1999A Bractea de Siracusa PDF

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(CARLA MARA BRAZ MARTINS A BRACTEA DE SIRACUSA E AS INFLUENCIAS MEDITERRANICAS NA OURIVESARIA PROTO-HISTORICA EM TERRITORIO PORTUGUES SEPAPATA OAS AGTAS DO | COLOGUIO PORTUGUES DE OURIVESARIA CIRCALD OF. JOSE OE FGUEREDO EB A BRACTEA DE SIRACUSA E AS INFLUENCIAS MEDITERRANICAS NA OURIVESARIA PROTO- -HISTORICA EM TERRITORIO PORTUGUES CARLA MARIA BRAZ. MARTINS 0 Mediterraneo Oriental desde 0 11° milénio a.C. € percorrido por uma vasta rede de intercémbios cultarais servindo o corredor Sirio-Palestinia- entre Chipre ¢ 9 Mundo Micénico a Oeste, Mesopo- ipério Hitita e posteriormente neo-Hitita a Norte e o Egip- No entanto, esta rede de transacgdes relativamente estivel, vai-se alte- rar cerca de 1200 a.C, altura em que ocorreram as chamadas invasées dos povos do mar que provocaram 2 instabilidade ¢ destruigio de muitas eida- des-estado fenicias. Estes novos povos vio-se estabelecer iia costa Sul da Palestina, desde Gaza até Askalon, sendo conhecidos por filisteus, muito influei dos no entanto, pela cultura de canaa e egipcia. As cidades-estado fenicias, que nao foram muito afectadas por estas convulsdes, continuaram a sua actividade mercantil, desenvolvendo uma ar- le Sirio-Fenicia, que comporta as influéncias dos principais povos que a rodeiam; . assftios, hititas, egfpcios. Sidén e Tiro serao dois exem- plos, percorrendo os seus habitantes 0 Mediterraneo; Chipre, Grécia, Etrt- ria, Peninsula Ibérica, fazem parte dos itinerdrios por cles percorridos. Até mesmo a costa Atlantica da Peninsula Ibérica & percorrida na busca de es- tanho as ithas Cassitérides, 0 tipo de produios que circulavam nesta vasta rede de transacgbe: ‘os bens de luxo ¢ as matérias-primas que entram na composigao da sua pro- so 165 dug, ¢ em paralelo com as transaccées que reulizavam, os fenicios tam- bém assimilavam na sua cultura elementos das diversas ¢ dispersas eultu- ras com as quais estabeleciam contactos, tendo simultaneamente um papel de receptor e emissor Daf que por todo o Mediterraneo se tenham difundido elementos iconogréticos de origem oriental como sejam ': 0 led, de origem Sirio- -Hitita; a pantera, frisos de animais, cenas de banguetes, procissdes de oferendas, entrangados; motivos vegetais como a flor de Tétus e a palme- ta cafpcios; as sereius, grifos e centauros, Triton, Pégaso € animais afron- tados; 0 deus castigador, com provvel origem no Egipto ¢ na Mesopotamia; © disco solar alado originério do Egipto Todos estes elementos decorativos aparecem na ourivesaria que ci cula pelo Mediterraneo, ou sob a forma conereta de jéias, que silo troca- das por outros bens, ou sob a forma de ideias a que localmente 0 ourives indfgena daré forma conereta. ‘O mesmo acontece com a tecnologia: a solda, a filigrana e © granu- lado, patentes na ourivesaria grega, etrusca e ibérica, terZio tido o seu ber- go respectivamente no Oriente, no Egipto € na Suméria, tendo sido difun- didas pelos fenicios, que cerca do séc. IX a.C. se voltam de uma forma mais sistemiitica para 0 Ocidente, Mas no sie s6 os Fenicios que percorrem airosamente as aguas do Mediterraneo, Também os gregos 0 faziam, De facto, os gregos estabeleceram centros comerciais no Oriente. Al- -Mina, criada cerca de 825 a.C. na desembocadura do tio Orontes. € um exemplo; é uma povoagiio, mista de gregos eubeus, fenicios ¢ cipriotas, € tem um papel importante nas rotas comerciais com a Cilicia, Bufrates e Urar- tu ° Tell Sukas, na costa da Sfrio-Palestina, é um emporiunr grego assen- te numa povoagao oriental ¢ fundado no sée, VII a, C.; € cerca de 370- -526 a.C., no Egipto, & criado um centro comercial — Nauerdtis (assen- te sobre a cidade indigena de Pamarat), resultante de uma concesstio Co- mercial do faraé Amésis. A Grécia assimila, pois, progressivamente formas ¢ ideius orientais, assumindo simultaneamente 0 papel de receptora e emissora dessas mes- ‘mas influéncias, que chegam & Citia, Etriria ¢ até mesmo d Peninsula Ibérica. | ALMAGRO-GORBEA. 