Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 12
A PROPRIEDADE FAMILIAR EM GOIAS E O PROCESSO DE MODERNIZACAO DA AGRICULTURA Libertad Borges Bittencourt" Resumo ( presente trabalho objetiva proceder a uma reflexdo sobre a questiio modemo versus tradicional na agricultura brasileira, num quadro em que tradicional acaba por ccaracterizar a pequena propriedade familiar, sendo essa colocada como empecilho para a ampla modemizagio do setor agrério no pais. Essa bipolaridade, opondo de maneira simplista modemos ¢ tradicionais, escamoteia a politica governamental que privilegia a grande produgio e a agroindistria, O esgotamento do modelo de modernizagto ver abrindo novas possibilidades para os sujeitos antes excluidos e nesse contexto resgata-se 4 problemética da pequena produgio. A conceituagio de modernidade abre espago para iniimeros enfoques, muitos dos quais procuram resgatar a propria identidade dos povos que, teoricamente, buscam vias para um proceso modernizador igualitario. Enrique Dussel afirma que na América Latina a ‘invasio” e a “colonizagao’ excluiram muitos sujeitos histéricos que sto a ‘outra face” da modernidade. Sao os oprimidos que ainda hoje sofrem esse processo de ‘encobrimento’. O autor, num embate com enfoques de Hegel, Habermas ¢ Kant, que a sua maneira referiram-se 4 modernidade, excluindo a América Latina, afirma: A colonizagao da vida cotidiana do indio, do eseravo africano pouco depois, foi o primeira proceso “europeu de modernizagio”, de * Professora Assistente do Departamento de Histérie da Universidade Federal de Goits. civilizagto, de “subsumir” o Outro, como si mesmo... € 0 comego da domesticagdo, estruturagto, colonizagao do “modo” como aquelas pessoas viviam e reproduziam sua vida humana,! Novas abordagens procuram refletit um processo que permeia a trajetoria histérica da América Latina desde seu inicio, uma vez que © marco histérico que alavancara essa “quarta parte de terra”- na expresso de Américo Vespticio ao se referir 8 América ~ dé-se em 1492. Lentamente, 0 Novo Mundo se delineou aos olhos da Europa conforme narrativa dos cronistas que 0 descreveram, passando a ter existéncia conereta, isto é, a Europa tomou conhecimento de sua existéncia. Desde ento os povos das Américas, que nao a do Norte, acostumaram-se com os rétulos que lhes foram impostos por nagdes ou organismos encarregados de gerir 0 desenvolvimento desses paises ¢ intmeros programas sucederam-se a0 longo dos ultimos anos sem alcangar a finalidade a que se propuseram: alavancar esses paises para © patamar das nagdes desenvolvidas, O resgate dessa questao visa refletir sobre o encobrimento dos contrastes que permeia os pacotes que insistem em padronizar os programas de desenvolvimento, sobretudo na América Latina, sem considerar as especificidades de etnias, segmentos sociais, regiées ete. Quando 0s movimentos histéricos passam a ser regidos pelos interesses, pelas aparéncias, ¢ impossivel superar problemas estruturais, uma vez que nao se busca a compreensio das causas que os perpetuam, mas imp6e-se diretrizes alheias a realidade que se quer modificar, conforme padrées previamente estabelecidos. Janice Theodoro afirma que devido a “uma linguagem barroca, com a qual construimos nossa historia” somos levados mais 4 “repetigdio” que a “transformagio” e que esse processo é fundamental para a constituigao do nosso ser latino’ dai uma vocagiio para o arcaico, uma enorme dificuldade de incorporar os padres da modemidade, uma vontade de se conservar imével no tempo ¢ no espago... a cristalizacdo e a estagnagdo das formas s¢ apresentam como ito de vida. O Estado ¢ a burocracia auxiliam a permanéncia, a repetigao de todo um acervo cultural, como se através dele, pudéssemos resgatar uma vitalidade original.” 