Gremaud Pol Fiscal Pol Monetaria PDF

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Politica Fiscal Pode-se definir politica econdmica como a intervencio do governo na eco- nomia, com 0 objetivo de manter elevados niveis de emprego e elevadas taxas de crescimento econémico com estabilidade de precos. As principais formas de politica econémica sao a politica fiscal e a politica monetéria. Neste capitulo, serd discutida a politica fiscal. Por politica fiscal entende-se a atuagio do governo no que diz respeito arrecadacao de impostos e aos gastos piiblicos. Estes afetam o nfvel de demanda agregada da economia. A arrecadagao afeta o nivel de demanda ao influir na renda dispontvel que os indivicluos poderao destinar para consumo e poupan- ca. Dado um nivel de renda, quanto maiores os impostos, menor seré a renda dispontvel e, portanto, o consumo. Os gastos sao diretamente um elemento de demanda; quanto maior o gasto piiblico, maior a demanda agregada, esti- mulando o aumento do produto. Assim, se a economia apresentar tendéncia para queda no nivel de atividade, © governo pode estimuld-la, cortando impostos ¢/ou elevando gastos. Pode ocorrer 0 inverso, caso 0 objetivo seja diminuir o nivel de atividade.* 1 Vale destacar que esse resultado vale no curto prazo, pois no longo prazo as agdes do governo podem getar outros tipos de incentivos e efeitos Sobre as decisdes de gasto do setor privado: por exemplo, um maior gasto piblico pode simplesmente resultar em um menor gasto do setor pri- vado. Esse efeito é conhecido como efeito deslocamento ou crowding out. 180 capitulo 8 Este capitulo esta dividido em cinco secées. Na seco 8.1 discutem-se as fungées do governo em uma economia de mercado. Nas secées 8.2 ¢ 8.3, siio apresentadas as estruturas de gastos e de arrecadaciio na economia brasileira. Na segio 8.4 é conceituado o déficit pitblico e discutido o seu financiamento. O impacto da politica fiscal sobre a renda e outras varidveis econémicas serd discutido na segio 8.5. 8.1 Fungées do governo Em termos tedricos, pode-se identificar trés funcées principais para o setor ptiblico: a funcéio alocativa, a fungao distributiva e a funcdo estabilizadora. Do ponto de vista de nossa andlise, estamos tratando principalmente da fungéo estabilizadora, que corresponde ao manejo da politica econémica para ten- tar garantir 0 maximo de emprego, crescimento econémico, com estabilidade de precos. Quanto a fungiio alocativa, tem-se a ago do governo complementando a ago do mercado no que diz respeito & alocacao de recursos na economia. So diagnosticadas algumas falhas no sistema econdmico de que o mercado, por si 86, nao consegue dar conta. As principais “falhas de mercado” identificadas oa existéncia de externalidades, as economias de escala e os bens ptiblicos. i, As externalidades (ou economias externas) correspondem ao fato de que a acio de determinados agentes pode ter impactos sobre o resultado almejado por outros agentes, sendo que essa influéncia nao consegue ser corrigida pelo sistema de precos. Existem tanto ex- ternalidades positivas como negativas. Suponha como exemplo um produtor de mel que tem como vizinho um produtor de mac. A flo- rada de maga pée a disposicaio do apidrio uma quantidade de néctar que aumenta a produtividade na produgao de mel. Apesar de possuir um valor de mercado, nao ha como 0 produtor de mac cobrar pelo im, a producio de mac& gera uma externalidade positi va a produgo de mel, aumentando sua rentabilidade. Um exemplo de externalidade negativa é a poluigdo, que sai como residuo da atividade produtiva, mas que afeta 0 bem-estar dos individuos ne- gativamente. Uma forma de tentar evitar esse problema é tributar 0 causador da externalidade e recompensar os agentes afetados,? ou seja, “internalizar” a externalidade. + O que nem sempre é possivel, de acordo com a complexidade da sociedade. Politica Fiscal 181 ii, As economias de escala sao definidas como a situagaéo em que 0 au- mento da producao de determinado bem, por uma tinica empresa, Jeva A reducdo do custo médio por produto, ocasionando no limite o aparecimento dos chamados “monopdlios naturais”. Os monopdlios sao considerados, do ponto de vista tedrico, ineficientes, por permiti- rem a seus proprietarios extrair dos consumidores um “sobrelucro”, pela cobranca de um preco mais elevado (acima do que se verificaria em mercados competitivos), pelo fato de ser um tinico ofertante. As- sim, cabe ao Estado regular a atuacéio desses monopdlios ou torna-los monopélios ptiblicos, de modo a evitar essa perda de eficiéncia. . Os bens ptiblicos sao caracterizados pelo fato de seu consumo ser nao excludente e nao rival, isto é, o consumo de uma pessoa nfo im- pede o consumo de outra. A mesma quantidade do bem estar dispo- nivel independentemente de quantos o consomem. Nessa situacdo, os individuos nado se mostram dispostos a revelar quanto estariam dispostos a pagar por esses bens, esperando que outros o facam. Exemplos disso so os casos da seguranca nacional, da justiga ete. ‘Assim, a oferta desses bens (forcas armadas, iluminagao publica ete.) deve ser feita pelo setor ptiblico, seus custos devem ser repartidos de forma compulséria entre toda a sociedade. Esses bens compoem © produto nacional, mas, por nao haver um preco de mercado (os individuos nao revelam quanto esto dispostos a pagar), estes séo avaliados pelo custo de produgio. Isso faz com que a participacao do setor publico no produto seja medida por seus gastos. Quanto a fungio distributiva, corresponde a funcéio do governo em arre- cadar impostos (reduzir a renda) de determinadas classes sociais ou regiées, para transferi-los a outras. Essa transferéncia pode dar-se de forma direta (transferéncia de renda), como, por exemplo, a previdéncia social, o pagamento de juros, a assisténcia social, ou na forma de redirecionamento na oferta de bens puiblicos, ou mesmo bens privados, para determinada classe, por exemplo: saneamento basico para moradias de baixa renda, gastos educacionais e com satide para populacées de baixa renda etc. 8.2 Gastos ptiblicos Antes de tratamos da participagao do governo na economia, é importante observarmos o que se entende exatamente por “governo” ou “setor piiblico”, do 182 Capitulo 8 ponto de vista econ6mico. Ou seja, se por governo