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JESUS E O MUNDO DO JUDAISMO PPAR Sisal, ce Loyota 17 Edicoes Loyola Titulo original Jesus and the world of Judaism © 1983 by Geza Vermes SCM Press, London, England © Capftulo 1 foi reproduzido com a gentil per- misso da Sinagoga Judaica Liberal, e os Capi- tulos 2-4, originalmente Palestras Riddell Me- morial, com a permissio da Universidade de Newcastle-on-Tyne. Edigdes Loyola Rua 1822 n° 347 — Ipiranga 04216-000 Sio Paulo — SP Caixa Postal 42.335 04299-970 Sao Paulo — SP @ (01) 914-1922 FAX: (011) 63-4275 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qual- quer forma elou quaisquer meios (eletrénico, ou mecénico, incluindo fotocépia e gravacdo) ou arqui- vada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissao escrita da Editora. ISBN: 85-15-01182-4 © EDICGES LOYOLA, Sio Paulo, Brasil, 1996. INDICE Apresentagdo da Edigdo Brasileira Preficio Capitulo 1 Jesus, ¢ judeu Capitulo 2 0 Evangelho de Jesus, 0 Judeu I: Leitura dos Evangelhos por um Historiador Capitulo 3 O Evangetho de Jesus, 0 Judeu Hl: 0 Pai ¢ Seu Reino .. Capitulo 4 O Evangetho de Jesus, 0 Judeu Ill: Jesus ¢ 0 Cristianismo Capitulo § ; Os Estudos Judaicos ¢ a Interpretagéo do Novo Testamento Capitulo 6 Literatura Judaica ¢ Exegese do Novo Testamento: Reflexdes Metodol6gicas wus. 95 Capitulo 7 " 0 Estado Atual do Debate Sobre o “Fitho do homen” .cssssssnsss a. 109 Capitulo & © Impacto dos Manuscritos do Mar Morto Sobre os Estudos Judaicos ‘Transmissio do Texto da Biblia uW 23 4 59 19 123 127 ‘Apocrifos ¢ Pseudepigrafos ee mike Haggadé e 0 Pensa F080 anne 5 1 Capitulo 9 @ Impacto dos Manuscritos do Mar Morto Sobre o Estudo do Novo Testamento ... 137 Capitulo 10 147 148 150, Os Essénios e a Histéria Qs Essénios ¢ Qumran. A Historia dos Essénios Hipéteses Histéricas 1st Os Essénios ¢ a Historiografia Judaica 157 Abreviaturas 161 Bibliografia .. 163 APRESENTACAO DA EDICAO BRASILEIRA O professor judeu Geza Vermes j4 € conhecido entre nés pelos livros Jesus, 0 judeu (Ed. Loyola, 1990) ¢ A religido de Jesus e 0 cristianismo (Ed. Imago, 1995). ‘Seu estilo provocante ¢ humor britfnico seriam suficientes para justificar a publica- ¢4o da presente colegao de artigos e palestras, permitindo situar melhor suas obras mais sistemdticas no debate em torno do “Jesus real” que ora se desenvolve com crescente intensidade. Consideramos esta obra um valioso subsidio para uma com- preensdo “de raiz” do “homem santo de Nazaré”, além de uma ineg4vel contribuigao para 0 didlogo inter-religioso aberto, que € indispens4vel ao mundo pluralista no qual vivemos. E claro que nao se € obrigado a concordar com todas as opinides do professor Vermes. Inclusive a Ed. Loyola est lancando, nesta mesma colegio “Biblica Loyo- la”, a obra de Sean Freyne, Galiléia, Jesus e os evangelhos, divergente da obra de Vermes em diversos pontos. O pluralismo académico contribuiré para uma com- preensao mais objetiva dos aspectos histéricos de Jesus de Nazaré e, por isso, do sentido verdadeiro das diversas interpretagdes religiosas que sua atuagdo suscitou. Johan Konings PREFACIO O titulo Jesus ¢ 0 Mundo do Judaismo, escolhido pelos editores, parece resumir muito adequadamente o t6pico comum a cito dentre os dez ensaios incluidos neste volume (estando os capitulos 8 e 10 voltados antes para o mundo do judaismo do que para Jesus). Temo, porém, que a conjun¢do “e” possa confundir alguns leitores. Essa palavrinha ndo deve dar a entender que as duas metades do titulo constituem dois “‘mundos” distintos: em minha abordagem, o “‘e” também pode significar “no Ambito [de]". J4 se publicaram as dez. contribuigdes, originalmente apresentadas como con- feréncias; mas agora elas foram revisadas em maior ou menor grau. Os trés artigos sobre os Manuscritos do Mar Morto e¢ os Essénios (capitulos 8-10) representam minha visio mais recente do impacto de Qumran no estudo do Antigo e do Novo Testamento, bem como na historiografia judaica. A palestra sobre 0 “filho do ho- mem” (capitulo 7), lida em Oxford por ocasiao de um seminario intemacional sobre © Novo Testamento, realizado em 1978, mostra-nos, numa versio razoavelmente atualizada, o estado presente de um debate que nao cessa. Os dois textos que tratam da relacdo entre a literatura judaica pés-biblica e o Novo ‘Testamento — o primeiro (capitulo 5) dando maior énfase aos aspectos hist6ricos da questo, € o segundo (capitulo 6) 4 metodologia — pretendem definir uma posi¢io académica inovadora com respeito 4 exegese dos evangelhos, ao postular que a dnica abordagem (aparentemente) valida do ensinamento de Jesus é a que 0 concebe como parte integrante do complexo universo do judaismo palestino do século I, ele mesmo pertencente ao ainda mais amplo mundo greco-romano, bem como ao fluxo dinémico da civilizagdo judaica dos periodos antecedente e precedente. “Jesus, 0 judeu” (capitulo 1), o mais antigo desses estudos, originalmente uma Palestra Claude Goldsmid Montefiore de 1974, proferida na Sinagoga Judaica Libe- ral de Londres, resume a tese do meu livro de mesmo titulo, mas faz eventuais acréscimos a argumentaco nele desenvolvida (por exemplo, 0 estudo da atitude do establishment judeu com relagio a criadores reais ¢ potenciais de problemas, ou a impropriedade do ensinamento moral de Jesus para a ética social), além de examinar algumas reagdes judaicas e crists as teorias nele expostas. Do meu ponto de vista de historiador, a contribui¢ao mais substancial a busca do Jesus “real” ¢ oferecida nas tés palestras Riddell Memorial, proferidas na Uni- versidade de Newcastle-on-Tyne em margo de 1981 (capitulos 2-4). Elas sio 0 prolegémeno a segunda parte da trilogia de Jesus, anunciada no final do prefacio & primeira edicZo em brochura de Jesus, o judeu (1976). Essas trés conferéncias con- tém (1) um esbogo da metodologia de redescoberta do verdadeiro ensinamento de Jesus; (2) um esbogo de sua visio religiosa central; e (3) uma descrigao da religiao pregada e praticada por ele, em contraste com aquela de que ele foi feito objeto. Durante palestras para o piblico académico ¢ leigo nas Ilhas Britfnicas e nos Estados Unidos da América, observei trés tipos de objeco aos ensaios sobre 0 evangelho de Jesus, particularmente ao dltimo, “Jesus e 0 cristianismo”. Na maioria das vezes, alega-se haver falta de correlagao entre 0 Jesus aqui descrito como um homem mergulhado na piedade judaica e de perspectiva funda- mentalmente apolitica, ¢ a hostilidade com que foi tratado por representantes do judafsmo (ou ao menos alguns deles) e de Roma. Creio que a dificuldade vem de uma leitura ou interpretacdo errénea dos indicios apresentados. Reagdes violentas das autoridades religiosas judaicas contra um dos seus subordinados. bem como sua transferéncia para a jurisdi¢’o dos romanos, ndo implicam necessariamente que, na avaliacéo dessas autoridades, um crime politico ou religioso tenha de fato sido cometido. A afronta pode ter sido simplesmente um comportamento irresponsivel suscetivel de levar & agitago popular. Os encarregados da manutengdo da lei e da ordem poderiam facilmente estar convencidos de que era seu dever evitar, com vistas a0 bem comum, que o perigo tomasse vulto numa sociedade ja afetada pelo fervor revolucionério, O caso de Joao Batista, descrito nas Antiguidades de Josefo como um pregador influente ¢, portanto, potencialmente perigoso (ver a p. 20 abai- xo), j& oferece bons indicios sobre 0 caso de Jesus na 6tica da lideranga judaica. Contudo, o relato menos conhecido, igualmente de Josefo, de um “profeta” apoca- liptico também chamado de Jesus, proporciona um paralelo ainda mais revelador. Em 62 d.C., quatro anos antes de eclodir a primeira revolugdo contra Roma, durante a festa dos Taberndculos, os lideres religiosos de Jerusalém prenderam Je- sus, filho de Ananias, por enunciar profecias aziagas na cidade. Ao que parece, ele proclamava que afligdes se abateriam sobre o santudrio e 0 povo. A fim de fazé-lo parar, eles the deram uma severa surra. Mas Jesus, filho de Ananias, sofreu os golpes em siléncio, sem emitir sequer uma palavra de protesto, ¢ nao desistiu de profetizar. Isso deixou os lideres num verdadeiro dilema; diz-se que alguns deles chegaram a pensar se Jesus, filho de Ananias, nao seria inspirado por Deus (cf. At 5, 39). Mesmo assim, persuadidos de que a fonte de um sério distirbio tinha de ser neutralizada, eles preferiram entregar 0 homem ao governador romano, e Jesus, filho de Ananias, foi “agoitado até ter os ossos expostos”. Como nem mesmo essa tortura se mostrou eficaz, e como, examinado pelo Procurador, cle persistisse em seus lamentos ¢ se aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Capituto 1 JESUS, 0 JUDEU* “Jesus, o judeu” — que também é o titulo de um livro que escrevi! — é um sinénimo carregado de emogo do Jesus hist6rico em oposicao ao Cristo divino da {€ cristd, sinénimo que simplesmente re-afirma o fato 6bvio, ainda de dificil acei- tagao para muitos cristdos e até para alguns judeus, de que Jesus foi judeu ¢ nio cristéo. Ele implica uma busca renovada da figura hist6rica tida como fundadora do cristianismo. Por um lado, essa busca € surpreendente, pelo simples fato de ter sido empre- endida. Por outro, ela € incomum: foi empreendida sem nenhuma motivagao ulterior, pelo que sei. Minha intenco foi chegar 4 verdade hist6rica, com 0 propésito prin- cipal de restabelecer os fatos, mas de modo algum para demonstrar alguma tendén- cia teolégica. Permitam-me desenvolver esses dois pontos. Se, seguindo a tradigao judaica medieval, eu tivesse me dedicado a provar que Yeshu foi nfio apenas um falso Messias, mas também um herege, um sedutor e um feiticeiro, minha pesquisa estaria prejudicada desde o inicio. Mesmo que eu tivesse escolhido como alvo o esforco mais em voga antigamente da “repatriago de Jesus para 0 povo judeu” — Heimholung Jesu in das jiidische Volk —, 6 improvavel que isso me tivesse levado a uma pesquisa nao tendenciosa, a uma andlise das evidéncias disponiveis sem medo nem parcialidade, sine ira et studio. Do mesmo modo, quando um cristo comprometido se dedica a tal tarefa jé persuadido pelas suposigdes dogmaticas de sua igreja, que postula ter Jesus sido nio somente o verdadeiro Messias como o tnico Filho de Deus getado — ou seja, 0 * Proferida como XXI Palestra Claude Goldsmid Montefiore na Sinagoga judaica liberal de Londres, 14 de novembro de 1974, 1, Geza Vermes, Jesus, the Jew: a Historian's Reading of the Gospels, Londres, 1973 ¢ Nova Torque, 1974, 71976, 1981, 1983; Jesus, 0 judeu, S40 Paulo, Edigdcs Loyola, 1990. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. dos escribas do que no magnetismo dos scus santos locais, como 0 contemporineo mais jovem de Jesus, Hanina ben Dosa, celebrado milagreiro. Feitas essas extensas consideragdes preliminares, é hora de nos voltarmos para os evangelhos a fim de nos familiarizar com Jesus, o judeu ou, mais precisamente, Jesus, o judeu galileu. & minha intengao deixar de lado as especulagdes dos cristdos primitivos quanto aos vérios papéis divinamente atribufdos de Messias, Senhor, Filho de Deus etc., que se acreditava terem sido cumpridos pelo seu Mestre antes ou depois de sua morte. Em vez disso, tomarei como base os relatos simples dos trés primeiros evangelhos, que sugerem ter Jesus impressionado seus conterraneos, e adquirido fama entre eles, principalmente como mestre carismético, agente de cura e exorcista. Devo de imediato especificar, no entanto, que o meu objetivo nao é discutir os seus ensinamentos. Seja como for, poucos contestariam que a sua men- sagem foi essencialmente judia ou que, no tocante a determinados tépicos contro- versos — por exemplo, sobre a ressurreigao dos mortos —, ele exprimia a opinido dos fariseus. Sua fama, proclamam os evangelistas, se espalhou por toda a Galiléia. Segundo Marcos, quando Jesus e seus discfpulos desceram do barco no Lago Quinéret [de Genesaré], os habitantes logo o reconheceram. Percorreram toda aquela regido e co- mecaram a transportar os doentes em suas camas, onde quer que se men- cionasse sua presenca. Em todos os lugares onde entrava, nas aldeias, nas cidades e nos sitios, traziam os doentes para as pracas, rogando que hes permitisse ao menos tocar na orla de sua veste. E todos os que o tocavam ficavam curados (Mc 6, 54-56). Do mesmo modo, Marcos, referindo-se aos eventos de Cafamaum, escreve: Trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoninhados (...) E ele curou muitos doentes de diversas enfermidades e expulsou muitos deménios (Mc 1, 32.34). E tanto Lucas como Marcos relatam que o proprio Jesus disse: Eis que eu expulso deménios ¢ realizo curas hoje e amanha (Le 13, 32). Nio so os que tém satide que precisam de médico, mas os doentes. Eu ndo vim chamar justos, mas pecadores (Mc 2, 17). Meus leitores do século XX talvez perguntem se tal pessoa nao deve ser clas- sificada como louca. No entanto, devemos ter em mente, em primeiro lugar, que é anacrénico e, em conseqiéncia, erréneo, julgar o século I a partir de critérios do século XX; e, em segundo, que, mesmo nos tempos modemos, agentes de cura pela f€ e Wunderrebbe [rabinos milagreiros], bem como suas contrapartidas seculares no campo da medicina, obtém resultados terapéuticos paralelos quando os individuos que pedem a sua ajuda se acham animados por uma f€ consideravel. 