8 BITTENCOURT, Libertad Borges. A propricdade familiar em Goits.. Reporto-me @ obra da autora uma vez que nela vislumbro elementos capazes de auxiliar na compreensio do processo que vivemos em nossos paises. E uma abordagem de modernidade compreendida como inexoravel, como uma via que deve ser trilhada para superar 0 atraso ¢ para viabilizar a superagio de empecilhos que se perpetuam desde a descoberta € colonizagio, Ao lado da crise dos paradigmas, questiona-se hoje a propria modemidade como projeto a ser imposto de cima para baixo. Preconiza- Se 0 respeito as tradigdes e as culturas dos mais diversos povos incluidos nas nagSes em desenvolvimento, Esse é um passo fundamental para a compreensio dessas mesmas culturas e para viabilizar programas exequiveis, que consigam superar entraves estruturais que perpetuam a desigualdade social. Diseuto-se hoje a manutengao das identidades culturais ¢ conseqiientemente o modus vivendi © modus operandi dos diversos povos ditos subdesenvolvidos, em desenvolvimento ou emergentes. A importancia desse novo enfoque, a meu ver, no invalida andlises como as da autora acima citada. A despeito de considerd-las vVllidas ou nao, analisam, sob perspectivas diferenciadas, 0 porqué das nagées latino-americanas no conseguirem romper um processo de modemizagao desigual que ndo contempla amplos segmentos da populagao. Um dos aspectos menos sujeitos a questionamentos quando se enfoca a conceituaggo de modernidade € o inexorivel refazer-se, reconstituir-se, recomegar. Faz parte do ‘ser-modemo” a abertura para © novo. Para que as pessoas possam integrar-se ¢ interagir no mundo modemo ¢ preciso que assumam essa abertura, néio apenas enquanto possibilidade, mas enquanto atitude concreta. Homens ¢ mulheres modemos precisam aprender a aspirar a mudanga... Precisam aprender a no lamentar com muita nostalgia as “telagdes fixas, imobilizadas” de um passado real ou de fantasia, mas a se deliciar na mobilidade, a se empenhar na renovagio, a olhar sempre na diregdo de futuros desenvolvimentos em suas condigdes de vida e em suas relagdes com outros seres humanos.’ Sem contradizer a esséncia da proposta € preciso ressaltar a ambigitidade da mesma, uma vez que nfo leva em conta aspectos que Historia Revista, 1(2): 37-68, jul /dez. 1996 9 impedem amplas parcelas, sobretudo nas chamadas nagdes emergentes, de se ‘deliciarem’ com a mobilidade teoricamente proporcionada pela modernidade. Essa é a questiio de fundo das propostas madernizantes: nfio consideram o paroxismo intrinseco ao proceso. Sob a conjuntura atual, no Ambito da temética deste artigo, torna- se impossivel ao pequeno produtor em Goids alavancar condigGes para scu desenvolvimento num contexto desigual, que ainda o vé como retrégrado ou incapaz de viabilizar sua existéncia numa estrutura moderna, agil ¢ em continua mutago, como sé sua existéncia n&io estivesse imbricada nesse fluxo inexoravel da modernidade. © pequeno produtor familiar mostra-se perplexo com as contradigdes do proprio sistema em que esta inserido. Luta com todos 0s meios de que dispde para superar as dificuldades, mas uma ponta do fio da meada sempre the escapa. E a légica do mercado que nao 0 considera enquanto pessoa, enquanto parte de uma familia, de um contexto, de uma identidade a ser preservada. Todavia, 0 produtor familiar se compreende assim e prossegue na luta para no ser tragado pelo turbilho da impessoalidade do mercado que parece governar o destino das pessoas. E uma Ita desigual mas que vem encontrando respaldo nao mais apenas no meio académico-cultural. Comega-se a repensar 0 proprio processo modemizador no campo. A