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134 cadernos de teatro <= 0 ULTIMO STANISLAVSKI — Fétini Saad — A ARTE VISCERAL DE ANTONIN ARTAUD — Ricardo Kosovski — CORPO E MOVIMENTO II — Derek Bowskall — 0 BAILE DOS LADROES — Jean Anouilh CADERNOS DE TEATRO N.° 134 Julho, agosto, setembro de 1993 Consetho Editorial: Maria Clara Machado, Candida Rocha Diaz Bordenave, Jofo Bethencourt, Jorge Leio Teixeira, Ronald Fues, Domingos Oliveira. Redaciio e Pesquisa d'0 TABLADO Diretor-responsivel — JoKo Séatio Manno Nuwes Diretor-erecutivo — Manta Ciara MAcsaD0 Diretor-tesoureiro — Eooy Rezexoe NUNes Editor — BERNARDO JABLONSK Redatores ~ Canmunita Lyra e Ricanno Kosovskt Revisor ~ Mania Ciara Gurinos Secretérias — Suuvta Fucs e VANIA V. Bonces Redagio: O TABLADO Ay. Lineu de Paula Machado, 795 Rio de Janeiro — 2470-040 — Brasil Os textos publicedoe noe CADERNOS DE TEATRO 36. poderdo ser representados mediante autorizopto dis Sociedade Beaslira de Autores Teatcals (SBAT) ‘Aw, Almirante Barroso, 97. Rio de [ancico. | Apoio cultural SAO GENESIO MARTIR E PADROEIRO DOS ARTISTAS Jorge Ledo Teixeira Artista de teatro tom padrostro? Tem sim, embora @ quase tolalidade da classe teatral néo o saiba, des- conhecendo que Sao Genésio, celebrado todo 25 de Agosto, 6 0 padrosiro dos que trabalham em teatro. Dom Marcos Barbosa, monge beneditin, posta ¢ tradutor de varias pecas, clém de membro da Aca- demia Brasileira de Letras, conta que Séo Genésio morreu por volta do ano 250, durante uma persegul- ¢G0 desencadeada pelo Imperador Deccleciano. Sua morte inspirou Henri Ghéon, teatrélogo belt — de quem Dom Marcos traduziu uma "Vie Sacra’, ence- nada pelo Tablado — a escrever a peca chamada ‘O Comediante © a Graca”, baseada na conversto de Sao Genésio ¢ 0 martirio que a sucedeu. Genésio era um romano com vocagéo teatral deveria participar de um espstiiculo onde serla felt uma parédia irreverente do batismo cristo, 0 que Jevou-e @ insinuar-se no meio dos cristaos para os- tudar 0 seu comportamento @ viver o papel com mais gutenticidade, No fundo, queria fazer 0 sou “labora~ ‘ério", para brilhar em cena, mas acabou vitima do elo artistico, © convivio com os cristios impressionou-o de tal ‘maneira que, em meio ao espetdculo, sentindo-to lo- cado pela graca diving, improvisou ‘e proclamou-t2 um cristo de verdade, negando-se a interpretar co- micamente o ritual do batismo para divertir a platéie imperial. Deocleciano, em cuja homenagem so reali« zava a encenagiio, enfurecou-se, ordenando que Ge- nésio fosse batizado ali mesmo, mas com © préprio songue, apés ser morto em pleno espetéculo, Dai o substitulo dado por Ghéon a sua pega: “O comediante possuido pelo sou papel’, E dai a esco- Tha do mértivator Genésio para padroeiro da classe teatral, a qual jé pertenceu, com multo orgulho, © Papa Jodo Paulo Il, ator © cutor teatral na Polénic, em sua mocidade. O ULTIMO STANISLAVSKI* Fétima Saadi (*) "Os homens sto assim, Ella. Acreditam néo acreditam nas coisas.” 28 ato de John Gabriel Borkman, de Ibsen Stanislaveki paseou a vida em busca daguilo que faz com que 0 homem acredite, daquilo que torna © homem integralmente presente nos atos em que se ‘empenha, £ uma busca mistica? Certament. Uma buscar religiosa, na medida em que coloca em causa a lie ‘gado do homem consigo mesmo, com seu passado, com a vida de seu espirito ¢ com 0 outro, £ uma busca éllca, na medida em que teflete minuciosamente sobre az_tltudes do homem num determinado campo de acdo — o palco. E 6 uma busca attistica porque seu obletivo pre- cipuo & a conslituicéo de uma obra, no caso, 0 es- peticulo cénico, com énfase especial para 0 trabolho do ator, A busca do Stonislavski funda um campo de re- flexdo que, desde o final do século XVIII, lentamente 20 delineava — a reflextio sobre 0 trabalho do ator. Mas, mais que isso, Stanlslaveki fox da reflexto mé- todo eriative, ampliando co mesmo tempo seu signi- ficado porque, por suc prética criativa no teatro, ele nos afasta da clsdo que o acidente estabeleceu entre pensamento © aco; logos e sensivel. Para _trabolhar 0 personagem — ficgdo do ho- mem — Stanislavski coleca o ator no centro da cena (1) Este texto resultou da reflexo desenvolvida no ‘curso Leitura de Stanislapski realizado de maio a julho de 92 no Teatro Duse e fol apresentado no ‘Teatro Glau- cio Gil, integrando 0 evento Copacabana Ano 100. ©) Professora do Departamento de Teoria de Tea- tro da UNE-RIo. fe este alor tem que justificar li sua presonga. Esta justificativa, entretanto, néo existe previamente, ela 80 dé, a cada momento do seu desempenho, por uma reflexdio atuada. Esta reflex propriamente cénica tem uma légica particular onde se conjugam as ca racteristicas do ator e as circunstincias da situagao & qual ele deve dar vida, Esta orquestracdo tem 0 in- tuito de despertar no ator a imaginacao, induzindo-o assim & disposigdo criadora. Stanislaveki trabalha entre a ficgdo e a realidads, entto o visivel © o invisivel, entre o passado © a pre- sentificacdo. Ainda adclescente, preocupava-se em descobrir o que estava por trés, 0 que sustentava a atuagiio dos grandes Intérpretes ‘que teve ocasido de assistir na Gfluente Moscou, a partir dos anos 80 do século pas- sado. Em comum entre todas caquelas atuagies noté- vols, a sensagdo de que se podia crer nelas, de que clas existiam all, onde deveriam convencer-nos com a forga de sua presenga, como nos sonhos, como nas lucinagées. Descobrir como s¢ consegue isto — esto frescor quo faz com que as colsas aparegam em seu processo de eclosdo diante de nés — tomou-so & ta refa de toda uma vide. (© primeiro livro de Stanislavski, Minha: vida ina ‘rte (publicado em 1924 nos EUA), uma autcbiogra- fia escrita por encomenda de editores americanos ba- slcamente interessados em histérias de bastidores 0 encontros notévels, 6 corajosamente o relato desta busca que se inicia com a observagdo dos génics, prossegue com a aplicactio das hipéteses imagincdas para explicar a atuacéo doles, primeiro no trabalho do proprio Stanislavski e depois, num estégio em que estas hipéteses estavam jd mais organizadas, ao tra zbalho dos companheiros do Teatro de Arie de Moscou, ‘que nem sempre aceitavam de bom-grado tais aven- turas, ao contrérlo dos muitos clunos que passaram pelas mécs do Mestre, alguns geniais como Meyer- hold e Vakhtangov. Dissemos que fazer do trabalho do ator um com- po de rellexdo 6 empresa que se inicia no século XVIII, mais especialmente com Diderot © © paradoxo ‘sobre o comediante (escrito em 1776-1778 mas sé pu- Blicado postumamente em 1830). O paradoxo reflete ‘© enorme interesse que o século XVIII devote ér in- lerpretagdo © que se expressa nas criticas de atuacdo publicadas nos jomais recém-inventados, nos livros de ‘memérias de atores aposentados, nos manuais de de- clamagio.e diego, escritos eles préprios em vereos, na cutiosidade pela vida privada das estrolas dos polcos, mas revela, sobretudo, o papel simbélico que ‘© ator desempenha numa sociedade em violenta trans~ formagio, onde os valores feudais © aristocrdticos e=- tao sendo criticados ¢ substituldos, com velocidade nunca antes imaginada, pelos valores da burguesia ‘em ascenséo. O ator, excomungado até a Revolugdo Francesa, 6 um desclassificado que, jusiamente por ndo ter lugar na estruturer social, presta-so a1 desem- penhar papéis os mais diversos, do pasado e do presente, demonstrando metafcticaments que as colsos nem sempre foram como aquela sociedade as estru- furou, Néo podemos esquecer que o sonho do século XVIII 6 compilar todo 0 saber na grande Eneiclopédia pa qual deve figurar tudo o que merece ser conhec!- de, sendo que cada assunto deve ser destrinchado em suas atticulagées, em sua particularidade, Come- co ai qa fissura entre a let universal e o singular. A Indugdio, 0 estudo de caso para posterior generaliza~ cdo comeca @ admitir a excecio, a existéncia de va~ Higntes que levam em conta falores ambientais © in- dividuais — e a propria preferéncia pela observaciio pela indugdo ia sintomética da revolugdo que se opera nagusle momento. Portanto, a diferenca entre © particular © 0 universal deixa de ser apenas uma diferenca de grou. A ntureza destas duas ineténcias deixa de ser reconhecida como homogénea. Gulliver © Robinson Crusoé so criagdes do sé- culo XVII. A tilologia enseja novas traducées de tex- tos canénicos como Homero ¢ « Biblia, o contato mais ‘amiudedo com 0 Novo Mundo e © Oriente planta os germes da etnografia @ reforea o que o Romantismo val valorizar como as tradicées populares de cada pais © que o instinto bélico dos séculos XIX © XX val pottificar sob © selo dos mais diversos naclonalismes, A técnica, filha dileta do racionalismo, instala-2o enquanto aplicacdo, efetividade proveniente de um couito dominio, assim como o campo do particular se ala como ponto de partida © campo de interesse a investigagio, © século XVIII exacerba 0 individualismo, pro- niete aos homens transformé-los om cidadéos, mas ‘apenas os inclui no rol dos anénimos, na massa que ‘omega a se acolovelar nas cidades. Assim, ndo espania que o Paradoxo sobre 0 co- mediante seja exctamente uma anélise da técnica através da qual o ator cra a “verdade" dos efeitos da cona sobre a platéia. E esta téeniccr visa a banir © sentimentalismo da atuacdo. "O ator chora como um patire incrédulo que pre- ga a Paixtio."* © paradoxo scbre © comediante — quanto me- nos 0 ator sente, maior comodo cous & platéia — leva-nos a outro poradoxo, este referente & tent va, compreensivel dentro do esquema de sustentagéo ideolégica dar burguesia, de transiormar teatro em ‘tibuna moral, campo de convencimento do homem do século das Luzes... por intermédio das légrimas! © objetivo propriamente estético do teatro flea, assim, em segundo plano, o que coloca em questéio nova- mento « relagtio entre a vida © a arle, no nosso caso, cen. O desejo do piiblico do século XVIII por uma co na “verdadeira”, onde as fronteiras entre a vida @ 0 polco fossem, por-assim dizer, esbatidas para que uma homologia se instalasse, néo encontra eco no Diderot de O paradoxo Cembora encontre no Diderot autor de comédios lacrimosas ou dramas sérios como pai de familia © O filho natural). Nosso autor afir- ma, no texto em questéo, escrilo seb a forma de dige logo (forma teatral por exceléncia) ¢ inspirado pelo ‘trabalho do grande Garrick (mais um estudo de co- 807) que tealro é convengdo e que basta de pieguice! Com anos depois, Stanislavski retoma esta refle- Nao the interessa formular uma teoria, néo pre- tende algar-se do particular co geral mas compreen- der verdadeiramente este particular, esia singulari- dade que é 0 ator que, em cena, crla a vida do es- pitito do personagem através de’ seus atos. mullo importante frisarmos este cardter part cular, de trabalho sobre sii mesmo, de experiénela, quo @ reflexéo de Stonislaveki assume. £ a ‘inica do- 3 DIDEROT, Denis. Paradoz0 sobre 0 comediante. ‘Trad. J. Guinsburg. Si Paulo, Abril, Col. Pensadores, P. 165, 1979. fesa que podemes levantar contra a tendéncia de ene carer suas idélas como um Sistema ou Método — con~ junto de regras gerals coordenadas de forma a abran- ‘ger um campo do conhecimento — com forga de dou- trina. © préprio Stenislavski hesitou por longo tempo fem colocer suas idéias sobre 0 trabalho do ator no opel por medo de que, escttas, elas logo 60 enri- jecessem. A uma attiz do Teatro de Arle de Moscou que Ihe perguniou o que devia fazer com notas de ensales de pecas que, sob sua directo, eler havia feito ‘hé muitos © multes anos, Stanislavski respondeu: — ‘Queime, quoime tudo!” Em um interessante artigo de Grotowski, “Respos- te a Stonislavski"#, a grandeza do trabalho de Sta- nislovski é avalieda pela diversidade das resposias gue cada um de seus alunos deu &s colocagées do Mestre — endo pela aplicagio subserviente que coda um deles pudesse ter felto de suas idéics. AA especificidade do trabalho de Stanislavski esté em que nao hé teorlas que se possa “eplicar". Suas ‘dios incluem a propria: atuaizagdo/atuagéo na cona. E, nos enscios, Stanislavski néo se cansava de repe- tir qos alores:\— "Néo me digam que compreende- ram © que eu disse antes de poderem realizar nat cena © quo Thos sid sendo pedido.” Seu temor & generalizagéo, & desencamacio de suas idéios, era tal que, para reforgar o aspecto con- exeto de sua busca, utlizouse ou bem de suas notas de didrio (para a redogéo de Minha vida na arte) cu bem da forma fiecional em A preparacée do ator © A construgéo do personagem (publicados respect- vamente em’ 1996 e 1949, nos EUA). © préprio titulo desta conversa — “O iiltimo Stax nislaveki” — 6 um artificlo que deve ser encarado com algumes precaugées. Evidente que, ao longo dos ‘anes, Stanislavski amadureceu sua questdo, propondo © Este artigo 6 uma compilagio das discussdes le- vantadas por Grotowski, diretores e atores da Brooklyn Academy de Nova York ium encontro em 1969 € fol pu- biieado no primelro nimero da revista polonesa Dialog. Cf. STANISLAVSKI, Constantin. Lattore creativo. Org. Fabrizio Cruclani e Clelia Fallettl, Florenga, La Casa Usher, 1980. para ela diferentes formas de aproximagao e desen- volvimento @ nés_ndo devemos considerar 0 “iltimo” Stanislaveki um Stonislavski detintivo. E preciso pre- encher com a nossa prépria experiéncia esse lapso que a morte criou; esta 6 a melhor forma de manter viva @ meméria de alguém para quem a vida era jus~ tamente a conjungGo indissolivel, sem fissuras, do que 20 v8 e do que néo se vé, da imaginagdo e do concreto, do fisica e do psicolégico. £ a situagdo da vida, a'completude, @ inteireza desta situagdo que Stanislavski quer aprender. Por isso, arriscaria di- zer que, contempordneo da constituigéo dar psicologia e da peicandlise como campos do saber, Stanislavski eslabelece relagSes mais {ntimas com a fenomenclo- gia que com estas duas disciplines. Talvez a prépria rellexdo sobte a obra de arie o enka levado a esta ‘compreensio particulat do trabalho do ator. Os vinculos que se estabelecem entre criador © obra sao indissoliiveis: uma vez criada a obra, ela é ‘obsolutamente necesséria — isto é, ela 6 a melhor © @ tinica resposta & questéo da qual brotou; além dis- to, ndo se podem esquecer, na contemplago da obra, ‘08 caminhos de sua constituigéo porque, além de ela Jamais ee desvincular da necessidade que a gerou, ela evidencla os processos pelos quais veio & luz, tendo uma fungo exemplar num mundo em que a tenta- tiva € ocullar o esforgo © 0 processo @ valorizar o re- sultado, Por fim, a obra do arte pée ao nosso aleance © “mundo todo" o real e o imagindtio, tomando evi- dente esta conexGo entre ficgdo e realidade, que é 0 proprio da arte. Que Stonislavski seja acusado de “naturalista” © que, portanto, reduzase a importdncia da sua refle- x60 @ um conjunto de procedimentos capazes de via~ ilzar a encenagéo de textos ditos realistas, 6 uma falsidade histérica — porque Stanislavski montou Checov, Ibsen, Gorki, Gogol, Tolstoi, Goldont, Haupt- man, Maeterlinck © cléssicos como Shakespeare ("O mercader de Veneza”, 1898, “Jillo César", 1903, “Ham- Tat", 1911) @ Moliére ("O' doente imaginério, 1913) — @ uma deliberada mé compreensao de seu pensa- mento que néo se prope a coplar a vida mas a buscar, na vida, as estruturas de seu fluxo. Esta 6, lids, a mesma trilha que seguem Gordon Craig, Ar taud ¢ todos aqueles que se perguntam o que é tec tro, Gostaria de ressaltar que Stonislavsk\ néo via i- ferenga no mélodo de ctiagéo do papel, quer se tra- tosse de comédia, drama, tragédia, Gpera ele. 0 que 25 {oz relierar o que acabamos de dizer. Stanislavski no pedia que seus atores copiassem a aparéncia da vida, pelo contrério, sua pesquisa 6 sempre a respelto do que constitul vida'—e Isto, parece-me, indo- pendende de estilo ou género. (© que Stanislavski pede aos atores & que criem uma estrulura: ner qual possam crer e essa estruturc, mesmo mantendo o esquema exterior que a encena- G60 demanda, pode ser realimentada sempre por no- vas imagens que o préprio ator cria ott evoca. AA preccupagtio de deixar um legado vivo de suas pesquisas, cliada & vontade de mostrar que sou ca- minho de’ construgéo de personagem néo esté resti- to Gs assim chamadas pegas redlistas, fez com que Stanislaveki reunisse um pequeno grupo de atores que, liberados de quase todas as tarefas do TAM, ensaia- ram © Tartulo de Moliére, néo com vistas & monta- gem do espetéculo mas para trabalharem © modo de construgtio do personagem que Stanislavski vinha pesqulsendo ao longo da vida. £ af que entra © nosso ‘Toperkov, quo relate em Stonislavskl in rehearsal — the final years at experiéncia de dez anos de traba- Iho, os der iltimos anos de vida de Stanislavski, no Teatro de Arle d= Moscou. Em 1909, cos 20 anos, Toporkov, recém-formado pela Escola do Teatro Imperial de Séo Petersburgo, ingressa como ator na companhia de Sua Alteza. O ensino © 0 aprendizado do. ator baseavam-co eno na declamagée © na imitagéo dos grandes modelos, davam aos alunos do Conservatérlo um vernlz que 08 distingula dos atores de provincia, além de forno- cerhes modelos a imitar — seus professores. Mas, co lado dos velhos mesires, grandes atores, chelos de tecrias sobre literatura dramétioa © oratérla, com meca a surgit uma geragdo mais jovem de atores- prolessores que distingue declamagio de interpreta 0, buscando uma forma mais coloquial de elocucéo, ém consonéncia com o estilo realista quo comeca @ ® Gf, TOPORKOV, Vasily Osipovich. Stanisiavski ‘m rehearsal — the final years. Trad. Christine Edwards. New York, Theatre Arts Books, 1979, se impor exigindo em cena mais naturalidade dx parle dos atores, Entrelanlo, mesmo estes jovens professores des- conhecem a pedagogia necessétic para que se pre- disponha o aluno-ator ao estado criador, ou seja, para que, mobilizando atengio, concentragéo © imaginagéo ele sola capaz de criar uma soqiiéncia de acées ju tificadas légica e emocionalmente que constituiréo 6 ceme do papel a ser desempenhado. Em dois ou trés ensaios, num teatro de provincia, levamtava-se uma pega. Os trés anos de Conserve tério eram, portanto, um periodo precioso de formacco de repertério para o futuro ator, que aproveitava: pars ‘aprender 0 méximo de papéis possivel. A escola tinha inda seu valor na lula contra 0 obscuratismo da Spoca — que alimentava a crenga romética no a6 nnio que, sem trabalho, brilha na cena a cada noite rags @ seus dons naturais, misturados a elguns s2- stedos, @ ridiculatizava qualquer esforgo de reflextio sobre 0 trabalho no palco. A direcéo, inciplente na- quele momento, encontrava serissimas resisténcias por parte dos atores que se recusavam a ensaiar e, quando ensciavam, se recusavam « repetir conas, ot gumentando que eram profissionais © néo... alunos de escola. Falar em noctio de conjunto, trabalho de grupo, improvisagée, métedo criativo, era colsa im ponsdvel. Stanislavski ora conhecido naquela época, priv eira década deste século, como um tirano que trans- fcrmava os atores em mationetes @ que, tendo criado uma espécie de seita, s6 se exprimia em linguagem cifrada ©... suprema heresia, além de fazer os ato- es improvisarem durante os ‘ensalos, havia incluido uma cena inventada em O inspelor geral. A cutiosidade do entéo estudante Toporkov fé-lo cesistir « O jardim das cerejeiras na primeira excur- so do Teatro de Arie de Moscou a Séo Petersburso. Os atores dos grandes teatros desdenhavam da com- panhia de Stonislavski: — “um grupo de omadores que logo se dissolverd’' © Toporkov partilhava: @ opi- niGo de sous professores sobre “viclacto da tradicéo ‘assasinato do talento vivo", “excesso de treinamento’ ®, sobretudo “excesso de ensaios”. Primeira surpresa: era proibida a entrada apés © inicio do espetdculol Com o desenrolar da peca, TToporkov ia ficondo cada vez mais aténito: do tro- bbolho dos atores haviam sido banidos os clichés. Ha- via um sentido de trabalho conjunto © os atores es- tovam em cena todo o tempo, conscientes de que seu ttabalho era origem do que se via na cena. Vinte cncs se passaram até que Toporkoy pudes- se juntar-se ao Teatro de Arte de Moscou. Nesse in- terim, trabalhou em muitos teatros © com grandes Gores. Coletou experiéncias © reminiscéncias até que, um dia, néo sem grandes hesitagSes que duraram dois anos, Stomislavski o convidou a integrar a sua companhia. No dia do primeiro encontro, os dois es- favam tdo nervosos que tentaram, ambos, sentar na mesma cadeiral Pora compreender este processo, 6 preciso lem- brar que os atores do Teatro de Arto de Moscou for- mavam-ge no préprio teatro, Primeiro funcionou, agro- gada ao teatro, uma Escola. Depois, os diversos Es- tidios abertos por atores do TAM fomeciam novos jentos para © grupo. No final dos cnos 20, Stanis- lavski estavar interessado na possibilidade de trons- mitir a um ator J& experiente os processos de trcbo- Tho que vinha desenvolvendo, Polas primelras conver- eas que mantiveram, Toporkov compreendeu que t= nha feito mais que simplesmente mudar de teatro. Sentia-se examinado minuciosamente, como 0 fosse uma pega valicsa que um colecionador deseja ad- quitir. De inicio ficou completamente dosorientado: 0 vocabulério Iho era estranho, os métodes de ensaio, © aparente desinteresse por tudo o que dizia respeito propriamente é& encenagie, como se ela nunca fosse chegar © como se se perdesse tempo demais antes de pér méos & obra. Desconcertava-o o fato de Sta nislaveki néo permitir que os atores atacassem direlo © texto, ombora perdesse um tempo que Ihe parecia desmedido no trabalho de compreonséo da peca. Stomislavski disia: — "Quando trabalho, ndo me inle- ressam as palavras do autor; temo os misculos da Mnqua, que paralisam 0 trabalho do ator. De infclo hé apenas um eu em circunsténcias dadas.” Toporkov atuou em Os trapaceiros, Almas mortas, puma remontagem de O jardim das cerejelras © om Tartufo, ecb a diregéo de Stmislavski. Preocupcu-se fem registrar suas impresses © em fazer-nos acompa- nhar o aprofundarse da sua prépria compreensao do trabalho, de Stonislavski naquele momento de plen!