15 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. © teu Ieito ¢ anda’? Pois bem, para que saibais que o filho do homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno — disse ele ao paralitico — levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa”. O paralitico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de todos... (Mc 2, 3-12). “Filho, os teus pecados estio perdoados” por certo no € a linguagem dos espe- cialistas na lei; mas também nfio € blasfémia. Pelo contririo, a absolvigdo da culpa pelas més agées parece ter sido parte integrante do estilo carismAtico; isso é bem ilustrado num importante fragmento dos Manuscritos do Mar Morto, a Oragao de Nabonides, que descreve um exorcista judeu perdoando os pecados do rei babilénio, curando-o assim de sete anos de doencas. Na terminologia religiosa um tanto elAstica, porém extraordi- nariamente sensivel de Jesus e dos homens espirituais de sua época, “curar”, “expulsar demGnios” e “perdoar pecados” eram sinénimos intercambifveis. Na realidade, a lin- guagem e 0 comportamento de Jesus lembram homens santos de épocas bem anteriores @ sua; e no chega a surpreender que, segundo Mateus, ele fosse conhecido como “o profeta Jesus de Nazaré, na Galiléia” (Mt 21, 11), bem como que seus admiradores galileus acreditassem que pudesse ser um dos profetas biblicos, ou Jeremias ou Elias, redivivus (Mt 16, 14). Com efeito, poder-se-ia afirmar que, se Jesus tomava alguém por modelo, tratava-se precisamente de Elias e Eliseu, 0 que parece comprovar-se pela seguinte discussio de Jesus com o povo de sua cidade natal de Nazaré: Ele, porém, disse: “Certamente ireis citar-me o provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo; tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafamaum, faze-o também aqui em tua patria’”. Mas em seguida acrescentou: “Em verdade vos digo que nenhum profeta € bem recebido em sua pitria”. De fato, eu vos digo que havia em Israel muitas vitivas nos dias de Elias [...]. Elias, no entanto, nao foi enviado anenhuma delas, exceto a uma vitiva, em Sarepta, na regio de Sidon. Havia igualmente muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; todavia, nenhum deles foi purificado, a nao ser o sirio Naama” (Le 4, 23-26). Jesus era um hasid galileu: nisso, a meu ver, reside a sua grandeza, e também © germe de sua tragédia. O fato de ele partilhar do notério chauvinismo galileu parece claramente demonstrado nas afirmagdes de carater xenofébico que Ihe sio atribuidas. Como se 1é numa resenha de Jesus, the Jew — escrita, 0 que € muito interessante, pelo correspondente de Jardinagem do Financial Times. “Certa feita, ele nos chamou de ‘ces’ ¢ ‘porcos’, ¢ proibiu os Doze de proclamar 0 evangelho a [...] gentios”’. Mas Jesus também foi, sobretudo, um representante exemplar da religiosidade vivaz e simples que marcava o norte da palestina. Jesus nao foi muito amado pelos fariseus: por sua falta de conhecimento, e talvez de interesse — comum entre os galileus — por assuntos haléquicos; por tolerar que seus seguidores desprezassem propositadamente certos costumes tradicionais — se bem que ndo, é preciso frisar, biblicos; por sentar-se A mesa com publicanos e prostitutas; 7. Financial Times, 7 de fevereiro de 1974. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Capituro 2 O EVANGELHO DE JESUS, 0 JUDEU I”: LEITURA DOS EVANGELHOS POR UM HisTORIADOR' Videtur quod non: essa era a formula com a qual a teologia medieval iniciava um debate. Os escoldsticos freqdentemente iniciavam suas discussdes com argumen- tos que trabalhavam contra a sua tese?. Também no nosso caso, esse videtur quod * Originalmente ministrado, juntamente com os caps. 3 € 4, como Riddell Memorial Lectures em marco de 1981 publicado pela University of Newcastle-on-Tyne com a titulo The Gospel of Jesus the Jew, 1981. 1. Um dos grandes problemas enfrentados por todo pesquisador que se ocupe de Jesus € que ‘massa acumulada de literatura dedicada a este assunto no somente deixa pouca margem a novas descobertas como tende positivamente a bloquear uma compreensio nova dos evangelhos. Decidi, em vista disso, reler os sinéticos a partir de minha propria perspectiva, no tocante ao contetido de seus ensinamentos, ¢ determinar as principais linhas da minha tese nesses cap{tulos a partir disso, antes de examinar as concepgdes dos estudiosos contemporaneos do Novo Testamento. Nao obs- tante, empreguei mais tarde estes dltimos, fazendo verificagdes ¢ corrigindo conclusdes iniciais & luz das teorias e do debate atuais. E importante observar que este estudo de “O evangelho de Jesus, o judeu” no pode incluir um levantamento bibliogréfico completo, nem discutir todas as opinides relevantes. Um relato detalhado de trabalhos académicos recentes esti disponivel na série de artigos de revisdo publicada por W. G. Kimmel em Theologische Rundschau no periodo 1975-1980: “Ein Jahrzehnt Jesusforchung (1965-1975), vol. 40, 1975, pp. 289-336; vol. 41, 1976-77, pp. 198-258, 295-363; “Jesusforschung seit 1965”, vol. 43, 1978, pp. 105-161, 232-265; vol. 45, 1980, pp. 48-84, 293-337. 2. Tipica dessa forma de apresentago € uma das objecbes introdut6rias de Tomés de Aquino na Summa Theologiae. A seco “Utrum Deus sit” Existe um Deus) se inicia com: “Videtur quod Deus non sit” (Parece que ndo existe um Deus). Veje-se TomAs de Aquino, Summa Theologiae. Latin Text and English Translation, Pars prima, quaestio secunda, articulus tertius, Blackfriars (1964), pp. 12-13. 23 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. tenham tido um sucesso efémero na Siria!, esse quatro-em-um nao conseguiu, a longo prazo, substituir as obras separadas originais. Mesmo assim, triunfou o prin- cipio da harmonizac&o. Divergéncias entre os evangelistas foram objeto de um cui- dadoso siléncio por meio de uma exegese que tinha como certo que os porta-vozes de Deus nao poderiam se contradizer uns aos outros. Todavia, na época da Ilustracaio ¢ do liberalismo do século XVIII, essa atitude mental cedeu lugar ao espirito critico. As variantes, bem como 0 conceito de desenvolvimento nos evangelhos, deixaram de ser rejeitados nos circulos académicos avangados e, a partir disso, as pesquisas concentraram-se na descoberta do mais antigo, menos desenvolvido e, por conse- guinte, mais confidvel dentre os relatos divergentes'®. Como se sabe, descobriu-se ser ele o Evangelho de Marcos. Mas como esse pequeno volume contém uma quan- tidade deveras limitada de matéria doutrinal, uma fonte distinta de sentengas, que tinha sido usada por Mateus e Lucas, cada qual 4 sua maneira, recebeu o nome de Q (abreviatura do alemio Quelle = fonte), tendo sido proclamada um documento adicional de estatuto mais ou menos igual ao de Marcos'*. Em outras palavras, 0 conhecimento académico sobre o Novo Testamento no século XIX, fazendo a velha busca da “verdade do evangelho” com a ajuda de instrumentos criticos, concluiu que ela s6 pode ser encontrada em partes das fontes, € numa quantidade consideravelmente reduzida. Com a virada deste século, o espirito critico deu lugar ao espirito cético. Es- pecialistas cristdios no Novo Testamento, a comegar por Wilhelm Wrede, comegaram a alegar que nem mesmo Marcos podia ser aceito como um narrador n&o-tendencio- so. Seu evangelho também é dominado pelos propésitos da teologia's. Seu material est4 organizado para se amoldar a objetivos doutrinais e, portanto, no é confiével como arcabougo histérico. EntAo, no periodo entre-guerras, toda esperanga de recuperar o Jesus hist6rico recebeu aparentemente seu golpe de misericérdia, em especial nas maos de Rudolf Bultmann, que afirmou categoricamente a impossibilidade de remontar ao Mestre de Nazaré por meio dos evangelhos. Esses documentos da Igreja, afiangou Bultmann, ndo proporcionam nenhum acesso direto a Jesus. Jesus ndo foi cristo; foi judeu'®. 12. Sobre 0 Diatessaron (literalmente, “através de quatro”), de Taciano, um apologista cristo sfrio do século I, ver Bruce M. Metzger, The Early Versions of the New Testament, 1977, pp. 10-36. 13, Para um breve esbogo da emergéncia e desenvolvimento da critica do Novo Testamento nos séculos XVIII e XIX, veja-se A. R. C. Leaney, Biblical Criticism, pp. 233-236, W. G. Kammel, The New Testament, 71970. 14, Veja-se Leaney, op. cit., pp. 236-243; W. G. Kiimmel, op. cit., pp. 147-155; Introduction to the New Testament, "1975, p. 48. 15, Wrede, Das Messiasgeheimnis in ser Evangelien, 1910 (te. ingl. The Messianic Secret, 1971). Outro estudo muito importamte foi Von Reimarus zu Wrede, de Albert Schweitzer, 1906, mais conhecido como Die Geschichte der Leben Jesu Forschung (ts. ingl. The Quest for the Historical Jesus, 1910, *1954). 16. Cf. Jesus and the Word, 1958, pp. 17, 48-51; New Testament Theology 1, 1952, p. 1. “Bultmann faz parecer que Jesus ndo pregou nem acreditou em nada especificamente cristo. A observagio de Wellhausen de que Jesus foi o iltimo dos judeus e Paulo o primeiro cristio poderia 27 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. essenciais do cristianismo primitivo? Os evangelistas mostram que Jesus fez comen- trios depreciativos sobre os gentios®®. Eles observam que ele, aparentemente, no desejava que seus seguidores o anunciassem como o Messias esperado®. Nenhuma dessas coisas teria sido muito adequada aos primeiros promulgadores dos evange- Thos, cuja tarefa primordial era convencer ndo-judeus da verdade de que “Jesus é 0 Cristo” (Jo 20, 31; At 2, 36). Em conseqiiéncia, tudo parece indicar que, se os evangelistas preferiram contar a hist6ria da vida de Jesus, isso se deveu ao fato de eles, quaisquer que tenham sido suas outras motivagdes, terem querido recontar também a histéria, ainda que de modo nao profissional. E se incluiram circunstancias doutrinalmente embara¢osas, foi porque acreditavam ser isso parte genuina da narrativa. Nesse caso, 0 dictum de Bultmann acerca da impossibilidade de se saber algo sobre Jesus e sua personalida- de, “visto que as fontes cristas primitivas nao revelam nenhum interesse por esses temas”, se torna um puro e simples erro de avaliagdo. Se a tendéncia extrema mas sobremodo influente da critica contemporanea do Novo Testamento se distingue por seu ceticismo hist6rico praticamente oniabrangente, deve-se reconhecer, para fazer justi¢a, que quando a teorizagdo alema segue paralela a0 senso comum britanico (e, por vezes, americano), o resultado € um acordo. Numa obra intitulada Rediscovering the Teaching of Jesus, 0 falecido Norman Perrin”, embora fosse um critico das formas mais que convicto, apresentou varios critérios por meio dos quais um estudioso pode determinar a autenticidade de um dito ou de uma parabola contidos nos evangelhos. O primeiro € 0 critério da dissimilaridade: se um ensinamento ndo tem paralelo no judaismo nem na igreja primitiva, provavel- mente provém de Jesus. O segundo € a coeréncia: os materiais advindos das cama- das mais primitivas da tradigéo evangélica podem ser considerados genuinos caso sejam compativeis com a doutrina j4 estabelecida pelo critério da dissimilaridade. Um terceiro critério, de cunho auxiliar, € 0 da muiltipla atestagdo: a descoberta de um motivo doutrinal em mais de uma fonte (por exemplo, Marcos e Q), bem como em diferentes contextos literarios (ditos, pardbolas, histérias, proclamagées etc.) postula a sua autenticidade??. Numa publicacdo ulterior, Perrin adicionou um quarto principio. o da adequabilidade lingiiistica**: para que um dito sobrevivente num evangelho grego seja associado a Jesus, que nado ensinou em grego, € preciso que ele seja suscetivel de receber verso semita. Os critérios de Perrin — partilhados por bom nimero de estudiosos em todo 0 mundo — sio validos na medida em que so acompanhados por caveats. A 29. Veja-se adiante, p. 74. 30. Ch. Jesus the Jew, pp. 145-49. 31. Cf. acima, nota 18. 32. O livro apareceu em 1967. Perrin, um erudito briténico, estudou sob a orientagao de T. W. Manson ¢ Joachim Jeremias ¢ deu aulas de Novo Testamento, até a sua morte, na Universidade de Chicago. 33. Cf. Perrin, Rediscovering the Teaching of Jesus, pp. 39-47. 34, Perrin, The New Testament: An Introduction, 1974, p. 281. a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. As referéncias dos evangelhos a parusia, o retomo glorioso de Cristo, tam- bém tém de ser vistas no ambito de uma carreira que termina numa aparente humi- Ihagdo e ignominia. O argumento da ressurrei¢do s6 se dirige a fiéis, a iniciados. Nao hé no Novo Testamento sugestdes de que o Jesus ressuscitado tenha sido visto por pessoas de fora desse circulo. Para dizer a verdade, nem os apéstolos e disci- pulos parecem ter reconhecido a pessoa que se juntou a eles na estrada para Ematis € que entrou no cémodo onde eles se escondiam®. O majestatico segundo advento, em contrapartida, seria a justificativa e 0 triunfo de Jesus aos olhos de todo o mundo, da humanidade inteira (Mt, 25, 31-32). Em seu est4gio mais primitivo, a tradig&io da parusia espera que o dia do Senhor chegue logo, ainda durante a vida da pr6pria geracao de Jesus; 0s membros da igreja de Tessal6nica tém de ser avi- sados para manter seu entusiasmo sob estrito controle. Mas, pouco depois, os cristios so encorajados a ser vigilantes: a vinda do noivo poderia ser retardada para a meia-noite (Mt 25, 6; cf. Lc 17,34). E, mais tarde ainda, eles séo exortados a cultivar a grande virtude da perseveranga (2Pd 3). Entio, sem que a parusia se realize, anuncia-se 0 momento do apocalipse, e pouco depois de o Novo Testamento ser completado, o final dos tempos, o éskhaton, € adiado sine die, relegado ao futuro mais remoto*'. Embora eu a considere incompativel com a perspectiva religiosa essencial de Jesus, pode-se sem diivida alegar que a especulago da parusia teve como origem antes seu préprio ensinamento escatolégico e apocaliptico do que a apologética cristé posterior”, A natureza apologética da expectativa da parusia € além disso fortemente sustentada pela escatologia dos Manuscritos do Mar Morto. No essenismo, 08 consecutivos adiamentos do dia do Senhor também s&o recebidos por exortagdes a paciéncia e a perseveranca. O ComentArio de Habacuc é: “A era final sera adiada e excedera tudo 0 que os Profetas disseram; porque os mistérios de Deus séo inson- daveis. Se ela tarda, espera-a, porque certamente vird, ndo falhard! (Hab 2, 3). Interpretado, isso se refere aos homens justos que observam a Lei, cujas mios nio 48, Veja-se a respeito disso A. Oepke, “Parousia", TDNT V, pp. 858-71; A. L. Moore, The Parousia in the New Testament, 1966; cf. também E. Schlisser Fiorenza, “Eschatology of the NT”, IDBS, pp. 271-277. 