devemos incluir ou excluir as empresas estatais controladas pelo governo, como a Petrobras. Devemos também definir se estamos tratando apenas do governo central (federal) ou se incluimos também as atividades e os gastos dos governos estaduais ¢ mu- nicipais. O Quadro 8.1 sintetiza os diferentes componentes do chamado Sétor ‘Ptiblico Consolidado.., Algumas estatisticas, por exemplo, o chamado Resultado fiscal do governo central divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, envolvem os gastos e receitas do Tesouro Nacional, da Previdéncia Social e do Banco Central, estando excluidos os estados e municipios, assim como as estatais. Jé a chamada Neces- sidade de financiamento do setor ptiblico consolidado, estatistica divulgada pelo Banco Central, inclui dados dos governos municipais e estaduais, além do governo central e também das empresas estatais. Porém, quando 0 préprio Banco Central divulga a chamada Divida Bruta do Governo Central, neste se inclui o Tesouro Nacional, a Previdéncia Social, os governos municipais e estaduais, mas nao as estatais nem o Banco Central. Assim, deve-se estar atento com 0 que se considera exatamente o setor ptiblico nos diferentes dados que a ele se referem. Quadro 8.1 0 setor publico e seus diferentes componentes. Setor Puiblico SS Governo Atividades Empresariais Geral (Estatais) = ——— Governo Central] | Governos Governos | Nao Financeiras (Federal) Estaduais || Municipais Financeiras Banco Central Previdéncia Social Tesouro Nacional Politica Fiscal 183 Posto isso, os gastos ptiblicos podem ser clasificados de diferentes maneiras. Uma primeira classificacdo é a que distingue entre despesas correntes e despe- sas de capital. As despesas.correntes incluem todos os gastos com pessoal e encargos, custeio e transferéncias do governo. As despesas com pessoal e cus- teio referem-se ao conjunto de despesas voltadas para a prestacio dos servicos piiblicos (educagio, satide, seguranca, justica, entre outras). As despesas de capital referem-se aos investimentos realizados-pelo _governo na ampliagio dos-equipaimentos e.instalagdes publicas e na infraestrutura para a prestacio de servicos, as inversées financeiras e amortizacao da divida. As transferéncias séo pagamentos que 0 governo realiza a pessoas, em- presas, entidades sem fins lucrativos, sem uma contrapartida. Incluem-se nesta categoria os beneficios previdenciarios e assistenciais e, em termos de contabilidade nacional, incluem-se os juros da divida interna. Nesses casos, 0 governo realiza transferéncias de renda para determinados agentes na forma de juros, beneficios previdencidrios etc., ampliando a renda disponivel dos mesmos. Deve-se destacar que as transferéncias realizadas entre as diferentes esferas de governo sao de outra natureza, uma vez que as despesas de uma esfera referem-se & receita de outra, cancelando-se quando se considera o setor ptiblico de forma consolidada. As transferéncias do governo federal para as demais esferas de governo (estados e municfpios) referem-se, em geral, aos impostos compartilhados entre eles. Outra distinc&o possivel de ser realizada é aquela entre despesas primarias e despesas financeiras. As despesas primarias concentram todas as despesas correntes e de investimento do governo, exceto os gastos com juros. O rele- vante dessa distincdio é poder segmentar as despesas do governo entre aquelas relacionadas ao endividamento passado, os encargos com juros, sobre os quais 0 governo tem pouco controle, daquelas voltadas diretamente para a provistio dos servicos e bens piiblicos, e sobre as quais 0 governo tem maior controle. A Tabela 8.1, a seguir, apresenta as despesas primarias do Governo Central, discriminando os principais componentes de despesa. O Tesouro Nacional é 0 rgao responsavel pela administracao financeira e contabil do governo federal. Assim, os dados a seguir apresentam apenas as despesas do governo federal. 184 capitulo 8 Tabela 8.1 Despesas primdrias do Governo Central ~ Brasil - Anual 2002 e 2014 ~ RS Milhdes ~ Valores Constantes de 2014 e % PIB. 2002 2014 Diseriminagaio RS Milhdes| % PIB | RS Milhoes | % PIB 4.0 Despesa Total 462.435,4| 15,61%| 1.031.086,0| 18,13% 4.1 Despesas do Tesouro 264.834,7| 9,61%| 633.517,6| 11,14% 4.1.1 Pessoal e Encargos Sociais 141.496,3| 4,76%| 219.834,1| 3,87%| 4.1.2 Custelo e Capital 143,336,4| 4,84%| 411.117,1| 7.23% 4.1.2.1 Despesa do FAT 16027,1| 0,54%| 54.381,2| 0,96% 4.1.2.2 Subsidios e Subveng6es Econémicas 4663.8) 0,16%| 8.9848] 0,16% 4.1.2.3 Beneficios Assistenciais (LOAS e RMV) -| 0,00%| 38.557,8 0,68% 4.1.24 Capitalizagio da Petrobras =| 0.00% -| 0.00% 4.1.2.5 Auxilio a CDE -| 0.00%] 9.2077) 0,16% 4.1.2.6 Outras Despesas de Custeio e Capital | 122.6475] 4.14%] 299.985,6] 5.27% 4.1.3. Transferéncias do Tesoure ao Banco Central -| 0.00%] 2.566,5) 0.05% 4.2 Beneficios Previdenciarios, 175203,3| 5,91%| 394.201,2| 6.93% 4.3 Despesas do Banco Central 2.397,4| 0,08%| —_3.367,1| 0.06% Neste caso, as transferéncias nao devem ser consideradas despesas do go- verno central, uma vez que decorrem do compartilhamento de receitas com as demais esferas do governo. A despesa primaria total do governo central foi de 18,13% do PIB em 2014, frente a 15,61% em 2002. A despesa da previdéncia representou, em 2014, 6,93% do PIB. Além das despesas previdenciarias, tém-se as despesas assistenciais conti- das tanto no seguro-desemprego (Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT) como nos beneficios assistenciais, nos quais se insere o Bolsa-Familia. A soma desses dois componentes representou aproximadamente 1,5% do PIB em 2014. A despesa com pessoal e encargos apresentou relativa queda no perfodo, ficando abaixo dos 4% do PIB. O tiltimo componente das despesas primérias so as despesas de custeio capital, que tém se situado por volta de 5% do PIB, Este tiltimo grupo é o de mais facil contencio por parte do Governo, mas a retracéo do investimento puiblico tende a deteriorar ainda mais a qualidade de uma série de servicos ptiblicos no pais. A retracao do investimento puiblico a partir dos anos 80 é um dos principais Politica Fiscal 185 determinantes da queda das taxas de crescimento econdmico e da ampliagio do chamado custo-Brasil. Note-se que a tabela apresenta as despesas primérias, e nao inclui as des- pesas financeiras, que dependem da taxa de juros e do estoque da divida. A divida pode ser medida em termos nominais, considerando-se a taxa nominal de juros, ou em termos reais, descontando-se a taxa de inflagdo, como sera visto no préximo capitulo. Ataxa de juros pode flutuar em fungao de diversos motivos (politica mone- taria, mudancas no contexto econdmico, alteracées no risco etc.), € o estoque de divida é uma heranca do passado. Assim, 0 governo possui um controle muito pequeno sobre suas despesas com encargos financeiros. 