- tude em que, da simplicidade das aces fisicas © da concretude de exercicios criados para os ensaios © para as dificuldades de cada cena e de cada ator, desdobra-to todo um rotelro de trabalho em quo o in- tangivel se toma tangivel e as forcas criativas, rigor inacessiveis & nossa vontade, sdo seduzidas e vém pérse ao aleance daquele que tem a corazem de lular pelo seu lugar na cena, uma luta honesta ¢ a cada dia renovada, ‘A partir de suas préprias caracteristicas @ das clrcunsténcias dadas, © ctor cria o rotelro de suas cagées fisicas, agées elmples quo, executadas com l= gor, sorvem de estimulo & imaginagio. Nesso primeiro momento, a preccupagao nao é com @ forma de vel- cular © personagem, mas com a opinio que 0 ctor tem dele, O ator néo se prepara para atuat, para utilizar-se de clichés que preguicosamento so os- gueiram entre ele © seu personagem, ele s0 prepara para pérese em situagGo, para atualizar, em si, uma situagdo que, compreendida com clareza, encontraré sua forma necessdria. Dai Stanislavski adiar co mé- ximo © contato do ator com 0 texto do autor. O tra~ balho do ator néo provém do texto, ele 6 a criacdo de uma justficativa para aquelas situagSes que 0 tex- to propde — isto 6 0 que se chama subtexto. O texto tom que ser conhecido em todas as suas articulacSes — 6 dele quo vém os objetivos situacionais, mas a justificativa destes objetivos vem da imaginacao do ‘tor, de sua meméria, de seus atfetos, ndo importa, os- tumulades pelo trabalho fisico. Neste processo, d vi- sualizagéo dos detalhes imaginados § fundamental para a criagée do sublexto. ator fem que congulstar seu lugar na cena, as- ‘sim como tem que conquistar o verbo. Evidentemente, © texto tem que ser compreendide no seu aspecto lin- giilstico, seméntico, mas ndo é dai que o trabalho do ‘tor parte. Pelo contrério, Stamislavski se perguntave sempre 0 que eelimula 0 ater @ 0 que, ao contrarlo, Inibe seu trabalho criador e, conclul que, muitas vezes, co excesso de documentagdo sobre um ator ¢ sua poca ‘ccaba por estancar a crlatividade do ator se a isto ‘ndo #9 aerescentat um trabalho de combate & pregul= ga © aos clichés — sejam cles de que natureza fo- Para conclulr, gostaria de lembrar um dos inci- dontos que Toporkov aborda em eou livro: orgulhoso de voltar a So Pelersburgo com 0 Teatro de Arto do —_——_— Moscou_© ansioso para mostrar tudo o que tinha aprendido com Stanislavski, Toporkov. entra em cena ara o ensaio de Os tropaceizos, que inaguraria c temporada na capital dois dias depols, pronto a abrir seu guiché de caixa de banco ¢ atuar. Stamislavski, hhorrorizado, interrompe o ensalo, passa quatro horas trobolhando qpenas a entrada, quer dizer, a prepara chic de Toporkov para abrir 0 guich8, © d& o ensaio por encerrado. Nao satisfeito, depois da estiéia, diz- Ihe que recebou um telefonema anénimo em que seu trabalho era duramente criticado por ter atuado "pa ra 0 piblico” @ néo “para a cena’. ‘Ao movimento geral da época quo, com 0 surgi= mento do encenador, visa a volar a cena sobre si mesma, Stanislaveki acrescenta a re-flexéo do ator s0- bre ou trabalho, fomecendo concrtamente os meios pora tal: um métedo, um cominho, que, do mesmo fempo quo entrou na histéria, obrigou a histéria a defrontar-se com uma singularidade radical. E néo hit nada mais difeil de enunciar do que o singular. E é por isto que esta singularidade pode ser modulada por todos nés os que compreendemos a cena como ‘um império para si, como um império que cjudamos « construlr, CORPO E MOVIMENTO: EXERCICIOS* Derek Bowskill Os exercicios estéio divididos em duas secdes principais. A primeira estabelece um amplo padréio de exercicios pessoais © om grupo. Deve ser executa- do regular e aradualmente, A consténcia moderada 6 uma tegra de ouro. Uma boa média 6 praticar du- ante 15 a 20 minutos, de preferéncia duas vezes por dia. Os exercicios néio devem ser forcados, ¢ se vod Pratic-los devagar e com cuidado, senliré apenas 0 desconforio causado por misculos que ndo sdo usa- dos hé muito tempo. Estes sintomas devem desapare- cor em 2 dics. Se sentir dores fortes, apesar de fazer 08 exercicios devagar @ com cuidado, ou se as dores ndo desaparecerem ao reexercitar-se, CONSULTE UM ESPECIALISTA. O ideal 6 exercitar-se regular e lentamente, £ 1é- gico que os misculos que ficaram muito tempo para~ dos sentindio a mudanga. Mas a disciplina traré o mé- ximo de beneficios, com 0 minimo de inconvenientes, Encare os exercicios como pontos imporiantes na ma- nutengdo de um carro, planejados para aludar a del- xar seu veiculo pronto para circular nas ruas, Néo Go aulas de direcéo — nem corridas ou rallies. Estas fungSes so abordadas na 2* sectio, onde hé exerci- clos para ajudar na expansio do vocabuldrio de mo- vimentos expressivos, Hé muito espaco para exper! mentar © explorar, © voc8 vai descobrir que pode co- mecar a fazer a maioria dos exercicios imediatamente + Continuaglo de artigo publicado no nimero an- terlor (CT 133) = sozinho, com alguém ou em grupo. Nao esqueca de dosar bem os exercicios © 0 trabalho de expresso. Inicie sempre com exercicios, e nunca entre em atl- vidade fisica intensa sem um periodo de aquecimento, pols corre o risco de lesées musculares graves. A fexercitagdo correla inclui o aquecimento — esta & uma das suas fungées — ajudando também a dar Ihe a flexibilidade que precisa. EXERCITE-SE COM REGULARIDADE, DEVAGAR, E ‘COM MODERACAO. Préexercicios Aquecimento 1. Gato. Deitese no chéo.e relaxe completa. mente, Verifique se seu corpo esté realmente relaxa- do. Devagar © sem tensionar 0 corpo, enrodilhe-s0 na posigéio naturalments adotada por um gato adorme- ido. Lentamente, estiquesse como um gato, até que cada parte de seu corpo esteja bem alongada, Entao festique uma parte do corpo de cada vez, sempre imi= tando um gato. Fique "nos quatro patas” © arqueie sua coluna. Sempre devagar, volte & posi¢do norma! aié ficar em pé. Estique os bragos pata cima ais os {orem totalmente alongados. 2. Gire lentamente a cabeca para o lado esquer~ do — ndo faga mais de doze vezes. Repita 0 mo mento para a direlta. Verifique se os miisculos esto sendo levemente alongados. Evite esforco e tensdo desnecessérios. So sentir tontura, pare imedictaments, 3, Gire lentamente o ombro esquerdo para tds. Sita os misculos relaxando e alongando. Faca o ‘mesmo com 0 ombro direito. Agora gire o ombro os querdo para a frente, Gire © dielte, Por tltimo, aire es dois ombros juntos, para tds e depois para a frente, 4, Gire 0 cotovelo esquerdo no sentido hordtio, segurando 0 brago com a méo direita. a) Gire no Plano vertical eb) no plano horizontal. Repita com © cotovelo direito. Repita no sentido anti-horério. 5, Gire 0 pulso esquerdo no sentido horditio. Re- pita com pulso direto. Repita no sentido anti-ho- ratio. Repita com os dois puleos. 6. Gire 08 dedos, um de cada ver @ juntos — ho- rério 'e antichorério. (Ver que é dificil mexer_ 6 um dedo, Uma dica pare concentrarse 6 ndo olhar para os dedos. Néo se preccupe se os outros dedos se mexem —o fato de olhévlos pode distrai-lo. Como nos outros exercicios, verifique s° os misculos esto sendo alongados). 7. Estenda bem os bragos & sua frente, com as polmas voliadas para fora. Devagar, alongue os bra- ‘G08 para 08 lados. As mos devem ficar um pouco cirés da linha dos ombros. Volts & posigéio inicil. Agora estique os brocos bem para cima, préximos & cabega. Repita. 8, Partindo da cintura, incline devagar 0 corpo para frente, Néo mexa os quadris. Incline-se para um lado, para o outro, para tras, Vé devagar © veri- figue se ndo esté mexendo os quadris, Repitar 0 exor- cicio até sentir facilidade para girar o tronco na se- quéncla de movimentos — sentido horétio e anti- hordrle. Pode colocar as méos na cintura, pois isto ojuda @ controlar a imobilidade dos quadris. 9, Ainda sem mexer os quadris, mexa o tronco de um lado para outro, fazendo um movimento des- Uzante. 10, Incline 0 corpo para frente a partir das coxas mantenha as costas tetas. Va devagar, até sentir que os miisculos das costas estio bem alongados. A medida que sua flexibilidade cumentar, faga o movi- mento circular do exercicio 9 — sentido hordrio e an- tichorétio. 11.a) Equilibre-se sobre uma perna © balance a outra, como um péndulo, Néo faga mais de 12 vézes, Repita: com a outra perna. b) Estique bem a perna para 0 lado —e 0 mais alto possivel, com o joelho voltado para clma. Alongue com chutes curtinhos, som exagerar. Repila com a oulra pera. 12. Levante a coxa e segure com as duas méos. Gire 0 joslho. Repita com a outra pena — sentido horério @ antichorétio, Esto exereiclo 6 parecide com 0 4b). 13, Sente-se no chéio com uma perna_dobrada. Descanse a outra pena no joelho dobrado. Gire 0 tor- nozelo da perma que esti por cima, no sentido hord- io e antihordrio, Repita com a outta perna. 14. Sente-se no chdo e estique as duas pemas paraa frente, Estique os pés até quo as sols estejam paralelas no chéo; entéo flexione-os, tentando apontar ‘as solas para o teto. Nao faga mais do que 6 vezes. Nota: Estes exercicios eto uma sequéncia proli= minar. Ndo foram criados para serem feltos com exa~ gero. Cada movimento dave alongar levemente os misculos — deve-se ampliar 0 movimento devagar. Evite 0 esforgo exagerado. Entusiasmar-se demais po- de sor perigoso @ machucé-lo, A soquéncia toda ado deve demorar mais do que 15 minutos. Exerciclos mais compleios Ao terminar os pré-exercicios, vocé poder adaptar ces que quiser &s suas necessidades especilicas, quan- do entéio teré opertunidade de fazé-los por mais tom- po, ou com mais concentractio. Os exercicios sequintes stio étimos para serem foitos apés os prévexercicios. 1, Em pé: a) Apoie-se numa cadeira com a méo direita. D8 chutes com a pema esquerda: 3 vezes para frente; 3 vezes para © lado Cloelhes voltados para cima); 3 vezes para trés. Mantenha o tronco imével. Repita com a outra pena. b) Ainda usando « cadeirar como apolo, coloque os pés na segunda pesigéo de balé — separades por uma distincia de 30 cm @ na posigéo quinze para cs irés (ou o méximo que puder sem forgar). Dobre os joelhos devagar. Verifique se os joelhos esto na mes ma linha dos dedos dos pés. ©) Ainda apoiado na cadeira, sogure o dorso do pé esquerdo com a mdo esquerda, Dobre a pera di- reita @ lentamente estique as duas pemas. Nao solie & mao que est segurando 0 pé. Repita trés vezes. Repita com a outra: pena. 2. Sentado: a) Sente-se num lugar espagoso © diretamento no piso ou no carpete, evitando tapstes soltos. Mantenha as costas relas, os ombros relaxa- dos © as pemas esiendidas © juntas. Estenda uma perma de cada vez, deslizando-a no chéo. Estenda cada pema o mais que puder, indo o mais longs possivel de cada vez £ essencial manter os ombros elaxados © iméveis. 10 b) Estonda as duas pemas & sua frente, Segure os pés pelo lado extemo. Puxo e incline-se para a frente, alé que o pelto toque os joelhos. Para obter ‘o melhor efeito, puxe mais © d8 pequenos impulsoe. Nao dobre os joslhos. ©) Abra as peras o méximo possivel, manten- do-as’ estendidas, Levante os bragos em linha rete jacima da cabega. Mantendo as costas sempre relas, incline-se para a frente, (4) sobre a perna esquerda i) sobre a pena direlta Git) para: a frente, Repita. 4) Quando conseguir fazer 0 exercicio anterior com facilidade, vé virando © compo a partir dos qua- dris, de modo que ao ir para a fretite os bragos rocem Ras pemas, © co ir para tras as costas rocem no cho. Faca’ no sentido horério e anti-horério, (Néo tento este exercicio enquanto no conseguir fazer os ‘anteriores com facilidade. £ um exerciclo avangado, que ndo deve ser feito enquanto vocé no tiver su- ficiento resisténcia.) e) Estenda as duas pemas & suc frente, Abra os bbragos para os lados, com as palmas das méos para haixo. Balance o corpo devagar, de um lado para o ‘outro, Vé cumentando o balango, até que as méos to- quem © chio. Mantenha um ritmo, um fluxo, @ dé um impulso leve para manté-lo, se necessério. Tal- vez ajude se vocé cantar uma misica bem compas~ sada. Verifique so esté respirando corretamente, con- trolando a voz © pronunciando bem as palavras, (Mul- tos dos exercicios do capitulo 8 podem ser usados no trabalho de movimento) 1) Partindo da posigdo sentada, deite de lado, com © rosto apoiado na palma da méo. Levante co mé- ximo a pera que estiver por cima. Faga o movimen- to devagar, até que a pema volte a descansar em cima da outra. Faca 3 repeticées. Vire para o outro lado e repita com a outra pera. 3. Deitado de costas @) Levante devagar a pema, até doixéla em Gngulo reto com 0 corpo. Abaixe-a devagar. Deve-se manter as duas pernas estendidas, com 0 pé om pon ta, Repita com a outra pera. Repita com as duas. Os exercicios devem ser ieitos bem devagar. Sempre que puder, tente cumentar © tempo a eles dedicado. b) Levante a pema esquerda até deixéla em Gngulo reto com 0 compo, Estique bem, © entio, so possivel, tonto tocar o chao do lado diteto. As pernas devem estar esticadas e 0s pés em ponta. Faga bem devagar. Repita com a pema direita. ©) Dobro o6 joelhos até que os pés estejam apoia~ dos no chéo, Levante os quadris © méximo possivel, Sem mexer os pés ou os ombros, que néo devem sair do chi. 4, Deitado de frente: a) Leve as méos, com as palmas volladas para 0 chéo, para batxo dos ombres. As pemas ficam juntas ¢ esticadas. Memtenhar 0 corpo no chido, da cinfura para baixo. Apoie-se nas mos © vé levantando 0 tronco, sem mexer as pemnas. Le- vante até que os bracos fiquem esticados, Faca 3 vezes. b) Repila 0 exercicio com os bragos bem estica~ dos para a frente. €) Estique os braces co longo do come. Repita o cerorcicio, mas desta vez levante as pemas, maniendo © tronco’ no chao. Levante as duas peas, que de- vem estar tetas © juntas. 4) Estique os bragos para a frente, como no exer- cicio b) @ combine os exercicios b) ec). O compo deve ficar arqueado. Balance suavemente para «i fren- tee para trds. ©) Dobro os joslhos e estique os bracos para ts, ‘agarrando com as méos a parte da frente dos torno- zelos/pés. O como fica ainda mais arqueado. Balan- ce suavemente para a frente © para trés. Nota: Deixe um bom intervalo de tempo entro jum exercicio © outro, NGo se apresse. Néo faga os- forgo desnecessério. Descanse entre um exercicio 0 cutro, 82 preciso. Exercicio de movimento 1, Observe pessoas na rua, om lojas, em énibus, ‘em telejomais, filmes, televisdo; observe o trabalho de outros atores om filmes, na televiséo ¢ no Palco. a) Observe bem a imagem corporal total que as pessoas opresentam. b) Observe padiées de movimento @ ritmos es- pociais que usa. €) Iscle os detalhes de seus movimentos — més, pés, poras, cotovelos, cabega. Concentre-se por 2 a 2 minutos no modo como so ulilicadas estas partes ‘eepecificas do corpo. 2, Observe quadros e esculturas com o mesmo cuidado do exercicio anterior. Estude esbocos artist!- cot e manuals de anatomia feitos para pintores © es- cultores. Estude pinturas, esbogos e esculturas de ou- tras épocas e de outras’ cultures, 3, Observe quaciros, esculturas, objetos da casa, doces, brinquedos, etc. D8 vida aos objetos: @) Imitande tecnieamente suas formas e éngulos. b) Colocande bastante omaodo nos movimentos. ¢) Criando personagens e pereonalidades « par- ‘ir das posigées fisicas. 4, Chie formas © posicées fisicas para sons roti= neiros. Bor exemplo — uma tomeira pingando, ‘um ‘ospirador, a campainha da porta © a do felefone, um féefor sendo riseado, © som de passes, 0 ruldo do toacinho em éleo quent. 5, Repite os exercicios acima, usando ot sone da propria vor —de modo natural © com voriagboe especiais; imitando vozes de amigos, vozes cuvidas no ‘elefone, em discos ot fies, 8. D8 vide &s formas o posigboe fleas dos exor cicios 4-0 5. a) Faca movimentos técnicos. 'b) Carregue os movimentos de emogio. ©) Repita com personagem © personalidade. 7. Crie padiées de movimento para diferentes méquinas. Por exemplo: dinamos elétricos de alta ve- locidade, méquinas a vapor de baixa velocidade, gra- vodores, motores, méquinas de escrever, relégios, etc. Crie méquinas imagindrias também. De inicio, use diferentes partes do compo de cada vez para o exer ciclo. Gradualmente, vé combinando © trabalho das partes numa unidade s6. Tente o exercicio sozinho & depois com um amigo ou em grupo. Este exercicio timo para fazer com grupos pequenos. Faca primetro fm siléncio, incluindo depois os sons que acompa- nham es méquinas. Para um exerciclo mais avanga- do, acompanhe com sons baixos os movimentos de méquines répidas, © com sons altos os movimentos de méquinas lentas. Depois mude as combinagées. 