49. “Seus olhos, porém, estavam impedidos de reconhecé-lo” (Le 24, 16). “Ele proprio se apresentou no meio deles (...]. Tomados de espanto ¢ temor, imaginavam ver um espirito” (Le 24, 36-37). No Quarto Evangelho, Maria Madalena “viu Jesus de pé. Mas nfo sabia que era Jesus” Go 20, 14). C. H. Dodd acentua que as “apari¢des” se “concentram num momento de reconheci- mento” (The Founder of Christianity, p. 40). Mas a caracteristica importante, que ele nao identi- ficou, € 0 fato de no se tratar de um reconhecimento visual. 50. “Quanto a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo ¢ A nossa reunigo com ele (cf. 1TS 4, 15- 17], rogamo-vos, irm&os, que no percais tio depressa a serenidade de espirito, € nfio vos perturbeis nem por palavra profética, nem por carta que se diga vir de vés, como se o Dia do Senhor j4 estivesse préximo” (2Ts 2, 1-2). 51. No tocante demora no cumprimento escatolégico, veja-se E. Grasset, Das Problem der Parousieverzdgerung in den synoptischen Evangelien und in der Apostolgeschichte, 71960; A. Strobel, Untersuchungen zum eschawologischen Verzdgerungsproblem, 1961, 52, Ver pp. 38-39, 50-51. 55 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. de um homem santo. A autoridade, tal como na época dos profetas, podia franzir 0 cenho diante de atos carisméticos como ameagas reais ou potenciais A ordem reli- giosa, mas de modo geral nada podia fazer para interrompé-los, devido @ alta estima que se tinha pelo homem de Deus. Os préprios rabinos tinham para com eles uma atitude ambivalente. As varias manifestacdes do miraculoso na Biblia dificilmente poderiam ser ignoradas, e os muitos obiter dicta do Talmude e do Midrash demons- tram que mesmo em épocas pés-biblicas ainda se reconheciam ocorréncias sobrena- turais. Contudo, entre as pessoas cultas, sua importancia era desdenhada®. A con- fianga infantil dos “homens de obra”, os anshe ma ‘aseh, ofendia os padrées conven- cionais de muitos dos sabios™. O fato de Jesus ter sido um exorcista de renome est4 bem atestado nos evan- gelhos sin6ticos, embora essa fungio do seu ministério ndo seja mencionada no restante do Novo Testamento. Tendo herdado a nogdo intertestamentéria de um mundo regido por espfritos de luz e das trevas, ele rejeitava a opinido dos circulos apocalipticos de que, na luta contra o mal, os seres humanos tém de agir apenas como auxiliares insignificantes de uma hoste celeste de anjos, de poténcias ¢ de dominios. Ele injetou realidade na batalha contra 0 deménio. Quando distirbios nervosos € mentais eram atribufdos 4 possessdo demonfaca, ele os curava dominan- do pessoalmente os espiritos malignos que se acreditava estarem habitando a mente dos sofredores. E certo de que a enfermidade ¢ 0 resultado do pecado, ele restaurava os corpos de homens e mulheres, livrando-os do dominio de Satan4s mediante uma declaragio de perdio®. A mesma compreensdo da cura, porém despida de suas associagées escatolégicas e sem a menc&o de um mediador, sobrevive no ditado talmidico ulterior: “O doente s6 se recupera de sua enfermidade quando todos os seus pecados tiverem sido perdoados” (biVed. 41a). Mas a principal caracteristica distintiva da atividade de Jesus como exorcista ¢ terapeuta era seu pressuposto de que a sua obra anunciava a vinda do reino®, “Um profeta poderoso em obra e em palavra” (Le 24, 19): eis como Jesus descrito nos evangelhos; e, no fraseado grego do renomado Testimonium Flavianum, de Josefo — cuja autenticidade parcial vem sendo crescentemente reconhecida — como um “sébio” famoso por suas paradoxa erga, “obras prodigiosas”*’. Assim, ‘como pessoa que transformava em realidade suas crengas e convicgdes, Jesus parece representar uma piedade judaica mais tipica da Galiléia, localidade rural, do que do sofisticado judafsmo do sul, de Jerusalém em particular®. Nao sou o Gnico a afirmar isso. No ensaio ja mencionado, o Professor Segal comenta: “Deve-se observar que, tal como Elias e Eliseu, Jesus veio do norte da Palestina [...]. Talvez [...] mais 63. Cf, Jesus the Jew, pp. 80-82. 64, Sobre os “homens de obras” rabinicos, veja-se meu estudo, “Hanina ben Dosa”, J/S 23, 1972, pp. 28-50; 24, 1973, pp. 51-64; Post-biblical Jewish Studies, 1975, pp. 178-214. 65. Cf. Jesus the Jew, pp. 42-57. 66, Cf. adiante, pp. 45, 52. 67, Antiguidades judaicas, xvi.63-64, Cf. History I, pp. 428-41. 68. Cf. Jesus the Jew, pp. 42-57. 39 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. escribas de aldeia® que Jesus encontra regularmente eram homens capazes de redigir contratos, acordos de casamento ¢ documento de divércio, ¢ de dar aulas as criangas, nao devendo ser confundidos com os luminares do farisaismo jerosolimitano. Do mesmo modo, nao h4 no Novo Testamento indicios de que Jesus tenha recebido algum treinamento especializado — para naio mencionar o fato de que as fontes rabinicas se dio ao trabalho de descrever os galileus como um povo que ndo se notabilizou por sua erudicao”. Além disso, refletindo acerca das segées doutrinais dos evangelhos, particular- mente sobre as principais formas literérias nas quais se exprime 0 ensinamento de Jesus — palavras sapienciais, adverténcias proféticas e, sobretudo, pardbolas —, somos levados a perceber que clas no exigem propriamente uma capacidade de interpretagdo da Biblia, nem uma familiaridade particular com as complexidades da lei judaica''. De modo mais positivo, os trés evangelistas sinéticos asseveram no comeco de sua carreira de pregador que o seu estilo difere daquele dos escribas. A principal preocupagio dos escribas consistia em investir toda doutrina religiosa da sangdo da tradig&0, como parte de uma cadeia estritamente definida de transmissio originada — de fato ou por meio de engenhosidade exegética — na escritura, pre- ferencialmente no Pentateuco'. Em contrapartida, afirma-se que Jesus ensinou com exousia, com autoridade, sem sentir a necessidade de justificagdo formal para as suas palavras, Algumas das mais auténticas controvérsias em que ele esteve envol- vido, como a discussdo sobre se os seus poderes de exorcista vinham de Belzebu ou do “dedo de Deus” ¢ a referente & verdadeira causa da impureza, ndo incluem nenhum texto de prova escritural'é, extremos das academias rabinicas da Judéia acerca da pureza e o dizimo ficassem restritos, na Galiléia, as poucas figuras rabinicas [...] de quem falam os textos [...] ©. tem para citar muito poucas passagens de comunidades galiléias exprimindo, antes de 132, interesse pela pureza, pelo dizimo ou pelo ano sabitico, e dentre as que apresenta nem todas estio fora de duivida [...].O que esta? Alguns galileus entraram em escolas rabinicas antes de 132 [...] ¢ uns poucos divulgaram halaké, quando do seu retomo a Galiléia, a um piblico mais ou menos indiferente. Alguns rabinos judeus visitaram a Galiléia [...] por razdes no especificadas [...]. Os galileus por certo eram Judeus, ¢ os Evangelhos € Josefo confirmam o seu uso de sinagogas e a sua concordancia com 0 ‘controle pelo Templo antes de 70. Mas a necessidade que tem O. de dizer mais do que isso vem de sua propria apologética: a asserpio de que, antes de 132, os judeus palestinos consideravam o judaismo rabinico dos sabios cujas palavras estdo registradas na Mishné, uma espécie de ‘ortodo- xia’ aceita por todos como parte essencial da condigao de judeu” (US 31, 1980, pp. 248-249). 9. Esse titulo (komogrammateus) € usado sarcasticamene em Josefo, Ant. xvi. 203; BJ 1. 479. 10. Cl. Jesus the Jew, pp. 52, 54. 11, As discussdes exegéticas contidas no Evangelho de Mateus so bem provavelmente obra deste evangelista de formagio rabinica. Cf. C. K. Stendahl, The School of St Matthew, 1954, 71968. 12, Sobre as atividades dos escribas e rabinos no dominio do desenvolvimento legal, veja- se History Il, pp. 330-332. Cf. também minha obra Post-biblical Jewish Studies, pp. 80-81. 13, Me 1, 22 par. Cf. Jesus the Jew, pp. 28-29. O vinculo entre exorcismolcura € 0 conceito de exousia € manifesto em Mc 3, 25; 6, 7; Mt 10, 1; Le 10, 19. Para uma exposigao detalhada (que no € de todo satisfatdria), veja-se W. Foerster, “Exousia”, TDNT Il, pp. 562-575, esp. 568-569. 14, Mt 12, 25-28; Le 11, 17-20; Me 7, 14-23; Mt 15, 10-20. 45 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. dominio de Deus no mundo espiritual. Um tal reino, naturalmente, nao cra para ser construido; ele irromperia neste mundo, o aniquilaria e se estabeleceria num novo céu sobre uma nova terra. A Regra da Comunidade e a Regra da Guerra, dos Ma- nuscritos do Mar Morto, oferecem uma idéia perfeita da ideologia dos sonhadores extremistas que esperavam um reino desse tipo. Para os membros da seita de Qumran, 9 universo esta dividido entre o dominio do Principe das Luzes liderando os espi- ritos da verdade e os homens justos, ¢ o do Anjo das Trevas, que dirige os espiritos maus € os homens infquos*!, Sua luta seria sem fim, porque as hostes espirituais se igualariam em forca’’. Mas a “grande mao de Deus” iria intervir e o empate seria rompido*’. A vit6ria caberia ao arcanjo Miguel, no reino dos espiritos, ¢ Israel iria conseguir 0 dominio sobre “toda a carne”. Visdes apocalipticas dessa espécie podem ou nao incluir uma figura messianica, mas mesmo quando o fazem ela é, tal como © Principe da Congregagao, de Qumran, uma personagem totalmente secundaria e sem importancia. O quarto conceito do reino é bem distinto, nao tendo nenhuma associagéo com a violéncia ou com a guerra. Trata-se em larga medida de um fenédmeno exilico e pos-exilico, atestado ja pelo Deutero-Isaias e pelo Trito-Isaias na segunda metade do século VI a.C. Os pagdos, dando-se conta subitamente de que o Deus de Israel ¢ 0 nico Salvador, acorreriam a Jerusalém para lhe render culto e para submeter-se a0 seu povo. As nagGes caminharao na tua luz [...] A ti virdo os tesouros das nagées [...] Trazendo ouro e incenso € proclamando os louvores do Senhor [...] (Is 60, 1-6). Um Israel puro e santificado iria atrair os gentios para Deus. A manifestagio‘da soberania de Deus sobre os seus serviria de ima para os outros. O reconhecimento dessa soberania era considerado pelos rabinos da €poca pés- biblica manifesto por meio da obediéncia pessoal a Lei de Deus, isto é, da aceitagao “do jugo da Tora” (mAb. 3,5), descrito como “o jugo do Reino do Céu”. Relacio- nando os varios usos da expresso em sua renomada monografia, Die Worte Jesu, © grande especialista em aramaico Gustaf Dalman mostra que, de acordo com a exegese rabinica de Lv 20,26, a assuncio desse jugo pelos israelitas requer que eles se afastem das mAs acdes®. O vinculo entre a submissio a autoridade suprema de 31. 105 IM, 13-iv, 26; DSSE*, pp. 75-78. 32. 105 IV, 25; DSSE*, p. 78. 33. 10M XVII, 1; DSSE*, p. 146. 34, 10M XVI, 7-8; DSSE?, p. 146. 35, Dalman, Die Worte Jesu, *1930, pp. 75-83, tr. ingl: The Words of Jesus, 1902, pp. 96-101. 36. Sifra (ed. Weiss) 93d. Cf. Dalman, op. cit. p. 80 (tr. ingl. p. 97), Na interpretago de “Eu ‘vos separei dentre os povos para que fésseis meus”, o midrashista supde que os gentios slo de modo geral pecadores. 