importancia do resgate e mesmo da preservagiio das identidades ocupa espago acentuado nos novos enfoques. Prioriza-se 0 homem do campo, tenta-se compreender a sua racionalidade para que sejam elaboradas novas politicas para o setor, mais concementes a sua realidade E um dado que tende a se configurar nas politicas piblicas estabelecidas no pais. Por enquanto os encaminhamentos nessa direso sto apenas esbogos, projetos, mas partem das instincias governamentais, o que parece sinalizar que as trabalhos académicos estao comegando a produzir frutos. Uma das mais recentes propostas do governo de Goids ao reativar 0 [dago — Instituto de Desenvolvimento Agririo do Estado de Goids, em 09/06/95, foi a parceria deste com o Incra~ Instituto Nacional de Colonizasiio ¢ Reforma Agraria, para agilizar a reforma agraria no estado, e com a Metago, para que esta empresa venda calcdrio a prego de custo para os assentados pelo Instituto ¢ as associagdes de pequenos ro) BITTENCOURT, Libertad Borges. A propriedade familiar em Gots produtores. Busea-se efetivar uma politica social para o campo, a partir desses érgaos.4 A perspectiva modemizante, que climinava as pessoas ¢ que via na tecnologia o supremo bem, parece estar em declinio. [sso porque modelo aleanga um ponto de saturagao. E preciso colocar ‘alma’ nesse proceso avassalador. E uma perspectiva que nos anima a acreditar que a partir da crise dos paradigmas, das verdades universais, se resgate a esséncia do homem, qualquer homem, na cidade ¢ no campo. As andlises e artigos que comecam a aleangar ressondncia e que preconizam o fim da espécie humana, causada pelo desequilibrio dos ccossistemas pelo proprio homem, podem levar a novas reflexdes que alavanquem em cada sociedade o desejo de que se valorize o homem enquanto agente do fazer histérico © Brasil e, em especial, Goids vém pagando um alto prego para ascender ao patamar da modetnidade, desconsiderando-se a questo social. A agricultura foi organizada, a partir da década de 1960, expressando um conjunto de visdes que indicava os rumos para se alcangar uma agricultura moderna, competitiva ¢ auto-sustentada, conforme preconizam os discursos modernizantes. Tudo 0 mais foi sacrificado no altar da modernidade, deixando um 6nus social que nao cessa de crescer. Um dos reflexos do processo modernizador nos moldes em que se den com base em modelos vigentes nos paises centrais, foi o esgotamento do proprio modelo, que vem conhecendo sensivel retrocesso devido a escassez de recursos. No Brasil, a modernizagiio da agricultura mostrou a sua face cruel: beneficio de poucos, sacrificios de ampla parcela. Os fartos recursos do periodo mascararam a dura realidade que avulta com crueza. A populagdo rural empobreceu ¢ muitos foram engrossar as periferias urbanas. A criagaio do Instituto de Desenvolvimento Agrario de Goids - Idago, no inicio dos anos 60, foi uma tentativa de regulamentar a posse da terra e de implantar projetos de colonizagao. A partir do golpe de 1964, o Instituto assumiu a propalada politica de modernizagao, priorizando a grande propriedade. © Estado capitancou 0 processo, estimulando as tendéncias concentradoras do sistema capitalista, com altos custos, em termos sociais e econémicos. Dentre as politicas Historia Revista, (2): $7-68, jul./dez. 1996 6 adotadas pelo governo para o setor, a pesquisa agropecusria alcangou avango significative em Golds, impulsionando a incorporagao do cerrado como area produtiva, a partir da corregio do solo.