8, Roupas. Escolha roupas diferentes das que normalmente usa — chapéus, Iuvas, Jengos, gravatas, casacos, calgas e puldveres (mais tarde costure os bolsos dos casacos © das calgas). ) Escolha uma peca de roupa 0 estufe-a bem: olhe, toque. Crie enttio uma posigéo fisica que re presente sua forma, textura © “cardter”. b) Crie os movimentos de clguém que estivesse usando esta pega. ©) Vista © use esta pega de roupa. Mais tarde, vista-se © use-a com outras das roupas que voc8 es- colheu. d) Vista roupas fora do sou tamanho normal — muito largas'e muito apertadas. Preste atengao espe- clal aos seus movimentos quando estiver usando bo- tas ou sapaios de tamanho diferente. 9, Tente © explore jeites diferentes de caminhar, ficat em pé @ sentar. Tento padrées bem diferentes dos normals. 10, Repita o8 exercicios de ritmo anteriores. a) Use partes diferentes do corpo de cada vez — puileo, cotovelo, cabeca, dedos do pé, etc. 'b) Repita juntando partes diferentes. ©) Use © compo todo. 11, Pegue uma cadeira © sente-se nas posicées mais diferentes quo puder imaginar. Sente-co em ca- deiras diferentes: a) do mesmo modo; b) de modos diferentes. 12, Faga este exercicio com um amigo. Faga-o sentar-se do modo quo ele achar conforiével. Assuma 4 mesma posigiéo adotada por ele a) Lado a lado b) Frente a frente ©) De frente parc 0 espelho n 18, Escolha uma agtio rotineira simples, como su- bir as escadas, estar sentado dentro do carro, acen- der 0 cigarro, tomar café, etc. Presta atenctio em seu padréio natural de movimentos © sempre que puder, mude e faga varlacdes deste padréo, 14. Miisica, Quando ouvir miisica no rédlo, TV, fitas, discos, etc, seja o maestro da miisica. ) Use partes diferentes do corpo de cada vex — em diferentes combinagées. Por éikimo, diriia a mix sica com © corpo todo, b) Uso « miisica como um estimulo para a danga expressiva, Dance com partes diferentes do corpo @ depois em diferentes combinagbes, ©) Use um gravador ou tocadiscos em que vocd possa mudar a velocidade. Toque miisica em diferen- tes rolagées para diriair a miisica e para dangar. 15. Presto atonctio a diferentes padtées de som que © interessam. Pronuncie palavras @ frases de mo- do contrastante, usamdo-as como base para um tra- balho de movimento. Use alguns dos exemples de voz ® fala do capitulo 8 — leve-os a uma vocaligagéio extre- ma e interprote-os em movimento. Crie misicas © padrées de som pessoais. En- quanto canta, dance com partes separadas do corpo. 16. Use doncas formals — tango, valea etc. — para expressar diferentes emogées. Dance com raiva, medo, alegria, cnsiedade. Use misicas conhecidas: crie sua prépria miisica. Repita o exercicio com um cmigo. Depois faga 0 exercicio com um grupo pe- queno. 17. Escolha uma agéo rotineira — lavar 0 roste, servir café, tirar o pé dos mévels, fazer compras, etc. —e faca os movimentos: a) om cémera lenta; b) em velocidade acelerada. Repita o exercicio com um aml go e em grupos pequenos, 18, Escolha um determinado padréo de movi mento ou de gesio que tenha notado alguém usar. a) Exagere-o b) Faga-o com partes diferentes do corpo ) Faga com que outras partes do corpo imitem- no e sustentem-no ) Deixe que o movimento tome conta de todo © ‘corpo ©) Deixe 0 corpo exagerar 0 movimento ao mée ximo. 18, Escolha uma série de movimentes ¢ gestos de jum dos exercicios anteriores. ) Repita a sério om frente ao espelho, sem rou pa. Se possivel, use mais de um espelho, Observe as diferentes partes do corpo, notando bem as agies = inleragSes. b) Repita 0 exercicio vestindo s6 uma peca de roupa. Observe como isio afeta o seu modo de en- carar e realizar o exereicio, 20. Repita 0 exercicio acima, usando a pega de Toupa para curiliat, sustentar © aperfeicoar sua ex- ressdo corporal. Repita usando pegas de roupa diferentes, em so- parado ¢ juntas. Repita um padréo de movimento em frente do o=- pelho. @) Comece totalmente vestido e vé despindo uma peca de cada vez. Observe a diferenca no efeito, & medida que as roupas séo tiradas. b) Repita 0 exercicio, comegando sem roupa © vestindo-se gradativamente. 21. Béie, nade, ou apenas bringue no mar, num lo, ou numa piscina, Imite os movimentos da égua. Uso a sustentacéo da égua para crlar novos padres de movimento. 22. Suba em pedras grandes, cadeiras, escadas, tc, Invente cenas — com ou sem vocallaacdo — so- Zinho, Observe bem qualquer posigéo fisica que voo8 ‘adotar co subir, e use aspirar a mesma eficdcia intelectual da line quagem articulada. Ou soja, podemos per- guntar so ela é capaz, néo de especificar pensamentos, mas sim de “fazer pensar"; se ela 8 capaz de levar o espitito a tomar ati- tudes profundas @ eficazes a parlir do sou préprio ponto de vista. Em sintese, levantar a questo da eficécia intelectual da expresséo '. por melo de formas objetivas, da elicdcicr in- telectual de uma arte quo s6 utilize forma: ruldos © gestos, & leventar a questéo da ef © eéciar intelectual der arte", ‘$6 que para Artaud a questéo contral 6 deslocada do e820. do intelecto, 0 objetive do teatro para ele, & ro- riar 98 mitos, traduair a vida em seu aspecto univer- sal,,imenso © extrair desta vida imagens sobre as quais gostariamos de nos encontrar. Em outras pala- ‘res, viver efotivamenta a identilicagéo do espirito na matéria ¢ da matéria no espirio. Devemos, devol- ver 0 teatro & sua destinagio primitive, repondo-o no seu aspecio religloso © melatisico © reconcilié-lo com E vordade que ser francés ajuda a entender me- lhor @ profunda averstio sentida por Aricud diante dq palavra. A retéricc no sentido de meros jogos ver- boas, 0 cartesiomismo enquanto sistema vaio, 8&0 en tidades que ainda hoje cssolam a cultura francesa. ‘Mas as palavras — diréo — tm faculdades meiatisicas, nada impedindo que se imagine @ polavra como 0 gesto projetado no plano universal, © 6 exatamente neste plano que a palavra ‘adquire sua cficdcla maior, como forge: do disseciagt de todas os aparéncias materiais, de todos os estados nos quais 0 es- piri repousa ou tendo a se estabilzar. & fé cil responder clirmando que essa forma me- tofisica de encarar a palavra néo a mesma do teatro ocidental, que ests néo @ v8 como forga ative que parte da destruigdo das apa- rncias para chogar até 0 espirto mas, pelo contrario, como estéigio final do pensamento que se perde ao exteriorizar-so”. Teatro da Crueldade tomado "no gentide dessa dor fora da necessidade inelutével” — 6 antes de tudo lucidez, uma magica rigorosa de todos os meios t6c- nicos @ priticos, a utilizagtio na mise-en-scéne de todas as possibilidades da poesia concreta, "a possia, simplesments, sem forma, sem toxto... tentando expe- rimentar a velha eficdcia magica, sua forge: fascinan- tee integral além da palavra”. Encenar é principal- mente, projetar 0 ator no espago do som e do esto clravés de uma linguagem pléstica e sonora. O ator deve poder, entéo dominar todas os suas possibilida- des corporais ¢ mentais. Nada em seu jogo serd del- xado ao acaso ou & inicialiva pessoal, co voluntaris- ‘mo psicolégico. Saber antecipadamente os ponios do "7 corpo que 6 preciso fazer vibrar, 6 langar 0 especta dor em transes mégicos. Esse’ conhecimento de si ‘mesmo permitir co ator projetar 0 grito, © 0 gesto produzir a imobilidade. Grotowsky faz uma interessante cbservacéo: "Quanto mais se mergulha no que ha de cculto em nés, mals 6 necesedrio disciplinar exteriormente, 0 que é a forma, a ariiiciall- dade, 0 ideograma, © sinal". Nosea encenagie concebida como tolalidade, além do ator, com sua dupla natureza Corgénica @ espiri- tual), projetando sons gestos, também a luz deve ser pesquisada, encontrando-se novas manelras de emitéla, através de ondas © por faixas, criando ol mentos de tensdo, densidade, opacidade a fim de pro- duzir o calor, o frlo, a célera, 0 medo etc... © figurine deve recriar uma ambiéncia ritualist cc, roupas que so aproximem da tradi¢ao. Tradicao esta, transmitida pelos mites, projecGo formal das for- gas Vilais que nos permitom conservar © ensinamento © 0 sentimento metatisico da vida. Mas o mito, para ‘quardar todo 0 seu poder evocador, deverd sor uma cultura viva: isto 6, evoluir em sua forma, e simbo- lizar em cada época a sua representacdo para as novas formas de sensibilidade e percepctio. Se uma determinada época se volta © se desin~ teressa do teatro, 6 por que o teatro deixou de repre senté-la. Ela néo espera mais quo ele lhe fomeca (os milos em que poderia apolar-se. © mito aparece, entéio, como uma imagem acres- cida, visto que a representagdo dos mitos deve ser evolutiva, destruldera das formas antigas, blosfema- \éria dos ritos habituais. Para Artaud, 0 teatro que s° fasta dessa fungGo perde sua razio de ser. Teatro da Crueldade escolheré temas assun- tos que correspondem & agitagéo © & inquistude ca ractoristica de nossa época. Os mitos devem portan- to, segundo Artaud, atualizarem-se nos dois sentidos de termo, isto 6, objetivarem-se em cena representan- do os velhos conflitos, sob nova forma. © caminho para a compreensdio do teatro drtau- diano 6 0 resgate dos mites através da agdo motati- sica diante da linguagem articulada, de modo ‘que ‘essa linguagem exprima aquilo que habitualments ela nGo exprime; 6 servirse dela de um modo novo, cepcional e inusitado; ¢ restituirthe suas possibilida- des de abalar fisicamente; 6 dividi-la e reparti-lx ati- vamente no espago criando um poder ferino @ que realmente manifeste alguma coisa, enfim, devemos consideré-la sob « forma de Encantagio. Deve pro- vyocar © tronse @ atuar sobre os espectadores como £0 fessem serpentes sondo encantadas pala magica mie sica de uma flaula. Finalizando essa pequena anélise sobre as visbes do Artaud & cerca do teatro, convém transmitir que 0 poeta pensavar que tudo isso poderia ser um grande isco, mas que vale & pena comrB-lo. Néo cr que cheguemes a estimular 0 estado das coisas no qual ‘vivemos, Prope qualquer coisa para sair do maras- ‘mo, em vez do se continuar reclamando dosso ma- rasmo @ do tédio, da inércia © da estupider, de tudo, E se em grande parte deste relato coloco-o na primetra ‘pessoa @ no tempo presente, 6 que transcorrido mais do cingiienta anos que essas formulacées foram cria- das, Antonin Artaud, mago de seu tempo, que como ‘bruxo, foi queimado na fogueina dar disctiminagdo ¢ do desespero, néo viu o teatro de uma forma sin- cular: anteviu 0 teatro de ume forma ampla, erlando tecrias oraculares que ainda hoje, em diversos casos, no se realizaram plenamente por ainda permane- cerem & frente de nosso tempo. 2 — BUSCAR A ESPECIFICIDADE DO TEATRO Nao hé como abordar Artaud sem s¢ estabelocer ‘um processo de roflexdo imediato, E para tal, gostaria de recistrar, tlvez a sintosa do legado Artaudiano que so clerece especificaments és Arles Cénicas. E §& que vivemos nesta moravilhosa “Patriamada”, © que devemes buscar particularmente aqui, quando falamos da questéo teatral? O nosso teatro, talvez de vinte anos para c&, tenha como nunca atrelado- se & cultura de masea, isto 6, o teatro transformou-se ‘em muitos casos um sub-produto da TV ou um apén dice..desta. Os produtores © patrocinadores, querem scher se csto cu aquele ator é estrela da TV Globo, ou se 0 texto fez sucesso na Broadway. Até mesmo na rea de formagéo de profissionais para as Artes Cé- nicas, campo de atuagGo ao qual me dedico hé anos, percebo © quanto as pessoas procuram 0 teatro como. Siallpameséan soni ponbe fiparcrevouire velculo, televisio. Ou soja, atualmente, o cere, os chjelives do teatro, esto deslocados dole. Faz-se © pensc-se teatro, visando uma regido extema a ele, Devemos encontrar a identidade do teatro en- quanto teatro, encontrar a especificidade do teatro, ‘aquilo pelo que ele se distingue de qualquer outra arte. Ou o teatro faz isso ou desoparece de vez, Ou dé &8 pessoas fortes razSes para que o procurem ou elas indo direto & matriz da qual 6 pobre sucedéneo. Mas para achar-se enquanio teatro ndo basta o ete no retome ao grande teatro pré-cinematv. £ preciso cachar-se enquanto teatro hoje, enquanto teatro de hoje para aqui e agora. No Brasil poucos se acharam assim. Na década de 70, 0 Grupo Oficina, centrado rng figura de Zé Celso, 0’ Teatro Ipanema © o Grupo Opiniéio, através de sous repertétios, consoguiram chegar co centro de alguma coisa, mantendo viva ssi ¢.juncdo ezigida por Artaud entre arte @ vida, entre existéncia © cbra. Mais contemporaneamente, na década de 80/90, poderiames destacar a Escola- Teatto Macunaima, dirigida por Antunes Filho, 0 Tec- tro Omitorrinco de Cacé Rosset © 0 Centro de Demo- ligGo do Teatro de Aderbal Freire Filho, como as ton- tatives Jsoledas de buscar 0 teatro nar sua esséncia. Outros grupos, montagens © propestas todas bem in- tencionadas, existiram, existem e certamente conti- nuardo a exisiir, mas sem uma articulacéo malor; os tempos “velozes” de hoje exigem resultados imedia- tes © répidos, 0 Capital nunca fol téo regent das cartes como nesses tempos; como lidar entéo com as contradicées, com as buscas honestas © bem intencio- nadas, mas que se diluem na forca contrétia do pré- prio sistema, ao qual ndo interessa um teatro forte © questionativo, pois eabem da sua eficécia do sou real poder transformador das consciéncias ¢ da pro- pria realidade, enquanio veiculo de comunicagéo. Encontrat a propria especificidade, olhar-se num espelho e reconhecer-2e a si mesmo: este 6 um pro- blema cui solugio néo deveria ser to éspinhosa cualmente. Ou que 6 incomparavelmenie mais fécil do ser encontrada hole do que era & época de Artaud. Os imagindries esto com as portes pelo menes aber- tas, as antropologias dos gestos, dos sons, do espago © do tempo esto pelo menos esbopadas, os signos passaram para nosso lado ao Invés de nos devorarem esfingicamente, Dianto de nosso arsenal, Ariaud tra- balhaver praticamente sozinho. Hoje exisem até mo- doles préticos de teatro puro, praticades um pouco por toda a parlo © acossivels a todo mundo, Mude- mos a ideologia ¢ a filosofia des formas de producéo que 0 cpresentam, inventemos outras possibilidedes, pois argumentar quo fazer teatro é multo dificil, por que a crise econmica impede de fazermos isio ou equilo, 6 falécia de falsos artistas. O Teatro enquanto arte & muito “barato" de sor concrotizado; bastam 0 tor, © texto (verbal ou néo) © 0 espoctador, e sé! Portanto méos & obra para quem quiser! E que Dion’ sios nos abencoe! 4 — FRAGMENTOS DO DISCURSO ARTAUDIANO CARTA AO DR. FERDIERE, SEU MEDICO EM RODEZ G..) “Algo do meu mundo interior Ihe escapa Dr. Ferdidre e 0 senhor sente raiva de mim por eu ‘me abrir com outras pessoas. Nao é isso que eu pre- tendo, Eu sempre quis levé-lo para dentro de minha esferar postica prépria, mas percebi que o senhor ndo queria acrediter nela ¢ isso me dilacera 0 coragéo. Os estados misticos do posta ndo séo manifestacées de delirio, Dr. Ferdiére, Séo « base de suc poesia. Con siderarme um clucinado é negar 0 valor postico do softimento, que desde a idade de quinze anos vive fom mim, diante dos maravilhas do mundo do espirito que o ser da vida real nunca pode realizar; e 6 deste sofrimento admirdvel do ser, que extrai meus poemas @ meus cantos, Como & que aquilo de que o senhor gosta de minha cbrar néo 0 leva « gostar da mesma colsa existente em mim enquanto este personagem que sou? £ do meu EU profundo que extraio meus poemas © mous textos © o senhor gosta deles. Todo posta um vidente, So eu ndo acreditasse nas Imagens mis- 19 ticas do mou coragéo, néio conseguiria darlhes vida". Ca © PESA-NERVOS ‘Toda escrita é porcaria. Todos aqueles que scem de um lugar qualquer, para tentar explicar sola 14 0 que lhes passa no pensamento sfio porcos. Toda gente Iiterdria € porea, especialmente essa do nosso tem- po.,Todos aqueles que possuem pontos de referéncia no espirite, quero dizer, de um certo lado da cabeca, sobre’ lugares bem demarcados do cérebro; todos aqueles que eGo mestres da lingua; todos aqueles para quem a existéncia tem elevacées da alma e correntes’do pensamento, aqueles que sto 0 espirito dat sua época © que nomeiam essas correntes do pen- samento; penso nas suas atividades mesquihas © nesse ranger de auiémates vomitados para todos os lados por sou espirito; — sto porcos”. (...) (© SUICIDIO £ UMA SOLUGAO? Cresposta a uma en- quete surtealista) Gs.) “Quero ter 0 direlto de duvidar do suici- dio assim como todo o restante da realidade. £ pro- ciso, pot enquanto, © até segunda ordem, duvidar atrozmente, néo propriamente da existéncia, que esté ao alcance de qualquer um, mas da agitagéo interior ¢ da profunda sensibilidade das coisas, des atos, da realidade. Nao acredito em coisa alguma & qual eu no 'esieja ligado pela sensibilidade de um cordic Pensante, como que meteérico e ainda assim sinto {olla dé mais meteoros em agiio. A existéncla cons- truida © sensfvel de qualquer homem me aflise ¢ decididamente abomino toda a realidade”. (...) SEGURANGA POBLICA — A LIQUIDAGAO DO OPIO G..)_ "Enquanto néo conseguirmos suprimir qualquer uma das causas do desespero humano, nto teremos © direito de tentar a suprossio dos melos pelos quais © homem tenta se livrar do desespers". Gro A MESA G..) "H& signos no Pensamento, Nossa atitude de absurdo e morte é a da maior boa-vontade. Atra- vvés das fendas de uma realidade doravante inviével, fala um mundo voluntariamente sibilin. Sim, eis ‘agora 0 tinico uso ao qual poderé presiar-se a lin- guagem, como instrumento para a loucura, para a ¢li- minagdo do pensamento, para a ruptura, dédalo dos desregramentes endo como um DICIONARIO, para (© qual certos patifes das imediagées do Sena cana- lizam suas contradigées espirituais". CARTA AOS REITORES DAS UNVERSIDADES EUROPEIAS 7 G.