47 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Mas descartar o problema téo sumariamente seria arrogancia. Insistindo nele um pouco mais, eu observaria em primeiro lugar que a principal fraqueza da escola de pensamento Schweitzer-Dodd-Jeremias reside no fato de aplicar conceitos temporais ‘comuns a perspectiva escatolégica de Jesus. Assim agindo, os estudiosos modernos apenas seguem, reconhecidamente, as especulagdes escatol6gicas judaica e crista anti- gas. Na primeira, distinguem-se periodos hist6ricos sucedendo-se desde o principio a €poca da consumacao. Para citar um dos exemplos mais conhecidos, Daniel divide a €poca que se estende do exilio babilénico a época da salvacdo em setenta “semanas de anos” (ou setenta periodos de sete anos) e vé a sua propria época como pertinente 20 Ultimo desses ciclos sabaticos™*. Seu principal marco cronolégico € a erecdo no Templo de Jerusalém da “abominagio da desolacdo” na forma de um Deus pagao (Dn 9, 24- 27). Na apocaliptica crista primitiva, por outro lado, a historia da salvacao € represen- tada como tendo trés estégios. O primeiro, subdividido em trés vezes quatorze geragées, vai de Abraiio a Jesus®5, O segundo corresponde a vida publica de Cristo. E 0 terceiro desemboca na parusia, cuja abordagem é assinalada pela “abominagiio da desolagao” de Daniel (Mc 13, 14; Mt 25, 15). Paulo oferece uma sucessao ainda mais detalhada de eventos que anunciam o segundo advento. “Deve vir primeiro”, diz ele aos tessalonicesses, “a apostasia, e aparecer 0 homem impio, o filho da perdicio, o adver- sirio, que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe um culto, chegando a sentar-se pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por Deus... Ent&o, apa- recer o impio, aquele que o Senhor Jesus destruira com 0 sopro de sua boca e supri- mira pela manifestagao de sua Vinda [isto 6, a parusia]” (2Ts 2, 3-4.8)°°. O préprio Jesus descarta tal promessa de adverténcias e de press4gios, mas diz o contrério: “A vinda do Reino de Deus néo é observavel” (Le 17,20). Em outras pala- vras, sua hora ¢ desconhecida; nem mesmo ele a conhece. E segredo de Deus (Mc 13, 32; Mt 24, 36). Ele e seus seguidores, inspirados pela fé e livres da influéncia do espirito de especulagdo, entraram na época escatolégica e agora percebem uma diferen- a fundamental entre o seu proprio tempo e os séculos precedentes. A partir do dia em que Jesus € movido pelo chamado a conversao pregado por Joao Batista, o tempo para ele deixa de ser 0 que conhecemos ¢ adquire uma condigo de finalidade. “Arrependei- vos, porque est4 préximo o Reino dos Céus” (Mt 4, 17; Mc 1, 15). O momento de sua virada, da sua teshuvah, é 0 momento de decisdo de sua vida, tal como ocorre a quem, mais tarde, responde ao seu préprio chamado a teshuvah, voltando-se determinada e irrevogavelmente para Deus. Quando essas pessoas fazem sua escolha, o Reino de Deus vem, ¢ elas entram nele. Uma nova era, ou melhor, um novo éon, se inicia para elas, 34, No Testamento de Levi 17, sete periodos na hist6ria do sacerdécio haveriio de ser seguidos pela nova area do Sacerdote-Messias (cap. 18). Cf. R. H. Charles, APOT Il, pp. 313-315. 1Henoc 93, 1-10; 91, 12-17 dividem a histéria mundial em dez semanas. Cf. M. A. Knibb, The Ethiopic Book of Enoch I, 1978. pp. 219-225. De acordo com a reconstrucdo do documento de 110 Melquisedec por J. T. Millik, a época final da histéria consistiré de dez.jubileus. Cf. “*Milkisedeq et Milki-resa’ dans les anciens écrits juifS et chrétiens”, J/S 23, 1972, pp. 98-99, 124. 55. Notadamente: (1) de Abraio a Davi; (2) de Davi ao exilio na Babilénia; (3) do exilio na Babil6nia ao nascimento do Messias. Veja-se Mt |, 17. 56. Cf. B. Rigaux, Les Epttres aos Thessaloniciens, 1956, pp. 653-662, 671-673. cod aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. abba, ele mesmo preservado em Marcos (Mc 14, 36) € nas oragdes cristis primitivas citadas por Paulo (Rm 8, 15; Gl 4, 6)’!. Muito tem sido escrito acerca da significaco do uso por Jesus do titulo abba, especialmente por J. Jeremias e seus seguidores”’. Na opiniao do falecido professor de Gotinga, essa ipsissima vox Iesu nao tem paralelo na oragao judaica. Comparada com a dos antigos judeus, que, como explica um dos discfpulos de Jeremias, “man- tinham a dignidade de Deus, nas ocasiées em que a cle se referiam como Pai, 0 evitar escrupulosamente a forma particular da palavra empregada pelas criangas””, trat do “balbucio de uma criancinha””*. Ou seja, Jeremias compreendia que Jesus dirigia-se a Deus por “Papai” ou “Papaizinho”; contudo, afora a improbabilidade e incongruéncia a priori dessa teoria, parece nao haver bases lingufsticas para ela. As criancinhas falantes de aramaico dirigiam-se aos seus pais por meio de abba ou imma, mas esse nao era o tnico contexto de uso de abba. Na época de Jesus, a forma determinada do nome, abba (= “o pai”), também significava “meu pai”; “meu pai”, se bem que ainda atestado em Qumran e no aramaico biblico”, praticamente j4 desaparecera como forma idiomatica do dialeto galileu’’. Mais uma vez, abba podia ser usado em situagdes solenes, que nada tinham de infantis, como na altercago imaginéria entre os patriarcas Judé José relatada no Targum Palestino, quando o furioso Jud4 ameaga o governador [vizir] do Egito (seu irmio, que ele ndo reconhe- cera) dizendo: “Juro pela vida da cabega de abba (= meu pai), tal como tu juras pela vida da cabeca do Fara6, teu senhor, que, se tirar a espada da bainha, nao a devol- yerei enquanto a terra do Egito nao estiver coberta de cadAveres””. A outra tese de Jeremias — segundo o qual, como Deus nunca 6 chamado de abba na antiga oragio judaica, o uso do titulo por Jesus € sem par —, também est4 sujeita a questionamento. Ela ganharia forga se ele pudesse indicar, em primeiro lugar, um conjunto representativo de oracées individuais em aramaico e mostrasse que nenhuma delas inclui o vocativo abba. Mas, pelo que sei, essa prova nao existe. Em segundo lugar, seu argumento seria favorecido se ele pudesse provar que a invocagao nao era parte da linguagem da piedade hassidica. Mais uma vez, faltam provas. Para citar David Flusser: “Jeremias nao conseguiu encontrar o uso de ‘Abba’ como vocativo para Deus na literatura talmédica; porém, considerando a escassez de material rabinico sobre a orag&o carismatica, isso nfo nos diz muita coisa””®, 71. Um afastamento da norma é “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34 par.), expresso no espontinea, mas tomada da traducdo aramaica do Salmo 22. O outro € 0 comego mateano da Oragio do Senhor: “Pai nosso que estds no céu" (Mt 6, 9). 72. Ct. Jeremias, Prayers; N. Perrin, Rediscovering, pp. 40-41. 73. N. Perrin, Rediscovering, p. 41. 74, Jeremias, Prayers, pp. 51-62. 75. Dn 5, 13; \QGendp Il, 19, 24; Ill, 3 (J. A. Fitemyer, The Genesis Apocryphon of Qumran Cave 1,*1971, pp. 44, 46); 6Q 8, 1.4 (M. Baillet, Discoveries in the Judaean Desert I, 1962, p. 117. 76, Jeremias, Prayers, p. 59. 71. Targum Neofiti a Gn 44, 18. 78. D. Flusser, Jesus, 1969, p. 145, n. 159. 55 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Nesse contexto mais amplo, a nogéo de soberania divina, como vimos na dis- cussio da idéia do “jugo do reino”, estava associada com 0 “jugo da Lei”, a Tora, sendo mesmo intercambidvel com ela‘. Conhecida na Biblia Hebraica como a Lei de Deus ou Lei de Moisés’, ela regulava todos os aspectos da existéncia privada e publica — a agricultura, as trocas, 0 comércio, a escolha e a preparagao dos alimen- tos, as intimidades sexuais e, ocasionalmente, até mesmo os materiais e estilos das roupas judaicas. E de presumir que Jesus, na qualidade de pessoa respeitadora da lei, respeitasse essas leis gerais e costumes comuns como todos na Galiléia®. Acolhendo o modo de vida aceito, ele deve ter-se adaptado espontaneamente a alguns preceitos biblicos. Os evangelhos o mostram também cumprindo as leis que regulam as ati- vidades religiosas propriamente ditas, participando do culto sinagogal no Sébado (Mc 1, 21; 6, 2; Le 4, 16 etc.), visitando o Templo de Jerusalém como peregrino (Mc 11, 1S par.) e celebrando a Pascoa (Mc 14, 15-16 par.). Alguns estudiosos deduzem das referéncias ao krdspedon, a borda ou franja da roupa de Jesus, que ele deve ter observado estritamente a Tord’, mas ele pode simplesmente ter-se vestido como seus Patricios galileus. Se suas préprias franjas ou ziziyot tivessem sido incomumente longas, ele dificilmente teria sido descrito criticando os outros por exibirem-nas com demasiada ostentagdo (Mt 23, 5)*. Mais importante, se bem que nao particularmente significativa, é a selego que Jesus faz de certos mandamentos biblicos como resumo das leis individuais do Antigo Testamento. Havia entre os judeus dos primeiros séculos p6s-biblicos uma tendéncia geral de descobrir um pequeno niimero de preceitos todo-inclusivos. A ilustragao mais completa dessa tendéncia ver de Rabi Simlai, um s4bio do século Ill d.C., que explica que os 613 mandamentos positivos e negativos proclamados por Moisés se continham, segundo Davi, em onze (SI 15); segundo Isafas, em seis (33, 15); segundo Miquéias, em trés (fazer justiga, amar a miseric6rdia e caminhar humil- Geschichte der jiidischen Religion, 1912; B. E. Urbach, The Sages. Their Concepts and , L-II, 1975; E. P. Sanders, Paul and Palestinian Judaism, 1977, Wolfgang Haase (ed.). Aufstieg und Neidergang der rimischen Welt - Principat - Religion (Judentum: Allgemeines; paldstinisches Judentum), Ii, 19. 1-2, 1979; Jacob Neusner, “Judaism after Moore: A Programmatic Statement, JJS 31, 1980, pp. 141-156; Judaism: The Evidence of the Mishnah, 1981. 4. Cf. acima, p. 47. 5. Cf. “Lei de Deus” (Josué, 24, 26); “Lei do Senhor” (2Reis 10, 31); “Lei de Moisés” (Josué 8, 31) ete. 6. Nao obstante A. Oppenheimer e seus seguidores (veja-se cap. 3, n. 8 acima), ainda sustento que, devido ao seu distanciamento do Templo e dos centros de estudos em Jerusalém, a prética galiléia do judaismo era menos sofisticada ¢ estrita do que a prevalecente na Judéia na época pré- 70. Cf., Jesus the Jew, pp. 54-55. 7. Vejam-se Me 6, 56 par. ¢ Nm 15, 38-39; Dt, 22, 12. Cf. também History II, p. 479; J. Schneider, “Kraspedon", TDNT Ill, p. 904; Strack-Billerbeck, IV, pp. 277-292; Rudolf Schackenburg, The Moral Teachings of the New Testament, 1965, p. 56. 8, Pode-se perguntar se a frase “eles fazem franjas/bordas grandes” (megalynousin) nao teria algum vinculo midrishico com Dt 22, 12, “Farés franjas...” (g’dilim). A palavra hebraica que significa “fics trangados”, usada em lugar do termo conhecido ziziyot de Nm 15, 38-39, lembra a raiz GDL, “ser muito grande, crescer”. 60 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. que cada cura, grande ou pequena, salva a vida’. A restauragdo da sadde de um homem que tem a mio paralisada € to séria quanto livrar alguém da morte, e tem igual peso como justificativa para infringir 0 s4bado (Mt 12, 9-14; Le 14, 1-6) — se, 6 claro, essa justificativa for necess4ria quando a cura € realizada por meio de palavras e sem nenhum outro “trabalho”, como levar ou administrar remédios. Jesus, eu acrescentaria, ndo sO se submete pessoalmente as obrigagdes legais que cabem a um judeu; mais de uma vez, insta expressamente a obediéncia aos preceitos puramente rituais ¢ cilticos em ditos que sdo ainda mais criveis porque periféricos a narrativa dos evangelhos e por contrariarem, na verdade, o antinomismo essencial do cristianismo gentio. Tendo curado varios leprosos, ele Ihes ordena que se mostrem aos sacerdotes e realizem a ceriménia prescrita por Moisés (Mc 1. 44 par.; Le 17, 14; cf. Lv 14, 1-32). Ele aprova 0 envio de doacdes ao Templo (Mt 5, 33) e as leis do dizimo, que por certo no eram nem um pouco populares entre as comunidades rurais galiléias (Mt 23, 33; Le 11, 42). Ele é até apresentado, embora eu duvide da autenticidade da afirmagao que the é atribuida, sustentando na teoria, se no na pratica, o ensinamento legal fariseu®. No tocante a Lei, a piedade de Jesus distingue-se principalmente por enfatizar, de maneira extraordinéria, a real significagao religiosa interior dos mandamentos. Nao € preciso dizer que ele no foi o nico mestre judeu a insistir no simbolismo, na interiorizagdo e na sinceridade; Filon e Josefo fizeram o mesmo”, bem como 24, Cf. J. Klausner, Jesus of Nacareth, 1925, p. 279. No tocante a uma tendéncia rabinica tolerante, veja-se mYom. 8, 6: “Se um homem tem dor na garganta, pode-se despejar-Ihe remédio na boca no sébado, visto que hé suspeita de que a vida esteja em perigo, e sempre que houver suspeita de que a vida esteja em perigo, o sibado fica sobrepujado” (trad. de H. Danby, The Mishnah, 1933, p. 172). Sobre a “Pikkud nefesk” (respeito A vida), veja-se Enc. Jud. 13, cols. 509-510. 25, Veja-se ainda Mc 8, 36 par; Mt 6,25; Le 12, 33, que indicam que Jesus baseia seu ensinamento no principio de que a vida € o bem supremo (cf. Bulumann, The History of the Synoptic Tradition, p. 83). Colher espigas no sébado é julgado um alivio admissivel da fome (Me 2, 23-26 par.). Segue-se naturalmente disso que entregar a vida a Deus é 0 supremo sacrificio (Me 8, 3435 par). Isso se aplica também & vitiva pobre que, ao depor duas pequenas moedas no tesouro do Templo, ofereceu a Deus “tudo o que possufa para viver”. 26. “Os escribas ¢ Fariseus sentam-se na cadeira de Moisés; assim. praticai ¢ observai o que eles vos disterem”. A “cadeira de Moisés" era a cadeira do presidente da sinagoga; ef. Hisiory Il, p. 442. 27. Como o assinala E. R. Goodenough, para Filon “toda lei se justifica pelo seu valor simb6lico” (An Introduction to Philo Judaeus, "1962, p. 42). Como ilustragao desse principio, pode-se recordar que, para o sébio alexandrino, a circuncisao ¢ “um simbolo das duas coisas mais necessirias ao nosso bem-estar. Uma é a excisfio dos prazeres que enfeitigam a mente... A outra Tazo € que o homem deve conhecer-se a si mesmo e banir da alma a lamentavel moléstia da arrogancia” (Spec. Leg. 1, 8-9). Nio obstante, essa énfase no sentido alegérico das leis caminha asso a passo com a insisténcia numa simultinea observancia literal dos mandamentos biblicos. ‘Aqui, mais uma vez, Filon ¢ Jesus parecem representar a mesma posi¢do religiosa. “Hé alguns que, tomando as leis em seu sentida literal & luz dos simbolos de questdes pertinentes ao intelecto, $40 demasiado estritos com relagio a estas wltimas, a0 mesmo tempo que tratam aquelas com leviana negligéncia. A esses, eu, de minha parte, devo acusar por tratar a maiéria de modo demasiado simples ¢ casual: eles deveriam ter dado a merecida atengao a ambos os aspectos, fazendo uma 64 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. preocupago era representar com perfeig&io, em sua prdpria pessoa, 0 papel de filho do seu Pai no céu, ¢ ensinar aos discipulos a viver da mesma maneira. Ele os instrui “Pedi e vos serf dado; buscai e achareis; batei e vos serf aberto.” Algum deles atenderia 20 pedido de pao dos filhos com uma pedra? Ou uma serpente em vez de peixe? “Ora, se v6s que sois maus sabeis dar boas dédivas aos vossos filhos, quanto mais 0 vosso Pai que est nos céus dar coisas boas aos que lhe pedem!” (Mt 7, 7-11; Le 11, 9-13)". E mesmo esse ocasional “pedir” nao é suficiente; os filhos de Deus tém de implorar diariamente ao Pai as necessidades de cada dia (Mt 6, 11; Le 11, 3). Eles tém de importund-lo como criancinhas até que ele thes realize os desejos. Adotando outra metéfora, eles devem ser como o homem que acordou o amigo no meio da noite ¢ 0 importunou, até que ele se levantou da cama e Ihe emprestou trés pedagos de pao com que alimentar um visitante inesperado (Le 11, 5-8). A total confianga e simplicidade exigidas do Filho de Deus tal como Jesus 0 representa € a emund (fé/confianga) biblica que, de acordo com Martin Buber, Jesus e 0s profetas tinham em comum, Ela também pode apontar para um legado do antigo hassidismo, em que prevalecia o mesmo espirito. O carismatico do século I a.C. Honi (ou Onias, o Justo, como o nomeia Flivio Josefo)**, € famoso por sua ameaca petulante de que no sairia do circulo que desenhara enquanto Deus nao se compadecesse dos seus filhos e encerrasse a longa temporada de seca. Diz-se que 0 comportamento de Honi fez que Simeon ben Shetah, principal fariscu da 6poca, comentasse, ressentido: “Se no fosses Honi, eu te excomungaria. Mas que posso fazer contigo se, apesar de tua impertinéncia, Deus faz o que desejas?” (mTaan. 