8.3 Arrecadacao tributaria Em relacdo & arrecadacdo, 0 governo recebe os recursos de impostos, con- tribuig6es (receita vinculada a determinada finalidade), taxas cobradas pela prestacao de servicos, receitas de capital, outras receitas do governo (aluguéis, transferéncia de lucro das empresas estatais etc.), entre outras fontes. Os impostos podem ser clasificados de diferentes formas. Pode-se distinguir entre os impostos dirctos ¢ indiretos. Impostos diretos sfio aqueles que incidem diretamente sobre 0 agente pagador (recolhedor) do imposto. Os principais impostos desse tipo sao os impostos sobre a renda e os impostos sobre a riqueza (propriedade). Impostos indiretos so aqueles que incidem sobre 0 prego dos bens e servicos. O Imposto sobre a Circulagéio de Mercadorias e Servicos (ICMS) 0 Imposto de Produtos Industrializados (IPI) sao os principais exemplos de impostos indiretos. Estes sto embutidos no prego da mercadoria, onerando o consumidor, com o que diminui sua renda disponivel. Vale destacar que nao é pelo fato de o imposto estar no prego que a sua incidéncia se da apenas sobre 0 consumidor. O produtor (empresdrio) também é penalizado, uma vez que as suas vendas diminuem em func&o do preco mais elevado. Incidéncia do Imposto: Corresponde a quem arca efetivamente com 0 pagamento dos impostos. No caso dos impostos indiretos, a distribuicdo do peso do imposto entre © produtor eo consumidor depende de caracteristicas relacionadas a oferta e 4 demanda do bem, como, por exemplo, a essencialidade deste, a capacidade de substitu(-lo por outro bem, a resposta da oferta a mudancas de precos, entre outros aspectos. Ou seja, depende das elasticidacies-preco da oferta e da demanda. Quanto menor a capacidade do consumidor em fugir ao consumo do bem tributado, maior sera a incidéncia do imposto sobre o consumidor. . 186 capitulo 8 A principal varidvel a determinar o volume de arrecadago 6 0 nivel de ren- da/produto da economia, Conforme aumenta a renda dos individuos ea riqueza da sociedade, aumenta a arrecadagao de impostos diretos, e conforme aumenta 0 produto, a circulagao de mercadorias, aumentam os impostos indiretos. A forma como sao estruturados os sistemas tributarios determina 0 impacto dos impostos tanto sobre o nivel de renda como sobre a organizacaio econdmica, a distribuigdo de renda, a competitividade da economia, entre outros fatores. A estruturacéio de um sistema tributario envolve diversos aspectos. O primeiro é 0 de gerar os recursos necessdrios para financiar os gastos ptiblicos. O segundo é 0 de afetar a distribuico de renda, definir quem na sociedade deve pagar os impostos. Quanto a esse aspecto, pode-se classificar os sistemas tributdrios em progressivo, regressivo ou neutro. Um sistema tri- butario é dito progressivo quando a participacao dos impostos na renda dos individuos aumenta conforme a renda aumenta, isto é, paga mais (em termos relativos) quem ganha mais. Um sistema é regressivo quando a participago dos impostos na renda dos agentes diminui conforme a renda aumenta (paga mais quem ganha menos). E 0 sistema tributario é neutro quando a partici- pac&o dos impostos na renda dos individuos é a mesma, independentemente do nivel de renda. Se 0 objetivo do governo for diminuir a concentragéo de renda, deverd, por exemplo, arrecadar os impostos junto aos ricos, para finan- ciar gastos para os pobres. O terceiro aspecto é relativo a eficiéncia econémica e ao estimulo ao de- senvolvimento. Nesse sentido, o sistema tributdrio deve criar o minimo de distorg6es possiveis em termos de pregos relativos, para que estes possam sinalizar as preferéncias sociais e os custos de produgdo das mercadorias, e também evitar desincentivos ao investimento e a perda de competitividade dos produtos nacionais. Por outro lado, quando se fala em desenvolvimento, o sistema tributdrio deve ser flexivel, para facilitar o cumprimento de metas socialmente dese- javeis, Nesse sentido, justifica-se a introdugéio de algumas distorgées em termos de prego. Por exemplo, se a sociedade julga que o consumo de cigarro e bebidas alcodlicas deve ser penalizado em favor do consumo de leite e de alimentos, 0 governo pode sobretaxar, aumentar as aliquotas de tributagio sobre os primeiros, de modo a encarecé-los (fazendo com que 0 prego ao consumidor deixe de refletir seu custo de producao), para desincentivar seu consumo, enquanto concede isencao tributaria, ou mesmo um subsidio* para * Um subsfdio funciona como um imposto negativo, Enquanto o imposto aumenta o prego da mercadoria, 0 subsfdio tem por objetivo rebaixd-lo. O subsidio pode ser dado diretamente a0 Politica Fiscal 187 0s tiltimos, de modo a estimular a producdo e o consumo. Esses instrumen- tos também podem ser utilizados quando se quer, por exemplo, estimular © nascimento de um novo setor industrial no pafs que, de inicio, no tenha condigées de concorrer com os produtos internacionais; ou quando se quer estimular as exportacoes, dificultar as importagées e assim por diante. No Brasil, além dos incentivos setoriais, estes sao utilizados para a finalidade de desenvolver determinadas regides com a constituigéo de fundos especificos voltados para determinadas regiées como o Norte, Nordeste, o Centro-Oeste e alguns estados, além da possibilidade de tributagdo diferenciada e isencdes fiscais para estimular a producéo em determinadas localidades. Ou seja, uma caracteristica desejavel do sistema tributdrio é sua maleabilidade para possibilitar que objetivos nacionais sejam atingidos.