Cambridge tormou-se um dos pélos da nova abordagem, primeiro com os trabalhos de Bertrand Russell, depois com a contribuicio decisiva do vienense Ludwig Wittgenstein, discipulo de Russell nessa instituigl0. Nao por acaso, © Tractaius Logico-Philosophicus de Wittgenstein, escrito nas trinchetras austsfacas dusante a Psimeira Guerra Mundial, tornou-se a tese de doutora- mento cio autor, apresentada em Cambridge. Essas contribuicdes avangaram além do campo da l6gica e in uum novo relacionamento entre a filosofia ¢ a psicologia, com énfase na chamada filosofia da mente. Esse campo hbrido do conhecimento flores cout nos dois lados do Atlintico, com os trbalhes, entre outros pensado- res, de Russell e Wingenstein e do americano Wilfid Sellars, (odos 08 12s focalizados nesta edicdo. Os antigos, escritos por especialistas, pexmitem acompanhar a intervenglo de cada filsofo ~ desde a aproximagto entre a fisica € a psicologia feita por Bertrand Russell até a crtica a0 empiris- do lo sensorial” empreendida por Sellars. Por sua ver, Wingenstein propoe, nas Invesiigacies iloséficas, no uma nova teoria, mas um “terapia grumatical” que visa, justamente, nos curar ca sia por teorias filosdficas. Ele examina diferentes jogos de linguagem associaclos a praticas de vida © most que as palavras muitas vezes sto usadas com um nico sentido em jogos diferentes. Para o fildsofo austriaco, explicitar os “fatos gramaticals” nos jogos de linguagem, trazer as palavras de volta a seu uso cotidiano ajuda a evitar muitas confus -s que surgem quando Sto uusadas para a reflexto filoséfica Desse modo, a terapia wittgensteiniana questiona e, ao mesmo tempo, esclarece toda uma série de verdades aceitas sem muita discussie ndo ape- ‘nas no discurso dos fildsofos, mas também. nas teorias psicol6gicas € concepcdes da psicanilise, Por todos esses aspectos, a leitura desta edicio de Mente, Gérebro & Filosofia — o sécudlo XX apresenta um desafio instigante @ enriquecedor a todos os interessidos nos estudos do psiquismmo. Cartos Epuarpo Matos itor do Mente, Céxebvo & Filosofia ~ 0 século 3 MENTE-CEREBROS FILOSOFIA TOR GERAL Rr Wet ret DEDLINO: edie cao DrETONA OC ALPS CONMEOMENTO: a Cana Foran roto MEE, cEREBRO & FLOSORA CHTOR ey oto rane FROVETO GMPEO fis Le ove Mera Kath ates FDTORA DE ATE nut Cane Fess DONG C anata Baler Fens chara i oat alt rae BE WEN: Came ae Ca Zac eDagAO TE CnEBRO foe Gases FDTORADEAITE Soe Onan vers ‘tire Se Ge Ore SONG CONOGRIRG Ste aa oa, Gari Fane Kiara Comro TENT Oe eDAG30 Ea apa Puce FevS00 Loan elu henena ot Pronugin chuck, ein TRENTO DE Wes Coma a ‘Mert fet & Fafa se data Met Cin [blesso menor sentido, & que a flosofa, independentemente das se OBJETO DO DESEJO Voltemos, porém, aos problemas envol vidos na intencionalidade (e nos objetos inwencionais), e exploremes um pouco © *horizonte impasses” que se abre A nossa frente. Imaginem que eu d® a alguem a ordem: “Levante seu brago cesquerdo’. A pessoa fala a mesma lia gua que eu, entencle a ordem, ¢ resolve obedecé-la. Nés tendemos a ver nessa situagao uma espécie de cadeia de eventos, que teria comecado em minha mente, passado pela minha boca, che: ido até os ouvidos indo dali aé a sua mente, para terminar no movimento de seu brago, Eu tinha uum certo desejo, queria que aquelt pessoa levantasse seu brago esquerdo, Esse dlesejo foi a causa proxima de meu proferimento, Emti determinaclos sinais sonoros com una determinads inten joco DE no modo de cartascolss, dese ontras ot. Em todos esses casos, © ’ significativa, A outm pessoa ouviu a cordem dada, compreendew seu cado, ¢ resolveu obedecer. Fez, entio, com que seu braco esquerdo levantusse Assim