3, 8)*. Os rabinos defendiam o comportamento correto e desaprovavam temeridades como as de Honi; eram porém compelidos a confessar que elas por vezes funcionavam. “Huspa”, a impertinéncia, 41. A imagem aparece também na literatura rabinica. A genealogia de Mordecai remonta a Qish e, a partir disso, deduz-se, mediante um tocadilho, que cle “bateu (hegish) na porta da miseric6rdia” ¢ ela se abriu (bMeg. 12b). A confianga absoluta é 0 elemento essencial no contexto filho-pai do Evangelho. No ambiente adulto paralelo representado pela parabola do filho prédigo (Le 15, 18-24), essa mesma atitude tem relagio com o arrependimento-reshuvd. E digno de nota 0 fato de, numa parabola rabinica muito citada, airibuida a RK. Meir, da metade do século Il, a iniciativa vir, nao do filho, como na versao de Jesus, mas do pai. O filho, embora envergonhado de sua vida iniqua, niio tem coragem de voltar ¢ enfreniar 0 pai, Veja-se Dr. R. 2, 3 a Dt. 4, 30, cf. Strack-Billerbeck If, p. 216; I. Abrahams, Studies in Pharisaigm and the Gospels I, 1917, p. 142; N. Perrin, Rediscovering, pp. 91, 95-96. 42, Sobre o sentido do adjetivo grego epiousios e seu substrato semita, veja-se G. Dalman, Die Worte Jesu, pp. 321-34, W. Foerster, “Epiousios", TDNT, pp. 590-99; M. Black, An Aramaic Approach to the Gospels and the Acts, #1967, pp. 203-07. O ensinamento bésico & que se reza pelo atendimento das necessidades essenciais de cada dia. 43. Com todo o respeito a J. Jeremias (The Parables of Jesus, pp. 157-159) ¢ N. Perrin (Rediscovering, pp. 128-29), essa é uma exegese melhor da parfibola. De acordo com eles, “ela ndo tem como foco a insisténcia do suplicante, mas a certeza de que a sdplica serd atendida” (Jeremias, p. 159). 44, Buber, Two Types of Faith, 1951, pp. 28-29. 45. “Um homem reto ¢ tememte a Deus” (Antig. jud. XIV, 22). 46, Sobre Honi,veja-se Jesus the Jew, pp. 69-72. 68 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. questio fundamental se apresenta: qual era em altima anilise o principio que ele adotava, e que ele mesmo personificava, em seus esforgos por viver a perfei¢do como Filho de Deus? A resposta deve ser: 0 principio, bem atestado no judaismo biblico ¢ pés-biblico, da imitatio Dei, a imitagao de Deus. “Deveis ser santos, por- que eu, Senhor teu Deus, sou santo” (Lv 19, 2). O pensamento rabinico é rico em interpretagdes desse tema de que 0 amante e adorador de Deus deve modelar-se nele®. Diante do versiculo “Ele é meu Deus, ¢ 0 glorifico”, zeh ‘eli we'anwehu (Ex 15, 2), 0 s4bio do século II Abba Shaul lé, em vez disso, zeh ‘ eli’ani wa-hu, “Ele é meu Deus, Eu ¢ Ele”, explicando a tiltima clausula como “O, sé como Ele! Assim como Ele € misericordioso e gracioso, também deves ser misericordioso e gracioso”*'. Do mesmo modo, mas entrando em mais detalhes, um ‘exegeta andnimo comenta, a propésito das palavras de Deuteronémio 10, 12 “an- dando em seus caminhos”: “Eis os caminhos de Deus: ‘O Senhor, um Deus mise- ricordioso e gracioso...’ (Ex 34, 6). ‘Entao, todo aquele que for invocado pelo nome do Senhor ser4 salvo’ (JI 3, 5). Como pode um homem ser invocado pelo nome de Deus? Assim como Deus é chamado misericordioso, também tu deves sé- lo. O Santissimo, bendito seja, € chamado gracioso, e também tu deves sé-lo e distribuir d4divas sem nada esperar em troca. Deus é chamado justo [...] e também tu deves sé-lo. Deus € chamado hasid (amoroso, devotado) [...] e também tu deves ser hasid” (Sifre sobre Dt 11, 22 (49)). Mas uma das interpretagdes mais sucintas dessa doutrina da imitatio Dei € dada na pardfrase aramaica do Levitico: “Meu povo, filhos de Israel, assim como teu Pai € misericordioso no céu, também tu deves sé-lo na terra” (Targum Ps.-Jonathan- sobre Lv 22, 28)%. Jesus proclama os mesmos ensinamentos basicos: “Sé misericordioso como teu Pai € miscricordioso” (Le 6, 36). “Sé perfeito como teu Pai € perfeito” (Mt 5, 48). Porém, como jé indiquei, ele thes injeta sua prépria dimensao adicional de integri- dade e de interiorizacio. O perfeito comportamento filial vis-a-vis o Pai tem de mMostrar-se nao apenas na miseric6rdia e no Amor para com os outros, como também numa misericérdia e num Amor que ndo esperam retomno. “Recebeste sem pagar; dai sem cobrar”, diz ele (Mt 10, f. 2Cor 11, 7). Noutra ocasiao, suas palavras séo 60. Cf. S. Schechter, Some Aspects of the Rabbinic Theology, 1909, pp. 199-205; A. Marmorstein, “The Imitation of God (Imitatio dei) in the Haggadah”, Studies in Jewish Theology, 1950, pp. 106-121; M. Buber, “Imitatio dei", Zsrae! and the World, 1963, pp. 66-77; Pamela Vermes, Buber on God and the Perfect Man, 1980. pp. 141-144. 61. Mekh. Ex 15, 2 (ed. por Lauterbach Il, p. 25). 62. A versio mais completa da doutrina rabinica aparece no Talmude ¢ no Targum Babil6nico. “R. Rama, fitho de R. Hanina (s4bio palestino do século III), disse: Esté escrito ‘Seguireis o Senhor vosso Deus” (Dt 13, 5). Como pode o homem seguir a Shekhina? Nao esta escrito ‘o Senhor, teu Deus, € um fogo devorador” (Dt 4, 24)? Mas segui os atributos do Santo, bendito scja Ele. Assim come ele cobre os despidos [...] (Gn 3, 21), assim também deveis cobrir os despidos. O Santo [...] visitou [...] os enfermos (Gn 18, 1), assim também deveis visitar os enfermos. O Santo [...] confortou os que pranteiam (Gn 25, 11), assim também deveis confortar os que pranteiam. © Santo [...J enterrou os mortos [...] (Dt 34, 6), assim também deveis enterrar os mortos” (bSot. 14a). Cf. ainda Ps. Jon. sobre Dt 34. 6, nas pp. 104-105 adiante. Para uma versio cristianizada da doutri consulte-se Mt 25, 31-46. Cf. R. Bultmann, The History of the Synoptic Tradition, pp. 123-134. 72 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Mesmo assim, se Jesus ¢ 0 cristianismo parecem estar em posigdes bem distin- tas no tocante a isso, nem Paulo nem a Igreja ulterior levaram a antinomia longe o bastante para aplicé-la a esfera ética. Nao h4 como negar que 0 cerne da mensagem de Jesus, com sua énfase na interioridade e no excesso, foi ouvido pela Igreja primitiva e permaneceu intrinseca ao ideal da piedade crista individual: ideal com telagdo ao qual a piedade eclesidstica publica organizada, em suas varias manifes- tagdes, tem agido como um freio e um corretivo. Através disso, chegamos a uma distingdo mais radical. O sangue vital da mi so de Jesus foi, como expliquei, a urgéncia escatolégica”®. Ele acreditava e ensina- va que o Reino de Deus estava efetivamente, na época, no processo de vir a ser, € que ele se estabeleceria no futuro imediato. Como sabemos, isso ndo aconteceu. A avidez e a excitagdo foram entdo transferidas para um segundo advento de Cristo. Porém, mais uma vez, isso nao aconteceu. Ele nao veio. Diante da necessidade de preencher o vazio resultante, um organismo corporativo tomou forma na qualidade de reino substituto quase permanente, que iria servir de repositério da religiio até a volta gloriosa de Cristo, o Rei, no final dos tempos. E 0 que aconteceu com a imitagao de Deus por Cristo no ambito dessa Igreja institucional? O cristianismo primitivo tinha por certo consciéncia disso, tendo essa imitagdo promulgado como uma regra a ser seguida. “Sede imitadores de Deus como filhos bem amados”, escreve Paulo aos efésios (Ef 5, 1). E no entanto, foi esse mesmo Paulo o responsavel por imprimir uma inclinagdo sem precedentes a imitatio Dei que abriu um grande hiato entre o judaismo e 0 cristianismo: “Sede imitadores de mim como eu o sou de Cristo” (1Cor 11, 1). Com essas palavras, Paulo, desvi- ando-se da imitagao judaica de Deus, introduziu intermediérios entre o imitador e seu modelo divino Gltimo. Antes de tudo imitem a mim, que sou um imitador de Cristo, que imitou a Deus. Assim foi criada a tendéncia, ainda conspicua nas formas mais antigas de cristianismo, de multiplicar mediadores ¢ intercessores enire o fiel ¢ Deus: Jesus, Paulo, Maria mae de Jesus, os mirtires, os santos. Essa questo dos intermediérios nos leva, com efeito, ao coragao do problema: 0 de que o exemplo da hasidut de Jesus, de sua devocao teacéntrica, foi substituida pelas ramificagdes da espiritualidade cristocénirica de Paulo. Sua opinido acerca da natureza humana, ao contririo da de Jesus, era profundamente pessimista. Ao seu ver, o homem 6 pecaminoso, incapaz de obedecer a Deus, potencialmente amaldigoado e perdido sem a graca salvifica da morte redentora de Cristo”. O sangue sacrificial de Cristo é essen- cial para a purificag3o dos seus pecados. Exceto pela reden¢do obtida pela paixdo e ressurrei¢ao de Cristo, ele nunca pode aproximar-se de Deus. Deus enviou “o seu filho... nascido sob a Lei, a fim de que recebéssemos a adocio filial” (GI 4, 4-5)". livres da Lei, tendo morrido para o que nos mantinha cativos, ¢ assim podemos servir no sob 0 antigo cédigo escrito, mas na vida nova do espirito”. 78. Cf. pp. 50-51, 69-70, 79. Cf., por exemplo, Rm 7, 21-25. 80. Gracas a redengdo alcangada pelo verdadeiro Filho, o fiel tem atribuido a si o titulo de filho adotivo. 76 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. distanciado, objetivo, nem, para dizer a verdade, edificante®. Vejamos os titulos. Pugio fidei, “Adaga da fé". Obra de um dominicano do século XIII, esse livro procurava destruir o judaismo’. No campo oposto, polemistas judeus da Idade Mé- dia, igualmente agressivos, procuravam defender o judaismo por meio de Milhamota- Shem, “As Guerras do Senhor”, ou Magen wa-Romd, “Escudo e Espada”®. A mais conhecida coletanea de literatura judaica anti-crista (editada, é preciso dizer, por um cristéo) traz 0 titulo Tela ignea Satanae, “Dardos Flamejantes de Satanas”? — e ndo, como a traduz um renomado historiador judeu, “O Rabo Flamejante de Satanis”"®, Um uso quase-“cientifico” do material judaico pés-biblico na interpretagao do Novo Testamento s6 iria aparecer na metade do século XVII. Seu local de nascimen- to foi a Inglaterra. Uma das primeiras publicagdes desse género veio da pena de um clérigo de Yorkshire, Master of Arts de Cambridge, Christopher Cartwright (1602- 58), cujo Mellificium Hebraicum, “Fabricagao Hebraica de Mel”, foi impresso em Londres em 1660. Consiste de cinco livros, contendo o segundo e 0 terceiro varias passagens do Novo Testamento, seguidas por copiosos excertos de documentos ju- daicos pés-biblicos. Mas seu livro foi superado pelo de John Lightfoot (1603-75), Horae Hebraicae et Talmudicae, publicado em Leipzig entre 1658 ¢ 1674 (com suplementos editados postumamente em 1678). Tal como Cartright, Lightfoot, que era Mestre da Faculdade de Santa Catarina, Cambridge, sclecionou textos do Novo Testamento e tentou expé-los com 0 auxilio de citagdes rabinicas. Eis como ele esboga seu projeto no prefacio A se¢o sobre o Evangelho de Mateus: [...] Cheguei [...] 4 conclusao, sem a menor hesitago, de que o melhor método para destrinchar o sentido de muitas passagens obscuras do Novo Testamento 6 a pesquisa da significagao dos ditos em questio no dialeto comum e no modo de pensar dos judeus {.... E isso s6 pode ser inves- tigado por meio da consulta aos autores do Talmude. Essas palavras, escritas em Latim hd trezentos e vinte anos, soam extraordina- riamente modernas ¢ receberiam hoje ampla aprovacao. Sua mensagem é: estudem a Rabinica e vocés adquirirao competéncia na exegese do Novo Testamento! De maneira deveras erudita, Lightfoot demonstrou como fazé-lo, produzindo paralelos talmidicos dos quatro evangelhos, dos Atos dos Apéstolos, de Romanos e de \Corintios. Porém a morte, em 1675, 0 impediu de completar a tarefa, Conseguiu- Cf. O. S. Rankin, Jewish Religious Polemics, Edimburgo. 1956; B. Blumenkranz. Juifs et chréiiens dans le monde ocidental, Paris, 1960; Les auteurs chrétiens latins du moyen age sur ies juifs et le judaisme, Paris, 1963; K. H. Rengstorf - S. von Kortzfleisch, Kirche und Synagoge |- Il, Stuttgart, 1968; F. E. Talmage, Disputation and Dialogue: Readings in Jewish-Christian Encounter, Nova lorque, 1975. 7. Raymundus Martini, Pugio fidei adversus Mauros et Iudaeos, Leipzig. 1687, reimpressio: 1967. 8. Cf. H. H. Ben-Sasson, “Disputations and Polemics”, Enc. Jud. 6, pp. 79-103. 