-) "Chega de jogos da linguagem, de arti- clos da ‘sintaxe, de presdigilacSes com férmulos,, ago- ra € preciso encontrar a grande Lel do coragéo, a Lei que no seja uma lei, uma pristio, mas um guia para o Espirito perdido no seu proprio labitinto. Além dcquilo que a cléncia jomais conseguir aleanggr, 14 onde os feixes da raztio se partem contra as nuvens, exisie esie lablrinto, mécleo central para o aus vergem todas as forcas do ser, as nervuras do Espirito. (...) O' menor ato de criagtio esponti- nea 6 um mundo mais complexo e revelador que qualquer metalisica”. C...) CARTA AO PAPA G+, "O mundo 6 0 obismo da alma. Papa ca- quético. Papa alhelo & alma, deixe-nos nadar em nossos corpes, deixe nossas almas em nossas almas, no, precisamos de teu facéo de claridade’” CARTA AO DALAI-LAMA “Somos tous mui fidis servidores, 6 Grande Lama, concede-nes, envic-nos tuss luzes numa linguagem \ ‘que nossos contaminados espiritos de europeus possas compresnder e, se necessdrio, transforma’ nosso Es- pit, dé-nos um espfrito voltado para esses cumes perfeitos onde o Espitite do Homem jé néo sore mais, (...) Ensino-nes, Lama, a levitagéo material dos corpes ¢ como poderiamos deixar de estar pres- ses & Terra. (...) £ a partir do interior que me as somelho a ti, eu impeto, idéia, lingua, levitacdo, so- nho, gtito, rentincia é idéia, suspenso entre as for ‘mas, 86 esperando 0 vento”. CARTA AOS MEDICOS-CHEFES DOS MANICOMIOS G2) "Néo nos surpreendemos com vosso des- prepato dianto de uma tarefa para a qual s6 exis- tem uns pouces predestinades. No entanio, nos rebe- lamos contra o direito concedido @ homens-limitados (ou néo de sacramentar com 0 encarceramento perpé tuo suos investigacées no dominio do espirito. (...) Néo admitimes que se freie o livre desenvolvimento de um delitio, 0 legitimo © Iégico quanto qualquer outta sequéncia de idéias © alos humancs. A repres- G0 dos alos anti-sociais 6 t6o iluséria quanto inacel- tével no seu fundamento. Todos o8 atos individuois so ‘nti-sociais, Os Ioucos séo as vilimas individucis por exceléncia da ditadura social; em nome dessa indivi- dualidade intrinseca a0 homem, exigimos que sejam solles esses encarcorades da sonsibllidade, pols ndo esté ao alcance das leis prender todos os homens que pensam e agem. (...) Quo tudo isso soja lembrado emamha pola manhé, na hora da visita, quando ten- farem conversar sem dicionéirio com esses homens 20- bbre 0s quais, reconhocam, os senhores s6 tom a su petioridade da forea HELIOGABALO OU O ANARQUISTA COROADO G..) "Ter sentido da unidade profunda das coisas & ter o sentido da anarquia, e do esforco que 6 preciso fazer para reduzir as co'sas trazendo-as & unidade. Quom tem o sentido da unidade tem 0 senti= do da multiplicidade das coisas, dessa posira de as- pectos através dos quais & preciso passor para redu- 2tles e destrui-los. E eu Hellogdbalo, nar qualidade de rei, encontro-me na melhor situagto possivel para re duzir « multiplicidade humana, @ trazé-la pelo sangue, ¢ crucldade, a guerra, até 0 sentimento da unidade”. Gnd FRAGMENTOS DE UM DIARIO DO INFERNO (...) “Acredito em conjuragSes esponténeas. Nos cominhes por onde meu sangue me arrasta, & impos~ sivel que um dia ou néo encontre uma verdade, Esco- Thi 0 dominio da dor @ da sombra assim como outros ‘escolheram 0 do brilho e da acumulagao da matéria. Nao trabalho na extensdo de um dominio qualquer, Tecbalho unicamente na duracdo". (...) — CRONOLOGIA DA OBRA 1898 — Nasce a 4 de setembro, em Marseille 1921 — Ator da troupe de atelier de Cherles Dullin, trobalha também com Pitceff e com Jouvet 1922 — Publica la Marée 1923 — THe-Trae du Ciel; Masterlinck 1924 — Incorpora-se ao grupo surrealist 1925 — Le Pdso-Neris; L/Ombilic des Limbes; Lettre é: la Voycmte. Dirige a “Central Surroclista’” Editar @ dirige 0 terceiro niimero da revista “La Révolution Surréaliste"” 1826 — Funda com Vitrac ¢ Aron o Teatro Alfred Jar- ry. Faz 0 papel de Marat na pega Nopoleén de Abel Gance. André Breton no folheto Au Grand Jour explica os motives do rompimento com Artoud por “desvios literdrios”. Artaud responde com La Grande Nult ow le bluff sur- réaliste, 1927 — Comespondance avec Jacques Riviére; La Co- quille et le Clergyman; Le Pése-Nerfs (nova versio), seguido de Fragments d'un Joumal enter, a 2 1928— Faz © papel de confessor no filme Jeanne Dire, de Corl Th. Dreyer. 1929 — Liant et la Mort 1990 — Au fil des Préjugés (Progrés Civique) Pro- Iécio da Antologia do Dr. Toulouse 1981 — M. G. Lewis, Le Moine, recontada por Artaud 1982 — Le Thédtre de la Cruauté 1964 — Heliogabale ou l'Anarchiste couronné 1885 — Encenagdo de Les Cenci onde também atua ‘como © Conde Cencl. 1987 — Nouvelles Revélations de Ire 1998 — Le Taéétre et son Double 1844 — Révolte contro le Poéste 1945 — Au pays des Tarchumaras 1946 — Lettres de Rode; Xylophonie contre la Grande presse et son petit public, Histoire entre. la Groume ot Dieu. 1947 — Portraits ot dessins — Le visage humain, poo- ma; Araud le Mémo; Van Gogh, le suicide de la sociéte; Ci-Git nrecedido de La Culture indienne 1948 — Pour en finir avec le Jugement de Dieu; Tex tes et Documents, Témoignages. Morre no dia 4/de marco em Ivry-Sun-Seine 1249 — Publicagéo de Lettre contre la Cabbale; Sup- plément aux lettres do Rodez, seguide de Co- loridge le Traite; Thddtre de Séraphin, 1850 — J. Prevel: De Coltre et de Halne Ccontém um poema de Artaud) 1952 — Publicado Lettres d’Antonin Artaud @ Jean Louis Barrault; M. Béalu: La Bouche ouverte Ccontém um comentérlo de Artaud) 1953 — Galapagos, les Iles du Bout du Monde (éguas fortes originais de Max Emst) 1956 — Obras Completas editadas pela Edltora Gal- limard 1957 — Autre chose que de I'enfant becu, Miroir du Poete Ill, com uma pontaseca de Picasso © um texto de Louis Broder 1969 — Lettres ‘Antonin Artaud & Génica Athana- siou. REFERENCIAS 1 — ARTAUD, Antonin — Le Thédtre et Son Double — Ed, Gallimard — Paris — 1964, 2 — ARTAUD, Antonin — Oeuvres completes de Antonin Artaud — Bd. Gallimard — Paris — 1970, 3 —ARTAUD, Antonin — 0 Teatro e Seu Duplo — rad. de Teixeira Coelho — Ed. Max Limonad — 1985, — ARTAUD, Antonin — Escritos de antonin Artaud —Trad. ¢ org. Claudio Willer — LPM editores — 1983, — MIRLAS, Leda — Artaud y et Teatro Moderne — Libreria EI Alténeo Editorial — Buenos Aires — 1978, — BROOK, Peter — 0 Teatro e seu Espago — Ed, Vo- nes — 1068. — GILLOUX, Christian — Teatro Profético — Cader nos de Teatro n.0 $2 — Bd, Teatro Tablado — 1072. — PRADA, Cecilia — 0 Teatro Ezplodido — Cadernos de Teatro no 51 EA, Teatro Tablado — 1911. — ESCOBAR, Carlos Henrique — Teatro — qua- tro pecas "Bd, Devir — 1989, 10 — LUCCHESY, Marcos — Por Uma ‘Metafisiea in ar- taud, a Nostalgia do Mais, org. Marco Lucches! — Ed, Numem Editera, 1929, 11 — NISE, Silveira da — Um Homem em Busea do'seu Mito — in Artaud, a nostalgia do Mais — org. Mar- co Luccchesi — Numem Ed, — 1989, 12— CORREA, Rubens — A Paizdo do Teatro in Ar- taud, a nostalgia do Mais — org. Marco Lucchesi ‘Numen Ed, — 1089. 18 — ESCOBAR, Carlos Henrique — 0 Bterno Retorno, ndo se Conceitua — in Programa do Espetdculo “artaud”, levado & cena no Testro Ipanema — Rio = 1026. 14 — NANDF, ttala — Teatro Oficina — Onde a Arte do Dormia — 4, Nova Fronteira — 1989. 16 —- MANNONT, Octave — Um Espanto Tao Intenso — Ed. Campus — 1992. 11 — ARTAUD, Antonin — Um Jato de Sangue — "rad. Lulz Antonlo Martine: Corréa — in Cadernos de Teatro — n9 95 — Ed, Teatro Tablado — 1982. 18 — ROSSET, Clement — Le Réel et son double — Ed, Gallimard — Paris 1976, 19 — HEIDEGGER, Martin — 4 Origem da Obra de Ar- te — Ba. 10 — Lisboa 1977. a TEXTO PARA ESTUDO HORA DO ALMOGO de Jean Kerr ‘Tradugdo de Ana Pratini de Moraes Sinopse: Cena para duas atrizes, ex- teaida da pega Lunch Hour de Jean Kerr, Alfredo est escrevendo um i- vro, Ele é interrompido pela chegada de Marcia, que est procurando sua espésa, Luiza, Na verdade Marcia nfo fconhece pesosalmente nenhum dos ols. Mas ela sabe que Luiza esté tendo um caso com o marido dela, Pedro, Nio sabendo como lidar com a situagdo, ela decide vir falar com sua rival, '86 que Lulza niio est em casa Nervosa, Marcia conta tudo a Al fredo e decide esperar por Luiza, Alfredo, chocado, pede que ela se va. © telefone toca no quarto ao lado ¢ le vai atender, Quando ele sal, Luiza chega. ‘Mércla decide salvar seu casa- mento, Talvez, so ela convencesse Luiza de que ela também tem um ‘caso com 0 marido dela... Extraido de The Actor's Scene Book, ed. por Schulman, M. © Me- ‘Ker, E, Bantam Books, 1984, Lunch Hour, especiticam ta de 1981. Marcia — Olé, Luiza, Doixa eu te ajudar com essas sacolas! Luma — Quem & voo8? Cadé meu marido? Marcia — Elo esté no quarto. Luiza — No quarto? Alfredo! Al- fredo! Mancta — Espete — por favor. Ele esté no telefone. Mas, ele sabe que eu vou falar com voo8. Luaia — E por acaso ou posso saber quem 6 voc$? Akl Mas & claro, vocé é @ Dadé? Mancta — Eu nfo sou Dadé ne- numa, @ voo8 sabe disso, 0 meu nome 6 Maria, Marcia Leall Luiza — Vocé 6 a mulher do Po aro? Marcia — E voo8 6 a amante delel Essa sacola parece gelada. Eu vou colocar ela na cozinhe parc: yoo’. Dizem que vocé pode conge- lar as coiscs de novo, mas eu néo faria isso. Deixa eu pegar essa ou- tra sacola. Eu reparel que vocé tem lelte desnatado aqui. Eu reparo nes- sas coisas por causa de todos os regimes que eu jé fiz Luiza — Marcia, sonte-se, © dei xe eu explicar sobre aquele telefo- nema idicta que o Pedro mo fez naquele dic. Mancta — Nao, obrigada, Eu fir quel sentada o dia todo. Luza — Eu nGo sei exatamente (© que dizer. Por favor deixar essas compras af, sents. ‘Marcia — Eu acho melhor eu... Luiza — Sental Olha voo8 tom que acreditar em mim. Essa histé- Fla entre eu © 0 Pedro néo é nada, Um dia 0 meu carro quebrou em frente & clinica, enllio eu fui andan- do até o ponto de téxi. Obviamente Go tinha nenhum téxi. Mangta — #, nunca tem um tél quando a gente precisa. Lurza — Parou um carro @ um ho- ‘mem falou “meu nome é Pedro Leal, 20 voc eetiver indo a algum lugar na Zona Sul, eu te levo com o maior prazer". Ai eu entrei no carro. Marcia — Aquele carro todo ba- sgungado!_O Pedro tio orgulhoso de ser Tico. $6 porque é um importado, elo nem lava o caro. E aqusle banco da {rente todo chelo de pa- pel de bala, mapas velhos de es- ‘rada, Eu preferiria ter um Chevette; pO. Luza — Entéo,, ele disse quo es- tava morrendo de fome, eu também stave, entéo nés almogamos. Allés, vérlas’ vézes desde... — Olhal Isso 6 muito importante para eu mentir, Um dia, a gente estavar vol~ tando para o carro. Ele queria sa- ber que horas eram, @ pegou ¢ mou pulso para olhar o meu relé- gio — éle nao estava usando relé- io. Fot simples cssim, ele sequ- rou © meu pulso © @ gente nfo fa- Jou nada. Eu sabia 0 que ia acon- tecer @ estava feliz por isso, @ cul pada. Marcia — Essar sacola esté for- mando uma poca. Luiza — O que voc8 esté fazen- do? Mancia — Eu 86 estou colocando uma revista embaixo da sacola. Se do, val manchar a mesa. & claro que voc pode tirar a mancha com um removedor. Mas és vez0s vocS fom que passar duas vezes. Luiza — Olha aqui, © que eu es- tou tentando dizer 6 que eu acho que eu estou apaixonado pelo Pedro. Eu estou apaixonada pelo Pedro. Q que & que vood esi fazondo agora? ‘Mancta — Eu 66 queria ver 20 era. a Veja desta semana, que eu pus ‘qui embaixo. Vai ficar molhada. Os Beatles? Ah no, é de novembro de 1978, Sabe, eu tenho um amigo quo tem cépias antigas da Veja e da Manchete. Cépias de vinto cnos ctrés. Ele deixa as revistas no ba- aheiro, ¢ quando éle néo consequ: dormir, ele levanta @ 18 tudo sobre crise no canal de Suez, sobre a aura do Vieind, Ele diz que 6 mul- to relaxants és 4:30 da manh& — porque vocé sabe que tudo i& pas Lurza — Eu no estou entendendo, Voc estit mais preccupada com as coisas que esto derretendo dentro dessa sacola do que com o seu marido, Mancia — Ah minha querida, 8 0 que parece? Néo 6 mesmo! Légico que eu me preccupo com coisas que dorrotem. Mas a verdade 6 que eu estou uscmdo isso como pretexto. Eu estou muito envergonhadal Lurza — Eu néo estou entendendo. Por que vocd esti envergonhada? = Mancia — Porque eu sei de tudo. O Pedra me contou. Bom, no sobre 9 relégio, mas todo 0 resto. Mas sso, 55 parte da histéria. E ou tenho certoza que voc’ néo sabe sobre a outta parte, Luiza — Que outra parte? Mancia — Fol 0 que eu pensei. ‘Voo8 no sabe. E eu néio quero ser « pessoa que vai te contar. De qual quer maneira, diamte das clrcuns- ‘nclas, ndo existe raafio para nés nos sentirmos culpadas. Luza — © que voc quer dizer com née? Marcia — Eu e 0 Alfredo. Luzza — Voc8 @ 0 Alfredo? Marcia — Exatamente, eu 0 Al- fredo. Luiza — Vec$ @ o meu marido! Mancta — So voo8 esté pensando no plor, voc8 esté certa. Luiza — £ verdade? Bom, eu ache que vou levar estas sacolas para cozinha, Marcia — Voe8 ndo quer me per- guntar nada? Como por exemplo, conde nos conhecemos, quando tu: do aconteceu? Luzza — Eu tonho corteza que vo- 6 val me contar tudo. Mancia — Voc esté te calm, E feu aposto que o Alfredo nunca bo- tou flor nos seus dentes? Lurza — O qué que isso tem “a ver" com o quo estamos falando? Marcia — Muito, Tulo. Luiza — Tudo bem. Aonde vocés se conheceram? ‘Marcia — No consultério dele, Eu. era paciente dele, Lurza — £ mesmo? Engragado, ou no me lembro do Aliredo ter me dito que tinha uma paciente com esse sobrenome, Leal. ‘Marcia — O amor faz as pessoas mentirosas, Eu nunca vou me quecer como eu sofri, naquele con- sultério, sontada embaixo daquele quadro estranho do Séo Sebastiéc. Luzza — Esté bem, entio voes exc: uma paciente dele, Mancta — Claro que tudo come- ‘cou numer relagéo impessoal ¢ pro- fisslonal. Luiza — Voc8 quer dizer que ele no te jogou no chio logo na sua primeira consulta? Marcia — Eu merogo esse sar casmo. Mas voc8 néo quer saber 0 resto? Luiza — Quer dizer que isso tom uma continuagio? Mancia — Continuagtio? Sabe, is- 80 6 engracado. Lua — Eu ndo acho. Marcia — Claro que néo 6 en- gracado. £ uma desgraga. Voc acha que Pedro ndo usa relégio porque assim ele pede pegar qual- quer uma? Luma — Olha, em primeiro lugar ‘eu no sou qualquer uma e eu real- mente nao acho que o Pedro me “pegou.” O Pedro néo usa relégio porque elo é um homem muito tranquilo ¢ relaxado. Ele néo quer saber a cada cinco minutos que horas sic. J& 0 Alfredo é 0 tipo do homom que esté sempre de re Yegio. Marcia — Sempre? Luma — Ele s6 tira quando a gento transa. Fora isso ele nunca tira, Ele... (Marcia mostra 0 re Iésio) Marcia — Quando a gente transa cu quando ele transa? Luiza — Nao 6 possivel, eu néo posso acreditar. Marcia — Na verdade nés temos muito em comum. Marcia & Lurza — Vocé & « ou- trae eu sou @ outta, O BAILE DOS LADROES de Jean Anouilh (*) ‘Trad: Antonio Candido Melio © Souza e Abillo Perelra de Almelda PRIMEIRO QUADRO Jardim do uma eatacéo de éguss, bem no estilo de 1880, em volta de um coreto de miisica. No corto a banda soré representada por um * Naseew em Bordéus em 1910. Fol seeretdrio de Louis Jouvet ¢ teve fem Giradoux ¢ Pirandello suas maio- res fontes de influéncia no inicio de sua carrelra de autor. Mais tarde, Pitoeff ¢ A. Barsacg tornaram-se ou- tras figuras proeminentes no percur- s0 de Anoullh, diretores que foram de suas pecas, prineipalmente, Barsaca ‘A puresa, o dinheiro, a atrogincia e ‘8 covardla podem ser considerados os rincipais temas que permearam suas mais de trinta peyas de teatro. Mes- tre da carpintaria teatral, podemos cltar entre suas prineipais pegas, além dessa que publicamos, as seguintes: Antigona (3944), Romeu e Janete (1946), Colombe (1951), Querido An- tonio (1980) ¢ 0 Diretor da Opera. (agi2). 0 proprio Ancullh também trabalhou como diretor, além de ter eserito alguns roteiros ‘para o cine- 2 ma, misico apenas: um clorinetista. Quando sche o pano, ele toca algo bem animade. A Alugadora de ca- doiras vai © vem. Os veranistcs passejam ccompanhando ritmo da miisica, No primeiro plano, Eva fe Helter num betjo cinematogréti- co. A misica péra, 0 bello tam bém, Heitor levantc-se titubecnte. ‘© patblico aplaude o fim da misica. Herror — (Confuso) Cuidado, 08+ {80 me oplaudindo, Eva — (Rindo) Ora, que idéia, 6 ‘« misica, Decididamente, voc me carada. Heron — (Que sem querer foca nos bigodes © na cabeleira) © que 6 que Ihe carada em mim? Eva — Tudo. (Faz uma reverén- cia graciosa) Néo vamos. ticar equi que é perigoso. Até logo mais, {83 8 no bar do Fenix. E, sobretudo, 82 voo3 me encontrar com minha tia finja que néo me conhece. Briton — (Meloso) Sua mae mais uma vez. Eva — Olhe, Lord Edgard, 0 ami- g0 de lita esié lendo 0 Jomel em frente do coreto. Ele pode nos ver. Gla estende a méo, mas, s° vira para observar Lord Edgard). Herror — (Apaixonado) Quero sentir 0 perfume de sua méo. (Cur va-se sobre a mGo dela @ tira dis- ergadamento do bolso uma lente de Joaihelro e aprovelta para examinar melhor os anéis. Eva retira a méo sem nada perceber). Eva — Até logo mais. (Afosta- 50). Hirrron — (Desialecendo) Meu amor... (Dé alguns passos quar- dando @ lento © murmaurando ria ‘mento). Duzentos mil. E néo é falso. (leste momento enla 0 Araijo com seu fambor. O piblico se aglo- mera em volta dele). Anavto — Cidade de Vichy. A Municipalidade, sempre ciosa da seguranga e do bem estar dos doen- tes © dos banhistas, os adverte © informa que numeroces queixas fo- ram opresentadas pelos veranistas & Profeitura, assim como & Delega- cia de Policia. Uma perigosa qua- drilha de punguistas... (Ele pro- nunca com diliculdade esta pala- vra, 0 clarinetisia o imita, ele se visa furioso), Anauro — Que uma _perigosa quadrilha de... (Tropeca sobre a palavra e o clarinetisia o imita), Anavto — ... esté agindo entre nés. A polici Municipal esté aler- tz... Os agentes da Forex Publica velam pelos veranistas... (De fato, entram graciosamente os agentes da policia passando por entre 0 piiblico), Anrauro — Ao mesmo tempo pe- dose a todos os veranistas que te nham a maior prudéncia, principa- mente, nos vias piblicas, nos par- ques © om todos os lugares muito frequentados. A Comisséo de Turis- mo local ofereco um Prémio a quem fomecer uma pista que permita a captura dos ladrées... Esté dito... (Tambor. Durante a Ieitura Heitor ‘aproveltousse para roubar seu enor- mo relégio de cobre e sua carteira de niqueis. O piiblico se dispersa, ouve-se 0 tambor @ a falagio que recomega ao Ionge. Heitor senta-se no primeiro plano. A alugadora do cadeiras se aproxima). Auuoapora — O dinhelro da ca- deira? Herron — Espore um momenti- ho... ALucapona — Séio 65 céntimos, (Enquanio Heitor procura 0 troco @ alugadora rouba sua carteira © depois 0 relégio e a carteira de nie queis que ele havia acabado de roubar), Harton — (Segurando a méo da aligadera dentro de seu bolso) Hel. O que é isso? (Ela vat fugir. Heltor pisa @ sala que cai). Heitor — Vocé esté louco, ho- mem? (Tira 0 bigede © diz) Sou Atvarora — (Endireitando a saia, £ Peterbono). Pura. £ voc8? Algum lucro hole? Herron — £ 0 relégio daquele galato; é de cobre, eu 0 conhago mutta bem, roubel-o e tomei a bo- tar no mesmo lugar. Fiz 0 mesmo com a carteira, sé tom um franco, pode olhar. Quenio ao. isqueiro, dos 913 que j& temos #6 dois acen- dem. Vocé id foi bem mais esperto, hein, Heiter. Herron — Esta noite tenho um encontro com uma jovem quo tem 200 mil frances no, dedinho e que vai ser minha peqiiena. Perensono — Quero ver isso. ‘Obha, veja aquela melindosa, Que colar. Heron — (Focalizando-a com 0 binéculo que traz a tiracolo) San fa Maria do Perpétuo Socorro... Que pedraria. PETERBOKO — Néo exagere, Va- mos nos aproximar. O golpe do ttoco... Eu banco a atrevida e vo é intervém. (Atravessam @ cena com indllo- renga muilo afetada e se aproxi- mam da mocal. Perensono — © dinholrinho da cadeira, senhorita? Sé0 65. Gustavo — Pois néo. PrrersoNo — Vojam s6. Nao te tho troco. Nao tenho troco mesmo. J& disse. Nao tenho troco. Heron — Como néo tem troco? Senhorita néo se incomode, vou mostrar a esta atrevida 0 seu lu gar... (Enconiéo na alugadora durante o qual Heitor aprovelta pa ra ver como funciona © fecho do colar). Gustavo — Ah, isso néo. Herron — (Recuando estupefato) Como néo? PETERBONO — Por que néo? Gustavo — Porque sou eu. Haron — (Delxando-se cair no ‘banoo) Tem graca. Peter — (Explodindo) £ nisso que dé a gente trabslhar sem mé- todo, Ninguém mo ajuda, Vocés so uns paspalhées. # isso mesmo, uns pospalhées. (PAUSA) E se a sua santa mae née tiveste deixae do voc’ sob minha quarda, para aprender a profissdo, eu jé 08 te ria mandado és favas, © sem dar © més de aviso previo. (A Gus- favo furi0so) Vocé ainda néo fez nada hoje? Gustavo — Fiz sim. Duas colsas. Estar bela carteira. Pere — Doixa ver. De quom bax teu esta carteira © onde? Gustavo — No Boulevard Rava- chol, de um velho de barba branca. Prten — Vestido de calea de xa- drez ¢ colelo amarelo, néo é Im beeil? Gustavo — (Tremendo) E isso mesmo, seu Peterbono, © eenhor me viu? Perer — Era eu, sou imbecil, era eu... Tenho certeza que ndo foremos 0 suficiente nem para to- mar um trago. Gustavo — Mas tem mais, sou Poterbono, Peter — (Desencorajado) Se inde fol de mim quo vosé tirou 0 resto, ndo tenho © menor interes Gustavo — Néo 6 nada que eu tirei, 6 uma jovem, © quo tem di- neiro. Herron — Santo Deus, Néo vér di- zer que é a mesma, Morena? 