descrita, essa cadeia de eventos abtange diversas etapas que parecem se desenrolar na mente das pessoas tamio daquela que dé a ordem, quar ‘ohedece, Quando ea to daguela qu dlesejei, desejei algo determinado, «© algo que eu poderia jamais ter dio a ninguém — algo que ficaria, diga assim, “ocuko” dentro de mim, Ess ‘mesma cvisa que eu des e que ers or iss0, 0 “objeto” de meu desejo ~ era também 0 objeto de minha orem. Fu desejava que a outra pessoa levantasse seu braco esquerdo, ¢ ondenei que ela fizesse exatamente isso, Ek. me obede- ce, mas 0 fako € que poderia nao ter ‘obedecido. Poderia jamais ter levantad set brago, Mesmo que jams tvesse n ‘obedecido, isso no alteraria em nada ‘objeto de meu desejo, nem o signi do de minha ordem. Mais ainda, mi ddesejo jé tinha aquele objeto, e minha orcem jé tinha aquele significado ante de 4 outra pessoa levantar o Braco. Ni devemos confundir, por i880, 0 6 do desejo (ou 0 significado da onde com a satigfagdo do desejo (ov a ‘éncia & ondem daca). Tudo se p. fentio, como se, no momento em que (© desejo surge, seu objeto jf devesse “estar em mim”, E temos a impressio de que 0 desejo s6 poderia “estar em mim" rm forma de um estado ou processo mental. E, como o significado da ordem parece coincidir, aqui, com 0 objeto do esejo, © significado de minha ordem tamlsém tencle a ser visto como um esti do ou processo mental do mesmo tipo, Mas, € licito perguntar aqui: de que tipo exatamente? Que tipo de proceso ‘ou estado mental poderia cumprir as funcoes de um "objeto" de meu descio 0 desejo de ver aquela pessoa levan- tando o braco? Poderfamos pensar numa sentenga dita mentalmente Enquanto desejo, passa em minha mente com rupidez uma semtenga como “Fu gos taria que Fulano levantasse sew braco eequerdo". Mas, dado 0 modo como resolvemes articular nossos problemas, eset resposta nao resolve coisa alguma, AApenas recoloca 0 problema. Se estou fquerendo saber que tipo de acompa- rnhamento mental poderia dar a uma lordem o sentido que ela tem, eu deveria ser capaz de dizer, agora, que tipo de acompanhamento mental foi capaz de dar um sentido. determinado 3 senten: ‘ca “Eu gostaria que Fulano levantasse seu brago esquerdo™. Segundo nossos proptios pressupostos, sem esse acom- panhamenio mental, minha sentenca seria “mora”, um amontoado de sinais 20 MENTE, CEREBRO & FILOSOFIA desvineulados de qualquer sentido. 0 faro de uma sentenca ser repetida men- talmente (em ver de ser repetida com a oct) no a tora menos problemstica, Repita mentalmenre wma sentenca qual ‘quer numa lingua que voc® desconhece. (Os sinais mentais estario Wo “menos” (quanto estariam os sinais cosrespon- lentes escrtos sobre um papel. Se tma sentenga € vista como um mistério, nao posso mencionar a ocorréncia mental de uma sentenga como soluglo desse mesmo mistéio, -ALUCINACOES esse ponto, somos tentados a postular Juma ‘imagem’, ou algo semelhante, ‘ocorrendo simultancamente a0 desejo © & ondem. Ao desejar que a pessoa levante 0 brago esquendo, eu estaria tendo um sentimento caracteristico do desejo acompanhado por uma imagem ‘meatal da coisa desejada ~ uma imagem daquela pessoa fazendo aquilo que eu quero que ela fuga. Da mesma form, ao dar a ordem, eu faria com que os sons mostos que suem da minha hoa sganhassem vida por uma associacio ‘com a imagem daquilo que esta sendo ‘ordenado, Essi concepgao pode ser ‘chamada de “teoria alucinatéria do sentido". © sentido das senteneas (bem como 0 objeto de todos 0s meus esta dos € processos intencionais) seria uma especie de alucinagio ~ uma imagem, cow eSpia mental daqullo que eu quero dizer, desejo, temo, creio, duvido, afir- mo, © assim por