Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 33
Paulo Henriques Britto enuino representante da resemte sata de poetas brasileiros, manifest LITURGIA DA MATERIA 2 dinsia infinita de toda e qualquer erlaghe eu 8 que. por definigio, 0 uma totalidade inteiram particularidade LITURGIA DA MATERIA § livro que teaz_um fazer estitico maduro, wnindo poesia ¢ filosofia PAULO HENRIQUES BRITTO LITURGIA omen eee 114 pours, so responder a uma cnirenfn para uma revista do io ice em que's pete Ie defor. trae e corto © sem sentilo © {ue we fon sent 0 eps we ae mc ve 2a Toimesivy com tract de fue ears seasds 2 Nisa do {trem iso porque et co emi ile que sempre hovers octin quaker que sep 9 ese Ho alucie Mimans, porque nano em tree 30 nfo 30 econo ye 0 envover co. Thame econs Plere Baer Tonnypiréncossefineamente conn pe Terito, ow de um mato wera © Fito exprestoeringio” Ee erecente que o que more € ‘erro mode fete epg tee Ta 2 an [elowfonamento did do o- Rem e'da vita em geal: Para t focia morver ser necevsio que 2 Nomen fowe 0 que ele Boje Sham de Dew, jt que enguanto Tuer acsso mirseae rom ‘reac penssmentos reornam om lea don poemat de Pate fo" Menraues Britt jvers oro: {wor da POC, que ingrewon 50 fem lieriia dewte'3 ine [nv forma, quanto a ess a feo, pela eeuin e hdtors doe Foctas Se seer em ines (ast ser eva # gun em que soe em snumas pias dete Teo) No indevnsvel do 000s tn oie se eaoxay a0 se pone ede pot pars den oe {ar a0"Yaer 0: poor. A cata ‘io ineapesivell 0 toqe sobre = pelea er ave presentino. Foxe sm mossn sik € eno Ete, "cone ear aaa anaes aac cae SLT LTE pacee ten as See hooters Go qu: o wanslorma mauve oct Bae Se"Paulo: Henriquer, que fowo 5 se ays ontgurando a” fasia infinite de ° ‘© pocma ¢ FRrdateirmente postin 0 oe no 6 mat er possel, omen Se towers enue hahitantes da Tempo ve conversa com 0 sr ie mano taeando etre. plays, Fitmos metsfrss Deste modo eo inexistente, como dir be Tamente Paulo Henriques, pene. nr pro one perme 9 eimoa que nfo Bil ave tole Sem concento aoe fcilienos € de res fettay gating ew” Flu (ta da Metis € lero que ta? tin fazer etetico maroy ede Ser tid, portant, om lento © fom hora prope. soem aon ‘Gevicos fo" pensmeno ea Seve e revena,® pons © fio. MOACYR FELIX POESIA HO] Paulo Henriques Britto Liturgia da Matéria Poesia civilizagio brasileica cape ica Aer its Cassa “P, Rio Dizeits dest ego eeservadon EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRN 5 Huss Munie aac, 75/321 Rio de fancivo ~ Ry presen Bea Print acd A Suméivio ' Teds Begas leis parcarolt u . vl vu vi Prats Bagntelas " atureaa Morus 4” Concerto Campesre Pada dle Ciara Login dx Composicfo How 11s ow Noms iturga de Materia Genese Gre credo Reveagio “Teoqonia Profinio de Fé rds Epijoniae logio do mal Materia Insnin Perssténca do Sonbo | OF Consdousnes 38-4 Kind of Toothache Espira Dues Fébulas vom Moral © Aqualowce Uma Craton Memento Dos ior PoenaePotiio o we Pres Pecas 1 Barcarola eue (voré) andando wwde mios emprestadas, quase pelas euas, sem olbar pra cima nem pros lados nem pra frente porém em diregio ao Futuro. Ou 20 Etetno, Ou ainda J20 Sublime. Ou coisa que o valha, ou qualquer coisa que nio valba nada. cue (voed) ns dois, na noite quase escura, pulando pelos paralelepipedos da rua asfaltada Brincando de amarelinha sem linhas nem pedra saltando por cima das regeas, sem ligar 2 minim eu e “voee”, sem félego. sem diresio, furando sins, cruzando fora das faixas, comprando coisas em lojas fechadas ra parte mais feia da cidade temporariamente morta eu © “¢voe8)". som tempo, sem horério. sem pressa_ nem propésito contando a vitrine com o diamanie do anel que stamos tentando roubar da viteine que estamos cortando com o diamante do anel que sinda vamos roubar carcass vor, babados,desbundados,rontos de sono prostadon ns pai atic Polindo na arin plistiea pees doa eset a roubae contando as estas que o din Js apazou vendo o sol meer a avesay tsperande 0 barco, — 6, li vem 1s 0 barco! 