1986. 2 ALMAGRO-GORBEA. 1986. 166 67 Jano séc. VIL aC. (630 a.C.) os gregos comerciavam com o Sul da Peninsula af estabelecendo feitorias ¢ col6nias: no Castro de Romariz, em Vila da Feira e no Castro do Coto da Pena, em Caminha, apareceu um frug- mento, em cada uma, de ceramica dtica, semethantes a outros de Castelo de Faria (Barcelos) e Sto, Estévao da Facha (Ponte de Lima) *. Em Huel- va a presenca do comércio grego faz-se sentir muito intensamente em 580- 550 a.C.. 0 tipo de comércio que predominava era o de luxo, destinado as elites sociais indfgenas, sendo a associagio estratigréfica a fornos de fundigdo de prata, um reflexo do objective das transaecdes comerciais * Em meados do séc. VII a.C. 0 mercado tartesso-fenicio entra em cri- se, acentuando-se posteriormente com a queda de Tiro (573 2.C.), dando entio preferéncia ao comércio greco/focense, cuja politica colonial entre- tunto havia mudado. A assimilagio das novas tecnologias € gostos mediterranicos podera ser maior ou menor, consoante a resisténcia a elementos estrangeitos: no enlanto, aguando recebidos € acoplados ao substrato indigena, podettio per- dor na maior parte dos casos a sua simbologia original. Dever-se~i sali tar neste processo, © papel de comerciantes € vendedores ambulantes, que por vezes eram acompanhados de artifices ¢ ourives fenicio-cartagineses ou lartéssicos 5, que circulavam por toda a Peninsula transportando consige ideias e formas bastante coneretas, como é 0 caso da ourivesaria © de que €exemplo a bractea de Siracusa, uma bonita e frigil pega em ouro, de ca mediterranico, ¢ que se insere num estado mais alargado sobre ourivesaria «A Ourivesaria Proto-histérica de Portugal. Influéncias Mediterrdnicas» Trata-se de uma j Braganca, em (840, que actualmente se encontra depositada n0 Gabinete de Numismétiea da Camara Municipal do Porto, com 0 németo de inven- titio 82.B.193 (Est. 1. 1). A sua designagao de bractea deve-se A constituicio da sua estruturt; de facto. © bractearius ou bracteator € 0 homem que transforma 0 ouro em finas laminas ou folhas (bratteae on bracteae) *. Ap6s obter uma bar ra de ouro. o ourives martela-a, possivelmente numa bigorna ou cepo de madeira, envolvenda-a em peles para nfo a perfurar, até atingir a grossura a ia em ouro, simples, descoberta nos arredores de * SILVA. 1986. p. 136. + AUBET SEMMLER. 1986, CARDOZO. 1957. p. 18. Dissertagde por n6s defendida em 1996 como wese de Mestrado om Argueologta » CARDOZO. 1957, p. 18, ¢ largura pretendidas: como & Sbvio, 2 lamina assim conseguida teria di mensées varidveis, que 0 ourives tinha o euidado de regularizar. "A técnica da folha de ouro sera o mais antigo trabalho de ourivesatia Na Mesopotamia, em Tepe Gawra, timulo 109, aparece um diadema datado do 1V milénio a.C., No Egipto, o seu fabrico remonta & IP dinastia (2890- “2686 a.C.), como o sugere uma pepita com tragos de martelagem, apsrecica fem Abydos; a partir da V" dinastia (2494-2345 a.C.) as fothas «ém 0.001 nm de espessura (In) *. © mundo greco-micénico aprende com o oriente ste trabalho (eventualmente Creta terd servido de intermedisrio) *: na Peninsula bérica surge na primeira metade do NI milénio aC. °. "A lamina ter sido entio cortada em forma de placa, com um cinzel ‘ow tesoura, sendo posteriormente brunida e polida com pequenos seixos OW ‘arenitos. O resultado sera uma placa com as seguintes dimensoes: 47,7}mm dde comprimento, por 43,10mm de largura, com 0.50mm de espessura: o seu peso € de 9.263er.. |A bractea apresenta como decoragio uma eabeca da ninfa Aretusa (ou Perséfona?) " coroada de folhas de trigo, com um brinco de trés pen: dentes e uin colar de contas ne colo, senda rodeada de quatro golfinhos (dois deles afrontados); em torno desta elegante composi¢ao, deparamo-nos comm a seguinte legenda: EYPAKOEIQN - Siracusa (em cima da cabeca) © EYAINE - Euaine(tos) ", assinatura do artista (em baixo do colo). A espessura no baixo relevo é de 1,81mm. © provesso utilizado na execucao dos motives decorativos poe-nos wna interessante problematiea. 