diante. Aquilo que eu desejo mao precisa ocorrer para que meu desejo tenha um objeto determi- nado de antemio, A imagem ca pessoa ‘com a mo esquerda levantada faz com ‘que @ mera sensagio inciferenciada do desejo se transforme mum desejo deter- minado desejp disto, ¢ n20 daquilo ‘A mesma imagem podetia acompanhar luma sensacio indiferenciada de temor, por exemplo, compondo aquilo que Cescreveriamos come medo de que 4 outta pessoa levante a mao esquerda, Isso significa que, acompanhado de outra imagem, o sentimento caracterisi= co do desejo seria desejo de uma outra coisa determinada. Ora, diz Wingenstein, essa imagem indo parece capaz de nos encregar aqui Jo que promete, Fla € postulada Cem suas diversas manifestagSes © roupa- ‘gens) como uma condigio de possi Jidade do sentido, ou seja, como algo que, se mio existisse, tornaria 0 senti- do sentencal uma impossiilidade. No fenianwo, uma imagem, qualquer que ela seja, também deve ter sentido, jf que cla deve ser compreendida enguanto imagem e, mais ainda, enguanto ima- gem disso, e nto daquilo. Imagine 0 desenho de uma pessoa com o brago esquerdo levantado. Eu no poderia usar esse desenho para mostrar a uma pessoa aquilo que do quero que ela aca? Nao poderia usi-lo para mostrar fa essa peston que eu desejo que cla levante um dos brigos- 0 direto, ‘ow © esquerdo, tanto faz? Ou, entdo, para mostrar o que eu desejo que um foutra pessoa fags? Nese ponto, voce poderia dizer: “Mas estou imaginando que a pessoa no desenho tenha grande semelbanga fisica com a pessoa real Muito bem, Vocé nie poderia usar essa Figura para exibir sua vontade de que tuma pessoa muito semelhante aguela que esti diante de voc levante a mao esquerda? Ou de que essa pessoa a sua frente faca mais exercicios? Ou que respondla prontamente ts perguntas {que voce fizer? Nao podria usar essa fiagem, na verdade, par repre tar lterlmente qualquer outra coisa worwtteatecerebso.com be imagine um sistema de comunieacio ‘em eéaligo, na qual as imagens tém uma inerpretago muito diferente da usu.) © ponto € que a imagem, sozinha, ¢ Ho morta quanto qualquer sinal lin _aistico, ¢ mo ha 'semelhanga" que no ppossa ser usida para os mais diferentes propésitos, ¢ suscitar as mais diferentes reagdes. Ponha um gato na frente «le uum espelho, e voce ini se convencer imediatamente disso, PROBLEMAS RECOLOCADOS Se imagens fiscas tum papel, 0 © papel de “objetos intencionais > poder de curpris por ue imagens ments deveriam ter esse poder? Os supostos problemas que fessis imagens slio chamadhs a resol ter Sto, na verdade, problemas que, se conservarmos os pressupestos de host questio inicial, essas imagens 36 conseguem recolocar. Tudo aquilo que pode suceder a um sinal também pode suceder a una imagem. Um sinal pode ser mal compreendido; uma imagem, também, Nada garante (num sentido absoluto) a compreensio dos sinais da Iinguagem que todos aprendemos a falar ~ qualquer um de n6s pode, de repente, comecar Nao é logicamente necessdria a ocorréncia de uma imagem para que alguém possa ter um desejo determinado complet incapacidade de se comuni- car em portugues, devido ao efelto de uma doenca, ou de alguma droga muito podeross, Mas nada garante tampouco aesse sentido absoluto) que itemos ccontinuar usando as imagens da mesma uaneira que usamos até hoje, Nada me garunte, por exemplo, que m0. susja dde repente uma doenca que fig 0s homens reagir as imagens exatamente como os gatos reagem, ‘Wiigenstein mo nega a possiilida- de de imagens acompanbarem n0s05 desejos @ nossa oxdens. Fle também allo est negando que 0 uso de imagens possa ser pedagogicamente stil quando fensinamos uma erianga falar nossa