25 ‘nos? Se chama Eva? Gustavo — Néo, 20 noe, chama- da Julieta, Heron — Ainda bem. Peter — E 0 que roubou dela? Gustavo — Por enquanto, nada. 6 que ou ajudel a tirar um ment no do lago. Conversamos, @ ela die~ 9 que gostava de mim. Peren — [6las? Gustavo — Uma linda pérola, deste tamanho, Peter — Bem. Heitor & preciso ver isso direito, vocé tem tempo ho- je? Gustavo — Ah, isso nfo. Eu que- ria que este "servicinho" ficasse pa- ra mim. Prrer — Quo histéria 6 essa, voo8 mesmo fazer © “servigo"? Que no- videde. Gustavo — Mas se foi de mim que elar gostou. Perer — Por isso mesmo, Heitor no deixard que ela escape. Gustavo — Nao. Essa néo. Peren — Gustavinho, tua mée te deixou sob minha quorda. Eu te aceitel em nossa sociedade como batedor-ajudante. Voc8 tem 20 ‘anos, 6 cmbicioso, muito bem, eu também fui ombicloso na tua ida- de, Mas, cuidado, em nossa car reira como em todas as outras hé uma hierorquia que deve ser res- peltada. Heitor 6 um dos melhores sedutores profissionals que conhe- go. Nunca falha com as mulheres, tem uma ficha excelente, Vocd ndo val querer me convencer que sa- beré tirar melhor proveito. Gustavo — Nao Interessa. Quem val fazer esse servico sou eu. Peter — Nas tugs horas de folaa rpodes fazer o que bem entenderes, desde que me pagues 65 por cento dos Tucros. Herror — (Observando a ama- seca que entra nesta ocasiao) Pe ter... Perer — Heiter. Heron — Olhe a corrente de euro dar ama-soca, Peren — (Desprezando) Val ver que é olheada. Herron — Sao dez para as soto, finda temos tempo antes do jantar. Peren — Va 16, i& quo vood ine siste, Vomos dar aquele golpe... Herron — O dos militares? Pern — £ 0 golpe ideal para as babés. O primelro Ihe faz a corte, © segundo brinca com o neném & 0 terceiro... (Estalo com o dedo) (Soom os trés, entram Lady Hurt Julieta) Juurera — O garotinho devia ter uns cinco anos © a équa sé chega- va até a cintura, mas ele estava com tanto medo que cafa sempre. Nar corta ia se afogar.. Lapy Hurr — Que horror. Voo8 viu esse péo-de-l6, Que ridiculc! Jourta — Folizmente apareceu um jovem tio simpético e tao gor #3, (Go distinte mesmo. Lapy — Aes cinco anes todos os meninos séo simpéticos ¢ gentis, mos acs doze ficam insuportaveis Felizmente nunca tive ilhos. Jourra — Eu estava falando do mogo, titi. Lapy — f isso mesmo. Veja esse outro pao-del6, Incrivel.... Voc dizia que © rapaz fol amdvel, E entéio? Joueta — Fol 6, Lapr — f preciso convidé-lo pa ra jantar, Jouera — Ele foi embora, eu néo © conhecia. Lapy — Melhor ainda. A gente conhecia gente demais, Aliés, tenho horror das histérias de afozamen- to, Seu tlo nadava como uma pe dra. Afogousse sete vezes. So ou estivesse 14 davasthe uns tapas. (Olha) Edgard... Edgard, viu Eva por af? Lonp Eoaano — (Atrds do jomal) Como vai passando, cara amiga? Lavy —- Estou perguntando se viu Eva, Loro — Eva?,.. Néo. (Procus ra_nos bolsos) £ incrivel, onde a terel_motido?... Talvez esteia to- mando banho. Lavy — Esté louco, s&0 sete ho- Jouera — Vamos ver no bar do Fenix, tila, Ela voi sempro 1é. Lapr — Edgard, néo se mexa equi por coisa alguma. Lonp — Est& bem, cara amiga. Lavy — (Saindo) Mas se ela passat, coma atrés dela. Lorn — Esté bem, minha cara. Lavy — Nao. £ melhor néo fazer 20, Voc a deixaria escapar, nio coma atrés dela, venha simples- mente nos dizer em quo diregdo cla foi, Lom — Bem, minha cara. Lapr — Néo, no, ndo voos no nos encontraria nunca. Mande ale ‘guém attds dela, outra pessoa para nos avisar e deze uma terceira no seu lugar para dizer onde vocd foi, caso passemos novamente pot aqui. (Saem as duas mulheres). Lorp — (Sentando-se @ voltando ler seu jornal) Esté bem, minha (Entram os Dupon'-Dufort pai e {filho, acompanhados pela sua md- sica caracteristica) D-Durosr Par — Vamos segui-les fe fingir que cs encontramos por caso, Insistiromos, entéo, para que tomem um coquetel conosco. Didier, framcamente, néo estou Ihe reconhe- cendo: um rapaz eficiente e tra- alhader como vocé © com tanta inielativa deixar escopar Julieta. DDororr Fasto — Ela ndo me liga. D-D- Pat — Isto ndo tem a me snot importémcia. Para comegar, vo- 8 ndo 6 qualquer um, 6 0 filho de Dupont-Dufort. A velha Ihe quer bem ¢@ esté pronta a seguir o seu conselho em qualquer negécio. D-D Fitxio — O Sr. ndo acha que 5 6 grande coisa? DD Par — Em matéria de finan- gas, no se pede contentar com qualquer coisa. Prefiro mil vezes 0 casamente. Para felar a verdade, ‘openas isto poderla por de ps o noseo bance, Por conseguinte. .. en canto... sedugéo. D-D Fino — Esté bor, papal, (Saem os dols. Lord Edgard, que ouviu tudo, mostra a cabega por trdés do formal. Peterbono, Heitor Gustavo entram vestidos de solda- os com acompanhamento musical ‘adoquado. Ao mesmo tempo, do ou tro lado da cena entram os policiais. Bollet de conjunto em volta da: ba- bd, com que fazem brincadeiras. As evolugéee dos policiais compro- metendo as dos ladrées. Finalmente @ babé sai. Os policais girando os cassetetes seguom-na. Durante 0 ballet, Lady Hurt volla sozinha sen‘a-se ao lado de Lord Edgard. A cena termina com a saida dos po- Tice) Peren — Minha gente. £ « primel- ta vex que eu velo 0 golpe dos mi= ares falhar. Lapr — Enldo, querido Edgard, que 6 que voc8 fez hoje? Lor — (Surpreendido © pertur- ado, como sempre que Lady Hurt Ihe fola de maneira brusca qu Ike 6 habitual) Eu?... ou... eu leio © Times. Lay — Como ontem? Lon — (Ingénue) Néo © de on- ‘em. Herron — (Que olhava Lady Hurl, essobia do admisaeéo) Viu as péroias? Peren — Quatro milhées. Herron — Vamos « elas? De prin cipes russes? Peren — Néo, Espanhéls arruina- dos. Gustavo — Que esperteza. Todas cs veres que vocés bancam espa- panhéis saem como gatos escalda- os. Perm — Gustavo, chega, esté bom? Vamos andando.... Nés dois de Grandes da Espamha... @ vo- 8 do Secrotério Eclesiéstico, qual- (Saem os tés co som de uma ‘miisical Lavy — (Pensatlva) Edgard, situagio 6 gravissima. Lor — £ verdade. Aecbo de ler no Times. © Império. Laor — Nao, aul. Lon — (Inguleto, olhando em toro) Aqui? Lap — Procure entender. Temos que olhar pelas meninas. Tramaz- se inrigas terriveis. Nao entendo nada. Fico logo com enxaqueca Quom poderia orlenté-las? Lon — Quem? Lavy — Julieta 6 uma doida, Eva outta doida. Néo entondo nada disso © estou fara do tudo. Aliés, eu também aio sou muito certa. No meio de trés doldas, 36 rests voe8. Lon — B. Resto ou Lavy — © que & 0 mesmo que nada. Ahl Como me sinto perple- xa: extremamento perplexa. O que vai acontecer neste lugar onda os rmexericos aparecem como uma chil va de gafanhotos. Penso as vezes quo seria melhor sairmos de Vichy ¢ immos nos enterrar em algum Iue garejo qusiquer. Vamos, digas alaue ma coisa, Edgard. Afinal de contas, ‘voc’ 6 0 terror dae meninas. Lox> — Quem sabe poderiamos nos aconselhar com DupoatDutort? Parece um homem de respeito. Lavy — Sim. Multo. Voc8 um bobo. Justemento a ele 6 quo é preciso néo pedir conselho. Os Du- pont-Dufert estdo querendo errancar nosso dinheiro. Lon> — Mas, eles no séo r+ cos? Lapr — f isto que mo inguieta. Elos estdo atrés é de muito dinhel- ro... Casamento.... Voos néo v8 que as_meninas com todos os mi= Ihges sGo uma isca preciosa? Lorp — Nés podiamos telegrafar para « Inglaterra, Lapy — Para que? Lon — A Agéncia Scottyard nos mandaria um detetive. Lay — Grande vantagem. Nin- quém mais esperlo que esta gente. Lonp — Entéo 0 caso 6 irreme- diével. LapY — Edgard, voe8 precisa ser enérgico. A sorte de todas nés esté em suas méos, Lorp — (Olhando suas maos bas- ante aborrecide) Nao sei so tenho capacidade para tanto. Lap — Edgard, voo8 @ um ho- ‘mem ¢ um gentleman? Lom — Sou. Lapr — Pols tome uma deciséo. Loro — Bem. De qualquer manel- ra, vou mandar vir o detetive de Scottyard, recomendande que seja onesto. Lapy — Nada disso. Se for ho- nesto ndo tomar& banho © ainda ‘andaré atrés das criadas. Aliés, ndo sse1 porque Ihe digo tudo isso, Estou forta de seguranga. Me aborrego co- mo ume velha. Lon — Oh, cara amiga. .. Lapy — £ 0 que eu sou. Lon — Vocé foi téo bela. Lapy — Sim, em 1900. Que tris- tezal Quero aproveltar meus it mos anos. Durante todo este tempo pensei que fosse preciso levar a vi- da & sério. Vooé sabe. Sou capaz de fazer uma grande loucura, Lonp — Nada de insensato, espe- Lhpy — Nao sel. Vamos ver ‘que me dé na telha. (Aproximando- se bem do Lord), Tenho vontade de 29 20 matar-os Dupont-Dofort. (Entram os Dupont-Dufort, acompanhados de sua miisica caracteristica, com Eva 8 Julieta), D-D Pat — Como tem passado Milady? D-D Fino — Milady. D-D Par — Meu caro Lord. Lonp — Tome cuidado.... D-D- Pat — Por que, meu caro Lord? Lop — Nao Ihe posso dizer na- da, mas tome cuidado. Saia de Vichy. D-D Fusto — Encontramos Eva © Julieta: passeando. Eva — Vichy 6 uma cidade de- tesidvel. A gente ndo sabe o que fazer para se divertir, Todos os ho- mens 80 to feios. DD Fuso — £ verdade. Todos muito feies. D-D Pat — Todos. (Baixo para 0 {ilho) Otimo para nés. Eva — Tenho um encontro as oito horas, titia, Jantarel tarde, ou tale vez nem vér jantar. D:D Pat — £ com vocé? D-D Fito — Néo. Juutera — Eva, ainda néo the contol que salvei uma crianga no lage? E conhect um rapaz encanta- dor que me iudou a salvéslo. Lavy — Julieta, ndo fale mais nis (Os dois se entreotham) DD Pat — Foi vooé? D-D Faso — Néo. Juutera — Ficamos sentados na rama tomando sol e secando a roupa: Vocé néo imagina como ele @ engraado, £ um masrlcelinho. N&o va ser 0 seu, hein? Eva — Nao, 0 meu 6 alto © for- to 0.. Jouera — Ah, ainda bem... D-D Pat — (Baixo) Filhote, 48 um Jeito de brihar. (Alto) Didier, vo- 8 4 fol com as mogas & piscina para exibir 0 seu crawl impecé- vel? Vood 6 que deveria ter saivo 0 garote. Juuizra — Ohl O craw! néo tor xia adiemtado nada. O lago #6 tem 40 contimetros de profundidade. (Durante esta pequena cena, Pe- terbono, vestido do velho nobre es- pankol, Heitor, de Grande do Es- panha, 9 Gustavo de Secretério Eclesidstico entram lentomente) Perm — Cuidado... £0 grande aclpe. Jogo cerrado. Herror — O teu monéculo. Perer — Vamos usar a téticer do desprezo. Esperem que ou dé 0 si- nal. Gustavo, mais para tr6s. (A miisica’ comega om ritmo he- rico @ muito espankol. Subitamen- te, Lady Hurt que observava a che- gada deste tio estranko, levanta-se @ val alé eles, procipitando-se no pescogo de Poterbono). Lapr — Nosso queridissimo du- que do Miraflor. (A misiea para) Peren — (Surpreso) Heuh... Lapr — Mas como, néo so lem bra? Biarritz 1902. As Colas de Pam- plona. As touradas, Lady Hurt. Peren — Ahh, Lady Hurf. As tou- radas. As coias. Cara cmiga. (Para os companheiros) Com cer toza liguoi pateeido com alguim eo- hecido dela. Lap — Que aleatia. Estava qua- 0 morrendo de tédio. B a duquezc? Peren — Morta Lap — Meu Deus, © 0 conde seu primo? Peter — Morto. (Trémolo da mil- sica) Lap — E 0 almirante? Perer — Morlo, também. (Miisica infcia marcha fiinebre) Perer — (Para os companhetros) Estamos salvos. Lapr — Coitados, que desaraga. Peter — O que fazer? Mas, per mita que Ihe apresente meu filho Dom Heitor, meu secretério eclesiés- tico, Dom Petrosio. Lapy — Este 6 0 Lord Edgard que 34 conhece. O senhor 0 vencia’ to- dos as manhas no golf © ele sem- pre perdia as bolas. Peren — Ab, o golf. amigo. Lor> — (Assustadissimo) Mas minha cara... Lavy — Como? Néo conhece 0 duque? Lonp — Que insensatez, Vood néio 0 lembra. Lapy — Voo8 néo tom meméria clguma, Nem mate uma palavea que eu me zango. Minhas sobrinhas Eva @ Julieta que me preccupam muito porque estéo na idade de casar © 5 seus dotes sco uma tentacdo pa Ta os espertalhies, (Os Dupont-Dutort se entreolham) D-D Pat — £ preciso manter.a dignidade. D-D Fino — Néo deve ser co (Peterbono © Hellor déo-se terri- veis coloveladas) Lapy — Estou fellelesima por té lo encontrado. Vichy é tio provin- lana, O senher se lembra do parvi- Théo amarelo de Biarritz? Peren — (Um pouco titubeante) Corlamente, D-D Fitno — Fomos postos de la- do. DD Par — Vamos nos apresen- tar. — Dupont-Dufort Meu caro D-D Fino — Pai e filho. (Durante os cumprimentos Eva observa Heltor fixamente que pre tende so interessar pela conversa. Gustavo desapareceu quase comple tamen'e dentro de sua pasta, pro- curando freneticamente alguns pa- péis, a fim de evitar o olhar de Ju- lieta que o fixa mutto intrigada). Lapy — Tenho certeza que 0 se shor também esté se aborrecendo muito. Nao acha que foi uma sorte termos nos encontrado aqui inespe- radamente? Perer — (dando cotovelada em Heitor) Inesperadamento.... Herron — (Dando cotovelada em Potorbono) Sim. Inesperadamente. (A alegria deles 6 demasiada, mas ninguém parece perceber). apy — Seu iilho 6 encantader. Nao acha, Eva? Eva — Sim, Peren — Era o oficial mais sedu- tor de toda a Espanha, antes da Re- volugéo. LabY — Quo tragédia. O senhor perdou muito com a Revolugtio? Perr — Muito, Lavy — Mas onde estéio hospeda- dos, no hotel? Peter — (Evasive) Sim... Lapy — £ incrivel... Edgard? O duque esté no hotel. Lor — Mas ou the garanto, mi- nha. cara, Lapy — Cale-se, Néo 6 possivel © senhor continuar’no hotel. Dé-nos © prazer do aceitar nossa hospitali- dade. Temos uma casa imensa & uma ala inteire estaré & sua dispo- alga. Peren — Com muito gosto, com muito gosto, com mutto gosto. (Colucées enormes em Heitor. Os DD trocam olhares sontidissimos), Lapr — O sonhor pode trazer, 6 claro, sua comitiva, (Olha Gustavo) Que 6 quo ele esté procurande? Peter — Algum documento... Dom Petrosio? Gustavo — (Levantando a cabe- a por trés da pasta) Exceléncia? (Coloca os dculoe escuros) Lapr — Ele sofre dar vista? Peren — Sim, multo, Sou estado Tequer cuidado ‘endo posso inflin- girelho sua presenca. Dom Petrosio, nés vamos aceitar a hospitalidads {Go generosa de Lady Hurl. Posse no Hotel e apanhe a nossa baga- gem. Voos deve ficar 14 até segun- da ordem, Receba 0 correlo todas as manhés @ venha ver £0 precisa mos de alguma coisa. Gustavo — (Furioso) Mas, Ex. celéncia... Prrer — Va. Gustavo — Mas, Exceléncta. Perer — VG, ié Ihe disso, (Heitor empurra Gustavo, que se ‘fasta a conira-gosto). Lapy — (En‘emecida) Sempre 0 mesmo. Que tom de voz. O tom dos Mirailor. Seu primo era igualzinho... Peren — (Suspiro) Lapy — De que morreu ele? Peter — De que 6 que ele mor reu? Lapr — Sim. Eu gostavar tanto dele. Peren — A senhora quer que eu The conte em que clrcunsténcias ttégicas se deu o seu passatempo? Lapr — Sim. (Peterbono assustadissimo olha para Heitor) Peren — Pois bom, ele morrou.. (Hettor faz a mimica de um de- sasiro de aulomével, mas ele néo compreende) Ele morreu louco. Lavy — Ahl Coitado! Mas tam- bém ele sempre foi original. Ea duguesa? Peter — A duquesa? (Olha Hei- (or assustado) Morreu. Lap — Sim, mas como? Gieitor toca vérias vezes no cora- ‘go. Polerbono hesita em compreer der, mas como néo tem imaginagéo ‘alguma resigna-se) Perer — De amor. Lavy — (Conlusa) Ob! Perdéo. E ‘seu amigo, 0 almirante? Pere — © almirante? Ab. Ele. (Olha para Heltor que indica com sinais néo ter mals idéias. Peter con- tinua no entendendo @ mimica) Alogado. Mas perdéo, a senhora teca em chagas muito recentes.. Lape — Perdéo... Perdéio, caro amigo, (Ags outros) Que Libra. Que nobreza no sofrimento, Nao 6, caro Edgard? Lon — Cara amiga, eu insisto.. Lapy — Nao insista, veja como 0 duque esté sofrendo. D:D Pat — (A sou filho) Vamos nos meter nat conversa. D-D Fito — Que triste rosério de dosgracas. D-D Par — Sobre uma familie to os escuta) Lavy — Ab. Biarritz era téo linda naquela époce. O senhor se lembra dos bailes? Perer — Ah, Os bailes. Lapy — E de Lina Picolino? Peter — Lina Picolino? Nao me Iembro bem. Lap — Ora... ora... Voots eram {40 intimos. (Aos outros) Ele envelheceu mult Perer — Ah! Lina Picolino... Mas como néo, a alta sociedade italia a a2 Lavy — Nao senher, La Picolino, A Grande Diva. Perer — Sim, mas sua mie per tencia & alter ecciedade italiana. Lapr — (Aos outros) Ele no sa- be mois 6 quo diz, esté muito can- sade, Meu caro duque, 6 melhor que 0 senhor veja logo seus aposen- tos, nossa casa é bem pertinho, no fim da alameda. Peren — Com muito prozer, (Todos se levantam) Gustavo — (Entra: comrendo, ele gantemente vestido) Bom dia, pal. Peren — (Surpreso) Patife. (Apresentando-se) Meu segundo filho, Dom Pedro. Lapr — Como, o senhor tem ou- tro filho? De quem? Peren — (Assustado) Ah! Mas isto 6 uma histéria multo longa. (Olha para Heltor que the faz sinal para ser prudente) de recordagies doloroeas. Lap — Vamos, Edgard. Lonp — Mas cara amiga... Lavy — Cale-se. (Sem ‘todos, Heitor cortejando Eva, que o olha sempre) Jourta — (Aproximondo-se de Gustavo) Afinal, © que significa ‘sso? Gustavo — Paiu, depois the ex- plicarei. (Saem também. Sés, os Dupon!