9 barco. " © zumbido do silencio insiste em nos atordoar ‘mas as nuvens que ainda restam desistiram de tentar parecer alguma coisa 20 nos ver tio despertos as derradciras estrelas se acregalam espantadas com nossa imobilidade «nds inertes e mudos ches fixos no escure nossa intensa solidio. 2 No indevassivel do vento alguma coisa se esbosa ténue lagarta de ar roca no ventre da noite desce macia e mansa como um gato incerto sobre um possivel muro toda pélos e paras pousa como um inseto fem nossos peitos nus gorda ¢ invisivel como um gesto escuro. 3 Quands s.us Libios sem lingua Se aproximasem scm pressa dle teu corpo compenetrado serd um beijo compride seco firme controlada que © tempo € lento e sem fim e tua carne gelada E quando nossos corpos s¢ encontrarem za extensio total de nossa pele «€ nossos bragos se tornarem tensos f¢ nossa insOnia se intensificar serd um contato puramente elétrico lum espasmo apenas, ato instantineo contundente ¢ final, mecinico e exate como 0 cravat de um punhal E quando por fim nossos olhos exaustos pesados de noite pensarem enxergar ao longe uma espécie de vago clario ‘no vamos saudar a manh3 que nasce nfo vamos cantar hines clatos a0 dia io vamos dancar ritmos febris em homenagem ao sol Vamos fechar os olhos imporcunos, ‘vamos pensar em coisas limpas © escaras como a noite E se o dia insist em raiar 56 nos resta uma coisa a fazer que & iemos embora, em dirtebes opostas. nm Scherzo Ontem & noite, ex vor. com plena cumplicidade fem vez de fechar as janelas como todo mundo faz ‘dcixamos as nossas abertas 86 pra ver 0 que ia dar. Deu nisso: vvarrew a8 ruas um vento, saido de nossas janclas, de dentro de nostas gavetas inde nés hi tanto tempo guardivamos tempestades pra algum dia especial {que acabou sendo ontem) O vento levou pedacos de céu que atravancavam rnossos ssbris conjugados; fenormes quvens incdmodas rolaram janela afora feito lerdos paquidermes ese espatramaram 4 valet Oar fresco inesperado de nossos apartamentos ‘causou transtornos na 10a (8 teanseuntes, coitados, tossiam intoxicados por excesso de oxige! ‘cambaleavam as tontas plas calcadas vazias, Fui eu o primeico a jogar em baldes pela janela 4 gua clara que jorrava de fontes desconinecidas em areas inexploradas seh 2 cama eats do stmiria mas foi voc# quem soltou do alto do oitavo andar as primeiras plantas aquiticas, 0s peixes, répteis e aves fs, potém, instil © pilo e 0 viviparismo dos mamiferos essenciais, inteirament povoadas, Creomo ft os posts da Light todes tnham vole tm vores colosais, como nds nio exam nem tra horas da manbi Cave emi ® grows da Cragio, deseemos 36a tua em busca de ann bar aberto, No primero que encontramos nos milgees cases cep ovata fer f'nes, sedentos« inedgnitos, Pedimos duas cevelae £ ficamos contemplando Sem espanto nem ortho 2 gram tna e mien au Brotava 2 nosss pés Dex Sonetos Sentimentais Se por acaso a mio que escreve toca luma coisa qualquer a que é negado (ose deixar pegar, ¢ se essa mio desentranha do fundo da caneta tum desses pedages de consciéncia que nio se deixa nunca ultrapassar 4 linha dos dentes, se a mio inventa alguma coisa feia © porca, um verme ‘que se debate entre as linhas da pauta como quem quer morrer mas nio consegue, ¢ se no instante antes do risco mortal 2 mio hesita e espera, como quem teme uma ctrteza, ou seate no fundo do medo uma espécie de compaixio? Can one compare oneself to something else? A door without a key, perhaps — although 4 key that fits no lock might do as wel. or even better: for a door is more than what it means: there's some existence to it beyond the key it may or may not have A key without a lock is next to nought, 2 shape deprived of all purpose. And yet a door alone, removed from any. wall stranded in space, might be an image apt as any key. But key or door. theet's sil some substance there. Pethaps 2 doorway's best a blade of empty