Hingua, 00 quando ensinamos alguém falar uma. lingua estsangeira. O que ele esti negando € que seia logicamente necessaria 4 ocort@ncia de uma imagem cde qualquer tipo para que alguém possa rer um desejo dererminaco, ou dar uma ‘CRIANGAS HA ESCOLA, Para sommes capazes de usar 2 inguagom, lems de pasar por un ‘de aprendizagom mals ou menos priodo ge, realizado wm boa moda we ambiente familar o na oscola fordem com um seatida determinado. Ble esti negand, enfim, que seja neces sia postlar uma lingvagem mental que tenha uma relagio de semelbanca ‘com 0 mundla para que linguas como 0 portugués ou 6 alemio possam se referir ‘a0 mundo, ou para que nossos desejos, emores, crencas, suspeltas etc. possam dizer respelto ao mundo. Se tudo que (queremos dizer, enfim, & que existe um contelagio empirica entre a ocoréncia dle imagens e a compreensio do senti- do, a resposta de Wittgenstein seria nos ‘convidar 2 reconduzie a ques ‘campo préprio 0 campo da psicologia cempirica, ou da pedagogia, conforme (0 caso. O ponto € que mlo € esse tipo de comelagta que esti no horizonte do filosofo. Ele postula a necessidade Iogica de uma imagem, © 0 que vimos é que uuma imagem logicamente necessicia seria, antes de mais nada, empisicamen te ini, Se estivesse all, exigitia outa imagem que a interpretasse, © outa, & mais outa até 0 infnito, APRENDIZADO HUMANO. Mas, se € assim, como € possivel que 16 objeto de meu desejo seja determi nado, quer esse desejo se realize, quer nido? Como ¢ possivel que a ordem seia «entendlida? Que uma sentenea, em geral, possa ter sentido? Que um nome poss se refert a alguma coisa diferente dele? Em vez de postular entidades ocultas, tenemos responder a essis questoes langando mio dagullo que esti 2 vista de todos nds, e de gue ninguém jamais dluvidaria, Para que eu use os nomes & as sentengas do portugués de um mado inteligive, € necessirio ~ humanamente necessitio ~ que eu ten aprendido © portugues, antes de mais nada. Ao dizer que isso é *humanamente” necessirio, quero dizer que com os seres hums fos € assim: pam sermos capazes de usar & linguagem temos de passar por tum periodo de aprendizigem mais ou menos longo. 1860 no quer dizer que possamos imaginar um mundo no qual as pessoas jf mascessem falan« fou que comecassem espontaneamente a falar a partir de uma cena idade. f claro que uma série de coisas que smamos a respeito de nossa linguagem jf lo poderia ser afiemada dessa out No entlanto, isso 80 nos impediria de aplicar 2s atividades lingbisicas desse ovo imaginirio a palavra “linguagent” ‘No maximo, teremos de excluir, ou usar dde um modo muito diferente expressoes ‘como “aprender a linguagera’. Mantidas Todas a outtas coisas como sao, seta, talvez, to estranho falar que alguém aprendeu a falar" nesse mmunelo, quan- do € estranho, para nés, dizer que alguém “uprendeu a respirar™ Seja como for, 0 certo € que, haven do isso que chamamos de “aprender a falae’, poclemns liar uma série de coisas que sto necessérias pare que algo ainda reconhecivel como um ‘aprendizado da Jingua” possa ter lugar. Nenfuma dessas coisas, porém, & uum objeto intencional, fou um Fito mental sutlisimo, que 80 anslise metafisica mais aguda seria capaz 22 MENTE, CFRERKO 6 FILOSOFIA 0 aprendizado da linguagem depende de padrdes comportamentais simples, entre 0s quais a imitagao de penetrar Trat-se de coisas to simples que raramente alguém acharia que vale a pena mencioné-las, ou refletr sobre l Tmitar, por exemplo. Criangas huma- nas tm a tendéncia de imitar compor tamentos de adultos. Imagine, por um momento, que as cranes parassem de mostrar essa tendéncia. Voct esti tentando ensinar uma palsvra