'A peca foi observada & lupa binocular, © que nos permite afirmar gue io existe qualquer vestigio de pungwo, buril ou cinzel, O destocamento ddo ouro, por pressio, fez-se a vertical, ¢ somente na decoragio em rele vo, inclusivé provocando algumas perfuragdes aa placa. Daf que se posse concluit que © processo usado fosse o da cunhagem do reverso de um decadracma de Siracusa, datével de 400-370 a.C. Bra frequente 0 uso de tipos monetirias eomo decoragio de pegas de cerdmica e de ourivesaria, No entanto, a representagiio existente nesta © NICOLIN, 1990. p. 69-70. NICOLINE, 1990. p. 73 ™ NICOLINI, 1999. p. 65-66. 4 PINTO, 1930. p. 15 PINTO, 1930. p, 15: CENTENO. 1987, p. 192. 8 CENTENO. 1987. p. 192. 10 Est, tL Vestes inbrattemae bractea difere das dos decadracmas existentes, on melhor dizendo dos conhecidos e catalogados por Gallatin '; as moedas conhecidas apresentam tum circalo de pérolas, inexistente na bractea, que tem os seus paralelos mais préximos na série C de Gallatin, sem que no entanto reproduza um cunho ". Acrescenta-se ainda o facto de que nas moedas o relevo é mais alto, rondando os 3mm; no entanto, a bractea poderd ter sido achatucla Entre a marca circular do cunho (Est. J, 2), observavel no reverso da peca, € @ assinatura do artista deveria existir pelo menos umn espaco que eventualmente correspondesse ao circulo de pérolas. Como tal no acon- tece, poder-se-d deduzir que 0 cunho ¢ moeda usadas fossem desconheci das para Gallatin ow enti tratar-se-d de uma moeda recortada pelo cireulo imerior das pérolas, pelo que o seu didmetro é inferior a0 das moedas catalogadas. A marca do eunho poderia também ter existido no anverso da pega, que Por uma questao estética deverdi ter sido eliminada através da martelagem. Nos bordos da bractea, poder-se-& observar pequenas perfuragdes com ebarbas, eventualmente elaboradas por grossas agulhas de metal ow pedra, ou por um peso , com a finalidade de permitir prender a referida pea a tum tecido — vestes imbratteatae " (Est. I). Como adoro de vestuério que 6, 86 @ sua contextualizagtio poder$ ser indicador do sexo do seu portador. Esta joia tem paralelos ta arte tumular do Préximo Oriente (sendo as pecas mais frageis ¢ delicadas) ¢ nas bracteae com cabega de Demeter, Great Bliznitza, de 330-300 a.C., € com dangarinas, Kul Oba, 350 a.C. ”. O seu Uso nao terd sido regular, pois caso contrério ter-se-ia feito sentir no seu desgaste ®. Um factor que afecta esta e muitas outras pecus é 0 sew achado ser | ocasional ¢ descontextualizado, dificultando a sua interpret " Informagéo amavetmente cedids pelo Dr. Christof Boehringer. Universidade de Gatiingen, Info | \ GALLATIN, 1930. | wed amavelmente eedida pelo Dr, Cheistnf Boehringer, Universidade de | Gottingen | Espécie de boca que permite # elaborseio de furos. constitwida por am votante sssocitdo a um travess20 que gira numa haste: fio preso a0 travessio ¢ que passa por 1um buraco através da haste principal. quando orci. movimeata o pe i © princpio da inéreka, fara a metal "CARDOZO. 1957, p. 28, WILLIAMS: OGDEN. 