space caught ina frame Tf one removes the frame, there's nothing left TH Nem twdo que tensi perdi, Retou 2 nei dee age of lg we ndo s pode sr, mat #6 te sido fertou a tentagio do nada, nunca na {Go forte que vencesse ese meu medo Que €s cols mal honesta que bi em im, Sobros também o habit vadlo de me vicar do aveto ¢eamiugae Ss emogSes como quem espreme espinas Mas nada dingo dot a dor € um Sido ue a0 sm teppo gue cor ns ue arde mas peefuma: Isso que ew sinto Etim coctra que vem Is de dentro ¢ me dene som dignidade alguma wv ic is not loneliness as much as self — or rather, something else? an inward glance that overpractice turns into a gaze and terror freezes to a blank blind stare Ie is less than a vice, yet worse than just a habit such as gnawing at one’s nails there's more bite to it, and what is bitten off though no poison. is far deadlier than bone One who lives so is one alive, of course, but rather lingers than lives: ‘one may love, or bate, but in a listess, doubtful way, 38 one who knows the cune but not the words; and when one dies, it's death, but with a taste ‘of something like relief — though not as sweet eee vi So much anticipation. so much pain, for such a lean morsel of pleasure —— lost almost as soon as gained, a joy scarce worth, the paltry price of guilt one has to. pay. What pleasure’s this, that flees and leaves no trace but the taste of one’s own tongue in one’s mouth? And what is guilt that knows no sin, no crime except for the regret of knowing none? ‘There must be more to pleasure than a spasm and gush, one hopes: and guile should be more vicious, tear deep into one's flesh, one fears (and wishes — it takes a drop of blood to make wine sweet and rich, one knows) — yet one can only guess and dream and groan, And then reach for the phone. vu A consistincia exata dessa insOnia, 2 forma certa desse medo, 0 gesto eco que rejeita essa necessidade abjeta de ser quem nio se 6 — 4 accitacio completa da vontade insuportivel de quoter o que se quer, 2 sede obscena de tragar © copo junto com a bebida — coisas fap simples, que 66 pede 2 pacénia Sibia dos que aprenderam a se aturar. ‘santa complactncia de quem lambe 4s prOprias chagas e aprecia 0 gosto — rio por requinte de nojo, mas s6 por nunca haver provado outro sabor. Vill Of love there is one kind one must accept but not in full, Te must never become a part of oneself, but rather be worn oF carried about — one may flaunt it then, flourish it. even hold it upside down to attract attention, bare it in public boast of it in the streets, in crowded bars, in bed: press it tightly against one’s breast, touch it, embrace it, fel it to the bone, HEE its warmth, its smell, whacever oozes from its pores, drips from all its openings — and yet at any moment be prepared to drop it like a turd, shed it like skin, fear it out like a tooth, and never miss it Na solidio inconfessa do amor de ver em quando alguna coisa incémoda vem até tona pata nspta, nos contempls, muda, enabulada, om a Tagua imonda de fora, arian io que ti soubssemes que ao fundo ds doe fla postive scbrevvn alguna rt fra cepa como om, eptrando sm pressa‘um momento insatisteivo deinen para nos tacts mat va sssim 9 implora di pena, medo, Cojo. Eo jeto € afagila um povco, aE que ca mergue outa vez Love, what is it im you can take a shapeless chunk of cringing flesh like mine and somehow turn it into something like a man, Blow life into a fleshless frame, breathe something of a soul into a swollen mind out grown of body — of need for any food soever save tasteless hardtack of self? What js it in you makes me dare such dreams as madness would not dream of? write words crammed near to bursting with something less than sense Yyet_more, far more than meaning? sense such joy as hopelessness had taught me not to taste? What is it in you love can smash me so it makes me wish never again be whole? Duas Bagatelas (© que conhego de