qualquer 4 um bebé = algo bem simples, como “mamie’, ou “papai’. Voce repete a palavra diversas vezes, mas ele no tem (© comportamento. imiativo que voce espera. A erlang: & perfeitamente capaz de ouvir tudo © que roe ces falindo, e tem todas as reagdes de alguém que é capuz de prestar atencio 40 que est sendo felto 2 sua volt, Parece também nao ter qualquer problema vocal, Na verdade (imaginemos), emite diversos sons, mas neshum eles se parece a ura palavea Go portugues. Nessa situ seed completamente imposst- vel sequer iniciar © aprend: zado da lingwa, Nao temos mentos da mesma forma que farlamos com uma erianga fem condigées norms, A imitagio, nauralmen- te, € apenas um exemplo centre muitos que poderiamos citar, HA intmeras tendéncias comporiamentais que sto proprias do animal humano, sem as quais nao teriamos como pr em pre a8 Ke nicas pedagégicas mais rudi- mentares. Essas.tendéncias [MRE FLNA passam rua, A {endéncla 3 initar comportamentos ‘do adultos 6 um padrao decisive para aprondizado 6a ertanga comportamentas 20 fo simples & to difundidas na espécie humana que farumente prestamos mitt atenclo a elas. No entanto, se estamos procuran- do “condigdes de possbildaco” pars 0 uso de pakivras e de sentengas de nos lingua, € 2, nesse estoque de compor- tamentos espontineos, que devertamos por primelramente nossa atencio. Ao falar, 0 que fazemos € basicamente ‘operar com palavras, Aprender 4 falar € aprender a utilizar sons em diversas siruagoes de vida ~ usar sons para pedir comida, reckimar de dores, contar his Was, contar piadas, mentir intencional: por diante. Tratase de uma capacidade de que os homens dispoem, © os outros animais, nao — pelo menos, ato na mesma medida que nés. Nos homens, essa cxpacidade deve ser aprendica e, pelo menos no que diz respeito a nossa primeira Kngua, a imitago desempe nha um papel decisive no processo de aprendizagem. Sio capacidades como leSsas que esto pressupastas no apren- dizado © no uso cotidiano das palavras, ce nto a capacidade de prociuzie imagens ‘mena, ou um misteriosa capacidade de projetr “intengdes. significativas’ sobre “objetes intencionais" IMAGENS IRRELEVANTES Sem davida, quando tenho vontade de ‘que alguém levante sia mio esquer- da, 0 “objeto” de mints vontace ja testi determinado independentemente pessoa eiguer 0 braco. Se yeas uma Maneira uM pouco estranha de dizer que eu posso querer diversas coisas que jamais irdo aconte- cer, sem que esses diversos desejos se confundam, nada contra o uso da. pala vra “objeto” nesse contexto. Meu deseio id estd determinado independentemente do fato desejado simplesmente porque fs critérios que temos para atibuir desejos uma pessoa no se confin- dem com os ctitérias que temos para dizer que 0 fato desejado aconteceu. Sei que alguém deseja muito ir a um con- cceno pelas coisis que faz e diz. Todos (8 ctitérios para a atribuicao do desejo podem estar satisfetos, sem que os crit tos para x reulizagio do desejo também de es | GI0CONDA, Leonard da Vine, 1503-1806. 1 tose de au ‘os mals varadastnerpretagdes esicjam, Esses ertérios nos so dados pelas regras que todos nds dominamos pair do momento em que aprende= mos a fakir Da mesma forma, posso entender o que significa a frase "Lula € ccareca’, sem que Lula tenka de perder ‘05 cabelos por isso, Sei operar com ssa sentenga, sel_usila em ocasides adequadas, sei 0 tipo de pengunia que tla pode Susctar, e assim por ciante io € necessirio que nenhurma imagem ime venba a cabect para que eu entenda 4 sentenga, Imagens mentais, aliis, S10 ‘completamente ietelevantes nesse c1s0, Se alguém mito fal nem umsa palavra do portugues, mas, a0 ouvir essa