* Além do objetivo de facilitar a transformacao da estrutura econémica e de adapté-la aos objetivos sociais, essa flexibilidade é importante no sentido de tornar o sistema tributdrio adaptavel & conjuntura econdmica. Quando a economia entra em recessio, é importante que o sistema tributério nao tenda a acentu-la, e quando entra num boom que possa sacrificar a estabilidade, 0 sistema tributario deve poder conter o processo de crescimento desajustado. Ou seja, deve atuar, muitas vezes, de forma contraciclica. Quanto a este ultimo ponto, é interessante observar o impacto de diferentes tipos de impostos. Um primeiro tipo de imposto siio os chamados impostos especificos, cujo valor do imposto é fixo em termos monetérios, e é pré-ciclico. 0 outro sao os impostos do tipo valor adicionado (ou ad valorem), em que hé uma alfquota de imposto € o valor arrecadado depende da base sobre a qual incide. Nesse caso, se a economia esté em expansio e a base tributavel aumen- ta, aumenta a arrecadacio; 0 inverso ocorre quando a economia desaquece.® consumidor: este pagaria 0 custo de produgao do bem, mas receberia um reembolso; ou pode ser passado ao produtor: este vende o produto por um preco abaixo do custo ¢ o governo cobre a diferenca. * Com 0 objetivo da maleabilidade, corre-se o risco de cair na discricionariedade e tornar as decisdes econémicas extremamente politizadas, com o perigo de sacrificar a eficiéncia em fa- vor de um sistema cartorial. Assim, alguns limites devem ser impostos & utilizagio do sistema tributdrio como instrumento de politica industrial ou regional. ° Em momentos cle recessao, as aliquotas de impostos podem ser reduzidas ou pode-se promover a isencao de impostos sobre determinados bens, como ocorreu no caso brasileiro em 2009, como resposta a retracdo econémica no final de 2008. O governo reduziu a alfquota ou a eliminou de varios bens como, por exemplo, automéveis, eletrodomésticos, material de construgio, entre outros, com o objetivo de estimular a demanda e evitar a recessiio. 188 capitulos O Sistema Tributério Brasileiro possui diversos impostos que incidem sob diferentes bases (renda, propriedade, circulagao e produgao de mercadorias, entre outros), e sob a responsabilidade de diferentes entes - Unio, Estados e Municipios. Cada um deles possui impostos prdprios sob sua administracao. Os principais impostos sob a responsabilidade do governo federal sao 0 Imposto de Renda (IR), que incide tanto sobre pessoas fisicas como sobre pessoas juridicas, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Im- posto sobre Operacdes Financeiras (IOF), os Impostos sobre o Comércio Exterior (Imposto sobre Importagao), entre outros. Os estados administram 0 Imposto sobre Circulacéo de Mercadorias e Servigos (ICMS), que é 0 maior imposto do pais em termos de arrecadacao, e o Imposto Sobre a Pro- priedade de Veiculos Automotores (IPVA), entre outros. E os municfpios séio 0s responsdveis pelo Imposto Sobre Servicos (ISS) ¢ pelo Imposto Predial e ‘Territorial Urbano (IPTU). Vale destacar a existéncia de varios outros impostos, por exemplo, Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto sobre Transmisséo Inter Vivos; Imposto sobre Transmisséo Causa Mortis. Uma caracteristica marcante do sistema brasileiro é a forte presenga das contribuigées sociais, econdmicas e previdencidrias. A receita das contribuigées, diferentemente dos impostos, deve ser utilizada para uma finalidade especifica, por exemplo, o financiamento da seguridade social (COFINS ~ Contribuicao para o Financiamento da Seguridade Social), o financiamento de uma obra (melhoria) realizada pelo setor piiblico (contribuicéo de melhorias), entre outras. As contribuigées podem incidir sobre a folha de pagamento, sobre o faturamento das empresas, sobre combustiveis, entre outras. Nas ultimas dée- cadas, havia no pais a CPMF ~ Contribui¢ao Proviséria sobre Movimentagao Financeira ~, que incidia sobre a movimentac&o das contas-correntes bancé- rias. Essa contribuicéo tinha assumido uma grande importancia em termos de arrecadagdo, mas nao foi renovada, sendo sempre lembrada em momentos de ajuste fiscal. As contribuigdes de uma forma geral possuem alto peso no total de recursos que se direcionam ao setor ptiblico no Brasil. Como pode ser observado na Tabela 8.2, as principais delas sfio a Contribuigao Previdencidria, a COFINS, 0 PIS/PASEP e a Contribuicdo Social sobre o Lucro Liquido (CSLL). Politica Fiscal 189 Tabela 8.2 Receitas primarias do Governo Central ~ Brasil ~ Anual 2002 e 2014 — R$ Milhées — Valores Constantes de 2014 e % PIB. | 2002 2014 Discriminagio ei : RS RS Mithées | %PIB | yyitnces | % PIB 10 1. Receita total 637.022,2| 21,5%| 1.224.032,2| 21,5% ut Receitas do Tesouro Nacional 494.802,8 888.276,8| 15.5% ad Receita Bruta 512.092,8 906.159,4| 15,9% BAA Impostos 234.6892, 428.3559| 7.5% adda AR 170.7758 309.197,1] 5.4% aa.2 1h 39.4050 51.625,0| 0.9% Aaa 10F 8.0063 29.783,7] 0.5% 1.1.1.1.4tmposto de Importagao 15.8632 36,694,2| 0,6% AAAAS Outros 6389} 0,0%| 1.0509) 0,0% 11.1.2 Contribuigdes 221,346,3| 7,5%| 343.323,6| 6.0% 1.1.1.2.1 COFINS 104.0276) 3,5%| 195.241,6] 3.4% 114.22 CPF 40,5385] 1,4% 85] 0,0% 14123 CLL 26.597,0| 0,9%| 66.119,9| 1,2% 4.11.24 CIDE-Combustiveis 14.4119 13,7] 0,0% 141.25 PIS/Pasep 25.616,7| 0,9%] — 51.892.8) 0.9% 1.11.26 Salério-Educacso 7.252,1| 0,2%| 183007] 0,3% 1AA2.7 Outras” 2,902.3) 0,1%] 7.709, 0,1% 113 Demals 56.057,4| 1,9%| 134.479,9] 2.4% 112 (©) Restituigoes - 16.793,8| -0,6%| -22.876,3| -0,4% 113 ©) Incentives Fiscais 496,2| 0,0% -63| 0,0% 12 Receitas da Previdencia Social 141.369,5| 4.8%] 337.503,1| 5,9% 13 Receitas do Banco Central 849.9) 0,0%| 3.252, 0.1% 20 2, Transferéncias total * 111.737,4| 3.8% | 210.1652] 3.7% 2 Transferéncias Constitucionals 28.762,0| 3,0%| 156.823,0| 2.8% Lei Complementar 87/1996 — Lei = 22 Concterenter 11512002 7.267,1| 0,3%| — 3.900,0| 0,1% 23 Transferéncias do Cicle - Combustiveis 0.0| 0.0% 116,1| 0.0% 24 Demais Transferénclas 15.1083) 0,5%| 49.3262] 0.9% 24a Salério-Educagao 4.6574] 0,2%| 10.8008) 0,2% 242 Royalties (Lei n? 9.478/97) 6.696,6| 0.2%) 25.151.0| 0.4% 243 Fundef/fundeb 8586] 0,0%| — 10.859,5| 0,2% 24.4 outras 2.295,7| 0.1%] —2.514,9| 0,0% I 3.0 3. Receita lquidla Total (1-2) 525.284,9| 17.7% 17,8% 1.013.866,9 aa IEE ee em Spe L8l | |-Se'Zse | P9968 |r i 6ES'9E LOLS |ELL99 | Se PEL | 88262 |EZILS|S8L60E | PLOT 9ZEBEll |LZEG LES |sz908 |S 0 LoVe 6681S | ZEL'S9 | £79 LOZ | Sv'6Z | LOL Ly | OL8'Z6z €L0Z 09z'6Z0'l |LZe'ZOE jOsB'EL | 9ELZ | SS LEE Le LLZ9p | PISLS |OLP'HLL | ZLL°0E | L76'Sr | 97L'V9T ZL0z loes9s jeesizz |ezese |rzee |srt jvecoz ves'ly |Lz1'8s |6z0'est |coste |sie'9y|sis'6re | L107 sorsos |eoveez |sover jecxe jort jeriiz spsor |8z6'sh /oss'eet | L09°92 | Le6‘6e | Loz'goz | oL0z ver'seo |zevooz |tzo1r jeer |sez |z60°9L SSLLE | Lezpy |98e'ctt |erz'6L |esvo€ | Z6s'L6L | 6002 sougi HEP | somnqua ogseuioduy| daseg . FereL | -HepmMata | Sorin | PI |sI42| 35 opsocuss| jsid | TS | SHOD | 4OI | tal 4 | opoued 3 i Z his hha 2 |ssoumu $y Seupynquy seq929y g¢ [ ‘eup}ad\OD ap auuiBal ~ sjeiapay Sey92a1 Sep eng OBSepeDaWY €°8 BIEGRL Politica Fiscal 191 © sistema é bastante complexo, tanto pelo grande mimero de impostos, que incide sobre os mais diversos fatos geradores (ato econdmico que gera © pagamento do imposto), como pela estrutura: diversas isengbes, aliquotas diferenciadas, relacionamento entre as diferentes esferas de governo (Unido, Estados e Municipios) etc. 0 IPle o ICMS sao impostos que incidem sobre a circulacéo de mercadorias. Os dois sfio do tipo valor adicionado, isto é, o imposto é recolhido apenas sobre o valor agregado ao bem em cada esfera (ou seja, 0 individuo tem como crédito © imposto anteriormente recolhido). Por exemplo, suponha-se um produtor de mesas e uma aliquota de ICMS de 18% sobre o preco da mercadoria. Para produzir a mesa, o individuo comprou madeira no valor de R$ 100,00; nessa transacdo, foram recolhidos R$ 18,00 de ICMS. Ao vender a mesa, suponha- -se, por R$ 250,00, o imposto sobre a mesa é R$ 45,00, mas R$ 18,00 ja foram recolhidos sobre a madeira; assim, 0 produtor da mesa tem esse valor como crédito, de tal modo que 0 imposto devido seja de R$ 27,00, ou 18% sobre os R$ 150,00 que acrescentou de valor 4 madeira para produzir a mesa (R$ 250,00 ~ R$ 100,00 = R$ 150,00). Dessa forma, evita-se o actimulo de impostos a cada etapa de circulaciio das mercadorias. Calculo por dentro e por fora: Qual é a aliquota de impostos que pagamos? © clculo dos impostos sobre bens e servicos no Brasil se dé sobre o valor de venda da mercadoria, isto 6, ndo é calculado sobre o preco de custo, mas sobre o preso final que o consumidor paga. Com isso, quando se calcula a aliquota efetiva em relacao ao custo da mercadoria, esta é maior do que aquela que consideramos, Vamos supor, por exemplo, que o custo de produgéo de uma mercadoria seja R$ 100,00 ea aliquota de imposto seja de 18%. Nesse caso, se 0 imposto incidisse sobre © custo, o valor de venda da mercadoria seria os R$ 100,00 mais os RS 18,00 do impos- to, resultando em um valor de venda de R$ 118,00. Nesse caso, o imposto aumenta o preco da mercadoria em 18%, conforme a aliquota estipulada para o imposto. Este ¢ © chamado calculo por fora, no qual o valor de venda da mercadoria corresponde ao custo mais os impostos que incidem sobre o custo: PV =C + impostos = C +tC=(1+0C onde: PV = Preco de Venda; t = aliquota de imposto e C = Preco de custo sem imposto. No caso brasileiro, 0 imposto € calculado sobre o valor de venda, que é 0 chamado célculo por dentro. Nesse caso, para calcular 0 preco de venda da mercadoria, deve- se considerar 0 seu custo mais © imposto que incidird sobre o preco final (total) pago pelo consumidor: 192. capitulos Pv=C+tPV Vv — tPV = PV(I 2) py=ci1-0) No nosso exemplo, com uma mercadoria cujo custo é RS 100,00 ea aliquota ¢ 18%, © preco de venda seria R$ 121,95; ou seja, os impostos seriam de R$ 21,95 e a aliquota em relagao aos custos seria na realidade 21,95%. Portanto, a aliquota de imposto de 18% sobre o preco de venda fez com que o produto ficasse quase 22% mais caro em relacdo aos seu custo. O IPT restringe-se 4 produgio industrial e é de competéncia da Unido. Possui aliquotas bastante diferenciadas, de acordo com critérios de “essencialidade” do bem e com objetivos de arrecadacao e de politica industrial. Foi criado na reforma financeira de 1964, sendo durante muito tempo o principal imposto arrecadado no pais, em termos de volume, perdendo significativa participacéio na arrecadacdo da Receita Federal? a partir dos anos 90. A maior parte da arre cadacio do imposto vem do cigarro, das bebidas e dos automéveis. Esse imposto & muito sensivel em relac&o ao comportamento da conjuntura econémica, e bastante utilizado para finalidade de incentivos setoriais e como instrumento de politica econémica conjuntural. Durante a recente crise econémica em 2008/09, © governo optou pela redugao do IPI em uma série de produtos para incentivar © consumo, como, por exemplo, automdveis, eletrodomésticos, materiais de construcao, entre outros. Outro aspecto a ser destacado em relacao ao IPI é que parte da sua arrecadacdo é transferida aos estados e municipios. OICMS também foi criado na reforma tributdria de 1964/66, originalmente chamado apenas de ICM (Imposto sobre Circulagao de Mercadorias), e em 1990, com a incorporagao de novos itens como fatos geradores do imposto — transportes, energia elétrica, combustiveis e telecomunicagées -, transformou-se no ICMS. Possui uma base tributdria mais ampla que o IPI, englobando nao s6 produtos industriais, mas também a producdo agricola e alguns servigos. E de competéncia dos Estados, mas estes nao tém autonomia para decidir niveis de aliquota, isenc6es etc., que antes eram de competéncia do governo federal, com aprovaciio do Senado, e hoje sao definidos pelo Conselho das Secretarias da Fazenda dos Estados (CONFAZ). Qualquer alteragao de alfquota ou isencéio s6 pode ser concedida com a unanimidade do conselho. Esse arcabouco visa impedir a “guerra fiscal” entre os Estados, ou seja, a utilizacao de incentivos © A Receita Federal é o érgao responsdvel pela arrecadacio do conjunto de receitas sob respon- sabilidade do governo federal. i“ i el Politica Fiscal 193 fiscais como forma de atrair determinadas atividades econémicas para seu territério em detrimento dos demais. O incentivo & guerra fiscal decorre do fato de a maior parte do imposto ficar no Estado em que se da a producao da mercadoria (Estado de origem) e uma parcela menor ir para o estado em que se dé o consumo (Estado de destino). 