1994, p. 194 9" 127 © p. 156 o° 90, A bruvtea de Si WSo upresetita ns sua superficie matcas Ue wna limpeze mecinica Mm SSS Tendo em vista 0 aprofundar dos conhecimentos em relagio & brac tea de Siracusa, efectuou-se uma andlise de fluorescéncia de raios X, le- vada a eabo no Fundo de Fomento Mineiro, Porto, € cuja interpretagiio dos resuillados esteve a cargo do Eng.” José Inicio Martins, FEUP (1994): ouro com uma percentagem igual ou superior a 99%, cobre com am nivel infe- rior a 1% € apenas vestfgios de zinco, sendo considerada uma peca de «ouro fino». ‘A problemética em torno desta j6ia reside no facto de poder ter sido feita e wazida por gregos, ou por romanos, tendo neste Ultimo caso uma data posterior da moeda cunhad Contudo, tendo em conta o estudo efectuado, que revela uma grande perfeigtio © mestria por parte do autor da bractea € a posse de uma pega de acesso restrito — cunho, poderemos conchuir de que a pega em ques- {do sera provavelmente grega ", trazida durante 0 séc. IV por mercenérios hispanicos que integraram exércitos pinicos © gregos ™ ‘A compreensio da tecnologia usada nesta j6ia s6 foi possivel através de um estudo etno-arqueolégico da ourivesaria tradicional. Para tal, recortemos ao CINDOR, em Gondomar, Porto, que rectiando todo © pro~ cess0 utilizado no fabrico da bractea, nos permitiu um melhor entendimen: td das tecnologias empregues (Est. Il e IV). Agradecemos portanto, a0 Eng.® Lobo, director da Contrastaria do Porto, pefo empenho ¢ disponibili- dade prestadas; ao Sr. Fernando Pinto que cedeu o cunho, moeda e matéria- prima; ao Eng® José Carlos, direetor do CINDOR, onde se efectuou a experigneia e ao Sr. Justine que a executou. Bibliografia ALMAGRO-GORBEA, M.. Mundo Orientalicante. «Revista de Arqueologia, extra n® 1, (1986), p. 58-73. Tartessos, Espa AUBET-SEMMLER, M. E., Hori queologia», Tartessos, Espana, extra n° 1. (1986). p. 58-73. mite cultural Protohistorico. «Revista de Ar BLANCO FREUEIRO, A., Orfebres prerromanos. «Revista Arqueologia / Et oro cen fa Espatia prerromanay, Madrid. 1989, p. 5-15. % Opinio eonfiemada pela Dra. Katerini Liampi, Como de Invest daudes Grogas e Romanss. Atenas MATEM Y LLOPIS, 1990, p, 8: DURAND. 1993. p. 113-161 wo do. Antigui : F B E CARDOZO. Mario, Das origens e téentea do trabatho do ourn e a sua relagdo com a joatharia arcaica peninsular. «Revista de Guim: ¥. LXVIH. 1957, p. 5-46 ¢ est. X. 18, ries», Guimariies, CENTENO, Rui Manuel Sobral, Circula igda monetaria no Noraeste de Hispania aie I . tese de Doutoramento, Porto, 1987. DEMORTIER. G.. Le cadnium a-tit é€ milisé dave Vorfévrerie antique? ~*Archeologia (Préhistoire et Archéologie}». France, n° 176, 1983. p. 41-50. DURAND, Matthie Ue, Histiria abreviada da Grécia Aut Not iga, Lisboa, Editorial 1993, p. 13-161. ELUi P- Christiane, Les seerets de or antique, Paris, Payot, 1952, GALLATIN, A.. Ssracusan Dek Aadrachus of the Enainetos Type, Cambridge, Mass, 1930, Inventirio da secedo de numismética dar Camara Municipal Ln 4, série - pregus e derivadas. subsdivisio - dem 415, p. do Porto, Porto. ¥. Siracusa, Bractea, n° de or- MATEU Y LLOPIS. Felipe, De la Magna Grecia a Iberia: eontactos de Oceideme con el mundo monetal hetentstico, Boletin del Museo Arqueoldgicn Nav sionals, Madrid, tomo Vi, n® 1 © 2, 1990, p. 5-12. NICOLINI. Gérard, Techniques des ors antiques — la bijonterie ibérique du Vit ‘an IY sidete, France, Picard, 1990, v. 1 PINGEL. Volker. Die vorgeschicitlichen Goldfiunde der Iberischen Halbinsel: eine archaologische uutersuchung Sur Auswerting der spektralanalysen, «Mi rider Forschungers, Berlin, 17, 1992, p. 288, n® 234, est. 100. 3, PINTO. Rui de Seipa, Achegas para um catdtogo, I~ Bractea de Siracusa, «ei- Peiron, Porto, IV série. n® I (171), 1930. p. 15, SILVA. Armando C. F. di. entra castreja no Noroeste de Poruigal, Pagos de Ferveira, Museu Arqueolésico da Citinia de Sanfins. 1986, SILVA, Armando C, F. da: GOMES, Mério Varel: Lisboa, Universidade Aberta, 1992, Proto-Histéria de Portugal, WILLIAMS, Dyftis OGDEN, Jack. Greek gold, jewellery of the classieal wort, London, Trustees of the British Museum. 1994, 175

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