- Dulort ficam para trés). D-D Fino — Ficamos esquecidos. D-D Pat —Néo faz mal, vamos se- guéloe assim mesmo e redobrare- ‘mos og noseas amabilidades, Toma rar que eles ainda no estejam ena~ marodos, ou que haja alguma coisa de suspeito... (Saem) PANO SEGUNDO QUADRO (Wm saldo de estilo antiquado na vila" de Lady Hurt, Nolte, depois do jantar. Julieta e Gustavo senta- dos um perto do outro, uma musi quinha romGntica pode ser ouvida <0 longo). Jouera — Estamos multo bem ‘aqui, Ninguém viré nos atrapalhar. Gustavo — Sim, estamos muito bem. Juuieta — Hé uns trés dios que yoo’ anda tristonho. O que 6? Sau- dades da Espanha? Gustavo — Néo. Juurera — Quo pena que eu néo tenha aproveliado as culas de es panhol do coléaio, Nés poderia- mos falar. Seria (do engracado. Gustavo — Ah, eu falo téo pou- Jouera — Que esquisito... Gustavo — f. Esquisito, néo 6? (Siléncio) Joueta — Deve ser bem divertido ser principe. Gustavo — A gente se acostuma. (Siléncio) . Joutera — Que 6 que vocé tem, Dom Pedro? Ha ts dias atrés éro- mos to amigos. Gustavo — Nao tenho nada. (Siléncio. Lord Edaard passa com os bragos carregados de papéis). Lonp — f preciso descebrir... preciso descebrir... (Deixa calr os papéis. Os dois se precipitam para ajudé-lo, Ele corta-Ihes 0 caminho) Nao toquem, néo toquem. (Apanha os papéis e sai murmurando) se eu conseguir, ha de ser debaixo da maior cautela, Gustavo — O que & que ele ton- to procura nesses papéis? Jotiera — Nao sei, ele é meio ma- luco, mas como é também meticulo- 80 pode chegar a resultados extra- erdindries. Acabaré achando uma nota de tinturaria. (pausa) Joureta — Voo$ me acha boba? Gustavo — Nao. Jourra — Vecd disso que me ‘amava tanto, Dom Pedro © hé trés dics que nem me olha mais Gustavo — Eu to amo, Julieta. JuutETA — Entéio? ‘Gustavo — Nao posso Ihe dizer. Juueta — Meu pai ndo era no- bre, 6 verdade, mas minha tia 6 Lae dy © mou avé tinha um condado. ‘Gustavo — Mas que bobinha, néo se trata disso. Jouera — Voed acha que o du- que de Miraflor concordaria que eu fosse sua mulher? ‘Gustavo — (Sorrindo) Cortamen- te. Juurera — Mas por que vocé esté com esse ar triste se vooé me ma, @ todos esttio de acordo? Gustavo — N&o posso dizer. Juutera — Vocé nao tem o pres sentimento que nossas vidas um dia ‘80 encontraréo? Gustavo — Eu estaria mentindo se dissesse que sim. Joutera — (Virando-se) Voos me faz softer. Gustavo — Cuidado, vem af sua prima. Juueta — Vamos co jardim. A noite esté linda. Eu quero que voos me conte tudo. (Saem, A miisiea se casta com eles. Eva entra seguida de Hel'or que esté com um distar- ce diferente daquele do tim do pri- ‘meiro quadro). Herron — Veja, eles nos deixa- ram o lugar. Estamos de novo sé. Eva — O que 6 pior 6 que eu no tenho @ menor necessidade de ficar 4 sés. Quo diferenca faz que hala coutras pessoas? Herron — Voc8 6 cruel. Eva — Nada de cenas. £ minha maneira de ser; sou aselm com quem me desagrada. Mas... quan- do alguém me agrada... sou ca paz de tudo. Herron — (Desesperado) Ah. Porque nao consigo inflamé-le pela segunda vez? Eva — Vocé sabe muito bem. Vo- 6 mudou muito. Harron — Que meméric. Eu Jé lhe disse que o disfarce que eu usava era uma brincadeira de aristocrata cenfastiado. Eva, néo posso perdé-la por causa’ de uma simple brinca- detra. Eva — Guardo com alearia a lem- branca de um jovem quo enconirel no parque. Quisera revé-lo,.. Tale vez me apaixonasse novament. Herron — Ah, Aqullo foi uma aventura ridicula. Se ao menos vo- 6 me desse uma pista. Pelo menos diga so naquela casio eu usava barba. Eva — Jé Ihe disse que perderia © encanto se falasse, Herron — (Que se havia virado © aparece com um disfarce comple famente diferente) Néo era assim? Eva — (Caindo na gargalhado) Néo, néo. Herron — (Meloso) Mas reco nhece minha voz, meus clhos? Eva — Reconhego, mas isto s6 néo basta. Herron — Mas o porte é 0 mes mo, sou alto, bem feito de como, Ihe garonto que sou bem feito de compo. EVA — Sé quardei a expressdo de seu rosto. Herron — £ hortivel, lastimével Jamais encontrarei a expresso que tanto The agradou. Eu ndo estava vostide de mulher, estava? Eva — Que é que vo8 acha que eu sou? Herron — Em chinés? Eva — Vocé esté tdio sem araga. Espero que fique mais divertido, (Levante-se @ vai sentar mais lon ge. Heitor seque-a. Vira-se furiosa) Por favor, néo fique me seguindo o tempo todo trocando de barba. Vo- 8 acaba me deixando zonza. Herror — (Inritado) E dizer que imbecil do Peterbono tem coragem de dizer que eu estava vestide do aviador. Lor — (Passa com os bragos chelos de papéis) incrivel que su no encontre esta carta da qual a verdade surgiré num jatc irrefuté- vel (Descobre Heltor com seu novo distarce. Salta sobre le) Ah, 0 se nhor néo 6 0 agente de Scottyard? Herron — Nao eenhor. Lonp — Perfeito, Excelente método. Recomendei que fosse discreto, Sal ba que sou Lord Edgard em pes- soa, pode so apresentar sem medo. Herron — Repito que ndo sou a [pessoa que o senhor espera. (Wieitor sai sequido de Lord Ed- gard) Lonp — Entendi. Otimo. O senhor segue palavra por palavra as mi- nhas instrugées. Eu bem pedi que fosse prudente. Lapy — (Entra durante esta co- na. Vat se sentar perto de Eva com uma revista) Que tédio, hein que- ida? Eva — (Sorti sem responder, Hel- for aparece por trés de Lady’ Hurt com novo disfarce fazendo sinais para Eva que com a cabeca faz que ndo, Hellor se retira cabisbatxo) Lavy — (Que pousou a revista com um suspiro) Cada vez voc8 esté mais entediada. Eva — & verdade tia, (Sorindo) Lapy — Eu também, querida. Eva — E, mas eu tenho 25 anos, © que ndo 6 a mesma coisa. Lapy — Quando vocé tiver a ml- nha idade veré que a coisa 6 mui to mais grave. Voc8 ainda pode se casar, quanto a mim, j& renunciet ha muito tempo. EVA — Ab, 0 cascmento.. Lapy — Que emocdol Voc se Inleresou por alguém depois que fi- cou vitiva? Eva — NGo encontrei ninguém que gostasse de mim, Lapy — Vocé exige demais. Ca- ‘se-s9 logo. Tudo pode mudar. Eva — Casar com quem? Lavy — £ claro que néo ha de ser com os Dupont-Dufort. E os Mit raflor? Eva — O principe Heitor vive me persoguindo com seus bigades, ten- tando achor a cara que me agra dou. Lavy — Agradou mesmo? Eva — (Sorrindo) Nem sei. Lavy — £ uma gente bem mist Hosa. EVA — Por que? Lapy — Por nada. Jé Ihe disse que sou uma velha entediada. Tive tudo que uma mulher razoavelmen- te equilibrada, © mesmo desequili- brada pode desejar. Dinheiro... a 33 4 aléria dos saldes © admiradores em quatro continentes. Hoje om dia me sinto to 86 como quando ficava de castigo quando era crianga. E 0 que é mais grave disso tudo, 8 a certeza de que entre a monina ea velhar nada mais hovue do que uma enorme solidio. Eva — A senhora parecia tao fe- liz ha pouco. ‘Lapy — Vocé no vé bem queri~ da. Eu representava um papel, re- presentava bem como tudo que fa~ 0, Mas voc néo pode representar © seu CAcatlcia-the os cabslos) Querida, voc’ serd sempre perse- guida por desejos que mudarto de bigodes sem nunca tomar uma de cide. Néo pense, porém, que 6 a ‘iniea. Todas as mulheres sGo iguais. Julieta & diferente porque & romén- tica © ingénua, £ um privilégio das mulheres que ndo sé inteligentes, Eva — Mas ha quem goste delas. Lapy — Sim. Ha mulheres quo omam um homem s6 © sto capa- zes de morrer de amor por ele. Mas raramente clas so milionérias. (Acaricia-the os cabelos) Vooé aca- bard como eu, salpicada de dia manies, inventondo histérias porque nGo tom mais o que fazer. Mas eu ainda quero me divertir um pouco, vviver perigosamente. .. Mesmo que sseja preciso hospedar todos os grandes da Espanha. Eva — Que quer dizer com isso, tit? Lapy — Psiu, eis os nossos hés- pedes. (Precedidos do clarinetista entram Poterbono e Heitor soguidos de per- to pelos Dupot-Dulort © se precipl- tam todos sobre as senhoras, sendo os ladrées os primeiros a chegar para beijar-lhes as aos), Lavy — (Dé um gtilo e se levan- ta) Ah, tenho uma idéia. Perer — CA Heitor) Ela me dé coda susto. Toda vez que ela grita penso que & por causa da minha ‘batba. Lap — Onde ost: Juliota? Eva — No parque, com o prin pe Pedro. Os dois néo se largam. Perer — & um parzinho adorével. Lapy — (Chamando) Julieta. (Ju- lieta ¢ Gustavo entram) JuLieta — A eenhorer esté cha- mondo, tiie? Lapy — (Puxando-a para o lado) Voo8 est com os olhos vermelhos, querlda, Cuidado, ndo a quero ine feliz, sande acabo com essa histé- a. Juuera — Que & que a senhora quer dizer, titla? Lapy — Se falel entre dentes, fol para que _néo se compreendesse. Vamos. (Abraca Julieta ¢ Eva pela clntura @ as arrasta para o jardim) Tenho uma idéle para alegrar ester noite, vamos ver 0 que vocés echam. (Saem, os Dupont-Dutort se ‘entreolham) D-D Pat — Sigamos as senhoras, filho ¢ sejamos cada vez mais amé- veis. Nossa vitéria depende disso. D-D Fino — Sim, papal. {Os trés ladrées ticam sozinhos. Alivio. Respiram) Herror — (Oferecendo uma cai- xa de charutos a PETERBONO) Um charuto, caro amigo? Peren — (Servindo-se) Jé& me ser- Sao oxcelentes. Herror — (Servindo Cognac) Um pouco de cognac? Peter — Obrigado. (Bobom) Herron — Outro charuto? Peren — (Apanhando uma por- 940) Estou confuso, sim estou con fuso, néo posso estar outra coisa sentio confuso. (Sente remorsos © pega a caixa) Posgo também oferecer-Ihe um? Herror — (Tirando um punhado do bolso) Obrigado, j& me servi. (Um momento de felicidade @ in- finila distinggo, Acomodam-se bea~ tificamente no sold. De repente, Hei- tor mostra Gustavo a Peterbono, que nada disse ainda, quieto em seu canto) Peter — (Levaniando-se © apro- ximando-se de Gustavo) Que 6 que hd, garoto? Que tristeza 6 essa? Es tds bem instalado, de barriga cheia, brince de principe, tem uma namo- rada @ ainda esié triste? ‘Gustavo — Quero ir embora. {Os outros olham © se espantam) Peter — © que? Ir embora? Gustavo — Sim. Ir emboro, Peter — Heitor, Gustavo esta lou- ‘Herron — Mas por que? Gustavo — Estou apaixonado pe- Ja pequena. Herror — E dai? Gustavo — Estou apaixonado mesmo. Perse — E dai? Gustavo — Ela nunca send mic sha, Pere — Ora por que? Vocé nun- ca esteve em tio boas condigées. Todos pensam que vocé é principe @ rico, Aproveita a oportunidad. Gustavo — Néo quero iludi-la & ter quo doixé-la depois. Peter — & claro que esse namo- ro tem que acabar um dia, ‘Gustavo — Além disso tenho ver- gonha do representor essa farsa diamte dela, Profiro ir embora J& Herron — Esté Jouco. Peren — Completamente louco. Gustavo — Mas afinal de contas © que esiames fazendo aqui? Peres — © quo? Estamcs vero necmdo. Gustavo — Néo senhor. Estamos equi para dar um golpe. Vamos air logo @ ir emborc. eren — E 0 plano de golpe? Vo- & eaqueceu? Gustavo — Jé tivemos tempo de sobra para isso. Peter — Heitor, voo8 néio acha 0 cémulo um principiante querer nos ensinar? Herron — £ claro que vamos dor © aolpe, pois para isso estamos aqui. Mas voc8 ‘sabe como vamos lazer? ‘Gustavo — Vamos fazer uma lim- peza? Peter — Como qualquer venta- nista, ndo? Heitor, quo folla de consciéncia profissional. Saiba, fe- delho, que ainda néo nos decidl- mos sobre o que vamos fazer © 30 nossa conduta pode te parecer es- tromha é porque ainda estamos 65- tudando a planta da casa. Gustavo — Vooés estéo com essa chama porque aqui tem cognac © chamuios © porque Heitor continua na esperanca de ser reconhecido por Eva. Mas no fundo vocés néo tém plano algum. Posso ser princi- plante mas tenho a ombridade de dizer que isto néo & maneira do s0 trabalhor. Peren — (Comendo para Heitor) Heilor me seguro, me segura. Herron — (Fumando calmamen- te) Gustavo, ndo se meta. Compre- onde a situagéo... Peren — Heitor, me segura. Herron — Estamos em divida. Peren — Me segura, Heitor, me segura. (Heitor segurando-Ihe 0 brago pa- ra ser agradével) Herron — Esté bom, te seguro. Perer — (Mats calmo) Faz bem. Herron — (A Gustavo) Estamos em divida entre varias sclucdes possiv Gustavo — Quais? Herron — Vcle a pena contar Pe- terbono? Peter — (Dando de ombros) Conta logo, é que devemos explica- es a este pilantra, Herron — Esté bem, diga primel- ro qual era sua idéia, Peter. Peren — Nao, diga’ vocé. Heron — Eeld bem, diga primel- ro qual era sua idéia, Peter. Peren — Nao, diga voo8. Herron — (Acanhado) Bom, néio ae Gustavo — Vecée néo tém plano nenhum, Hero — Nao temos plane? Ora. Hesitamos entre o golpe do cheque falso dado num sébado, em troca de uma jéia, 0 que nos daria dois dias para fugir, cu enléio o do che- que verdadelto recebido em troca de uma jéla falsa © nas mesmas condicées... Pensamos também om olerecer a Lady Hurf um bouquet de flores narcotizantes, tomando cul- dado para nao aspirar o seu perfu- ‘me © assim escamoteariamos suas pérolas enquanto ela estivesse dor- mindo. Peter — (Mui'o animado) Podia- mos simular um duelo com os Du- pont-Dufort. Eles ficariom ferides © nna hora da confustio fugirfamos com as pratas. ‘Gustavo — E se fossem vocts os feridos? Perea — Impossivel. Gustavo — Por que? Peter — (Gritando) Néo set, néo ‘sei. Mas 6 impossivel. Herron — Podiamos também, fine gir que tinhamos sido roubados © fentar uma chamtagem descomunal. Perea — Fingir que encontramos uma pérola ao comer os ositas © trocé-la por uma de Lady Hurf, Que ‘cl, hin? Gustavo — Estamos no verdo, no ha oattas om Vieby. PeTER — Isto é uma hipdtese, seu bobo. Gustavo — Afinal de contas, vor és ndo resolveram nada, Eu vou fazer o servicinho esta noite © vou embora. Peren — Esta notte? E por quo no agora mesmo? Gustavo — Isso mesmo, porque quero ir embora Togo. Peren — Vooé val causar nossa perdigdo, Gustavo, pense em sid pobre mae que © confiou & mim. Gusravo — Nao. Preven — Vou amaldigoé-io. No- turalmente voeé pouco se importa? Gustavo — Sim, Pere — (Urrando) Se segura, Heitor, CAgarra Gustave) Quinze dias mais, Faromos 0 trabalho mas estamos tdo bem aqui. E& to raro fstarmos bem, Gustavo — Nao, sou um desgra- sedo (Sa!) Herron — (Seguindo-o) Vamos seguisle © impedir que provoque lum escdindalo. Perer — (Chamando-o) Tenho uma ida, E ge fingirmos quo né0 o conhecemos? (Heitor d& de ombros e sai. Sem sequer considerar fal solucdo. Lord 8 36 Edgard entra precedico pelo misi- co que faz tremolos no clarinete como se pressentisse algum golpe do destino. Lord remexe um mago de papéis que néo larea. De repente se estica, dé um grito cai des- maiado sobre o montéo de papéis. © miisico corre procurando todo mundo e tocando nolas sem nexo Julieta entra). Juuzera — Titio, que foi que acon- feceu? (Senta-o numa poltrona) Suas méos esto geladas. Que carta 6 esta? (Lé transtomada e esconde a carla no bolso. Sai gritando) Tiia, epressartitia. (Grande confustio do clarinete que multiplica os tremolos trdgicos; enttam todos gritando: ou ve-se:) — Um ataque. —Na sua idade. — Nao, 6 apenas um desmaio. —£ preciso chamar um médico. — Afastem-se, um pouco de ar. — Ele 16 esié voliendo a si. — Jé este bem. — Fol uma emogéo repentina. —Talvez tenha achado 0 que procurava, — CA miisica parou, Siléncio pro- fundo) Peren — (A Heitor) © momento propicio. Herron — Sim, mas que fazer? Peren — Nada, mas ndo deixa de ser 0 momento propicio, Lom — (Erguendo-se lentamente e comegando a falar com vor. fra- ca) Meus amigos, tenho uma terri vel noticia at thes dar. O duque de Miatflor morreu em Biarritz em 1904, (Todos alam Peterbono, que est muito sem graga. Pequeno “trémolo” r6nico) Perea — £ ridiculo. Herron — (Balxo) E vocé ainda fala de momento propicio, Peren — (No mesmo tom) A ho- ra ndo 6 para brincadeira. Aproxi- ma-so da jansla. Lapy — Vooé esté louco, Edgard? Loo —Néo, néo, eu achet 0 con vite para 0 enterro. Eu tinha certe- 2a quo havia de encontrar. Desde © primeiro dia... (Revista os bolsos) Onde est4? Ora esac, onde estd? Estava aqui agora mesmo. Alh, mou Deus, pera outra vez D-D Pat — As colsas comegam a 20 esclarocer. D-D Fino — Estamos salvos, CA Pelerbono que se dirige discreta- mente para a janela)) O senhor no fica para ajudar nosso anfitrio? Peter — Claro, claro. Lapy — Edgard, isto 6 brincade!- ra do mau gosto com nosso quetido duque, Lor — Mas, cara amiga, eu the axsseguro. Lapy — Venha, caro duqus, mos- trarthe como nao est& morto. Peren — (Mullo sem goito. £ em purrado) Mas claro que néo estou motto. Lox> — No entanto encontrei 0 convite para sou entero. Lavy — (Dé-tho um beliscdo) Edgard, tenho cortez que voce es- 1& engonado. Peca desculpas. Lor — Mas, cara amiga... Lapy — (Beliscando-o com mais orga) Tenho certeza, entendeu, oo’ esté enganado. Lon — (Estregando 0 brago diz fenraivecido) Ai, com efeito, pen- sondo melhor acho que confundi com 0 duque de Orleans, Lap — timo, 0 incidento esté enearrado. Peter — (Aliviado) Completa- ‘mente encerrado. Lay — Passomos ao terrago. Mandel servir 0 café. Quero que saiba dos meus planos. D-D Pat — Acho que é uma idéia fabulosa. (Seguindo-2) Lapy — (Exasperada) Espere, mou caro. Ainda néo disse nada... £0 seguinte: esta noite hé um bailo no Cassino; o baile dos ladies. Ire- mos todos fantaslados. D-D Fix — (Caindo na garga- Ihada) Meu Deus, como é original DD Pat — (Saindo, diz ao tilho) ‘Temos que salisfazer todos os seus caprichos. Peren — (Salndo furioso, diz Heifer) Acho de muito mau gosto, 2 vook? (Julieta que ficou #6, ndo se move dura um instant. & misled co- mega 0 tema roméntico, ao longe. julleta tra a carta do bolo e 18) Jutta — “Cumprimos o doloroso dever de vos comunicar a morte de sua Alteza Serenissima, o Duque de Miraflor, Senhor Marques de Priolla, Conde Respeitabilissimo de Zeste, da casa de Galbi... O féretro sai- ré.., (Pensa uns instantes) Se sou pai néo 6 0 duque de Miraflor, ‘quem seré ele? Por que tirou 0 ci tomével da garage? Por que se et conde? TERCEIRO QUADRO Mesme cenétio, Ao levantar do pano a cena esté em semi-obscuri- dade, Uma sombra, 6 Gustavo com uma lantema eléttica, Vestido do cecure, um boné. Examina silencio- samente os objetos do saléo. De re! pente ouve um ruido e apaga a lan- tema, Um pequeno assovio. Apare- com duas sombras. Duas outras lan- fernas se acendem, cruzam-se © fie xam Gustavo. Gustavo — Quem esté: Somara — Somos née. Gustavo — Peterbono? Sounra — Néo. Somos dois no- 2° sombra — Os noves ladées. Gustavo — Mas quem é, afinal de contas? (Tira umm revélver) Méos 0 allt. D-D Pat — (Que 6 uma das som- bras) Ah, Ah, Ah, timo... Onde arranjou 0 revélver? Esta ‘6 bos! Gustavo — Néo se aproxime que eu ati. D-D Pat — Nao resiste. Vocé esté frito. Gustavo — Jé disso que néo se aproximem (Atira) D-D Pat — Ri, inconsciente do perigo) Ah! Ahi Braves! Gustavo — Bravos? (Atira nova~ mente) D-D Fito — A imitagdo 6 per feita. Onde arranjou este bacamar- te? Gustavo — De uma vez por todas, nGo se aproximem. (Atira nova- mente, cai um pole que se quebra com enorme ruldo) D-D Pat — (Severo a seu tilho) Didier, voe8 como sempre desastra~ do. D-D Fito — Mas néo fui eu, pax Pal. D.D Par — Eu 6 que ndo podia ser, daqui do meio da sala. D-D Fitxo — Nem eu, papal D:D Pat — (Comegando a ficar inquieto) Mas entéio quem quebrou 0 vaso? Lon — (Entra e acende a luz, es- 16 de traje a rigor © capacete de po- licia) O que foi que houve? Que barulho fot esse? Que acham do ‘meu capacete? D.D Pat — (Que assim como seu iho usa um disfarce de apache exa- gerado) Magnifico, caro lord. (Lord Edgard sal. D-D Pai vai até Gustave ‘muito espantado) O senhor, pot exemplo, ndo esié muito bem, Um pouco simples demais... O que im- porta sfio os detalhes. Olhe 96 a minha cicatriz, D-D Fino — Eo tapa-clho, D-D Par — Nés fomos com uns ‘americanos vestides assim a um ca- baré no bairro dos apaches © nin- guém desconliou que era disfarcs. D-D Fito — Néo acredite? Gustavo — Mas onde 6 que vo cbs véio desse jelto? D-D Pat — Vamos a0 Cassino. D-D Fino — Claro, ao baile dos ladrées, © © senhor também, néo 6? Gustavo — Como? Ah. Sim. naturalmente... vou sim. D-D Pat — $6 Ihe aconselho @ mudar @ fantasia, meu caro. Esté simples demais. Assim o senhor néo parece um ladréo de verdade. Gustavo — Tem razéo, Vou tra- tar disso. (Vai sair @ para). Todos ‘vao a esse baile dos ladréea? D-D Par — Claro, todo mundo. Gustavo — Otimo, Ais Jd. (Sal) D-D Par — Esto rapaz néo tem a ‘menor imaginacéo. D-D Fino — Provavelmente os outros estario téo ridicules quanto cle. Ainda bem, nés 6 que vamos brilhar. D:D Pat — Vocé sabe como nose ‘sa _situag&o esté piorando. D-D Fruo — Sim, papai. D-D Par— Use a aua seducéo. Se néo sairmos desta casa com dinhei= ro Sromos parar no Marrocos D-D Fito — Mas eu sempre me estorgo tanto, papal D-D Pal — Eu soi disso, Voc’ tum rapaz honesto ¢ trobalhador ras 6 preciso néo se desculdar um 86 minuto. A noite do hojo dove sor coroada do éxito. Ali, hé clauma colsa suspeita com os nossos rvais. E ndo tenho a menor diivida que sacabaré em esctndale, Vood ropa ou que Lady Hurl fez aquele velho {iota calar @ boca, quando ele dis- 80 quo o duque de Miraflor morrou fm. 1904, Precisamos icar alerta pronios para qualquer eventualida- ae, DD Fito — Temos que nos li rar desses eepanhdls. £ uma ques- {0 de vida ow do morte. DD Pat — Eles vao acabar se enrascando. Nés 6 que, preciscmos ser cada vez mais amdveis. Silén- io, ef vor Lady Hurl. CEntram Lan dy Hurt ¢ Eva dislargodas de cpa: chinette). Lapy — (Percobe que os D-D ios- sem desesperadamente para atrait 4 atenco) Ohl Surpreendentes. Es- 460 formidéveis. Nunca pensei quo fossem capazes disso. Eva que acha dos nessos. catos Dupont Dont? Eva — Quo ida maravilhosc t= D-D Par —Ficamos muito sotistei= tos D-D Fito — Que as senhoras tenham gostado Lavy — $6 sabem batular Eva — Néo fazem outra coisa. a cy Lavy — O duque e Heitor esto demorando. Eva — Chamel por eles quando paseei, dissoram que nao conse- ‘gulam ficar com cara de ladrées. Lapy — (Saindo) Fagam 0 favor de chamé-los e vejam se precisam de algumas suges DD Pat — Com multo prazer. Com muito prazer. (Para seu filho) E preciso sor amével. D-D Fuso — Sim, multo amavel. (Saem fezendo reveréncias, Julieta ‘pasea furtivamente) Eva — Vocé ainda nao esté pron- ta? JuueTa — Vou me preparar. Eva — Voo8 vai nos atrasar. Juuera — Podem