mim E quase 56 0 que se © oque sei & quase 56 © que nio quero saber. Resta saber se isso tudo 56 © comeco ou se & 0 fim ou — 0 que é pior que tudo se € tudo, 1 Entio viver ¢ io, essa obrigagio de sr feliz 2 todo caso, mesmo que dos, de amma algnma coisa, qualque cis, ‘ma causa, um corpo, 0 papel fm que we seer, ado, a canes ate dae até 3 neagio de amar imeem que doa tarda vier & 98 ; tsi contato, ee elo, ‘Tres Lamentos Inevitivel essa noite como a dor surda que segue © inesperado do golpe. Inevitével a lembranca que a noite arrasta consigo Ro mesmo saco que o escuro, 8 insénia, 0 tédio, as estrelas © 08 outros trastes do oficio, Inevitivel esse espaco ue ja nao guarda mais nada do que a meméria gravou com marca de ferro em brasa ddo que cravou na meméria como s6 um corpo se erava, Love — a kind of burrowing insect. loathsome but colorful, lethal but rather nice love dug 2 sort of tunnel in my chest. bored deep into my bones, consumed the marrow and drank my slipslop blood, and ate bis way through flesb and skin dnd came out on the opposite side, then reveled in the fresh air for a moment and waved his sharp antennae in the ait, then unfolded his wings and flew on. Mt Nada nas mios nem na cabega, nada no estmago além da sensagio vazia de haver ultrapassado toda sensacio, 8 em estados assim que se descobre a verdade que se cometem os geandes crimes, os gestos ‘mais sublimes, ou entio nio se faz nada E como as cobras. As mais sitenciomas de corpo mais esguio, de cor esmaccida, destilam o veneno mais perfeito, Assim também os poemas. Os mais contidos « lisos, os que menos coisa dizem, destilam o veneno mais perfeito Natureza Morta Na penumbra facil do quarto entre duas presencas contiguas ‘incémodas, desencontradas) hiv brota nada de vivo {ue o simples contato das peles milo vare de lado a lado, info nasce nada que — morto ‘quando se completa o ato — iixe residuo mais forte que um vago cheiro de tera ‘nu dle mato. Balancet¢ Antes quis ser normal Como todo mundo, quis ser todo mundo, Até a estupidez albeia me era santa, or ser raiz dessa Felicidade bests ‘de quem s6-sabe ser feliz, Nisso fracassei, como tantos outros. Fabriquei outros projetos, bebi de um trago s6 © esterco do ridiculo, e constatei aque © gosto era de mel © mel enjoa. Hoje sou quase puro, quase honesto, competente, estipido como toda gente, 0 espelho exato do que nio quis, ow pude, ow soube ser Falhei até no fracasso, Agora o jeito € me encarar de frente © me reconbecer. II Concerto Campestre © tesador de tuba srranca uma miisiea grossa e suja dos intestinos do metal As frvorss, albeias, se arrepiam todas ante esse ronco duro e gutural. (Tie verdis. elas ) (© eu, azul, perfeitamente Timpo natural, com um gesto brusco de ombros repele as notas roucas, que mal levantam véo « st esborracham no chio, gordos turubus atingidos em pleno ar. Indiferente, o tocador de tuba pira ¢ cospe continua a tocar. % Piada de Camara A invengio da palavra desinventa o real © poe no lugar da coisa tum enfezado matagal — smistura de a coisa aver com nio haver coisa tal E quem 20 pé desse mato tocaia algum animal ‘que tenha pé ¢ cabesa pele escama piélo ow pena fencontra mesmo € um poems afinal. Logistica da Composicao 86 0 sonho é inevitivel. Quanto a0 resto, hha sempre a possibilidade aberta de fazer outro gesto, dizer uma palavra que € 0 contrario de si mesma. De'puro ha a alucinacio, a imagem de alguma coisa rara excorregando. por entre dedos que se fecham em garra, fgrudentos de vazio. (Fora a caneta, Eclaro,) De absoluto hi sempre 0 corpo com seus prolongamentos — bragos, pernas, vuma cabeca que inventa tudo — feessa vontade & toa de ser 85 fo que @ jancla mostra, um chio, um poste, tama paisagem dspera de ra, How It Is To wring words out of one's most wordless states, bring chaos to a particular order Of the mind: to mince mind back to brute matter, then grind it to dust. and from this dust bake