sentenca, por um mero acuso, pensa na imagem do presidente Lula sem cabelos, nem Ela @ antes, Entender sentencas é uma coisa Imaginaz Fazemos ambas. as coisas, ¢ 6 veres (muito raramente..) por i880) continia tio inacessivel a € outta Fazemos essas duas coiss juntas, mas nem por isso uma se confunde com a ‘outa, Quanto a meu nome na carteira de identidade, € dbvio que ele est lig doa mim de mutase muitas maneias Mas 08 vinculos existentes entre mim e meu nome nao sio de natureza mental So de natureza civil, Nao € por outro motivo que eu @ tago estampado em muna curteiz de identidade, juntamen- te com o nome de meus pais, minha foto © minhas impresses digiais. Hi téenicas de identificagio associad tudo isso, ¢ So elas que determin: a presenga de meu nome escrito. nos documentos, Minha mente, ou a mente de qualquer outra pessca nao tem abso~ Iutamente nada a ver com isso E notavel que consigamos descrever ‘© mando, © que consigamos inclusive falc sobre coisas que nunca existi- rum € jamais existiric? # absolutamente notivel que seiamos capazes de usar 3 linguagem, sem divida. Mas € também absolutamente notivel que certos peixes hascam nos rios, migrem part © mar € depois de muico tempo, consigam orien tarse em meio 30 ocean, achar a foz ‘do mesmiisimo fio em que nasceram, € volar ao seu hagae de origem para deso- vvar. Apesar de todo 0 assombro que esse fato possa nos causar, até onde eu si, ninguém até hoje posulou a existencia de um mapa dos oceanos na “mente esses peines. A ciéacia investiga 0 que forma $60 possivel examinando a fisiolo- gia desses organismos, seus padres de interagio com o ambiente, © as capac dades comporamentais que eles exibem, Nio hf razdo pan agir de out modo 0 a linguagem, @ Jofo yekofuo GALLEN CUTER ore Brg pa eo fesse ep > er Basleco Hie init Per ee seca as TPR 3 ) impress ts eng rat, ‘a1 Moshe esd aca Bw ee 12, A) aes Wg Soe a nates Iman, Paes Hast, 20), Ents (0 PONTO DE PARTIDA | Unguagem aa flosotie eles da Tnguegem Arlo Ze, Elie Clb, 188. | |e wntgenstan. Farce Seti Esaio ner, 2008 aia \Witgenten Ceri a iodo Fuse 2 eg ise Esp, 1284 * Invesigages sites Lui Wigentn as, 1995 + earagbesflosiias Ludi Wines Layo. 20 Grama floss uso eget, eyo, 2008 PARA IR MAI LONE Noting is ido: Witgensti'seresm ‘ofhis ery haught. Norman Macon. Ba Bink, 985. «© watgenstin: meaning and ming ar: |” essay. Ptr Hacer SecowedPibisting, 1080 Coe Pen aL Perey eee ey LLIVULS A eologia VULUSIA on nino PRADO ATO Por que, EXsraMENTE, alguém interessado pela questio da meméria — assunto pert nente 2 psicologia ~ deveria ler 0 que um filosofo (no caso, Witgenstein) tem 2 nos dizer a esse respeito? Ou, pondo a pergun- ta de outro modo: por que Wittgenstein incursiona pelo universo da psicologia e se interessa pela meméria? Responder a e: questio impde-se tanto mais pelo fato de que Wittgenstein (pelo menos o ‘segundo Wittgenstein") nao tem, a bem da verdade ‘coisas a nos dizer” acerca desse nem de enum outro assunto, Ele nto propse uma nova teoria filoséfica (que incluiria, como um de seus capitulos, uma “filoso- fia da psicologia"), mas uma terapia que visa, justamente, nos curar de nossa nsia por teorias filoséficas. E, curiosamente, essa “terapia” nao tem efeitos destrutivos apenas sobre o discurso dos filésofos, mas também sobre teorias psicol6gicas ~ no ‘caso, sobre teorias da meméria, Wittgenstein desloca o tema da meméria para a esfera de uma "terapia gramatical" apta a desfazer confusdes conceituais EM SINTESE 0 tema da membria, examinado rst argo, suc a commpreeader ‘alcance da dsolucio de problemas filcscos e plcligeos empeeenila por Witgensen,Hle crea ods | ‘eos expats da meri, em