> A modemizasdo, nos moldes em que foi preconizada e imposta ao pais, serviu para ampliar os desequilibrios no campo. No entanto no & mais possivel simplesmente ‘varré-la para debaixo do tapete?. Ao lado da preservagio das caracteristicas rurais, a modernizaco foi assimilada € inserida nas propostas das familias rurais. Estas no querem 0 erescimento econdmico a qualquer prego, como vemn ocorrendo, mas seus valores esto permeados por itens de trabalho ¢ de consumo mo- demos. Almejam o trator, os implementos, os insumos etc, que podem ajuda-las no amanho da terra. Mediante pesquisa, em sete municipios goianos,® constatou-se que a maior parte dos pequenos produtores reconhece que a capacidade de autodeterminagaio das familias s6 se efetivaré com sua estabilidade na Area rural, O precdrio equilibrio entre set camponés e almejar a modemizagio no fazer agricola (maquinas € insumos) ¢ no lazer (eletro- domésticos, como tv) acontece mais pela escassez de recursos. Nesse sentido, a busca da modernidade para garantir melhor qualidade de vida da familia no campo nao implica em rompimento com valores tradig&es. Pode significar, a0 contrario, a libertagao do pequeno produtor enquanto sujeito.” Hoje ele apenas sonha com o que o trabalho familiar poderia Ihe proporcionar se as condigdes fossem mais favoraveis. Obviamente, esse desejo expresso de adquirir bens de consumo e de produgto nao implica a superagao de praticas tradicionais no amanho da terra, Valoriza-se a ‘sabedoria camponesa’ que advém da longa pritica do cultivo, transmitida de pai para filho. H& muitas formas de encarar-se o progresso, sendo necessfrio cuidado, por parte de quem analisa a realidade rural, para no cair na tentag3o de afirmar que a questo das identidades aponta para o conformismo com uma realidade jj dada e que nio se pretende modificar. 0 dircito que cada um tem de buscar seus préprios caminhos deve ser garantido. O desenvolvimento tem uma dimensio cultural ¢ esta deve ser resguardada. Ea cultura de cada comunidade ou grupo que dao sentido do que é viver bem; nao compete a nenhum érgio ou agente determinar um modelo e esse aspecto parece estar sendo um consenso nas propostas atuais de fomento 4 pequena produgao.® A critica ao e BITTENCOURT. Libertad Borges. A propriedade familiar em Goi... modelo de modernizagao, nos moldes em que foi executado no Brasil, nao implica que alguns dos seus elementos no sejam buscados ou mesmo preservados. ‘A questo agraria e, especificamente, a pequena produgio tém sido analisadas em sua relag&o com 0 chamado processo de moderniza- gio. O conceito de modemizagao é sempre, nesses casos, entendido ‘como oposto a tradicional. A dicotomia tradicional-moderno € uma concepgdo das teorias de modernizagao propostas pela economia neocléssica? Nesse modelo, 08 paises subdesenvolvides possuem dois setores distintos: um setor modemo, capitalista e industrial, propenso a inovagses ¢ orientado para © mercado, € © setor tradicional, agricola ¢ estagnado, baseado na produgiio de subsisténcia, Este tiltimo produz escasso excedente para comercializagaio e tem pouco interesse pelo lucro. O desenvolvimento econémico das dreas rurais depende da difusdo tecnolégica, a partir do setor moderno, Essas andlises no contemplam as relagdes sociais, nem a maneira como estas interferem na determinagao dos processos de produgiio. Nilo percebem o intor-relacionamento entre 0 moderno eo tradicional e nao aceitam o camponés como agente, como sujeito e nao apenas mero receptor das politicas publicas para o campo. ‘A pesquisa demonstrou como a difusao da tecnologia modificou a relagio do homem com a terra. Mesmo os pequenos produtores com parcos recursos alugam trator ao menos para preparar a terra por ocasiio do plantio. A prioridade de todos, sem excegdio, caso sobrassem recursos, seria adquirir um trator para agilizar e facilitar o trato da terra. ‘A postura adotada pelos enfoques