9. loh. Christophorus Wagenseilius, Tela ignea Satanae, Altdorf, 1681, reimpressio: 1970. 10. Por respeito a um estudioso altamente considerado, manterei em segredo sua identidade. AA citago aparece num livro publicado em 1965, 81 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Em suma, 0 que esse autor parece sugerir € que o Comentario de Billerbeck, destinado a ndo-especialistas em Judaica, s6 6 itil aos especialistas em literatura judaica pés-biblica — ou seja, aos que menos precisam dele. E 0 que dizer do Diciondrio Teoldgico de Kittel, a outra obra sacrossanta que, ao lado da de Billerberck, € considerada pelos estudiosos académicos do Novo Testamento — que, de modo geral, mostram um limitado respeito pela integridade, autenticidade e historicidade dos proprios evangelhos — uma verdade evangélica infensa a criticas””? No tocante ao uso de fontes judaicas, muitos dos artigos edita- dos por Kittel dependem de Billerbeck e, em conseqiiéncia, o seguem, fracassando muitas vezes junto com ele. Mas isso nao é tudo. Quando se avalia 0 Diciondrio, nao se deve ignorar a histéria pessoal de Gerhard Kittel, e ela no inspira confianca. No mesmo ano em que os primeiros fasciculos do Theologisches Wérterbuch foram publicados — produzidos por uma equipe escolhida por Kittel —, o editor-chefe também publicou um pequeno livro de sua lavra, Die Judenfrage, “A Questo Ju- daica”. O ano foi 1933 e a obra era, como vocés j4 devem ter adivinhado, um tratado anti-semita. Talvez me seja permitido fazer aqui uma pequena digressdo sobre isso a fim de garantir que 0 meu comentério sobre Kittel seja devidamente entendido. Alguns te6logos alemaes civilizados consideraram seu comportamento escandaloso. Karl Kudwig Schmidt, renomado estudioso do Novo Testamento e editor da revista mensal Theologische Blatter, teve a coragem de publicar no ntimero de agosto de 1933 uma carta aberta a Gerhard Kittel, de autoria do grande autor judeu, especialista biblico € pensador religioso Martin Buber”, Isso levou a seguinte resposta magnifica a Buber da parte de outro importante especialista alemao do Novo Testamento, Ernst Lohmeyer: Acabo de ler sua carta aberta a Gerhard Kittel e sinto-me impelido a lhe dizer que cada uma de suas palavras soa como se safda do meu proprio. coragdo. Mas 0 que me move niio € apenas o sentimento de solidariedade espiritual (...] €, para ser franco, algo semelhante 4 vergonha de ver com- Panheiros tedlogos pensando e escrevendo como o fazem, de ver a igreja juterana silenciar e, como navio sem capitao, ser afastada violentamente do seu curso pela tempestade politica de um presente afinal de contas fugidio. Esta carta pretende mostrar-Ihe que nem todos os membros dos corpos docentes de teologia e nem todos os estudiosos do Novo Testamen- to partilham das idéias de KitteP. Por sua vez, Kittel, um homem instruido, dividido entre o amor e 0 6dio pelo judaismo (ele enviou de presente a Buber uma c6pia do seu odioso livro), continuou 27. Para uma severa critica das distorgées lingUisticas desse Diciondrio, veja-se J. Barr, The Semantics of Biblical Language, Londres, 1961, pp. 206-262. 28. Martin Buber, Der Jude und zein Judentum, Colonia, 1963, pp. 621-624. Para uma traduco inglesa, veja-se Talmage, Disputation and Dialogue, pp. 49-54. 29. Martin Buber, Briefwechsel aus sieben Jahrzehnten, II (1918-1938), Heidelberg, 1972, p. 499. 86 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. as conotagies hebraicas do seu nomos, ¢ os que falavam aramaico, talvez para evitar 0s defeitos da escolha do termo grego, preferiam traduzir Tord por Orayta, ensina- mento, iluminagdo“. Apenas acentuando 0 grego, sem dar atenco ao significado semita do termo, poder-se-ia, seguindo Paulo e o cristianismo helénico, entender a lei, com sua condenagdo e morte, como o oposto de Cristo, o Salvador. Com Tord equiparada a nomos, a Lei, o cristianismo herdou do judaismo helénico uma tradu- ¢4o incorreta de um conceito essencial. E, desenvolvendo somente suas associagdes gregas, a igreja acabou por distorcer o significado hebraico-judaico do termo judeu- helénico nomos. Meu segundo exemplo € a expressdo “Filho de Deus”. Para um falante do grego de Alexandria, de Antioquia ou de Atenas na virada das eras, 0 conceito huios theou, Filho de Deus, teria evocado ou um dos muitos rebentos das divindades do Olimpo ou, possivelmente, um rei egipcio-ptolemaico deificado, ou o divino impe- rador de Roma, descendente do glorificado Julio César. Para um judeu, no entanto, a expresso hebraica ou aramaica correspondente nao teria se aplicado a nada disso. A seu ver, filho de Deus poderia ser uma referéncia, em ordem ascendente, a qual- quer filho de Israel; a um bom judeu; a um judeu santo carismitico; ao rei de Israel; de modo especifico ao Messias-rei; e, por fim, num outro sentido, a um ser angélico ou celeste. Em outras palavras, “filho de Deus” sempre era entendido metaforica- mente em circulos judeus. Nas fontes judaicas, seu uso nunca implica a participacio da pessoa assim nomeada na natureza divina. Pode-se em conseqiiéncia supor com seguranga que, se 0 meio no qual a teologia cristé se desenvolveu tivesse sido hebraico ¢ ndo grego, ela nao teria criado uma doutrina da encarnagdo tal como tradicionalmente se entende“*, Para concluir, eu gostaria de voltar 4 minha epigrafe. O candidato recomendado pelo meu andnimo examinador foi considerado “entre os poucos estudiosos do Novo Testamento capazes de examinar com seriedade e se orientar com firmeza pelo material semita cuja importancia todos nds reconhecemos da boca para fora”. Se houver alguma verdade no que tentei transmitir-Ihes nas péginas precedentes, 0 conhecimento excepcional do nosso candidato desconhecido tem de passar a ser a qualificacZo normalmente exigida de todo estudioso competente do Novo Testamen- to. Na realidade, essa seria a qualificacao minima. Um bom estudioso do Novo Testamento tera de se empenhar para vir a ser um cidadao do mundo mais amplo a que pertence a sua disciplina (isso no se refere somente ao mundo judaico: inclui também o helénico), de modo a poder compreender os argumentos apresentados pelos especialistas nas varias provincias desse mundo, bem como formular questdes 44. Cf. History ll, p. 321. 45. Veja-se Vermes, Jesus the Jew, pp. 192-222. 46. J. Barr apresenta com vigor as mesmas idéias em sua critica ao Dicionério de Kittel: “Poder-se-ia alegar que esta énfase no substrato hebraico das idéias talvez estivesse de fato na mente de judeus instruidos como Paulo, mas que as palavras que para ele tinham essa série de associagées podiam ser compreendidas, em sua maioria, por ouvintes cristéos gentios, com desta- {que para os menos instruidos, em seu sentido helénico normal”, Semantics of Biblical Language, p. 250. 95 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. influente que resultou dessas descobertas foi a monografia An Aramaic Approach to the Gospels por M. Black'*. A exegese targimica do Novo Testamento tem a van- tagem, em comparagdo com outros ramos da literatura rabinica, de ser inteiramente baseada nos textos aramaicos palestinos — isto é, galileus — que provavelmente foram objeto de uma atualizacéo menos completa do que a Mishné, a Tosefta, o Talmude e os Midrashim halaquicos. Nao obstante, ela padece da mesma fraqueza metodolégica da interpretacao talmUdico-midrashica do Novo Testamento, na medi- da em que, na sua forma redigida (mesmo se descontarmos, obviamente, os acrés- cimos tardios, como alusées a Bizancio ou ao Isla), néo é provavel que nenhum Targum Palestino seja anterior a 200 d.C. A mudanga mais revolucionéria na posic¢éo do exegeta do Novo Testamento preocupado com dados judaicos comparativos ocorreu em 1947, com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto. Nao apenas passara ele a estar equipado com os documentos nao-biblicos de Qumran, escritos em sua maioria em hebraico e aramai- oe, num sentido amplo, contemporaneos dos primérdios do cristianismo, como também derivam de um ambiente sectério mais ou menos semelhante ao da Igreja primitiva, Do mesmo modo, praticamente toda a literatura é religiosa, incluindo um bom numero de escritos de interpretaco da Biblia. Em muitos aspectos, seria dificil inventar um corpus literario mais adequado ao estudo do Novo Testamento do que esses manuscritos'’, nao causando surpresa que haja a crescente tendéncia, no estudo contemporaneo do Novo Testamento, de res- tringir a comparagdo exclusivamente a eles. Na realidade, afora a vantagem (nio teconhecida) de eliminar 0 4rduo trabalho de consulta a fontes rabinicas, o pan- qumranianismo tem muito a seu favor: cronologia, linguagem, base escatolégico- apocaliptica, similaridade em aspiragdes religiosas etc. Por outro lado, sera que o teconhecimento da import4ncia dos documentos de Qumran (e do material epigréfico do mesmo perfodo) significa que as contribuigdes da Mishn4, do Talmude, do Midrash e do Targum tém agora de ser consideradas irrelevantes, privadas de validade? O professor J. A. Fitzmyer parece pensar que sim'*. Para fazer justica, deve-se acentuar que ele argumenta principalmente do ponto de vista lingtifstico, alegando que o aramaico de Qumran (bem como o das inscrigées funerdrias e ossudrias do século I a.C.) — ou, de modo mais abstrato, o testemunho do aramaico médio — “deve ser a forma mais recente do aramaico que pode ser usado na comparagao filolégica do substrato aramaico dos Evangelhos e dos Atos”. Alhures, ele destaca que o aramaico qumraniano exibe “dados privilegiados que tém pre- 14, Editada primeiramente em Oxford, no ano de 1946, e mais tarde revista ¢ reeditada em 1954 ¢ 1967. 15, Para uma introdugao recente, veja-se G. Vermes, The Dead Sea Scrolls: Qumran in Perspective, Londres, 1977, ed. rev. Filadélfia, 1981, Londres, 1982. 16, Seus artigos mais importantes foram reunidos em A Wandering Aramean: Collected Aramaic Essays, Missoula, 1979. Veja-se ainda “The Aramaic Language and the Study of the New Testament”, JBL 99, 1980, pp. 5-21. 17, Fitzmyer, A Wandering Aramean, p. 8. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Bendito seja o nome do Senhor do Mundo, que nos ensinou seus justos caminhos. Ele nos ensinou a cobrir os desnudos tal como cobriu Adio e Eva. Ele nos ensinou a unir 0 noivo a noiva tal como uniu Addo e Eva. Ele nos ensinou a visitar os doentes ao se revelar em Palavra a Abraao depois de sua circuncisao. Ele nos ensinou a consolar os aflitos ao se revelar a Jac6 em seu retomo de Padan no lugar em que morrera sua mie. Ele nos ensinou a alimentar os pobres 20 fazer pio cair do céu para os filhos de Israel. Ele nos ensinou a enterrar os mortos por meio de Moisés, a quem se revelou em sua Palavra, e com ele companhias de anjos auxiliares. Essa forma talmtidica-targimica da doutrina tem sua adaptaco cristianizada em Mateus 25, 31-46, em que o “Rei” do julgamento escatolégico ordena as “ovelhas” a sua mao direita: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por heranca o Reino pre- parado para vés desde a fundagdo do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me”. Qual a relacdo entre esses dois conjuntos de textos? Vejo quatro possibilidades, que podem ser representadas pelos seguintes modelos (NT = Novo Testamento; R = Literatura Rabinica, TJ = Tradigao Judaica): 1. As semelhangas so pura coincidéncia. NT|—>|R Tendo em mente o grau de sobreposicao e a variedade da atestacao, esse diag- néstico é altamente improvavel. 2. A doutrina rabinica € inspirada no, ou tomada ao, Novo Testamento. NT|—>|R Em termos cronol6gicos, isso € obviamente possivel; mas, para tornar viavel essa conjetura, temos de poder demonstrar que os rabinos da época tanaitica e amoraica nado apenas conheciam os ensinamentos do Novo Testamento mas se dis- punham de fato a aprender com eles: 0 que é pedir muito. 3. O Novo Testamento depende do Targum e do Midrash. NT|<—/R A possibilidade de que o Novo Testamento utilize temas judaicos correntes € possivel ¢ provavel, mas a real dependéncia pressupée a existéncia de R no século I. Isso é demasiado problematico; embora o Apécrifo do Génesis de Qumran, com 105, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. deriva € 0 aramaico’. Nao poderia ser o hebraico porque, com uma possivel exce¢do, essa lingua nunca emprega o artigo definido com ben adam®. Antes de 1965, havia duas correntes de pesquisa filolégica. A primeira, surgida na virada do século, compreende as obras de Arnold Meyer’, Hans Lietzmann*, Gustav Dalman? e Paul Fiebig'®. A outra, que data dos anos imediatamente poste- riores ao final da Segunda Guerra, tem como participantes mais importantes J. Y. Campbell", John Bowman'?, Matthew Black" ¢ Erik Sjéberg'*. Havia acordo entre 0s protagonistas acerca de alguns pontos lingii{sticos; porém, no tocante a duas questdes, 0 uso perifrdstico ¢ o uso titular da expresso, as opinides permaneciam divididas!S. Meu pensamento acerca do assunto comegou com uma observagao que, de tio evidente, beirava o trufsmo: “Como ‘o filho do homem’ ndlo € uma expresso grega, mas aramaica, se fizer algum sentido, tem de ser um sentido aramaico""*, Por conseguinte, antes de tentar determinar o sentido de ho huios tou anthrépou nos evangelhos, 6 imperativo descobrir em que sentido ou sentidos bar ("e)nasha foi usada de fato em textos aramaicos judeus existentes. Em 1963 e 1964, completei, portanto, uma pesquisa que, embora de forma alguma constitufsse uma investigagio exaustiva, tinha como base 5. Essa concepeio é reiterada por C.F. D. Moule, The Origin of Christology, Londres, 1977, p. 13, com especial referéncia a Dn 7, 13, assunto a ser considerado agora. Cf. nota 17 adiante. 