propor una lira a elas; wer so, ofeece uma terpla destin ‘nes car da compalsiotorame. ‘Witgensteia também sustenta que apicolola, extn cinci, ‘empleo pee abordar de roi adequado a mem; ea, com sas mais ai edsperss, deve er emis pores “erapia rama ‘apa de desinerconfisies conceals. Para comecar um esboco de resposta, vale lembrar, desde jf, que 0 trabalho Filosofico. freqitentemenre eruza 0 da palcologia e que, em especial, a questio da meméria costumou fieqlentar as paginas dos fidsofos. J4 em Platto, 0 mito da remintscOncia € movimentado para comentar dificuldades relativas ppossibilidade lo conhecimento; além disso, ¢ de um modo geral, 0 tema da recegnigao imnpoe-se A relex2o filosstica assim que a dimensio temporal entra em jogo na determinagio do exercicio de rossas faculdades cognitivas. Por outro lado, a pripria existencia de uma refle ‘xio flosdfica sobre a natoreza do tempo jf chama, de um modo ou de out, 4 questio da mem6ria para 0 terreno da fllosofia: a meméria "conserva" © passa do, € por eki que nossa atividade Coun tiva mio apenas ganha continuidade no tempo (ecogniga0), mas € gracas a ela ‘que temos acesso, agora, aquilo que ji rio € mals, Os filisofos, entio, ao longo dos séeulos, mo se furtaram a comentar 6 tema da memoria, as vees avangando dliretamente “Teorias” propriamente ditas (Answieles no “Da meméria © temis riscéncia", ou Bergson em ‘Materia © 26 MENTE, CEREBRO 6 FILOSOFIA Wittgenstein critica a idéia de que a memoria seria uma mediacao, uma imagem presente do passado ‘meméria), as vezes abordando a. ques- ‘Ho de forma menos diseta, por meio de metiforas de cartier mais ou menos ‘e0nico (Locke, falanco no “armaném de fdéias’; Plato, na “cera” que guard a impress pusada) UM £U NAO-PSICOLOGICO Onde localizar 0 fil6sofo. vienense nese quick geri? Cabe tembrar que 4 flosofin de’ Whigenstein sofe uma fone inflesio, a ponto de se fal em dois” Witgensteins: um primeio (o do Tractatus Loglo-Pbilsopbicus) procura tstabelecer os fundamentos da Kigica © dda matemdtcs, a0 passo que 0 segundo (o das Investigagtes fMosificas) aban- it a propria idéin de “fundamento", e voltise para a linguagem nao tal como estr & preserita pela notacio do célculo de predicados, mas al como € cefetivamente empregada, E no segundo ‘Wingensiein que encontraremos 3 “ilo- sofia da psicologia” como um tema ¢, dlontro dele, a questio da meméria. Mas vale a pena uma observagio preliminar sobre o “primero” Witgenstein No Tractatus, © eruzamento entre filosofia e psicologia jf comparece. ssa obra tem como tema primei a fundamentagao da logica ¢ insere-se no ccontexto histérieo de um combate a0 *psicologi dda Idgica coma um samo da psicologia, Mas, ao lado dessa recusa de principio da confusto de fronteiras *A psicologia rndo € mais aparentacls com a flosofia que qualquer outra cineca natural” = Traciatus, 4.1120, encontramos nessa flosofia“anvipsicologista” outros ele mentos menos rispidos. Assim, se 2 légies tem como “tema” 4 natureza da proposigio, Wingenstein nos diz, por ‘outro lado, que “a proposicio com sen tido & 0 pensamento” (Tractatus, 4, © o", into 6, A caractera algumas paginas do livra sho dedicadas = & questio do ex: dois temas eminente- mente psicologicos, E claro que esses dois temas sto taados de “maneirs mio psicolégica’, mas I6gica CHA real- mente uum sentido em gue se pode, em filosofa, falar nio psicologicamente do eu", Tractans, 5641); © € jusamente isso que cumpre nosar, F como se uma parte - importante ~ do temicio psi cologico 6 pudesse ser corretamente tratuda por cutra diseiplina, a filosofia, Quando o Tractans (5.5421) critica a ‘psicologia superficial de hoje” que