0 ICMS ¢ atualmente o principal impos- to no pats, em termos de volume arrecadado e, assim como o IPI, é bastante sensivel as flutuacées do nivel de atividade. O Imposto de Renda no Brasil divide-se em Imposto de Renda sobre Pessoas Fisicas (IRPF), aquele que incide sobre a renda dos individuos, e Imposto de Renda sobre Pessoas Juridicas (IRPJ), que incide sobre os lucros das empresas. Quanto ao recolhimento, existe o imposto pago na fonte, que é aquele que jA vem descontado do saldrio, do rendimento das aplicacées financeiras etc., ou seja, que ja é recolhido no ato do fato gerador, e a declaragéio anual, em que se contabiliza toda a renda dos individuos ao longo do ano ou todo o lucro das empresas, ¢ paga-se o imposto de uma s6 vez no ano. O imposto de renda recolhido na fonte supera em muito a declaracao anual das pessoas fisicas, pela maior facilidade de recolhimento e de fiscalizacdo. O imposto de renda é de competéncia do governo federal (Unio), sendo o principal imposto em termos de valor arrecadado, junta- mente com as contribuigées previdencidrias. Na estrutura tributaria brasileira, a Unido arrecada a maior parte dos impostos, especialmente se inclufrmos as contribuicdes previdenciarias. Em seguida, temos os estados, que administram 0 maior imposto do pais, 0 ICMS € 0 IPVA. Ja os municipios administram impostos que geram um volume re- lativamente baixo de arrecadagio, destacando-se o IPTU e o ISS. Para evitar © estrangulamento de Estados e municfpios nessa estrutura, foram criados o Fundo de Participagaio dos Estados (FPE) e o Fundo de Participagao dos Municfpios (FPM), que so constituidos por parcela dos impostos arrecada- dos pelo IPI e o IR. A reparticao desses fundos se dd de acordo com critérios que envolvem extensio territorial, tamanho da populacio, inverso da renda per capita, localizagao regional, entre outros. Além desses, parte dos outros impostos recolhidos a Unido é devolvida a Estados e municipios: por exemplo, o ITR (Imposto Territorial Rural) é recolhido para a Unido, mas uma parte volta ao Municipio onde a terra se localiza. Os municipios também recebem parcela do ICMS e do IPVA, que é compartilhada com os Estados. Desde a reforma de 1964, verificou-se uma forte centralizacao dos recursos no governo federal. Com a redemocratizaciio e a Constituicao de 1988, tentou- -se alterar essa tendéncia centralizadora, ampliando a participagdo de Estados © Municfpios na receita disponivel, aumentando-se as transferéncias por meio 194 Capitulo do FPE e do FPM. Os maiores beneficidrios foram os municipios de pequeno porte, que sio favorecidos na regra de reparticéio do FPM. Essas transferéncias contribuem para reduzir a centralizagao clos recursos na Unido em prol dos Estados e municipios. No caso dos munie{pios, por exemplo, enquanto a arrecadacio prépria deles responde por algo em torno de 5% do total da arrecadagio, a sua receita disponivel corresponde a mais de 15% do total da receita do setor ptblico. Ao longo dos anos 90, verificou-se novamente a tendéncia a centralizacdo, em fungéo de um grande crescimento da arrecadacéo da Unido, com base na criacéio ¢ ampliacio das contribuigées sociais, mecanismo possibilitado pela Constituigaio de 1988 para o financiamento de politicas sociais, e que nao so compartilhados com Estados e Municipios. A importancia assumida pelas transferéncias pode ser percebida na Tabela 8.4, que mostra a relacdo entre transferéncias e arrecadaciio de ICMS para os Estados brasileiros. Percebe-se que, nos Estados mais pobres, as transferéncias superam a arrecadagao prépria de ICMS. Nesse caso, as transferéncias compens parte as diferengas de capacidade tributaria decorrentes da menor base tr (circulaciio e produc&o de mercadorias) nos Estados de menor renda. m em utaria Tabela 8.4 _Principais fontes de recursos dos estados brasileiros 2003-2012. RS Milhées Z ede Transferéncias | Transf/ | Transferéncias | Transf/ Hew da Unido Icms. tems | da Unido Icms Regiado Norte : 6.230 7.958 127.7% 19.389 22.231 114,7% Roraima | 134 645 480,0% 449 1727 384,9% Amapa: 147 B41 570,6% | 696 2,369 340,3% Regido Nordeste 17.066 20.278 118,8% 50.620 57.479 113,6% Maranhao Piaul Cearé Rio Grande do Norte Paratba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Regio Sudeste Minas Gerais Espirito Santo Rio de Janeiro So Paulo Regio Sul Parana Santa Catarina Rio Grande do Sul Regio Centro-Oeste Distrito Federal Goids Mato Grosso Mato Grosso do Sul Total ~ Brasil 980 612 2.634 1187 1.001 3.178 799 765 587i 65.431 11.026 2.935 v1.aat 40.289 20.383 6.710 4.685 3.989 10.189 2.157 3.699 2.475 1.860 119.299 277,5% 250,4% 108,5% 125,4% 171,9% 24.8% 184.5% 164.6% 76,0% 41,9% 33,6% 119% 123% 345% 405% 32.2% 31.0% 34.0% 10.4% 41.1% 41.4% 37.6% 42,4% 3.859 2.395 7.646 3.668 3.251 10.602 2.454 2301 14.443 178.138 32.100 9.161 an 109.104 51.957 17.860 12.719 21378 29.388 5.694 11.022 6691 5.981 329,492 Poltica Fiscal 195 7.403 4.492 8.150 4319 5.171 7.1738 4.234 3.598 12373 30.961 13.086 2.626 aon 11.238 17.600 7.034 3.801 6.764 10.122 575 4.483 3.031 2.033 138,393 191,8% 187,5% 106,6% 117.7% 159,1% 73,0% 172,6% 156.3% 85,7% 17,4% 40,8% 28,7 148% 10.3% 33.9% 390% 239% 316% aaa 10,1% | 20.7% 45.3% | 34,0% 42,0% Outra caracteristica que merece destaque no ema tributario brasileiro é 0 alto peso dos impostos indiretos, quando comparado a outros paises (como pode ser visto na Tabela 8.5). Essa caracteristica introduz uma regressividade no sistema, uma vez que, por estar embutido no preco das mercadorias, dois individuos que consomem 0 mesmo tipo de bem pagarao o mesmo valor de imposto, independentemente de seus niveis de renda; para o de maior renda, © imposto tera menor participacio do que para o de menor renda. 