6. Cf. Jesus the Jew, p. 162, 256, nota 8. 7. Meyer, Jesu Muttersprache, Freiburg/Br., 1896. 8. Lietzmann, Der Menschensohn, Freiburg/Br., 1896. 9. Dalman, Die Worte Jesu, Leipzig, 1898, 71930; tr. ingl.: The Words of Jesus, Edimburgo, 1909. 10. Fiebig, Der Menschensohn, Tabingen, 1901. 11. Campbell, “The Origin and Meaning of the Term Son of Man", JTS 48, 1947, pp. 145- 155. 12. Bowman, “The Background of the Term ‘Son of Man’, Expository Times 59, 1947/48, pp. 283-88. 13, Black, ““The Son of Man’ in the Teaching of Jesus”, Expository Times 60, 1948/49, pp. 32-36. 14, Sjoberg, “Ben ‘adam und bar 'enash im Hebraischen und Aramdischen”, Acta Orientalia 21,1950/51, pp. 57-65, 91-107. 15, Rejeitado por Liewmann e Sjoberg, o uso perifrdstico foi defendido por Meyer, Campbell ¢ Black, entre os autores citados, assim como por P. Joiion, L’ évangile de Notre-Seigneur Jésus- Christ, Paris, 1930, p. 604, ¢, mais recentemente, por R. E. C. Formesyn, “Was There a Pronominal Conection for the Bar Nasha Selfdedignation””, NT 8, 1966, pp. 1-35. Contudo, afora M. Black, nenhum desses autores julgou necessério procurar exemplos aramaicos. Como a teoria da auto- referéncia nunca deixou de ter seus partidérios, parece estranho que Simon Légasse tenha ficado “un peu surpris” pela minha tentativa de “revivé-la”. Cf. “Iésus historique et le Fils d’Homme: ‘Apercus sur les opinions contemporaines”, Apocalypse et Théologie de I’ espérance, Paris, 1977, pp. 273-74. O uso titular € sustentado por Daiman, Bowman, Black ¢ Sjéberg, mas negado por Lictzmann ¢ Campbell. 16. Jesus the Jew, p. 177. 110 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ingiffstico ao Novo Testamento, a tese apresentada por Bultmann e sua escola, de que “‘o filho do homem” a que Jesus alude nio era ele mesmo’, proporciona um exemplo quase perfeito de como sofisticados pesquisadores modernos podem ser enganados por um brilhante double entendre aramaico. A critica de Joseph A. Fitzmyer é de um tipo bem distinto”. Para cle, é quase irrelevante 0 fato de eu ter apresentado uma tese em favor do uso perifrdstico de “o filho do homem”, Em 1968, ele julgava a argumentagio “convincente’”®; seis anos mais tarde, declarou que bar nasha “nunca é encontrado com circunlocugio de ‘eu’, Sejam quais forem os méritos da minha tese acerca dos textos exami- nados, ela nfo tem relevancia para o Novo Testamento porque esses textos no sio de obras escritas no século I d.C. E, pior do que isso, todas as minhas citagdes contém a forma bar nash ou bar nasha, ao passo que “homem” no aramaico biblico ou de Qumran contém o aleph: ’enash ou 'endsh. O encurtamento desse tipo é um indicio de ulterioridade, observa ele, e em “comparagées filolégicas do substrato aramaico dos evangelhos [...] é bem ilegitimo recorrer a textos ulte- riores”?!, O principio metodolégico enunciado por Fitzmyer é incontestavelmente vali- do... quando aplicdvel. Seria de fato erréneo confiar em fontes mais recentes — ou, eventualmente, mais antigas — do que.o Novo Testamento quando 0 tipo certo de documentos contemporaneos est4 disponivel na quantidade suficiente. Mas na ques- tio do “filho do homem”, est4 bem claro nao ser esse o caso. Examinemos a situago que se seguiria se tomassemos Fitzmyer como nosso guia. Todos concordam que o grego ho huios tou anthropou ¢ um aramafsmo usado no século I d.C. Mas 0 intérprete dos evangelhos esta condenado a um impasse: seu material comparativo do século I é extremamente escasso; além disso, ndo representa o género, o estilo, © vocabulério nem o dialeto apropriados. Por outro lado, devido a meras razdes cronolégicas, ele tem de desprezar uma imensa gama de indicios que parecem, e na realidade sdo, significativos e titeis. Mesmo assim, falando bem objetivamente, se aceitamos que a frase refletida em ho huios tou anthrépou foi cunhada originalmente em aramaico por galileus, nao € razoavel e, na verdade, obrigatorio, investigar os remanescentes do dialeto galileu mais proximos no tempo dos evangelhos, o Talmude Palestino e fontes rabinicas semelhantes, em especial quando hé boas razdes para pensar que suas peculiaridades dialetais predatam o periodo de sua codificagao? E 27.R. Bultmann, Theologie des neuen Tesiaments, Tubingen, *1965, pp. 30-32; H. Conzelmann, An Outline of the Theology of the New Testament, Londres, 1969, p. 135 etc. 28, Resenha de An Aramaic Approach em CBQ 30, 1968, pp. 417-428, esp. pp. 424-428; “The Contribution of Qumran Aramaic to the Study of the New Testament”, NTS 20, 1974, pp. 382- 407; “Methodology in the Study of Jesus’ Sayings in the New Testament”, Jésus aux origines de {a christologie, ed. J. Dupont, Gembloux, 1975, pp. 73-102. 29, Fitzmyer, art. cit., CBQ, p. 427. 30, Fitzmyer, art. cit., NTS, p. 397, nota 1. Para a sua opinido mais recente, veja-se p. 101. 31. Fitzmyer, artcit., CBQ, p. 420. 114 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. agisse de outra maneira””?, observando também sua particular relevancia as previ- sdes da paixdo nos evangelhos”*, No final, ele propde a substituigdo da nogdio apo- calfptica de “Filho do Homem” pela de um emiss4rio de Deus no juizo final, afir- mando que nao apenas os autores do Novo Testamento identificam Jesus a esse emiss4rio como ele mesmo tinha consciécia de estar representando essa fungao”>. Seja como for, est4 fora de questéo que, do ponto de vista filolégico-hist6rico, o estudo de Lindars marca um passo definitivo na diregdo correta. John Bowker, embora adote uma conclusio bem diferente, também se esforga por inspirar-se em dados semitas. Ele vé no uso biblico de “filho do homem” algo que aponta para a sujei¢3o humana a morte, bem como, em Dn 7, A justificagao divina. Reconhecendo sua dependéncia, ao menos parcial, da teoria da auto-referéncia, ele cré que sua formulacio é mais adequada a descricdo marcana de Jesus, que “fala de si mesmo como um homem sujeito (inequivocamente) 4 morte, mas que serd justificado”™. Contudo, essa identificagao do “filho do homem” como um ser mortal mas divi- namente justificado nos faz voltar 4 velha situagao de “titulo e conceito”, com a desvan- tagem particular de ser derivada do hebraico, no qual nfo se tem certeza de existir uma forma determinada no singular de ben adam. Além disso, a hipétese terA de enfrentar as dificuldades classicas: por que “o filho do homem” s6 € posto nos labios de Jesus, © por que nunca se dirigem a ele nem o descrevem como ho huios tou anthrépou?” Deixei para o fim 0 que parece talvez o resultado mais encorajador do debate sobre 0 “filho do homem”. Hé algumas semanas, em Madri, Luis Alonso Schdkel chamou a minha ateng4o para o novo tratamento dado pela Biblia espanhola a “o filho do homem”. “El hijo del hombre” desapareceu por completo da Nueva Biblia Espaftola de 1975*. Em Dn 7, 13, bar’enash tornou-se “una figura humana” e, no Novo Testamento, ho huios tou anthrépou € traduzida como “hombre” em todas as passagens em que se pensa que é usada num sentido genérico. Mas quando Jesus a emprega como auto-referéncia, a tradugdo € “este hombre””?. Ou seja, no espanhol 73. Lindars, art, cit., NTS, p. 53. 74, Ibid., p. 54. 75. Ibid. 76, Bowker, an. cit. 7. A interpretaao proposia por C. F. D. Moule € de certo modo parecida com a de Bowker. Seu caleanhar de Aquiles literério, além da fraqueza filolégica mencionada na n. 17 acima, € ‘exposto pelo proprio Professor Moule: “Nao hd divida de que a posicio que expus teria mais consisténcia se, em cada uma das varias correntes das tradigées dos Evangelhos... ‘o Filho do Homem’ tivesse ao mesmo tempo todas as associacbes de softimento, justificagao e julgamento se Dn 7 fosse citada de maneira mais especifica nas passagens relativas ao Filho do Homem”, The Origin of Christology. p. 19. 78. Essa tradugio foi dirigida por Luis Alonso Schdkel e Juan Mateos, sendo editada pela casa editorial madrilenha Cristianidad. 79. Hé em Mt 8, 20 uma nota de rodapé indicando a opiniéo dos tradutores, mas sem descartar as outras: “‘este Hombre’, lit. ‘el Hijo del hombre’, locucién aramea para designar a un individuo; a veces, alusiOn a la ‘figura humana’ de Dn 7,13” (p. 1505). 120 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. maior dos rolos, o do Templo, 56 apareceu depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967. ‘Todas essas descobertas, bem como algumas outras, datadas do século I ao comego do século II d.C., ocorridas em Murabba’at, Nahal Hever e Nahal Ze’elim, bem como nas fortalezas de Massada, alteraram por completo a nossa documentacao acerca do judaismo do periodo. De que maneira o mundo académico da pesquisa judaica biblica e pés-biblica reage a esse evento tdo estimulante? No nivel superficial, houve uma aclamagao imediata e quase universal. Os arque- Glogos ¢ hebrafstas que atuaram como negociadores, conselheiros e escavadores, ou como decifradores e editores — Sukenik, de Vaux, Albright ¢ Millar Burrows com sua equipe — s6 empregaram superlativos na descrigio dos Manuscritos como os mais antigos e importantes documentos existentes, sua descoberta como a mais significativa 4 feita no campo da arqueologia biblica, tudo 0 que se relacionava com eles como sensacional e, na verdade, até epocal. Mas 0 jdbilo foi mais aparente que real. Afora 0s pesquisadores jé mencionados, que se envolveram, desejando ou no, porque acon- teceu de se acharem em Jerusalém na época — Albright nao estava, mas foi consultado explicitamente como 0 ordculo americano sobre todas as questdes relativas a arqueo- logia palestina —, a maioria das autoridades estabelecidas optou pela atitude de esperar para ver. Apenas uns poucos especialistas de reputagao intemacional se aventuraram corajosamente no labirinto de Qumran: André Dupont-Sommer na Franga® e H. H. Rowley neste pais’ [a Inglaterra]. O j4 idoso, mas ainda aventureiro Paul Kahle também se engajou’, sem ter deixado uma marca notdvel no tocante A questo, e 0 saudoso professor G. R., mais tarde Sir Godfrey, Driver, publicou em 1951 um libreto que hoje est na melhor das hipoteses esquecido’. O nico especialista em Judaica a se lancar de cabega na discussao, o génio peculiar Solomon Zeitlin, declarou antes mesmo de ver a menor fotografia do fragmento mais diminuto: Embora nao tenha visto esses manuscritos ¢ nao tenha o direito de julgs- los, tenho minhas dividas a seu respeito. Sei que durante a Segunda Comunidade os judeus nio escreveram comentirios sobre livros biblicos'®. Um pouco mais tarde, ele ficou dogmatico: No tocante ao Comentdrio ao Livro de Habacuc..., longe de ser um livro antigo, ele pertence claramente a Idade Média. E axiomético que os judeus nao escreveram comentirios ao livro profético durante o periodo da Se- gunda Comunidade". 6. Dupont-Sommer, Apergus préliminaires sur les manuscrits de la Mer Morte, Patis, 1950; Nouveaux apercus sur les manuscrits de la Mer Morte, Paris, 1953. 7. Rowley, The Zadokite Fragments and the Dead Sea Scrolls, 1952. 8. Kahle, Die hebriischen Handschriften aus der Hohle, 1951. 9. Driver, The Hebrew Scrolls from the Neighbourhood of Jericho and the Dead Sea, 1952. 10. Zeitlin, “The Hoax of the Slavonic Josephus”, JOR 39, 1948, p. 180. 11. Zeitlin, “A Commentary on the Book of Habakkuk. Important Discovery or Hoax?”, JOR 39,1949, pp. 236-37. 125 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. controvérsias feitas nfo por cies, mas pelos seus adversérios, os fariscus. Além disso, nenhum desses relatos, nem aqueles nos quais os fariseus descrevem seus pr6prios ensinamentos e préticas, chegaram até nés numa formulacio farisaica di- Teta; eles s6 esto disponiveis em compilagées rabinicas consideravelmente ulterio- res da Mishn4, Tosefta, Midrash e Talmude. Se, para completar o quadro, me for permitido tratar os evangelhos como literatura judaica do século I, pode-se dizer que so temporalmente proximos dos eventos que relatam, mas que 86 existem em grego, a0 passo que a lingua das principais personagens da histéria e, mais ainda, os seus conceitos e de toda a sua civilizagdo, eram judaicos e aramaico-hebraicos. Uma avaliacio dos Manuscritos do Mar Morto da perspectiva da historia judai- ca, no sentido mais amplo, ainda é tarefa que esta longe de terminar. Algum pequeno Progresso, espero, tem sido feito nessa diregdo pelos revisores do primeiro volume da History of the Jewish People, de Schirer”, havendo mais sobre as instituigdes judaicas a sair no volume IP®. Para nomear apenas os topicos mais ébvios, Templo, sacerdotes, levitas, culto, exegese biblica, revelaréo a marca distintiva dos Manus- critos do Mar Morto. Nao € preciso dizer que nenhuma discussio da Segunda Guerra contra Roma pode ser hoje conduzida competentemente sem 0 recurso aos testemu- nhos revelados pelas cavernas de Murabba’at e Nahal Hever”'. Porém, repito, resta muito a ser realizado, inclusive uma nova avaliago dos testemunhos secundérios contidos na literatura rabinica vinculada com o periodo que vai até Bar Kokhba”. Os especialistas do Talmude serao bem recebidos como parceiros numa tarefa coletiva, ¢ como participantes de um esforgo por integrar as fontes, todas as fontes, da cultura judaica. Suas qualificages véo complementar de modo frutifero conhe- cimento especializado dos pesquisadores biblicos, intertestamentrios e do Novo Testamento, bem como dos estudiosos do mundo greco-romano e parto-persa. Tal- vez também nesse campo algum otimismo esteja garantido. Nos anos 1950, alguns dos principais porta-vozes dos estudos judaicos apontaram, em linhas gerais, 0 ca- minho, Eu gostaria de nomear Saul Lieberman” e Naftali Wieder’*, assim como 0 eclético Chaim Rabin. Mas seu exemplo nem sempre foi seguido. A grande obra de E. E, Urbach, The Sages: Their Concepts and Beliefs”, é elaborada de tal forma 19, Emil Schirer, The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ I, revisto € editado por Geza Vermes ¢ Fergus Millar, editora literaria, Pamela Vermes; editor organizador: Matthew Black, 1973. 