wata salma como “composia, ele nao esti a propor uma alma substancial, que seria {ematizada por ums eigncia psicolégica “mais profunda’, e sim indicando que essa alma “una” escapa a0 terreno cht psicologia: hi um eu que & uno © que 4 unidade & nossa representagio do mundo, © eu que pensa, isto & que representa, mas esse eu ni meat or tet a no exist. Ele pare do mundo, mas um limite 2 ten da psicologa, a le curios do mundo, alo € um objew passive de set representado, mas uma condicio de possibilidade de toda representacio ‘Assim, embora 0 Traciatus tenha como ulvo essencial a fundamentacio da Ig De nor report nog de Steven Slr, 2002: «pas ‘preendidos mo presente, earn percepobes, ca —€ nio a “Filosofia da psicologia fema que imomperi no seu futuro itt nesitio -, encontramos jf nele a idé de que ha cenos temas aos quais a Psicologia parece ter leptima pretensio fe que, 10 entanto, ela nio pode abordar de modo adequado, APREENDER O PASSADO- ‘Apés ter esento 0 Tractatus, no qual acreditava “ter resolvido no essencial (9s problemas flosoficos", Witigensein abandona as atividades Bloséfica, vol tando apenas em 1929, quando tenciona trstar do “espaco visual € quesibes simi- lares", Seu reiomo ao trabalho filosfico tem, portanto, como alvo a logia", tal como ele a entende, isto € a analise da estrurura Logica dos dados sensors, E essa ‘fenomenologin” € ccaracterizada como “teoria do. conhe Cimento’ - exatamente aquilo que o Tractatus chamava de “Blosofa cologia”. Essa volta ao trabalho vem ‘com & descoberta de problemas iso: vyeis em sua primeira obra, e comega a marcar uma nova ditegio de pensamen- to, que culminaré nas breestigagdes io- sifieas, & nesse contexto, portanto, que com tal, © temario da psicologin entra tare 80 ou cenériospossivels no campo de reflexao de Wingenstein ‘9 di memria. A despeito dis profundis transformagdes que separam fas textos de 1929 dos textos de matw- ridade, j encontramos ali alguns dos starlo presentes fa fur reflexdo sobre esse ten AS primeims — observagdes \Wingenstein sobre a meméria vim vin- culadas & reflexto sobre o tempo, 04, para ser mals exato, sobre 0 tempo ta como ele € imediaamente apreendido, sabre 0 tempo do “mundo dos dados sensivels', A questlo que se poe & como apreeriemos © passado, se cle jt mio existe, se 0 que existe, agora, & tWo-somente © presente? Uma vez que € a meméria que nes presia contas do passado, em oposicio percepxo, que elementos bisieos qa de nos oferece © presente, a quesitio torna- se; em que consiste a. mem6ria, como pode ela nos informar sobre o passads? Rapidamente, Wikgensein poo amu a dificldade bsica das teorias «radlicio- ais da meméria Cpodemos pensar em William James e Russell, por exemplo, que ceruamente Wingensein tinha em visa), Nestas, a memoria consistsia em sina marea presente (am rastro psiguico = ou mesmo fislea, as, no contexto de uma anise da “estrurura Kigiea" de rossos dados senserais, os mecanismos fisicos no percebides sensorialmente no enim em jogo) que mediania nosso scesso a0 passico; mo podemos ter acesso mediate a0 passado, uma vez aque ele GO 10 6, Nao posso ter acesso imediato a algo que nao existe, e, por tanto, meu coatato com © passado deve ser mediado por algo presente, a0 qual oso ter avesso imediato — digamos, ‘uma imagem presense do passadb. Mas, na verdade, iso significa trans ferir © problema para a relagio entre 0 rastro presente @ 0 passido de que ele 6 rastro. Pode hver, decerto, uma cone a0 causal entre 0 rasiro presente © 0 passado que jf se foi, ¢ nosst meméria seria a conjungio dessa conexto € da percepsto desse rastro

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