ir ondando. Eu vou depois Eva — (De repente) Voc8 esté cepaixonada pelo Gustavo? Juseta — Por que veed persun- ta’ xonada? A gente vé logo. Juurera — Vé-s0 logo? Eva — Sim, Juutera — Pols esté muito enga- nada. Eu nio estou apaixonada por ninguém. (Vai sair, Eva chama-a) Eva — Julieta. Por que voc’ néo tem confiomga em mim? Jouera — Vocé & minha inimiga. Eva — Voc8 est: enganada. Eu gosto multo de voc’. Sente-ce aqui. Juurra — (Avangando sobre ela) Voc8 esté apaixonada por ele, GO esté? Voc quer roubévlo de mim @ antes me previnir para que ‘eu no fique muito infeliz? Na cer- ta vooés }& combinaram tudo, néo 42 E isso mesmo. Nao 6? Fale de uma vez, Por que voc8 esté sorrin= do? Eva — Que sorte vocé tem em es- tar to apaixonada. Joueta — Eu sei que vocé 6 mais bonita do que eu e conquista todos ‘0s homens que quer. Eva — Ab, 86 ao menos eu pu- esse me intoressar por eles... Juutera — Gustavo néo te interes- sa? Eva — Néo, bobinha. Juuera — Voc8 nunca falou com ele quando eu nao estava perto? EvA — Mesmo que eu quisesse te- ia sido muito dificil. Basta que ele 89 aproxime, para que vocé ndo ti- ra mais os olhos de nés. Juureta — E que ou tenho medo. Voo8 néo imagina como estou apai- xonada. Eva — Que felizarda. Juurera — Jura: que nunca procu- rou agradé-lo? Eva — Juro. Juurra — Nem naquele dia em que dangaram duas vezes sequidas? Eva — Foi a orquestra que con- tinucu a tocar o mesmo tango. Jourra — Nem no dia em que foram passear de barco, enquanto os Dupont-Dufort me ensinavam jogar peteca? Eva — Nem nesse di. Ele ostava. com um ar to frist que eu logo propuz voltarmos, mas ndo encon- ramos mais vocés. JouEra —£ esquisite. Naquela noite sou olhar estava to diferen- te, Eva — Foi porque ele perguntou 80 voo8 gostava dele, e eu respondi ‘que vod 6 tio timida que 6 dificil arrancarse alguma colsa de vocé. Jourta — Entéio fol por isso? (Pausa) Voes bem poderia ter res- pondido outra coisa. Eva — Esté satisfeita? Juurta — Voc8 nido procurou cagradélo nem no primeiro dia? Eva — Nem no primeiro dia. Jura — Entéo, estou satisielt. Eva — Por que voc néo tem con- fianga em mim? Sinto-me velha sou lado. Juutera — Vood 6 to do que eu. Eva — Voc6 acha? Juuteta — Mas mesmo assim acho cesquisito, Eva, — Basta vocd estar to apal- xonada por ele parc eu néo me ine teressar. Juurta — Vocé 6 um amor. Eva — Nada disso. Eu bem que gostarla de estar interessada por ele. Se estivesse nGo hesitaria um 86 instante om te sacrificar. Juuteta — Quando voo8 comeca a chorar as mégoas é que as coisas Go véo bem. Eva — Nao véo mesmo. Jourra — Mas apesar disso vo- 66 eaté to linda hoje © ha de con quistar todos no baile. Eva — Sim, todos. JuLIeTa — Mas eu ndo estou brin- cando. Eva — Nem eu, tenho certeza que conquistarel todos eles e isso 6 multo triste, Juureta — Voc8 no 6 feliz? Eva — Nao. Jourta — Mas 6 muito iécil, sax be? Basta a gente se deixar levar. Eva — Vocé sempre me achou mais bonita, mais alegre, mais fe- liz, 96 porque eu vivia rodeada do admiradores. No entanto a tnica pessoa feliz aqui voos. 86 vood fom toda Vichy ¢ talvez no mundo inteiro, Jouera — (Entusiasmada @ so- nhadora) Sim, eu sou feliz, Eva — Vood 6 ingénua e pura, tem muitas ilusées, Joueta — Sim, muttas, Eva — O que adianta ter admira- dores som amor? & melhor néo ter dias, ser pura, ter vinte anos © es- tar apaixonada. (Julieta permanece imével entreque a seu sonho) Ju lieta, voo8 ndo vai se preparar? Juuera — (Muito alegre, boija Eva e sai correndo, Entrada de Lady Hurl com os Dupont-Dufort) Lapy — Faremos uma entrada teiunfl D-D Pat — Os Miraflores estéio prontos. Lapy — Como que eles estéo? D-D Pat — A senhora vai ver. D-D Fino — Ei-los, (Peterbono @ Heitor entram. Fantasiados como bandides de opereta completamen- te ridicules, Risada geral_) Herron — De que esto rindo? Perer — Que idéla oles fazem dos ladrées. Seréi que nunca foram co teatro’. Lapy — Mas de que esté fanta- siado, caro duque? Peer — De ladrtio, Herron — (A Eva) Era assim que estava? Eva — Nao. Peren — (Para Lady Hurt) A so- nhora no esté gostando de noseas fantasias? LapY — Mas claro. Que maravi- Iha. Originalissimos. Perer — NGo 6 verdade, Nem tanto assim, Lapy — Meu caro, néo se pode fexigir que um Grande de Espanha fique parecido com um ladréo. Peren — Boa observagio, ndo 6 Heitor? (Cotoveladas enormes) Laoy — Vamos, 0 carro esté pron to. Onde esté Lord Edgard? ‘Seré que ele ndio larga 0 espelho? (Cha- mando) Edgar. Lom — (Aparece ainda de trajo @ rigor com 0 boné de policia, mas sem os bigodes) Nao foi uma boa iéia raspar os bigodes? Lavy — (Som olhar) Néo faz ne- nnhuma diferengs. Andom. Vamos, esté na hora. (A miisioa alaca uma quadiilha muito viva que os ladrées dangam com as senhoras sem que 8 D-D consigam omar parte — de- pols uma java muito animada, que 5 DD acabam, em desespero de causa, dangande juntos com bastan- fe entusiasmo... Todos os persona gens saem dancando), D:D Par — (Saindo por silimo dangando com seu tho) Nossa si- tuagdo esté cada vez melhor. D-D Fino — f mesmo. Mas tam bbém somos tho inteligenies. DD Par — Scjamos améveis, mesmo quando néo sola preciso. (A cena fica vazia um momento. Um criado passa e apaga o lusire central e fecha as janelas. Um ins- tante ainda e Gustavo aparece, ob- serva, Ouve-se um caro que 50 cfasta, Dé uma volta pela sala ins- pecionando os objetes. De repente se cola & parede. Entra Julleta em trajes de viagem), Juutera — Aqui esto. Gustavo — Que é que vos’ vaio fazer aqui? Jouieta — Vim porque quis. Gustavo — Porque vocé néo fol com o8 outros? Jouera — Vim & suet procura, Gustavo — D8 o fora, anda. Juuera — Por que voé me trata assim? Gustavo — Dé 0 fora. Juutera — So vos ndio mo quer, feu vou me embora. Mas pensei que vyor8 gostasse de mim. Que aconto- cou? Gustavo — Estou com der de ca- bboga. Quero ficar soainhe, Toutera — Por que vocé conta es- ta mentira? Gustavo — Mentira nonbuma, Dé ¢ fora menina, anda logo. Jwuiera — Voc6 nunca falou as- sim comiso, Gustavo — Pols agora fal. Juutera — Mas 0 que fol que eu Ihe fie? Gustavo — Nada. A histéria 6 muito complicada © eu néo tenho tempo para explicar, Jourta — Mas, Pedro... Gustavo — Primeiro, aqul néo hé nonhum Pedro, Meu nome 6 Gusta vo. Segundo, ou Ihe peco que sala, Jouera — Eu pensei que voc’ ‘gostasso de mim. Gusravo — A gonto ds vezes se engana, Tuueta — Mas voos me disse. Gustavo — Era mentira. Jouiera — Néo acredito... Gustavo — Menina, cat fora. Juutera — Por que? Gustavo — Mais tarde voce sa- beré. Por enquanio vé para seu quatio chorar na cama que é lugar quente, (Sequra-a pelo brago e ten- fa levésla até a porta) Mas que & ‘que vocé esi fazendo com este ca- saco? Esié fontasiada de que? Jouera — Estou pronta pret via- sar. Gustavo — Viaiar? © que & que Ihe dew na caboca? Juurta — Oh. Néo 80 sangue, ‘Vim para fugirmos junt voce disse que partir Gustavo — Estava brincando. E como 6 que voos sabe que vou em- bora? JoLIETA — Por quo sel Gustavo — Voc est me pare~ cende multo sabida. Venha comigo. Jouera — Talvez a gente enco- ‘re um criado no caminho (Gustavo ‘olha-a) E melhor ficar por aqui mes~ mo onde néo hé perigo. Gusravo — As mésicas dos Du- pont-Dufort devem estar & sua espe- ra, Va se preparar, Joureta — Estou pronta. Gustavo — Mas voe8 val ao bal- Ie e néo viaiar. Juuzta — Depois de roubar, 08 ladrGes geralmente vao embora. Se vvoc8 val, por que néo quer que eu vat junto? Gustavo — (Segurando-a) Ab. mening, voo8 est com jelto que sa be muita coisa. Joueta — Ai, Vocé esté& me ma- chucando. Gustavo — Nao tenha medo. & 86 por precaugéo, (Amarra-t numa cadeira @ remexe na bolsa) Juuiera — Néo precisa revistar a bolsa, no tem nada. Eu te dou de presente. Gustavo — Obrigado, estou sé pprocurando um lengo. Juuiera — Pro que? Gustavo — Pra te amordagar. (Encontra: um lengo miniisculo) Que {dia usar lenos to pequenos, Me- Ihor, vai o meu mesmo que est lim= po. (Joga fora o lengo dela) Juuiera — Mas, eu no vou gti= tar, Juro que néo vou gritar. Pedro. Gustavo. Cusia.... (Amordaga-a) Gustavo — Pronto menina. Vocd festé muito engemada se pensa que festé no Baile dos Ladrées. Eu sou 40 um ladréio de verdade, Heitor © 0 duque de Miroflor também. Mas eles sto uns imbecis. Vocd esté ‘muito enganada e sua tia que & uma velha tonta esté muito mais do que todes. Eu vim aqui foi parc roubar e 6 0 que vou fazer agora. Cla se mexe) Fique quieta... nao fadiania este olhar de pomba sem fol, Eu sou duro na queda. (Come- ga a encher os sacos com os obje- tos mais disparatados que se encon- tram no saldo. De repente olha para ela e sente remorsos) Esta te aper- tando muito?... (Ela faz que ndo com a cabega) Bem, voc 6 uma boa mening, Escute aqui. Tudo que eu te disse era parte do meu pla- no, O que eu queria erat preparar o terreno. (Ela se mexe) Ficou mui- to triste? Bom, sel que ndo ful 1é muito correto, mas voc8 sabe, nos~ sa profissdo ndo é muito cristé. Fo rat disso, sou um bom sujeito. Tro balho bem, meu servigo 6 limpo. Nao sou coo o Peterbono e Heltor. Peterbono 6 0 duque de Miratlor. & preciso trobalhar com decéncia, do contrério néo hé mais honestl- dade. (Olha-a com 0 canto dos olhos) Esté muito apertado? (Sorri para ela) Bem que estou amolado de agir assim com voc8, porque pensando bem, até que eu gosto um bocado de vocé. (Continua a trabalhar) Enfim, 0 que se ha de fazer? Afinal de contas os ladrées nao podem ter tudo, 6 multo natu- ral que as pessoas honestas ndo gostem muito deles, No fundo a coisa néo 6 téo rulm assim. Podic ser bem pior. (Dé de ombros e ri cinicamente, sem ousar olhar para ela) Muito breve nés nem nos lem- braremes mais diseo. (Continua a empilhar os objetos, cla se mexe, ele @ olha) Se hé alguma coisa ‘aqui de que vood goste muito 6 86 falar que eu deixo de lembranca. Allés 6 um prozer deixar um pre- sente (Ela o olka ele para aca- nhado) Néo me olhe assim, que feu fico nervoso. Voc sabe muito bem que eu estou fazendo isto por que ndo tinha outro jeito. Por fo- Jar, me deixe trabalhar em paz. (Ela s0 remexe) Esta te incomodando muito? Seré que voo8 nao esti su- focada? Julieta, se vocé jurar que do atitc, eu tiro a mordaga. Vood jura? (Ela faz que sim) Muito bem: cconfio em voes. (Tira a mordaga) Voo8 agora acredita que eu seja ‘um ladréo mesmo? (Ele se senta re- signado) Jouera — (Lego que livre da mordaga) Que bobagem. Voos & ‘Go ingSnuo, Desamarre estas com das. Gustavo — Ah, Isto néio. Sou uma boa praga, mas tudo tem limite. No trabalho eu néo descuido. Joueta — Mas ao menos deixa eu falar, Gusravo — Que 6 que vocd vai dizer? JouIETA — Se estou pronta para viajar, se vim agul para encontré- Jo, néo foi pora bancar a idiots amarrada numa cadeira. Estou farta do saber que vod 6 ladréi. Voc’ acha que se eu soubesse acharia natural vé-lo fuair no meto da nol te? Gustavo — Que é que hé conti- 90? Jourra — H& uma hora estou dizendo que te amo. Vi quando vo 68 tirou o aulomével da garage. Desconfiei que devia ser ladréo mesmo e quo ia dar o golpe hoje & noite, © fugir depois, Por isso me vesti para ir com vocé, Vocé néo pretende ficar aqui, ndo 6?... Gustavo — Isto ndo 6 pergunta que se faca a um ladréo. Joutera — Pols entéo me leve. Gustavo — Mas eu sou ladrao, Joureta — (Gritando exasperada) Eu sel que vocé 6 um ladrdo. Voc’ nndo para de dizer isso. Nem sei co- mo ndo desconfiaram. Vames, de- samara minhas méos. Gustavo — Mas, Julieta. . Jutta — Desamarre minhas mos, esté doendo tanto. Gustavo — Jura que néo val fue sir para avisar sua tia? Juuter — Claro, voc’ & tao bobo. Gustavo — Contio em voc’, Mas no entendo nada, Jourta — Jé perdemos mais de mela hora, Anda depressa. Néo tle nha @ menor graca sermos proses ‘agora. Vocé ache que isso & bas- ‘ante? CAponia os sacos com 0 pé) Gustavo — Que 6 que vai fa- Toueta — Francamenie. Seré preciso a gente ficar repetinde ser- pre a mesma para vocé en- fender? Alinal voc gosta de mim? Ou nao? Gustavo — Gosto, mas Joueza — Bem. Isto 6 que impor- ta, Agora, deixa eu falar. Gustavo, se vocé gosta de mim, eu estou apaixonada por voos @ quero ir embora contigo (Segura um dos sa- cos). Vamos levar 86 ieso? Gustavo — (Arrancando © saco das maos dela) Néo, Jullete. Voc8 Go sabe © quo est fazendo, Vo- 6 nao pode ir comigo. O que é que nés iremos fazer juntos? Joueta — Posso ajudé-lo mui. Fico de vigia e quando vier alguém, assovio. Sei cssobiar muito bem. Quer ver? (Dé um assovio muito forte) Gustavo — Psiu, cuidado. Jéncio, escutam um pouco). Juutera — (Docemente) Desculpe, Gustavo, Eu sou téo... téo... Me leva. Prometo que eu assovio baixi- mho e 86 quando for preciso, esté bem? Gusravo — Julieta, voo8 esté se divertindo & minhas custas. Juurta — Nao, Gustavo, eu te ‘amo, meu bem, Gustavo — Mas voc8 sabe que vida vat levar? Tuuteta — Sel, Sel. Me d8 um beijo. Gustavo — Julieta, ndo 6 poss vel. Vocé néo teré mais tranquilida do. Journ — Néo quero mals saber de tranquilidade. Me betie. Gustavo — Mas Julieia, vood 6 feliz aqui. Néo sabe o que 6 fusir @ ter medo, Voc8 esté habituada a vviver bem, Joueta — Mas com o que rou- bbarmos hoje ficremas rices. Se vo- cé tem medo de me ver perseguida: pela policia s6 a gente ndo rou bar mais, Gustavo — Os ladies no séo ricos, Nem queira saber como é di- ficil a gente se livrar do que rouba. Joueta — Seremos pobres eto. Me boii. Gustavo — Néo tenho coragem, Julieta, Joueta — Nao faz mal, me beiie ‘assim mesmo. (Beljo demorado) Julieta radiante) Como estou fe- liz, agora depressa. (Péra) Ohl Mas voc ndo esté levando as mi- niaturas da colegéo de Madame de Pompadour? Que tolice. Valem uma fortuna, (Tira-os da parede) E os Ge Fragonard (Remexe os saco) Deixa cs candelabros que so muito pesa- dos e no valem nada. Vocé v8 co- mo precisa de mim? Serei étima aiudante, vocé vai ver. Me bel- ie, (Beijo) Ai, meu ladréozinho. (Saem) PANO QUARTO — QUADRO (Wma hora mais tarde, no jardim de inverno. O Clarinete retoma o tema de baile de uma maneira nos- {élgica. Os personagens entram em fila indiana, de cabeca baixa, © sentam-se aborrecidos e abatidos) Lap — Francamente, 6 ridicule. Heron — Mas néo custave: nada deixar-nos entrar. Lapy — Ridiculo, Que idéia os- crever o nome do baile em letras do pequenas. Os fremceses tm a mania da: economia, Lor — Eles nos impedirem a en- trada da maneira mais vexatéria. Eva — Que quer o senhor, tito? Organizaram um Baile das Nagées: compreende-se muito bem 0 gusto gue levaram com as nossa roupar, Lapy — Baile das Nacées. Que falta de tmaginagio! Baile das Na- ies. D-D Par — © que me espanta 4 que a senhora tenha confundido Baile das NacBes com Baile dos La- drBes. Lapr — Se sua vista 6 tao bos, © senhor 6 que doveria ter lido 6 cniinclo, D-D Pat — Mas que diabo. D-D Fito — (Baixo) Néo Imprudente, pat. 4 2 Lar — Aliés,. foi.por causa de suas fonlasias. que néo pudemos contre. erin — Eu cortamente teria en- trade. # esquisito, mos eles acha- ram que eu eslava faniasiado de filho do Sheik Laor — Claro, nés todos poderiae mos ter enttads 80 néo fosse por couse dessa duas figurinhas. Que mau gosto. De onde & quo tiraram sia idéia to luminosa? D-D Par — Mos, para um Bai de Ladrées, acho que. Lavy — Das Nac6es! Das Nacoes! © senhor néo vai continuar falando doste Baile dos Ladies « noite in- toira, vai? D Fino — Nao s0 excite, pa- (ara Lady) Estamos deso- ai. Tados. D-D Pat — (Lastimoso) Néo tor- naremos a falar niseo. Lapy — ]& nao é sem tempo. Lor — Que tal continuarmos 0 resto da nolte vestides assim mes- mo, para ndo perdermos de todo o nosso trabalho? Lapy —Vocé esté louco, Edgard, ‘Vames mudar de roupa. Jogaremos bridge como sempre. (Suspira e to dos a imitam) Lonp — Se fosse s6 para jogar bridge... eu ndo precisava ter ras- ado meu bigede, Lapy — (Sem pensar) Nem eu. (Passa dizendo a Peterbono) Caro duque, perdée-me esta noite perdi- da. Perer — (Cotovelada em Heltor) Uma notte nunca pordida. Lapr — Da préxima vez lerel os carlazes com mais cuidado, © £6 lo- varemos gente de bom gosto. (Sai com Eva e 0 Lord) Peren — (Saindo por outro lado, diz q Heitor) O anel. As pérolas. Herron — A carteira. Peter — Otimo. (Os Dupont-Du- fort ficam 56s) DD Pat — Isto vai mal. DD Fino — Muito mal, D-D Par — £ claro que estes ban- didos esto aqul com o mesmo obje- tive que née, Mas o plor é que tudo cs favorece © nés néo temos uma chance. D-D Fitno — (Em frente a um es- pelho) No entanto, nossas fantasias estdo multo boos. D-D Pat — Mas no parer um Bai- le das Nacées. D-D Fito — Mas, também, que fidéia organlzar um Baile das Na- oes. D-D Pat — Pior & ler Baile dos Ladies onde esté escrito das Na- «Ses. Oh, velha: maluca. D-D Fito — (Mostrando o salo vizinho) Papal D-D Pat — O que &? D-D Fino — Venha ver as pare- des. DD Par — O que & que hé com cas paredes? D-D Fito — Os Fragonard. D-D Par — Vood no vai querer que num momento desies eu va gpreciar os quadros. D-D Fito — Papai, os Fragonard desapareceram. D-D Pat — E dai. D-D Fino — E os minicturas de ‘Madame Pompadour também, Car regaram os candelabros de bronze e a colecdo de mariins, Duas gave- tas esto arrombadas, Papai, andou algum gatuno por aqui. D-D Par — (Levanta-se) Vamos embora. Véo dizer que fomos nés. DD Fino — Vocé esti doido? Née estévamos no baile com os ou- ‘ros. Papal, andou gatuno por aqui. D-D Pat — (Que fol olhar na ou- tra sala) £ evidente que andou ga- tuno por aqui, Mas por que tanta alearia? Nossa situacéo no melho- ra_em nada com isto. DD Fuxo — Serd que voc’ ado compreende que se houve roubo en- quanto nés estivamos no Cassino, © culpado sé pode ser alguém cula uséncia foi notada por todos? D-D Pat — O tal de Pedro? DD Fito — Claro que sim. DD Pat — Neste caso os outros dois devem ser cimplices. D-D Funsto — Pols efio, Foram com nosco para néo levantar suspeitas, mas a este: hora j& dever ter fugido (ou estdo prontos parc: isso. D-D Pat — Ah. Didier, voo8 6 de uma inteligéncic: Iuminosa. Sem vo- 8 o que seria de mim? Me dé um ‘obraco, Finalmente desmascarados, Esto no papo, metiino, e nossa tuagio ndo podia estar melhor. D-D Fino — £ preciso ndo per der tempo. Eles ndo devem fusir. ‘Vamos telefonar imediataments pa- ra a policia. (pega 0 telefone) Ale, senhorlta, preciso falar depress com a delogacia de policia. DD Pat — (Atravessa o salao ‘em passos largos gritando) Os Fra gonard, As miniaturas. Os candela- bros. Os marfins. Duas gavetas ar- rombadas. Que maravilha. DD Fuxo — Alé, 6 da delega- cla? Fala aqui da Wila dos Frago- nard. Néo, Néo. Dos Pompadours, No, quer dizer, de Lady Hurl. Aca tba de sor cometido um grande rou- bo... Sim, os ladrées ainda estéo equi. Se vierem depressa ainda os pegardo, sim, depressa, depressa... D-D Pat — (Radiante) D8 oé um brage, Shetlock Holmes, (Abra- ‘gam-s0) D-D Fitno — Vamos chamar todo mundo © desmascaréclos. (Vai até Venham to- Lor> — (Entra apalermado co- mo todos os que vao entrar depois) © que aconteceu? D-D Fito — Acaba de ser co- metido um roubo sensacional. LoRp — Hoje em dia isto ndo es- pania mais ninguém. Onde foi? D-D Fuso — Aqui. Lon — Aqui? D-D Pat — (Muito excitado) Aqul, ‘aqui mesmo, no saléo. Lonp — Neste saléo? Mas © que roubaram? D-D Pat — (Como um camelé) Os Fragonard. As minicturas. Os condelabros. Os marfine. As gav tas. Veja. Veja. Lor — (Voliande do outro sa Io, cai numa poltrona) Que tra- gédia. Eu bem quo ondava descon- fiado. D-D Pat E DD Fito — (juntos) Nés também. Lor — Sabom quem foi? D-D Pat — Desconfiames. Lonp — Eu