196 capitulo 8 Tabela 8.5 Carga tributaria e base de incidéncia: paises selecionados (médlia 2000-2005). : 7 Base de Incidéncia pels vibutii ucros | Bens (contribulgoes Propriedade Ganhos | Servisos Sociais) Africa do sul | 28,5 14,2 12] 0,7 | 18 | ‘Alemanha 39,8 11,0 10,2 | 17.8 08 Argentina 25,9 | 5,2 11,0 | 3,0 2.6 Australia 30,7 17,0 85 0,0 29 Brasil 33,9 | 79 19,5 87 12 Chile 18,5 4) 10,9 14 06 Crodcia as 5,9 20,1 14,2 04 Dinamarca 49,9 29,6 161 2A 19 Espanha 34,5 95 92 128 27 EUA 25,8 11.0 45 7.0 3A Franca 45,0 10,2 W4 18,1 4A Peru 12,7 4,0 8,9 1,6 0,2 Suécia 514 18,5 13, 15,1 15 Ucrania 30,4 8,9 74 11,9 05 Fonte: Fil apud Afonso e Meirelles (2006). A Tabela 8.6 ilustra o tltimo ponto, O grupo que apresenta o maior peso de impostos na renda é 0 que recebe até dois saldrios-minimos. Conforme a renda aumenta, a participagao dos impostos na renda diminui. Essa distoreio é causada basicamente pelos impostos indiretos que apresentam uma elevada regressividade, enquanto os impostos diretos so progressivos. A tinica possi- ' bilidade de justica nesses tipos de impostos seria supor uma proporcionalidade entre gastos de consumo e niveis de renda, mas, como discutido no Capitulo 6, ao apresentar os determinantes do consumo, a participacio do consumo na renda tende a diminuir conforme a renda aumenta, 0 que torna um sistema tributario centrado em impostos indiretos bastante regressivo. Politica Fiscal 197 Tabela 8.6 Carga tributaria direta e indireta sobre a renda total das familias no Brasil, em 1996 e 2004. [ Em % da renda famili 7 Acréscimo de ele Tributacdo Tibutagto | Carga tributéria | 4038, familiar cease coe {em pontos de 2004 | 1996 1996 | 2004 1996 | porcentagem) | aézsm | 31 | 17 | 458 | 265 | aes | 282 206 | 2a3 3,5 2,6 34,5 20 38 22, 15,4 3a5 37 31 30,2 16,3 33,9 19,4 14,5 5a6 41 4 ae 14 cps ee 14 6a8 5,2 4,2 26,5 13,8 31,7 18 | 13,7 8a10 5,9 41 25,7 = = 16,1 15,6 | 10a 15 68 46 23,7 10,5 30,5 15,1 15,4 15a 20 6,9 5,5 21,6 94 28,4 14,9 13,5 20a 30 86 RHE 20,1 a 28,7 14,8 13,9 mais de 30 9,9 10,6 16,4 7,3 26,3 17,9 8,4 Fontes dos dados primarios: IBGE, POF 1995/1996; POF 2002/2003; Vianna et al. (2000); SRF "A Progressividade no Consumo - Tributacao Cumulativa e sobre o Valor Agregado.” Elaboracao: Zockun (2005). Quando comparada a outros paises, a carga tributdria brasileira é bastante elevada, principalmente se considerarmos o nivel de renda do pais. Em geral, verifica-se uma ampliacao da carga tributaria dos paises conforme o nivel de renda, a chamada Lei de Wagner, que esta associada & ampliagio dos servi- os puiblicos e & consolidagao do Estado do Bem-Estar para paises com renda mais elevada. 0 Grafico 8.1 apresenta uma comparagao da carga tributéria brasileira com a de outros paises. O nivel de impostos no Brasil, comparativamente A renda, é semelhante ao de paises com renda per capita mais elevada. Comparando com os paises da América Latina e os de renda média, o Brasil possui niveis de tributacdo muito mais elevados. Mesmo em relac&o a um mimero significativo de paises desenvolvidos — EUA, Canada, Suica, Irlanda, Japiio, Austrélia, Coreia a carga tributaria brasileira ¢ mais elevada. 198 Capitulo 8 55 Be ee “Sudan © Dinamarca 8 franga Noruega se 87 ~ @ © Bagica o & Ktalia ® Ad @ Islandia & 40 7 —————fepablica Checa v z Hungia @ 6 @ Reino Unido o 35 RRS @ Grecia Canad ‘3 Portugat Sec een B 304 ___Polénia ® Australia @ dott) 2 Coreia @ ma Suica ee 25 ag ti & Turquia ge a 1 3 20 15 + 0 10000, 20000 30000 40000 50000 Renda per capita Fonte: Penn World Tables, OCDE ¢ 186E. Grafico 8.1 Carga tributéria em paises selecionados. A carga tributdria brasileira teve uma forte elevacdio nos tiltimos anos, conforme se verifica no Grafico 8.2. Apés ficar estabilizado em torno de 25% do PIB no periodo entre a reforma tributaria dos anos 60 e a estabilizacado nos anos 90, esta aumentou de forma acentuada, superando os 35% do PIB na primeira década do século XXI, Esse processo esta relacionado ao significativo crescimento das despesas discutido anteriormente, em especial das despesas primarias. Politica Fiscal 199 Evolugao da carga tributaria bruta no Brasil — % do PIB (1947 a 2014) 40,0 = = es A. PP PA POPP ONL NNO PLPIIIPI IL LSI LSI SOO OSS Fonte: Bacen. Grafico 8.2 Evolugdo da carga tributaria bruta no Brasil (% do PIB) (1947/2014). Percebe-se que o sistema tributdrio brasileiro oferece uma ampla capaci- dade de arrecadagao ao Estado. Mas este se mostra relativamente complexo, com uma ampla quantidade de impostos, inclusive impostos concorrendo pela mesma base tributdria, problemas de repartigéo e coordenagao entre as esferas de governo, regressividade do sistema, entre outros fatores que justificam a busca de uma reforma do sistema tributario brasileiro. 8.4 Déficit puiblico e divida publica O total de impostos arrecadados no pafs corresponde A chamada carga tributdria bruta do governo. A diferenca entre a carga tributdria bruta e as transferéncias governamentais (juros sobre a divida piiblica, subsfdios e gastos com assisténcia e previdéncia social) é a carga tributaria liquida do governo. E com base nesta que o governo pode financiar seus gastos correntes (custeio e pessoal — também chamado de consumo do governo). A diferenga entre a receita liquida e 0 consumo do governo determina a poupanga do governo em conta-corrente. 200 Capitulo 8 Carga Tributéria Bruta Total de impostos arrecadados no pais Carga Tributaria Liquida Carga tributaria bruta ~ transferéncias do governo Poupanca do Governoem conta corrente = Carga tributéria liquida ~ consumo do governo A poupanga do governo em conta-corrente nao é o resultado do orgamento publico nem se constitui em uma medica de déficit piblico, pois nao considera as despesas de capital do governo (investimento). O que ela mostra é a capacidade de investimento do governo, sem pressionar outras fontes de financiamento. Este tiltimo elemento de gasto, 0 investimento ptiblico, refere-se aos gastos do governo com a construcao de novas estradas, hospitais, escolas etc. A diferenga entre a poupanga piiblica e o investimento publico corresponde ao valor do deficit ou superdvit ptiblico, ou seja, a diferenga entre arrecadagio total e gasto total. Déficit publico = Investimentos governamentais Poupanga do governo em conta-corrente Para avaliar 0 estimulo do governo A atividade econédmica em termos de complementacéio da demanda privada, interessa medir 0 tamanho do déficit ptiblico. De uma forma geral, poderfamos dizer que, quando este é menor que zero (ou seja, quando ocorre superdvit), o governo est fazendo uma politica fiseal contracionista, restringindo a demanda agregada. E, quando o déficit ptiblico for maior que zero, 0 governo estar contribuindo para aumentar a demanda agregada, ou seja, realizando uma politica fiscal expansionista. Superavit ou Déficit de Pleno Emprego Ossaldo orcamentario do governo depende do nivel de atividade. Assim, simplesmente verificar a existéncia de déficit ou superdvit é uma medida imprecisa para avaliar a politica fiscal, pois, como ja destacamos, a arrecadacao depende do nivel de renda, enquanto