modemizantes, de um modo geral, no leva em consideragao os mecanismos de dominagao econémi- ca, A questio é tratada quase sempre como se a pequena producao fosse incapaz de atingir a eficiéncia capitalista por escolha propria. Esses agricultores so enfocados como conformistas e retrdgrados, sem anlise detalhada do proceso que os levou a esse estagio. Nessa perspectiva, varias teorias tentaram apontar saidas para os paises ‘subdesenvolvidos’ e para as chamadas ‘nagdes emergentes’. O proprio termo emergente é carregado dessa conotagio ideolégica de desenvolvimento, o que exigiria seguir as diretrizes apontadas pelas grandes nagées, chamadas de Primeiro Mundo, para alcangar 0 mesmo estégio de desenvolvimento, o que na prética mostrou-se invidvel. Historia Revista, 1@2): 57-68, jul /dez, 1996 a Alheios aos dissensos tedricos a respeito deles préprios, os produtores familiares apontam vérios fatores que obstaculizam sua produgao: a terra esta cansada ¢ necessita de maiores indices de adubagiio, de correc&o e, conseqiientemente, de mais horas-trator para preparé-la para o plantio, o que ¢ inviavel para a maioria. Fazem uso do trator, ao menos para preparar a terra, mas afirmam que scriam necessirias mais horas-méquina para se alcangar a otimizagao do cultive. ‘Varios analistas apontam que os altos custos dos produtos industriais, tais como insumos e implementos agricolas, fazem com que 08 pequenos produtores tenham acesso apenas parcial aos recursos tecnologicos, limitando o intercdmbio destes com o mercado. Nao 6 propésito aqui contestar a evidéncia de que o capitalismo brasileiro gestou uma agricultura modema e sim endossar a andlise de que esse desenvolvimento foi desigual, nao incorporando parcelas significativas da populagao rural. O processo de modemizagio agricola desigual tem como conseqiiéncia a ampliagtio da pobreza no campo. Esse fator leva ao éxodo rural ¢ conseqiientemente a miséria, tanto nas pequenas cidades do interior como na periferia das grandes cidades. Quando em contato com o chamado ‘setor atrasado’ percebe-se, a0 contrario do que se divulga, que este tem uma visio acurada do processo politico-econdmico do pals, aspecto este no trabalhado pela maioria dos autores que investigam o setor agrario no Brasil. Os testemunhos da familia rural evidenciam que nao hé a preocupacao de ouvi-los, na solugao de problemas que ndo dizem respeito apenas a eles, uma vez que concorrem para agravar os indicadores sociais em todo o pais. Indimeras andlises demonstram que, na medida em que os paises em desenvolvimento integram-se aos grandes mercados mundiais, ocorrem mudangas sociais ¢ politicas tanto no setor urbano-industrial quanto no setor agricola, pelo uso de recursos governamentais, especial- mente créditos."® Ha uma tendéncia 4 expanso das areas de cultivo para colheitas economicamente mais rentaveis. Esse processo tem como conseqiiéncia primordial o alijamento do pequeno produtor, seja da terra, seja dos créditos oficiais. Na maioria das vezes, o impacto finan- ceiro sobre os custos da produgio pode inviabilizar a produgZo em pequena escala. A pequena propriedade familiar, em sua maior parte, atualmente, apresenta esse quadro em Goids of BITTENCOURT, Libertad Borges. A propriedade familias em Golds crédito agricola desempenhou papel fundamental no processo de modernizagao da agricultura brasileira. A introdugdo de novos pa- drées de produgio foi precedida de vultosos investimentos, que a maior parte dos produtores nao seria capaz de mobilizar. Fator determinante foi, pois, a possibilidade de acesso ao crédito rural.'' Conforme pesquisas realizadas pelo IFAS - Instituto de Formagao e Assessoria Sindical, o programa oficial