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Situa¢gao da vanguarda no Brasil (Propostas 66) HEtio Olticica © quisermos definir uma posicéio es- pecifica para © que chamamos de vanguarda brasileira, teremos que procurar caracterizar a mesma como fend- meno tipico brasileiro, sob pena de no ser vanguarda nenhuma, mas apenas uma fal- sa vanguarda, epigono da americana (Pop) ou da francesa (Nouveau-Realisme) etc Como artista integrante dessa vanguar- da brasileira, e tedrico, digo que o acervo de criagdes ao qual podemos chamar de van- guarda brasileira é um fenémeno novo no panorama internacional, independente dessas manifestacdes tipicas americanas ou européias, Vinculagao existe, é claro, pois no campo da arte nada pode ser desligado de um contexto universal. Isto é algo que ja se sabe muito endo interessa discutir aqui. ‘Toda a minha evolugio de 1959 para cA tem sido na busca do que vim a chamar re- centemente de uma “nova objetividade”, e creio ser esta a tendéncia especifica na van- guarda brasileira atual. Houve como que a necessidade da descoberta das estruturas primordiais do que chamo “obra”, que se comegaram a revelar com a transformagao do quadro para uma estrutura ambiental (isto ainda na época do movimento neocon- creto do Rio), a criago dessa nova estrutura em bases sdlidas e o gradativo surgimento dessa Nova Objetividade, que se caracteri- zaem principio pela criacdo de novas ordens estruturais, nao de “pintura” ou “escultura”, mas ordens ambientais, o que se poderia chamar “objetos”. Jé ndo nos satisfazem as velhas posicdes puramente estéticas do principio, das descobertas de estruturas pri- mordiais, mas essas descobertas como que se tornaram habituais e se dirige o artista mais ao estabelecimento de ordens objeti- vas, ou simplesmente a criagéo de objetos, objetos esses das mais variadas ordens, que nao se limitam a visdo, mas abrangem toda a escala sensorial, e mergulham de maneira inesperada num subjetivo renovado, como que buscando as raizes de um comporta- mento coletivo ou simplesmente individu- al, existencial. Néo me refiro @ minha expe- riéncia em particular (negacao do quadro, criagdo ambiental de Nucleos, Penetraveis ¢ Bolides, Parangolé), mas também ao que pos- so verificar nas diversas manifestagdes da- qui. A participagdo do espectador é funda- mental aqui, é 0 principio do que se poderia chamar de “proposicées para a criacao”, que culmina no que formulei como antiarte, Nao se trata mais de impor um acervo de idéias ¢ estruturas acabadas ao espectador, mas de procurar pela descentralizagao da “arte”, pelo deslocamento do que se designa como 148 arte, do campo intelectual racional para o da proposicao criativa vivencial; dar ao homem, ao individuo de hoje, a possibilidade de “ex- perimentara criacio”, de descobrir pela par- ticipacdo, esta de diversas ordens, algo que para ele possua significado. Nao se trata mais de definicdes intelectuais seletivas: isto é figura, aquilo é pop, aquilo outro é re- alista—tudo isto é espirio! 0 artista hoje usa © que quer, mais liberdade criativa nao é possivel. O que interessa é justamente jogar de lado toda essa porcaria intelectual, ou deixé-la para os otérios da critica antiga, ultrapassada, e procurar um modo de dar ao individuo a possibilidade de “experimen- tar”, de deixar de ser espectador para ser participador. Ao artista cabe acentuar este ou aquele lado dessas ordens objetivas. Nao interessa se Gerchman, p. ex., usa figura pre- gada em caixas, ou se Lygia Clark usa caixa de fosforos ou plasticos com agua, o que in- teressa é a proposiciio que faz Gerchman, as de mammitas-objetos para que o individuo carregue, ou a proposigéo de Clark quando pede que apalpem suas bolsas plasticas. Poder-se-ia chamar aisto de “novo realismo” (no sentido em que o emprega Mario Schen- berg, p. ex., endo no de Restany), mas prefi- ro ode “nova objetividade’”, pois muito mais se dirigem estas experiéncias A descoberta de objetos pré-fabricados (nas minhas “apro- priacdes”, p. ex., ou nas experiéncias pop- cretas de Cordeiro) ou & criago de objetos mais generalizada entre nés, como que ten tando criar um mundo experimental, onde possam os individuos ampliar o seu imagi- native em todes os campos e, principal- mente, criar ele mesmo parte desse mun- do (ou ser solicitado a isso). No Brasil, livre de passados gloriosos como os europeus, ou de superprodugdes como os americanos, po- demos com élan criar essa Nova Objetivida- de, que é dirigida principalmente por uma necessidade construtiva caracteristica nos- sa (ver a arquitetura, p. ex.) e que tende, a cada dia, a definir-se mais ainda. 0 que ha de realmente pioneiro na nossa vanguarda € essa nova “fundagio do objeto”, advinda da descrenca nos valores esteticistas do quadro de cavaletes e da escultura, para a procura de uma “arte ambiental" (que para mim se identifica, por fim, com 0 conceito de “antiarte”). Essa magia do objeto, essa vontade incontida pela construgdo de novos objetos perceptivos (tacteis, visuais, proposicionais, ete), onde nada é excluido, desde a critica social até a penetracdo de situacées-limite, so caracteristicas fundamentais de nossa vanguarda, que é vanguarda mesmo e néo arremedo internacional de pais subdesen- volvido, como até agora o pensa a maioria das nossas ilustres vacas de presépios da critica podre e fedorenta. CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMFORANEAS SITUAGAO DA VANGUARDA NO BRASIL (PROPOSTAS 66)

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