subtle blocks of sound or shape or simply space. And what one builds with these blocks, oF bricks. is what one knows cannot be reached or caught but only built: the thing that won't come near of its own will: the thing that shies away, that won't be killed or shooed back into a space ie very likely never filed: the thing that ean't be looked in the face, yet can gaze quite fixedly into one's eyes: the thing that lies behind it all — or so one thinks, Dos Nomes Se tudo que se pode revestir da couraca inconsitil da palavra fosse algo mais que um vicuo provid se atris de todo nome houvesse sempre alguma coisa concreta, capaz ide se deixar quebrar — se todo nome fosse mascara ¢ no rosto, e 2 coisa fosse 0 fogo que hi sempre onde hi fumaca falar seria entiov sempre dizer, dar nome & coisa nio seria mais que ver na superficie da semente 4 planta por naseet: « a sensagio incSmoda de estar a todo instante fem algum Iugar — isso seria se jurgia da Matéria 1 Génese © mundo comeca nos olhos, se alastra pelo rosto, desce © peito €0 dorso, ocupa o ventre, invade as petnas e os bragos. ¢ termina na ponta dos dedos. ‘9. mundo comeca pelos othos ‘igua, se espalha entre as pedras, € disperso pelo vento, sobe a0s ans penetra as profundezas da terra, e se consome no fogo. ‘© mundo comesa como um olho aberto, sem pilpebras nem cilios, s6 iris e pupila, imerso ‘numa érbita profunda, onde resvala fe some num piscar de olhos. Saber a gua exata desse instante © no beber — nio por estar sem sede por disciplina de gestos, pudor de coisas puras, repidio que inspira esse contato direto ¢ brutal que amassa tudo aquilo em que se encosta que $6 no embota e mata aquela sede que 4gua nenhuma no mundo consegue apaziguar. Dai o gesto austero de recusa 56 aparente — fingida saciedade de quem sequer provou —, de colocar entze 0 olhar ¢ a coisa © intervalo necessitio, a fenda por onde escorre © agudo, o crstalino, Mm Graca A quem no meio das coisas sonha 0 real fe que apesar dos sentidos crf no que ba fe que inventa além do gesto 2 forma do ato, f sente 0 peso do todo hha menor parte a esse, a vida concede © premio sem par a consciéncia do branco © 0 gosto do ar. Credo Se cada coisa dada a perceber Jmpée a crenca em sua forma e peso fe cor, ¢ impinge a supersticiosa accitacio da causa de ela estar ali e mio noutro Tugar qualquer. fe ainda mais — a cega conviecio dde que esse estar ali € tio real quanto 0 se estar aqui a pereeber elaborar pata consumo préprio (@ momentanco) uma religido inteira de cores, formas, pesos, causas — cudo isso que € necessirio crer — entio como exigir de nés, que a cada instante cremos em tanta coisa. ainda mais f@? Vv Revelagio A verdadeica lei da matétia ‘io esti na forma ou no peso, no ests estampada sem pudor na face devassada da coisa, porém na mio que molda, no olho que invents, nna distancia desmedida entre a pele © a medula, 18 onde 86 0 verdadeira materialista se aventura, VL ‘Teogonia © que vejo em teu corpo descoberto € mais ou menos 0 que sei do meu: aquela maciez enganadora das frutas doces de caroco duro, de tudo o mais. Mas sei (ou adivinho) due atris da pele, além das samambaias sgrosstiras do visivel, ali se arvora © travo opaco do real, améndoa seca do set. Comer seria facil (ainda que amargo) nio fosse esse verniz viscoso que embaca minha vista, que te reveste 0 corpo feito carne que transforma as coisas num desejo limido de morder. Dai os deuses. 