sempre contemplou pequenas € grandes propriedades, indistintamente, mas desde 1965, quando foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, des- tinado prioritariamente a pequenos ¢ médios produtores rurais, houve canalizagao de recursos para grandes proprietarios. A criagio de associagdes de pequenos produtores rurais vem contribuindo para a difusio ¢ ampliago do uso de maquinas, sementes melhoradas e técnicas de corregao de solo, além de possibilitar a aquisigao de reprodutores bovinos; cada vez mais os produtores estiio se conscientizando da necessidade de se unirem para superar 0 processo desagregador de que so vitimas.'? Diante dos inameros obstaculos que impedem a autonomia do pequeno produtor rural frente 4 politica agricola do governo federal, bem como da impossibilidade de acessar recursos para investimento em tecnologia e custeio da produgdo, uma das alternativas que se apresen- tam mais vidveis atualmente € a associagdo de pequenos produtores. As familias rurais afirmam que até mesmo 0 acesso a0 Fundo Constitucio- nal do Centro-Oeste - FCO," direcionado aos produtores associados, vem se tornando dificil, mas fora de uma associagao toma-se impossivel atualmente contrair empréstimos para financiamento da produgao. A possibilidade de gestéio nos sindicatos e nas associagdes, além dos beneficios que se traduzem em orientacao juridica, aposentadoria e assisténcia médica, no primeiro caso, além do acesso ao crédito ¢ da partilha de investimentos ¢ lucros, no segundo caso, so 0s motivos que atraem os produtores. um processo que atesta a procura, por parte dos agricultores familiares, de possibilidades de modernizar e aumentar a produtividade de suas terras, em geral semi-esgotadas e extremamente fragmentadas pelo processo de heranga. Agricultura familiar é analisada pela FAO em trés categorias. A primeira € a consolidada. A segunda categoria é a de transigao, em que muitos podem ascender & primeira categoria, mas a maior parte est Historia Revista, 1(2): $7-68, jul/dez. 1996 65 caindo. A terceira ¢ a periférica. Nesse caso, quase ndo sio mais agricultores, impossibilitados que esto de incrementar sua produtivida- de. O diagnéstico da FAO € que se deve fortalecer a agricultura familiar de transigao, para reverter esse processo desagregador. E o que o governo federal propés-se ao langar o Pacote da Agricultura Familiar em abril de 1995, mas que 6 mantido em compasso de espera. ‘O que vem implicito na luta dos agricultores familiares por maior reconhecimento, sobretudo por parte das politicas piblicas vol- tadas para o campo, é que pertencem 4 terra, nela querem viver € produzir e dela tirar 0 sustento da familia. Questionados, durante a pes- quisa, se diante de tantas dificuldades venderiam suas terras, afirmaram, sem titubear, que néo, a no ser quando fosse para comprar mais € melhores. Terra, trabalho ¢ familia confundem-se num mesmo proceso enum mesmo destino. Abstract This article presents a useful analysis of the moder versus tradicional discussion in the brazilian agriculture, within a framework where the stall propriety has been identified with tradition, So this approach has considcred it an obstacle to the agrarian modernization of the country. But this polarity has served to hide the State's economic policy that hes favoured the great production and the agroindustry. Now, the modemization mode] weakness has opened new possibilities to the excluded agents and hhad shed light on the small production debate, Notas DUSSEL, 1993, p. 37. THEODORO, 1992, p. 170-174 BERMAN, 1994, p. 94. Jomal O Popular de 10/06/95, p. 8-A. Conforme Grupo de Estudos da Pequena Produsio em Goids: Ble- mentos para a sua Compreensio. Escola de Agronomia da UFG ~ Goiania, junho de 1993 (mimeo). 