os gastos sao mais inflexiveis e dependem de um conjunto de fatores de natureza politica 0 governo pode apresentar um déficit pubblico nao com 0 objetivo de fazer uma politica fiscal expansionista, mas simplesmente porque a renda esteja em um baixo patamar, 0 que resulta em uma baixa arrecadagao. Nesse caso, 0 déficit decorre de flutuagoes do produto, e nao em funcao de uma politica expansionista. Uma forma de avaliar a politica fiscal é verificar qual seria o saldo orgamentario para um valor invariavel de produto, por exemplo, a renda de pleno emprego. Nesse caso, poderia ser avaliado da seguinte forma: dada a carga tributaria e a estrutura de gastos, qual seria o saldo em uma situacao de pleno emprego, e nesse caso verificar se a politica 6 expansionista ou contracionista. Este é o chamado Superdvit/Déficit de Pleno Emprego. Politica Fiscal 204 Caso 0 governo incorra em um déficit, o gasto que supera a receita deverd ser financiado de alguma forma, ou seja, deverd obter recursos adicionais para cobri-lo, 0 que se faz pelo aumento da divida ptiblica. Oendividamento piiblico traz uma nova categoria de gastos, que 6a rolageme © pagamento dos servicos dessa divida. Os juros sobre a divida entram na categoria de transferéncias. Assim, quanto maior for 0 estoque da divida, maior sera 0 gasto com juros; logo, maior sera a diferenca entre carga tributaria bruta e Kquida. A amortizagiio da divida e/ou sua ampliac&o entram na equacéo de financiamento, na diferenga entre poupanca e investimento — conta de capital do governo. Voltando a um ponto do inicio do capitulo, quanto a caracterizacéo do que se constitui o setor ptiblico, em Contabilidade Nacional considera-se como governo apenas a administracao direta (Unido, Estados, Municfpios) e os érgaos que realizam fungées tipicas de governo. Toda a parte do setor ptiblico produtora de bens e servicos, ditos privados - as empresas estatais -, é classificada no setor privado na entidade “Empresas”. s Seja por razées histéricas ou por caracterfsticas econdmicas e sociais dos paises, em diversos lugares o Estado assumiu uma funcdo central na proviso de bens e servicos e na promocio do desenvolvimento econémico. Essa inter- vencdo deu-se na forma da criagdo de empresas estatais que ocuparam setores estratégicos do desenvolvimento, que n&o poderiam, em determinado contexto, ser ocupados pelo setor privado, quer nacional, pela inexisténcia de recursos em volume suficiente, quer internacional, por desinteresse deste, ou motivos de seguranca nacional. Além disso, em grande parte dos paises, o Estado criou uma série de autarquias e agéncias desenvolvimentistas para promover setores especificos, bem como sistemas financeiros para gerar o aporte de recursos necessarios ao investimento. Ou seja, em alguns paises, o Estado assumiu uma fungao produtora ou estruturante do desenvolvimento, que nao fazia parte de suas fungées classicas discutidas anteriormente. Este foi o caso brasileiro: o Estado, para viabilizar o processo de industriali cdo, assumiu a incumbéncia de desenvolver o setor de bens intermediarios e gerar a infraestrutura. Assim, observou-se ao longo do processo de desenvolvimento nacional a constitui¢ao de um setor produtivo estatal. Foi assim com o desen- volvimento do setor siderirgico, da exploracdo de petrdleo, mineracio, do setor petroquimico, das telecomunicacées, da geracdo de energia elétrica, entre outros. Com isso, percebe-se que o conceito de setor ptiblico como administracéo direta é muito restrito para avaliar 0 papel do Estado na economia, bem como para medir o déficit ptiblico, uma vez que grande parte das receitas ¢ dos gastos dé-se & margem da administracao direta. 202 Capitulo 8 Nesse sentido, desenvolveram-se novos conceitos para medir 0 déficit piiblico, entendido como a necessidade de recursos de todo o setor pitblico. Um conceito abrangente utilizado pelo Fundo Monetario Internacional (FMI) 60 de Necessidade de Financiamento do Setor Publico (NFSP). No Brasil, a NFSP comecou a ser medida no inicio dos anos 80, a partir da vinda do FMI e suas auditorias para acompanhar a conducao da politica econdmica do pats, no bojo do processo de renegociacio da divida externa apés a crise de 1982. 0 objetivo desse conceito é medir a pressio do setor piblico nao financeiro sobre os recursos financeiros (tanto internos como externos) da economia, ou seja, sobre a poupanca. Para acompanhamento do resultado fiscal, costuma-se dividir 0 conceito de NFSP nos conceitos nominal e NFSP - conceito primario. As NFSP conceito nominal (NFSPen) englobam qualquer demanda de recursos pelo setor ptiblico, inclusive para fazer frente a despesas financeiras ~ pagamento dos juros sobre a divida ptiblica. As NESF conceito primdrio (NESPep) englobam apenas as receitas e despesas nao financeiras do governo, ou seja, excluem os juros da divida publica. O conceito primério mostra efetivamente a conducio da politica fiscal do governo, ao apurar somente a arrecadacao de impostos e os gastos correntes e de investimento, independentes da divida piiblica. A relevancia desse conceito est no fato de separar o esforco fiscal do impacto das variacoes nas taxas de juros, o que, devido ao tamanho do estoque acumulado de divida, tem grande influéncia sobre as necessidades de financiamento do governo.” NESP conceito nominal (NFSPcn) = GT + iB NFSP conceito primério (NFSPcp) = G—T onde: G - total de gastos pulicas nao financeiros T - total de arrecadagao nao financeira i taxa de juros nominal (taxa de juros real mais corregdo monetaria ou cambial) B- estoque de titulos piblicos * Principalmente até os anos 90, quando o Brasil apresentava taxas de inflacéo relativamente altas, 0 FMT levava em consideracio 0 conceito de NFSP conceito operacional(NFSFco), que excluia as correcSes monetéria e cambial da divida. Ou seja, considerava a taxa real de juros, em vez da taxa nominal, assim: NFSPco = G~T + 1B onde: r~ taxa real de juros Isso porque as cliusulas de correcéo monetéria e cambial sobre os titulos puiblicos, nos periods de inflaco muito alta, elevavam bastante a NFSPen (déficit nominal), sem que isso significasse aumento de gastos. O Banco Central ¢ o FMI levam hoje em conta mais os conceitos nominal e priméio.

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