6 Profissio de 15 nio consgo mais scrditar em nada que aio se oferega dé 2essa ama traigoia fina do dive, que no se fag Tousa frie lis, nada: que nao se deixe fxatamente em seu Ingar presi © como também nio se amar seo oa te oa tetaea ese fazer poi coisa Sopra Aue nio cabe em parte agama, que esp: 2 toda identifiagio, que escree € permanece toda inteita ¢ urn, nonin, amorfs, indecifevel ‘Tres. Epifanias As coisas mais inocentes, que mais se empedram em si 25 coisas que menos importam, as mais esquivas e ariscas, 8 coisas mais substancias, que menos fedem a vida sio elas que mais oprimem nna hora definitiva — no ba pior testemunba que = pureza absolut, 1 E como um vento frio, um sopro due sai de dentro da gente lum arrepio que gela o sal do sangue e faz trincar os dentes, © toma o corpo todo, ¢ no perdoa um 86 fio de cabelo, © atde sem chama, € queima a pele feito um pedaco de gelo, conde passa deixa matca, tum castro fundo, quase um corte. que d6i mais que consciéncia ‘mas néo chega a ser bem morte a ur A posigio de um objeto. em seu lugar natural nna geometria de um quarto no britho artificial cde uma limpada fia € 0 inconfundivel sinal cde uma ordem manifesta soberana e mineral que desafia os gestos da mio que busca um final. Elogio do. Mal A uma certa distancia todas as formas sic boas. Em cada coisa, um desvio: em cada desvio nio hi nada A mio diteita, a explicagio perfeita das coisas. A eequerda, 2 certeza do inatil de tudo. “Ter duas mios € muito pouco. or isso, por isso os nomes, (5 nomes que embebem o mundo, © 05 verbos se fazem carne, © 08 adjetivos birbaros. 2 © mundo se gasta aos poucos. A coisa se basta a si mesma, ‘mas no basta 20 que pensa tum mundo atulhado de coisas que se apagam sem pudor. que se deixam dissipar como quem nio quer nada Existir € muito pouco. PPor iss0, por isso os nomes, (os nomes se engastam nas coisas © sugam 0 sangue de tudo. © sobrevivem a0 bagaso © negam a tudo © dieito de 86 durar © que é duro, © roubam do mundo a paz de nio querer dizer nada, Bendita a boca, ssa fetida funda e mi, Materiais A utilidads ds peda: fazer um muro a0 redor do que nio di pata amar rem desteuit A utilidade do geto: apaga tudo que arde fou pelo menos disfarca, A utilidade do tempo: 0 silencio. nia [Na noite impercarbivel infinitamente leve 4 consciéncia se exbate espécie de semente sobre um campo de neve neve macia ¢ negra intensamente morna ‘onde 0 tempo se esquece na inércia indiferente das coisas que 85 dormem onde, alheia a0 mistério de tudo see evidente inteiramente encerrada dentro do espaco exiguo que & dado a uma semente indit como feuta ‘que no foi descascads © apodreceu no ps. jaz a semente aguda profundamente acordada, Persisténcia do Sonho Entre o momento ¢ 0 ato ‘que preenche esse momento |i no entanto um intervalo — hiato entre o estar e 0 tempo dominio branco ¢ exato do que jamais vem a ser esse espago sem medida — ou tempo incomensurivel — ‘© que de ser chegou perto sem chegar a ser de fato se cristaliga ma forma desconsolada do nunca porém — por obra do quase — permanece aquém do nada. quando se fixa para sempre © inevitavel das coisas — histéria Gnica do real — a inexisténcia precisa ¢ insistente do possivel privada de espaco e tempo penetra mos poros dos seres Permeia 0 ato e 0 momento — névoa densa e teimosa ‘que no hi sol que dissolva. Of Consciousness as a Kind of Toothache ‘The precise shape of the chair against a wall of sullen white will not surrender any such meaning as you might possibly divine (This hurts.) ‘Try once again: There is a wholesome chair against 2 blissful wall of utter white ‘The chair is absolutely stil, and in its sharp starkness of shape it stands out like a shriek of agony against the whiteness of the wall And that is all (This positively. ures ‘There are no chairs in Eden, where words live out their dismal fare and die for want of solid food, And in this room of frozen furniture and wall of white, no meanings date make entrance and face the fierceness of wood, the rigor of brick the nameless horrors of a silent room drenched in attficial light.) ‘This hurts like hell, But there's no balm in Chaistand, zno comfort in the vault where meanings lie and wait uatil they die. ot Espiral A noite & um morsego manso sobrevoando uma cidade quase adormecida, tomando cada rua. cada casa, como um cheiro adocicado de fruta ‘quase apodrecida que penetrasse uma casa ganbasse cada