6 Foram aplicados 248 questionarios em seis municipios: Goias, Itapuranga, Orizona, Rio Verde, Formosa ¢ Porangatu, ¢ feitas entre- wRene 66 BITTENCOURT, Libertad Borges. A propriedade familiar em Goids. vistas em Itaberaf por equipes da CPT-Goids, Comissao Pastoral da ‘Terra, IFAS - Instituto de Formagao e Assessoria Sindical ¢ Universidade Federal de Goids. 7 Thierry G. Verhelst, dentre outros, trabalha com o conceit de identidade de cada sujeito histérico, inclusive das minorias ainda sem representatividade politica. 8 A FAO vem propondo a metodologia de Sistemas Agririos, a chamada Anilise Sistémica, que busca conhecer a estratégia dos pequenos produtores rurais para entio propor alguma orientacdo, tendo por base sua propria experiéncia. 9 A Escola Neoclassica tem como expoente miximo Theodore W. Shultz, considerado o teérico da modernizagao na agricultura e que tem, como obra mais conhecida o titulo editado no Brasil pela Zahar em 1965: A transformagao da agricultura tradicional. 10 Ver, dentre outros, Agricultura e politicas pitblicas - PEA - 127 de 1990. LL IFAS ~ Esiudo sobre erédito agricola, Goidnia, fevereiro de 1992. 12 EstA sediado em Goidinia 0 Camppo — Centro de Apoio aos Mini Pequenos Produtores c suas Organizagées, que presta assessoramen- to € orientago aos mini e pequenos agricultores em Goids. Coma criagao do Centro, houve sensivel ampliagdo no niimero de associa- ‘g6cs em todo 0 estado. As primeiras experiéncias foram concretiza- das nos municipios de Formosa, Orizona, Porangatu e Silvénia. Atualmente esto instaladas Centrais de AssociagSes de Pequenos Produtores em 25 municipios do Estado, aglutinando ao todo 840 asssociagées. 13. Os Fundos Constitucionais foram criados pelo Artigo 159 da Cons- tituigdo Federal e regulamentados pela lei 7.827, de 27/09/1989, com a finalidade de impulsionar o desenvolvimento das regiGes Norte, Nordeste e Centro-Oeste do pais, Séo repassados aos Fundos Constitucionais 3% da arrecadacao do Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados. O Fundo Constitucional do Cen- tro-Oeste - FCO € contemplado com o montante de 0,6% da arrecadagéo federal dos tributos acima citados. (Cademo de Consultas IFAS, nimero 4, margo de 1994). Referéncias Bibliograficas BERMAN, Marshall. Tudo que é sélido desmancha no ar - a aventura da modernidade. $40 Paulo: Cia das Letras, 1994. Historia Revista, (2): $7-68, jul /dez. 1996 7 DUSSEL, Enrique. 1492: O encobrimento do outro ~ a origem do mito da modernidade. Petropolis: Vozes, 1993, ESTUDO sobre crédito agricola - Caderno de Consulta niimero 2 - Instituto de Assessoria Sindical - IFAS. Goidnia, fev. 1994, KURZ, Robert. O colapso da modernizacdo. 3 ed. Sio Paulo: Paz ¢ Terra, 1993 LAMARCHE, Hughes (coord). A agricultura familiar ~ comparagao internacional. Campinas: Ed. Unicamp, 1993. MARTINS, José de Souza. Capitalismo e tradicionalismo - estudos sobre as contradigdes da sociedade agraria no Brasil. Sao Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1975. SILVA, José F.Graziano: A modernizacdo dolorosa — estrutura agraria, fronteira agricola e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. SCHULTZ, Theodore W. 4 transformacdo da agricultura tradicional. Rio de Janeiro: Zahar, 1965 THEODORG, Janice. América barroca ~ tema ¢ variagées. So Paulo: Edusp, Nova Fronteira, 1992. VERHELST, Thierry G. O direito diferenca ~ identidades culturais ¢ desenvolvimento. Petrépolis: Vozes, 1992. DELGADO, Guilherme Costa, GASQUES, José Garcia; VILLA VERDE, Carlos Monteiro (org). PEA - 127. Brasilia: IPEA, 1990. 68 BITTENCOURT, Libertad Borges. A propricdade familiar em Gots,

You might also like