20. O volume 2 do Schiirer apareceu em 1979. 21. Veja-se, e. g., ibid., pp. 534-557. 22. Cf. Peter Schafer, Der Bar Kokhba-Ausfiand, 1981. 23. Lieberman, “Light on the Cave Scrolls from Rabbinic Sources”, PAAJR 20, 1951, pp. 395-404, 24. Wieder, “The Habakkuk Scroll and the Targum”, JJS 4, 1953, pp. 14-18; “The ‘Law Interpreter’ of the Sect of the dead Sea Scrolls: the Second Moses”, ibid., pp. 158-175. 25. Rabin, The Zadokite Documents, 1954; Qumran Studies, 1957. 26. A edigdo hebraica apareceu em 1969. Uma tradugo inglesa em dois volumes foi publi- cada em 1975, 151 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Capitutco 9 O IMPACTO DOS MANUSCRITOS po Mar Morro Sospre 0 Estupo DO Novo TESTAMENT Desde o comego das pesquisas em Qumran, 0 relacionamento entre os Manus- critos do Mar Morto e o Novo Testamento tem sido objeto de volumosas, por vezes extravagantes ¢ com freqiiéncia acaloradas discussées. Para uma correta abordagem desse t6pico a luz de um quarto de século de pesquisas, podem ser Gteis algumas observagées preliminares. A comparagao entre os dois conjuntos literarios € ndo s6 razoavel como indis- pensivel: os dois vém mais ou menos da mesma época € derivam do mesmo am- Diente, Mas se estivermos em busca de possiveis influéncias entre eles, ndo podemos nos esquecer que a Comunidade de Qumran precede a igreja cristi, assim como os Manuscritos do Mar Morto precedem o Novo Testamento. Praticamente todos os pesquisadores concordam que os escritos de ambos os movimentos religiosos esto de certa maneira ligados entre si, se bem que haja divergéncias quanto ao grau ¢ & natureza desse vinculo. Num extremo, encontramos a teoria, proposta em primeiro lugar por J. L. Teicher! ¢, mais recentemente, por Y. Baer’, segundo a qual os Manuscritos do Mar Morto sfio documentos cristZos, a Comunidade € a igreja judeu-crista e 0 Mestre de Justiga é Jesus. Uma posigao * Conferéncia proferida no University College of North Wales, Bangor, 15 de outubro de 1975, Publicada em JJS, vol. 27, n. 2, 1976, pp. 107-116. 1. Nos indmeros artigos do doutor Teicher, o primeiro editor de JJS, apareceu em JJS, 2-5, 1050-54. 2. Sereth ha-Yahad — The Manual of Discipline. A Jewish-Christian Document from the Beginning of the Second Century CE”, Zion 29, 1965, pp. 1-60 (em hebraico). 157 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Josefo, nem as tradigdes rabinicas que se podem fazer remontar com seguranga a era pré-70 d.C. indicam que os judeus palestinos tenham sido, enquanto grupo, afetados por esse fervor na intensidade atestada pelos Manuscritos do Mar Morto e pelo Novo Testamento. Por outro lado, uma expectativa escatolégica generalizada é en- contrada de maneira mais natural em movimentos periféricos e seitas do que na corrente religiosa principal, mais assentada. E razovel inferir que a Comunidade e a Igreja primitiva pertenciam ao mesmo estrato s6cio-religioso do mundo judaico palestino. Mas nao haveria justificativa em tentar associar esses dois grupos de modo mais especifico. Os principios sectérios gerais também podem ajudar a explicar 0 fato de tanto a Comunidade como a Igreja afirmarem ser o verdadeiro Israel, os genuinos descendentes a que os outros judeus deviam se unir se desejassem alcangar a salvagdo; também podem ajudar a explicar suas respectivas convicedes de que constitufam profecias realizadas. Como essas reivindicagées eram, com efeito, necessariamente contraditérias entre si, seus argumentos distintos podem ter sofrido a influéncia da controvérsia. No h4 no entanto indicios de um tal confronto em nenhum dos conjuntos de documentos €, nessas circunstancias, ficam sem base especulagdes concementes ao efcito potencial da polémica entre os seguidores do Mestre de Justica os de Jesus. O problema do Templo ¢ mais complexo. Para a seita de Qumran, dominada por sacerdotes, o santu4rio € 0 culto eram mais importantes do que para o grupo de galileus simples que formavam 0 nicleo do cristianismo. Isso poderia explicar a diferenga basica entre as duas doutrinas no tocante ao caréter transit6rio ou perma- nente da substituig¢éo do Templo. Mas a scmelhanga da teologia de Paulo com a de Qumran quanto a isso por demais pronunciada para ser meramente acidental, sendo legitimo suspeitar que Paulo conhecesse, direta ou indiretamente, 0 simbolismo qumraniano, e que o tenho adaptado ao formular sua prépria doutrina acerca do culto espiritual. O mesmo comentério pode aplicar-se 4 génese do pensamento de Paulo acerca do “Israel de Deus” (Gl 6, 16): ao moldar sua propria doutrina, ele imitou, mas a0 mesmo tempo contradisse, as reivindicagdes sectérias dos Manuscritos. A mais provavel influéncia de Qumran sobre o Novo Testamento se acha associada a organizacao e A pratica religiosa. Nas quatro ultimas décadas do Segun- do Templo, as duas comunidades coexistiram. Mas enquanto o cristianismo nessa €poca ndo passava de um corpo nascente, a Comunidade de Qumran j4 era uma instituico bem estabelecida. Seria simplesmente razodvel esperar que, no campo da administra¢ao e das finangas, os inexperientes organizadores da Igreja tivessem procurado algo em que se inspirar e tenham observado os padrdes existentes com vistas a adoté-los e modificd-los. Quanto @ datago da fundagao publica da comu- nidade cristé da festa de Pentecostes, isso também parece revelar uma auto-afirma- 80 polémica por parte do cristianismo. A questo do celibato ou da descontinuacao da vida conjugal é menos simples. O argumento pratico do Novo Testamento em favor do celibato, qual seja, o de que um pregador itinerante ou uma pessoa que se juntasse a tal mestre precisa de liber- dade e de mobilidade, ndo é aplicvel a Qumran, nem — caso se trate de outro grupo 143, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 6. Por fim, nenhuma identificagdo rival é, a meu ver, convincente, ao passo que a teoria essénia parece nao apenas s6lida como dotada de alto grau de probabilidade intrinseca. Rejeita-la nao iria tornar mais provaveis as outras hip6teses, mas somente levar A conclusdo de que o material de Qumran tem de pertencer a uma seita judaica até agora desconhecida quase idéntica aos essénios! O que nos lembra da conhecida anedota do historiador biblico que negava que Josué tivesse liderado a conquista de Cané, afirmando que o general israelita vitorioso tinha sido um primo que por acaso twazia o nome de Josué. A HISTORIA DOS ESSENIOS'S Embora hoje seja possivel colher informagdes sobre os essénios em fontes classicas e qumranianas, a inser¢o da seita no contexto da histéria depende intei- ramente, exce¢do feita a uns poucos dados fornecidos por Josefo e Gteis para se tracar um vago esboco cronolégico, das descobertas do Mar Morto. Nao obstante, os indicios literérios nos quais temos de nos apoiar sdo de um tipo peculiar: eles estZo contidos principalmente em documentos dedicados A exegese bfblica ou a discussdes baseadas em interpretagdes escriturais. Discutirei esse fenémeno na segio final deste capitulo. No momento, volto-me para os Manuscritos com o objetivo de reunir suas alusdes hist6ricas fragmentarias e cifradas. De acordo com a Regra de Damasco, o surgimento da seita ocorreu “390 anos” depois da destruigéo do Primeiro Templo, quando uma “raiz” brotou de “Israel ¢ Aario”. Esse grupo de sacerdotes ¢ Ieigos “perambulou sem rumo” por vinte anos até que recebeu um guia enviado por Deus, “o Mestre de Justiga”. Uma faccio da congregacio designada como “os que buscam as coisas faceis” se rebelou contra ele, passando a seguir “o Mentiroso”, que os fez ficar deriva em matéria de doutrina, de moral e de calendério litirgico. Segue-se a isso um conflito violento, e 0 Mestre e aqueles que permaneceram fiéis a ele foram para o exilio “na terra de Damasco”, onde estabeleceram a “nova Alianca”. Ali morreu o Mestre. Os impios, por outro lado, continuaram a reger em Jerusalém até encontrarem a Vinganca divina nas maos “do principal rei da Grécia”. © Comentario de Habacuc também se refere a uma defecco de discfpulos do Mestre para o Mentiroso, ou “Sacerdote impio”. Esse homem é descrito com grande ndimero de detalhes. Ele fora chamado pelo “nome da verdade” antes de se tornar Girigente de Israel e se deixar corromper pelo poder e pela riqueza. Ele reconstruiu € profanou Jerusalém e o santuério. Ele “puniu” o Mestre e sua congregacdo. Ele os perseguiu ¢ os confrontou em seu refiigio em seu Dia do Perdio. Ele foi punido por Deus, que o entregou a inimigos “que se vingaram em seu corpo de came”. Também hé noticias de seus sucessores, os “iltimos sacerdotes de Jerusalém”, que sio acu- sados de espoliar 0 povo. As riquezas por eles acumuladas, no entanto, ser-Ihe-iam tomadas pelos “Kittim”, os novos conquistadores do mundo divinamente indicados. 15. Veja-se DDS, pp. 142-162; History Il, pp. 585-590. 150 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Até agora, a “€poca da ira” foi identificada com a crise helénica, os Kittim com 0s romanos € a “raiz” que brotou de Israel e Aarao como 0 movimento assideu. Mas quem era o principal inimigo da seita, o Sacerdote impio? Tendo em mente as caracteristicas dessa pessoa tais como tém sido definidas em varias documentos — um homem de boa reputacdo antes de assumir 0 cargo de Sumo Sacerdote, vitorioso sobre seus adversérios domésticos ¢ externos, um reconstrutor de Jerusalém even- tualmente capturado e morto por um rival estrangeiro —, somos inevitavelmente conduzidos aos irmaos Macabeus Jénatas e Simio, de preferéncia Jénatas, 0 inico a encontrar a morte nas mos de um gentio, Trifon, descrito de maneira apropriada como “o principal rei da Grécia” pela Regra de Damasco. (Simao, como vocés se lembram, foi morto pelo genro.) A expresso “‘os tiltimos sacerdotes de Jerusalém” pode muito bem designar varios membros da dinastia hasmonéia, de Joao Hircano I a Aristébulo II, e, em especial, Alexandre Janeu, o “furioso jovem Ledo”. Se assim for, as referéncias aos que “buscam as coisas face’ ie “Efraim” e aos influentes homens de “Manassés” podem simbolizar fariscus ¢ saduceus. Nessa hipétese, o Mestre de Justica, um sacerdote de afiliago sadoquita em- bora obviamente oposto a Onias de Leont6polis, deve ter sido um contemporaneo de JOnatas. Sua identidade hist6rica, no entanto, ainda nao est4 confirmada e nao sou otimista quanto a melhoria desse estado de coisas. Seu grupo apoiou a causa macabéia até que Jénatas recebeu 0 oficio pontifical de Alexandre Balas. Sua hostilidade aos Macabeus causou uma cisdo nos quadros da comunidade e a ida para 0 exilio do Mestre e dos seus partidérios. Pouco sabemos de sua carreira subseqiiente, nem mesmo como morreu. Os Manuscritos nao revelam outros detalhes histéricos, mas algumas informa- Ses adicionais podem ser vislumbradas com a ajuda de Josefo e da arqueologia de Qumran. Sabemos que um essénio de nome Judas, famoso por seus dons proféticos, previu corretamente a morte do irmao de Aristébulo I, Antigono (Ant. XIII, 311- 313). Outro profeta essénio, Menahém, previu que Herodes govemaria Israel e este, por apreciaco e gratiddo, dispensou a seita do juramento de lealdade que impunha a todos os seus stiditos judeus (Ant. XV, 373-78). Um terceiro essénio, o intérprete de sonhos Simao, proclamou a Arquelau, etnarca da Judéia, que ele governaria por dez anos (Ant. XVII, 345-8). Quanto a Joao, o Essénio, ele foi indicado strategos ou governador militar do distrito de Tama ¢ das cidades de Lida, Jopa e Emats no comego da primeiro revolta (BJ II, 567), tendo caido na batalha de Asquelon (BJ Ill, 11.19). Por fim, Josefo fala das torturas romanas infligidas aos essénios durante a primeira guerra (BJ II, 152-3). Isso € compativel com a alegagao dos arqueélogos de que o fim violento do assentamento de Qumran deveu-se tomada no principal estabelecimento essénio pelos soldados de Vespasiano no verio de 68. Alguns estudiosos alemaes, em particular Gert Jeremias ¢ Hartmut Stegemann, tentaram preencher outras lacunas no quadro histérico macabeu. Submetendo alguns Hinos a Critica das formas e supondo ainda que o Mestre de Justiga tenha sido scu 155, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Os estudos contidos neste livro levam mais longe a investiga¢gao realizada nos livros de Geza Vermes, Jesus, o judeu e The Dead Sea Scrolls e langam luz sobre muitas questoes importantes e controversas do periodo. Os topicos incluem a importancia dos Manuscritos do Mar Morto para os estudos judaicos e os estudos do Novo Testamento; a necessidade dos estudos judaicos para a interpretacao do Novo Testamento; e a compreensao que Jesus tinha de si mesmo. Este volume contém em particular as Conferéncias Riddell Memorial, “O Evangelho de Jesus, o Judeu”, que representam uma continuacao de Jesus, o judeu. Geza Vermes € Conferencista de Estudos Judaicos e Professor Associado do Wolfson College, Oxford. SNE Ree Gea! wii isa Cod, 3090 8

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