quarto, cada sala, como cheiro morno de coisa morta ainda hi pouco se espalhando por uma cidade quase entorpecids, como uma noite que descesse sobre casas ‘mortas, como uma peste, como se nunca houvesse havido dia AA noite & um morssgo mort. Duas Fébulas sem Moral ‘A door opens into the unknown, you walk right in, you make yourself at home. ‘The room is brightly lit, the armchairs warm and plushy there are pictures on the walls, ashtrays, and a table where supper has been laid ont just for you. Behind the sofa is a dark corner, which you look into just in time to catch one flashing glimpse of the gleaming white teeth of the Unknown, who grins at you, and with a click is gone forever ‘Cumpridas as ordens divinas ‘os maias se afastam em silénci. Mas 0 deus nio ficou satisfeito. Os sacrificios, as oferendas todas 56 conseguiram aborresé-lo ainda mais. Os maias (ou astecas) se detém a uma distancia [respeitosa consultam 0s instrumentos que ainda aio tiveram {tempo de inventar. Toda sua ciéncia se desacreditou agora. idoto, estrangeiro, no thes di respostas (cle préprio & a negasio de uma resposta) Os astecas, téenicos, calam a pergunta milenar. © idoto (sioux, ou tupi), de boca escancarada, parece gritar uma deniincia muda gue ninguém ouve (ou quer ouvir) Os maias, ou astecas — talver incas — se debrucam [sobrios sobre as maquetes ¢ diagramas, tentando entender 0 que fizeram de ertado. (Apesar de ja saberem.) O deus boceja. entediado, {absoluto. 0 Aqualouco A verdadeira diferenga 56 se sente depois do fro, Antes € s6 um salto, um mergulho imprudente como se eternidade fosse gua gelada, como se © nada nio fosse mais que um tio. Depois somem as palavens faccis (Ceternidade", ete.; v. acima) fica $6 0 fundamental © vémito, © medo, 0 adeus, a vontade de assassinar todos os recém-nastidos do Egito, como se alguém tivesse culpa de uma coisa {que afinal foi voc® mesmo quem escolhen Depois vocé € obrigado a acctar. Nio adianta pressa. Nao ha mais compromissos promessas, fiado, fé, Nio. B 86 um entregarse as citcunstincias, submeterse is exigéncias da. matéria, dos elementos, “causalidade”, “aceitagio" etc. como antes, E sempre Uma Criatura A julgar pela casca € vinda de longe, muito talvez longe, de além de mares antigos ¢ penhascos, de onde praias ¢ ilhas cansadas s¢ espalham muito além de onde aleanga a vista A julgar pelos pélos pardos e escassamente povoados. vem de terras quentese dridas, quase abandonadas a no ser por cles proprios, péles alidos e bacos, A julgar pelas planicies no dorso certamente viri das montanhas, Memento Quando te levantares do p6, ah mas vocé nem pode imaginar 0 quanto se movimentaram tudo todos para que 0 vicuo entio formado fosse devidamente absorvide absolvido olvidado pela existéncia do em volta, A chuva naturalmente evita cair nos Iugares onde voet permaneceu por muito tempo, © tempo, bem ele agora se desenvolve segundo um sentido multidircionl, quer dizer, né, de formas que aquilo que era antes — sido, pois — vem depois morder a cauda do que em vias de sacou? ‘Agora, as formigas continuam mais vivas do que nunca Ainda ontem devoraram um impéio. Dos Rios 0s rios foram feitos pra fugir cada um de sua propria condigio de ser fiquido ¢ Tinear: perene © a0 mesmo tempo efémero; litico f econdmico — pois que recurso natural ‘inico ¢ miltiplo: imével, mas flueate: ou, simplesmente, fluvial — ‘mas por isso ¢ felizmente lo-somente por isso 08 rios foram feitos pra fugir. fluir, no para analisar — nunca pra analisar! — para fui, Poema-Posficio ‘The last pages are never the best pags ‘They let nothing else be seen They've failed the hope of being what No page could ever hope to be ‘The last pages are never the worst pages At least one lie they've left untold: ‘They never promised after them Would come a single truthful word Compt © impreno wo Deparsamento Grace do MAF eon Aristides Labo, 106 — R] Noveniio 182

You might also like