também. (Entra Eva) Minha filha, fomos roubados. Eva — Mas, como? D-D Pat — Os Fragonard. As mi- niaturas. Os candelabros, Os mar- fins, Eva — Ainda bem que levaram 8 eandelabros, eram tdo feles. Dos Fragonard tenho pena. Herror — (Entrando triunfante com novo disfarce) Eva, desta vez cacertel Eva — Néo. Loro — (Saltando sobre ele) En- fim. £ ole. Ah, meu caro detetive, nem imagina como chegou hé ho- ra exata. Fol cometide um roubo Iimportantissimo. Suspeitamos de uns estranhos que esto hospeda- dos aqui por um capricho de nha prima. O senhor vai prendé-los imedictamente, meu caro detetive. Eva — Mas 0 que é isto, tito? Este 6 0 principe Heitor. Tire esta barba Heitor. Herroa — (Tirando a batba) Sim, sou eu, caro Lord, Lonp — (Furioso de ropente) Jé 6 hora de parar com estes brinca- deiras, mecinho. Herror — (Recuando impercepti velmente para a porta) Mas, eu née estou brincando com 6 eenhor, meu caro Lord... Lonp — Admito brincadeiras, 22 bem que ache de mau gosto fazé-las, com um homem da minha idade, @ ainda mais quando se repetem tr8s ‘vezes ao dic. Herron — Mas néo esiou cagoan- do do... Diigeso pare a porta sendo sequido pelos Dupon'-Dufort) D.D Fsno — Nao. DD Par — Claro que nao. O se- hor néo esté cagoando dele, Fique, vairse dar um jeito. Herron — O que significa isso? Desconfiam de mim? Eva — Senhores, poco que deixem © principe Heitor em paz, Herron — Nao é um absurdo, Eva? Lavy — (Enira com Peterbono e bem agitada diz) Mas que gritaria ¢ nla? Estéo fozendo um baralho orrivel. Peres — Positivamente néo se en- tende mais nada. Loro — Uma coisa temenda. Um audacioso furtc. Ex bem que dese confiava, Eu disse qu cle tinha morrido em 1904 © que estes ai eram_ uns falantes. D-D Pat — (Ao mesmo tempo) Os Fragonard! As minicturas! Os candelabros! Os marlins! As ga- vetas! Lapy — Por favor, néo falem to- dos co mesmo tempo. No consigo entender nada. Antes de tudo del- xememe sentar. Estou exausta, (Durante a fala anterior de Du pont-Duiort pai e do Lord e 0 si- Iencio que se segue, Heilor faz si ais desesperados para Peterbono, |, @ fim de que ele saia, mas este pensa que tem alguma coisa presa fem suas costas @ procura limpar- se olhando no espelho, sem encon- trar coisa alguma. Finalmente desis fe dé de ombros). Lavy — (Sentada) Vamos, con- tem como {ol Peren — (Curloso, sontando-se também) Otima idéia, contem co- mo fol. Lon — (Bem depress) Eu bem iia que ele tinha morride em. D-D Pat — Tudo! Tudo! Tudo! Os Fragonard! ... (Param os dois de falar ao mes- mo tempo ¢ se olham) Eva — Fomos roubados, tic. Lapy — Roubados? Eva — Sim. Durante nossa cusén- cia levaram os miniaturas, os Fra- gonard ¢ ache que os candelabros também, Lapy — Tonto melhor. Erom mul- to ordinérios. Lonp — Eu bem que dizia, eu bem que dizial Lavy — Provavelmente fo! algum dos empregades, esto todos af? 43 a Eva — Néo s0i,tita. D-D Pat — Acho melhor avisar a policia. Lavy — Nao, de modo algum, D-D Pat — Como néo? Lany — Jé disse que nao, ndo quero a policia em minha casa. D-D Fito — Mas nés ié telefo- Lapy — Afinal de contas, meus senhores, que modos sao estes? Nao sou mais a dona da casa? De uns dics para cé acho que os senhores tém lomado multe confianca. D-D Fito — E no entanto, nés. D-D Pat — Nés... Lapy — Eva, telefone dizendo que néo precisamos mais deles. D-D Pat — £ tarde demais. Pro- vavelmenta jé esto a caminho. (etior @ Peterbono dirigem-se sorratelramente para a porta. Quan- do Lady Hurf manda telefonar para que a policia ndo venha, param su- bitamente esperando; com a fala de D-D Pai rapidamente resolvem sair) D-D Pat — Vejam, estéo fugindo. D-D Fito — Néo, isto néo. Pro- tegeremos a senhora queira ou nao. ‘Mos ao alto, D-D Pat — Méios ao alto. (Amea- cam com seus revélveres) Lap — Senhores, estou em mic nha casa. Exijo que guardem as D-D Fito — Néo. D-D Pat — Néo senhora, mais tar- de ainda nos agradeceré. Lapy — Eva, vou ter uma colsa. Chame todos os empregados. Ar- quibaldo, José Napoledo, Filomeno, Deaidério. Todos, todos, depressa. (Os policiais entram duranio os gritos) Poticias — Ah, seus_malan- droal... Desta vez vooés nao esca- pam! D-D Par E D-D Fano do) Mas... Mas... néo somos nés... no somos... nés é quo tolo- fonamos. £ um absurdo. Séo aque- les... CAo recuar, esbarram um no outro, tentando fugir tornam a esbar- zar, dando inicio a um ballet cémice que termina com sua captura pelos policiais) Poutciais — (Carregam-nos sobre ‘as costas como os acrobatas de irco) O caro senhor, néo poderia abrir a porta para sairmos? Fica- rfomos muito gratos. Herron — Pois néo, com multo prazer! (Os policiais carregam os D-D apesar de seus protestos) Toro — (Nervoso) Mas, cara omiga, Lapr — (Severa) Edgard, cale a boca, D-D Pat — (Sendo carregado, gritando em vao) Mas, por favor focam alguma coisa, digam quem D-D Fino — (Ao passar perto de Eva) Sonhorita Eva, por favor. (Os D-D saem nas costas dos poli- ciais ao som de sua miisica carac- ‘eristica) Lay — Ainda bem! Gragas Deus! H& ts semanas que estes dois urubés andavam por aqul @ eu no sabia como me livrar deles. Lorp — (Vencido pelas emogées, cal meio destalecido sobre uma pol- twona) E dizer que vim a Vichy pa- ra tratar do meu lumbago. Lapy — Eva, vé buscar os sais pare sou tio, (Eva sal. Lady Hurf dirlgindo-se @ Peterbono, que depois da saida (Recuan- dos D-D foi preso de um ataque de iso) Meu caro, acho que néo hé motivo para tanto riso, sei perfeita- mento que o senhor 60 verdadeiro ladrao. (Peterbono péra imediata- mente de rir. Lady Hurt comega a ‘mexer em seus bolsos) £ favor devolver-me as pérolas, © senhor néo é to hébil assim. Perer — Mas... 0 que quer a se hora dizer?.. Lavy — Sua bagagem muito ‘rande? Paren — Nao. Lapy — Entéo acho melhor arru- mé-la de uma vez. Peres — Oht Sim... Hero — (Entrando) Pronto, mi- nha senhora, os patifes esto em ‘boas méos. (Peterbono tosse) Mas o que hé, meu pai, ndo se sente bem? Lapy — Néo, na verdade ele ndo 0 gente multo bem. £ melhor acom- ponhérlo alé sou quarto. Heitor — Realmente? Mas 0 que tom ele? Lor> — (Voltando a si) Eu bem disse que o duque de Miraflor ti nha morrido em 1904, Lay — Eu sempre soube, meu Heror — (Que continua nao compreendendo oe sinais de Peter bono, muito animado) Ha. ha, he. Ainda é @ mesma brincadelra? Lapy —O duque morreu_ em meus braces, aliés quase, Sabi perfeitamente com quem estava li- dando. Mas é que me aborrecia tanto, meu caro Edgard. Herox — (Aproximando-se i nalmente de Peterbon0) Mas, afinal de contas, o que quer dizer isso? Perrr — Imbecil, hd mais do mela hora tento explicar que fomos dosmascarados, Heron — Como?... Mas _néo acabaram de prender 69 outros?... apy — (Soridente) Acho que ot senhores ndo devem quorer node com @ policia. Heitor — Que barboridadel Es- sivemes sempre juntes. Petts — Delxe de bancar o sabi- chéo ¢ venha embora. Heston — Por Santa Bérbarel Néo compreende, Afinal de contas so- mos sous convidados © 80 porque the survupiarem algumes velharios no vejo Tazo para nos trator as- sim. Nés os duques de Miraflores, marquesos do Priclla, condes de Zeatal Petsn — (Que no consegue del- xar de rir apesar da situagao) Mar- quoses de Prilla, essa é boa! Var thos ondando. Lay — Va de uma vex, meu Herron — Nao admito estas mar neiras (A Peterbono) Continuemos ‘o representagao. Eva — (Entrando) Aqui estéo os Herron — Isto néo pode continua. ‘A senhora pode achar nossa pre- senga indeselével, mas saiba que nao dou a menor importéncia as suas _suposicées erradas @ injurior sas. Sei de alguém que ndo depen= Ge da sonora © que ndo achare minha presenga indesejavel. Eva, Eva, meu omor reencontrelsme. Vee Jal (Virose, mudando de dislarco, colocando © da primeira cena da pega) Peter — Holter, dire de. graci- has que o delegado esté chegan- dol Herron — Dexe-me em paz. Es- somos salvos! Lavy — (Sentando-se abatida) Edgard, 20 esta menina cabeguda fica de novo apaixonada por ele, nGo sei mais © que farei. Lor — Néio entendo nada. O que 6 que cle quer? Mais uma brinca- deira? Francamente, este rapaz se excede nas brincadeiras. Heitor — Eva, meu amor, era as- sim? (Siléncio) Eva — Sim, era assim mesmo. Mas acho que da outra vez nao te clhei bem, porque agora nao me ‘agrada mais. Lap¥—Gragas a Deus. © caminho 6 este, sonhores. Heron — Evinha, 6 inconcebivel. Peter — (Baixo) Depressa, seu. Idicta. Devolvi o colar, mas quardei © ane. (Retizam-se muito dignos. Mésica) Lapy — (V6 sair os dois com um sortiso enternecido) Coitadinhos. Deixsi que levassem o cnel. Afinal de contas ficaram aqui 15 dias por nossa causa © néo justo fazé-los perder tempo. A profissdo nao deve ser muito rendosa, Lor — O que néo entendo 6 0 papel do narigudinho. (As duas mulheres se entreolham subilamen- le angustiadas) Sim, © nariqudl ho, © que era to simpatico. Eva — Julieta? Onde est Julieta? Lapy — Julieta? Ela ndo fol ao baile? N&o esté no quarto? Nao es- tard no jardim?... Eva — Vou ver. Espero que néo seja 0 que estou pensando. Lonp — O que 6 que ela espera ‘que ndo sela o que ndo esté pen- sando? (Lady Hurt cat sentada no s0fd, brinca nervosamente com suas pérclas). Lono — Por que este ar de Sarah Bemard, minha cara? Tudo terml- nou 160 bem. Lavy — Que terminou nada, sew imbecil. O narigudo raptou Julleta © 08 quadros do saldo. Eu tina di- to para vocé ser enérgico e tomar precaugées antes que acontecesse ‘alguma desgraga. Eva — (Entrando) Nao esté 1é fem cima. Os criados esto procu- rando no jardim. Lavy — Ai, of sais. Lor — Julieta, ser que a Juliow tinka fot raptada? Eva — Sim. Lon — Mas ela néo & to pe quenininha assim, poderia ter se dofendido, aritado. Lapy — Voc néo compreende nada, se-duzi-dal Tomar-se-d ums ladra, ou quem sabe, faré ponto etemamente, numa das pragas da cidade. Lon — Por que ficaré fazendo ponto numa das pragas da cida- de?... (Compreendendo) Ah, fa- zendo. ponto. (lord Edgard desmorona. O cla- inete toca uma miisica que parece ser trdgica. Siléncio. Os és me ditam trislemente. A misica retoma 9 tema trdégico em fom de deboche; passando em seguida para o tema roméntico. Gustavo entra silencio samento nas pontas dos pés, com os bragos to caregados que ndo enxerga bem na sua frente. Leva Julieta dormindo © os sacos. Atra- vessa 0 saldo acompanhado da mi sica @ sem que os outros, contra ‘oda iégica, 0 vejam. Subitamente ‘esbarra numa polirona, os sacos caem com ruido, os outros sobres- saltados o véem @ grltam) Lavy — Ahl Assassinada. 4s 46 (Gustavo tentava colocar Julieta axdormecida no solé, mas com 0 ari= to de Ladr Hurl. esta acorda 0 so agarra ao pescogo dele). Jourra — No, ndo, ndo, por que vyoc’ me trouxe?.., Se ele for ome bore eu vou também. Lavy — Julieta. Lon — Filhinha Journ — (Grittndo © com os clhos choles de. Idgrimas) Eu och quo vocés 0 odeiam, mas eu estou Spattonada por ele. Nao adianta falar noda, eu amo, Néo quero ouvir mais nada, porque se néo carel com dio de todos. Tavinho, por que vocé me trouxe? (Gustavo 50 debate, quer sair, mas ela 0 se- ure) Ngo, que ou doixo ou ir com Yoo!. Por que me trouxe de volta? Vee achou quo eu ere mullo bo- ba, mito ingens? Ou fol por ave fu dorm’ a gou lado no automével? Mas eu estava tao caneada © cose tumo dormir cedo. (Esconde a ca- boca no pollo de. Gustave) or —O quo 6 quo ela esté di- zendo?.. Lavy — (Emocionada — miisica Toméntica) Cale-se. Como 6 lindo o que ela esta dizendo. ulieta desprende-se de Gustavo sem sollé-lo @ vira-se para os outros como uma pequena fila) JourEta — £ isso mesmo, ndo te nnho vergonha nenhuma, vou m= ombore: com ola quoiram vocts ot a0, E ainda vou dar um bei nele ra frenie de vorés todos. CAgarra- se ao pescoro de Gustavo, quo he- fig um pouco, mas vendo-a 10 triste, esquece-ce, também, dos ot tros) Gustavo — Eu gosto tamto de vo 8, Jullota, CBeijam-s6) Joureta — Viu, eu Ihe betjel diane te de todos, Loro — (Colocando o pince-nez) Mas, eles esto se beijando?! Lapy — Estéio sim, © dal? Vocd 6 cego? Nunca viu ninguém se bei- jar? Dols pombinhos.... Lon — (Emocionado) £ mesmo. Voc8 se lembra, Penélope? Lay — Um casalzinho encanta- dor, Lor — (Preso as suas recorda- 6e8) Encantador!... Voc8 se lam- bra de nossa primeira subida & Tor- re Eiffel?... Lavy — Como combinam bem. Come ele & fino. Olha que ‘perfil — (Mullo triste) Ohl... mas cles se amam... Lap — Eu s0i disso, mas néio tem outro jeito. £ preciso. Julieta nGo pode casar com uma pessoa que nGo tem pai nem mae, Lonp — Ohl... Achei, acheil (Procura furiosamente entre os pa- péis) Um momento, um momen- tol... (Gustavo ¢ Julieta surpreendidos por seu grito, param de se beljar. Lord Edgard sat correndo) Lapy — © que 6 que deu nele? Juutera — Eu néo o deixarel nun- ca, no deixare! nunca ndo a dei- xorei nunca, Gustavo — (Abragando-a e co- ‘mo se estivesse explicando) — Nés nos amamos (0 clarinete toca uma siiplica) Lapr — Compreendo muito bem, mas que & que vood quer que eu faga? Vocd néo tem pal, nem mao, nom inmés, nem irméos, © acho mesmo que nem tics, Logicamente voc tem que partir. (O Clarinete suplica mais uma vez) Jourta — Se ele fer, eu vou tam- bém, Lar — Desta ver nés te impedi- remos. (O Clarinete faz uma stipli- ca dilacerante. Lady Urt vai até o miisico furicsa) Vocé ai, meu caro, i4 est me pondo nervosa. Dé o fo- ra. (O Clarinote tenia protestar) Vat andando de uma vee, vat, vai. (© Misico retra-se absudissimo, exprimindo sou desespero com o ins trumento) Lor — (Enirando como um bo- lido, com uma fologratia, fitas, me- datas, etc. Vai a'é Gustavo amea- gador) Vocé tem 20 cmos, ndo é? Gustavo — Sim. Lorp — Muito bem. (Olha varias vezes a fotogratia, apertando os olhos, como um pintor diante de tum quadro) Levante @ caboca. Per felto. Abra o paleté. Desabotoe camisa, Mais. Otimo, Agora 0 sinal ‘na orelha, (Levanta-Ihe o Iébulo da orelha) Muito bem! (Apresenia uma medalha @ Gustavo) Reconho- ce esta medalha? Gustavo — Nao. Lom — CJogande fora a meda- Jha) Néo tem a menor importéncia, Vooé & meu filhol © filho que per- i quando criangal (Cai nes braces de Gustavo) Lavy — Mas, Edgord, voc’ luce? Gustavo — CLibertando-se furon 50) Que histéra 6 esta? Néo estou compreendendo. nada. A fulieta) Que bicho mordou ele? Lonp — (A Lady) Quer negar que roubaram met filo natural ainda criemga? (A Gustavo) Quer negar quo nao esté cerio de sua origem patoma? Néo diga nada, voc é rou filho, Mew caro filhe. Mou fe Iho muito estremecidol (Cal de no- vo nos bragos de Gustavo) Jouera — (Pulando de clegria) Oh, que maravilha, Gustave, como estou foi ‘Gustavo — (Desombaragando-se do Lord Exgard) ‘sto ndo me con ence. Lon — O que 6 que néo Ihe con- Gostavo — Tentho certeza que 19 ou seu filho, Lon — Pois enléo esperei 20 mos para recuperar o filho perdido, © quando minhas preces do alen~ Gidos, eis que 0 filho ingroto se recusa @ reconhscer seu devotado ait Gustavo — Nao, tudo isto sd0 maquinagées sua, a6 porque Tulie- {a esti cpaixcnada por mim. Mos nestas condlgbes eu no accto Lapy — Quo honestdaciet Lor — Hortivell Hortivell Repue dado pelo prépriot (Batendo com (8 pés no chao) Gustavo — Nao, ndo © néo. Néo acsito, £ mui sirpético © que vo 82 esto fazendo, mas nao poss foceitr, Ndo sou da mesma classe que voce Lavy — E extremamente doloroso quo ele s0ja'0 tinico dentro nés @ fer preconceitos de classes, Lox — Humilhado, ofendido com © desprezo de sangue de meu san- gue. Oh dor! Porque me dilaceras tGo profundamente? (Senta-se aba tidissimo numa polirona) Vejam |. como estou me dilacerando. Vocés véo me detxar ser dilacerado. mui- to tempo? Lapr — Quom sabe nio podere- mos chegar a um acordo? Veja co- ‘mo seu pal padece. Gustavo — N&o posso aceitar. Vejamos.... Ndo hé raztio para isso. JoUIETA — Hé sim, Venha comigo co jardim-que eu vou contar todas cas raz5es que vocé pode ter. Venha loge. Afirial de contas ir ao jardim no te obriga at coisa alauma. (Le- yao) Lay — Edgard, 6 verdade que voc8 teve um filho roubado em crlanga? Lom — Néo. Era uma lotogratia do filho do Czar. Lapy — Quer. dizer que durante cingiienta anos voeé finglu de bobo @ foi capoz de inventar toda ester histéric: sozinho? Eva — (Que assistiu toda a cona sem dizer nada) Como Julieta vai ser felizl Lavy — Sim. Eva — Eu vou continuar no meu papel de mulher admirada e corte- jada por todos os homens. Lapy —.Que se pode fazer, que- rida? Nossa forsa terminou, © eu 6 estou imaginando 0 que pederiae mos fazer para comecar outra his téric. Naturalmente muito mais mo- vimentada e divertida, com outros personagens e outros ambientes. E desta vez, som ladrées. (pausa) Home — Sou o detetive. da Agéncia Scottyard. Lom — (Dé um grito, salta em cima do homem puxando-lhe a bar- ba) Ahl 6? Pols esté multo bem. (Dé-lhe pontapés © tapas). Homem — Pore, o senhor esté louco. Lor> — (Muito espantado) Co- mo, a batba 6 sua? fom — O senhor néo vai pen- sar que é de meu pail Lon — Quer dizor que o sonhor 6 mesmo o datetive que eu pedi % Agéncia Scottyard? Home — J& lhe disse que sim. Lonp — Pols chegou tarde, esta peca terminou. Ando ser que o senhor quein esperar a préxima aventura de Lady Penélope. Homem — Va ld... (Tira 0 clarinete do bolso, porque era o préprio clarinetisia, comeca a focar um pot-pourri das mitsicas da- ‘peca. Entram todos os personagens, de batha, dangando e trocando de barba) PANO a7 Textos & disposico dos leitores Aldomat, Conrado — O Véo dos Péssaros ‘Scleapens, 0" 98 Beckett S. — Aeatistrofe, a 102; Colsas @ Lotsas, a 115; Todos os que Caem. ih Behencout Jose — Plajamenta, Pani "A Solupo Beaslra, 2° 109. Bradford Ba toy a 126 Brecht, Bertolt —'A Exputsdo. do, Demé- tio a 109: A Mathee Jadia, n° 119. Boveati D.— Skeiehes, x 122 Caragiale, TL. — Lima Carta Perdida, man Chcige, A. — Sobre or Mater do Fumo, aria. Cocteau, J. — A Vor Humana e 0 Ben- tiroso. n° 126. Calli, J. — Posto, a 114. Goutisho, Paulo Cesar —" A Lika dos Vints Anos, 2" 108 Dostolevakl” Grande Inquisidor, aril Durrenmat. F. — Diilogo Noturno de um Homem Vil, 5° 67. Fonstea, RH. M. S. Cormorant om Paranagus, 3° 128. Fuss, RA. Dentita ¢ seu Pacienter Amor, Sexo ¢ Esclerose, 2 132. Ghelderode — Or Vethos, 2° 98. Gibson W. — Doss na Gangoee Gogol — 0 Matrimsnio, 2 Gucrdon, D. — A'Tavanderia, nt 110/111 Homero’— A Odisia, a? 116, age, W. — Tarde. Chuvose, a” 117 Jablonskl, BA Claudinha Esti LA Fora, a 131 Katia, F. —O Guarda do Tamalo, at 97. et 123 Kaiser, G — Prosergdo do” Guerrero, 297, KKartua, M. — A Casa dor Vethos, n° 114 Linhares, Ricardo — O Dia em que John Lennon ‘More 20 102. Lorde, A — O Sistema do Doutor Gou- drone do Professoe Plame, n! 112. Machado, Maria C. — Sietcher, * 131. Macteiack M.— Inferior, a? 119, Marivaux — © Topo do Amor e do Aca- 2, 0 127, Marx, Groucho — Selopto. de. Sketches Cémicos, nt 113; Liso de Btiqueta, n° 116. Molitre — Médico Fora, 9° 108. Masset A. de — Pandas, 3 104 na Secretaria d'O TABLADO Navarro, Antonlo R. — © Ser Sepuito, wilt Nunes, Ananaria — Geraglo Telanon ay, OrCascy, S.— Uma Libea em Dinheeo Vivo. a 124 Otis, Donapaoe — OTe da Ra. io. a" 9% Era wma vez nos amas 50, 05 de Amoe, rick mis Pereira, V. — Colar de Diamante, 133. iater, H. — Selesdo. de Sketches, a? 120 Plasto — Os Meneemos, a 11k. Renard, J. — Pega-Fogo, m 108 Santiago, Thiago — 0 “Aufo do Ret e106. Sayto, W, — Uma Casa Brasileira com Cera, of 129. Robert Renda Shakespeare, W. — Macbeth, n* 115. Vicente, J. — Hoje & Dia de Rock, 119 Wagner, Felipe — Eternamente Nunca, 2 106 Williams, Tennessee — Algo que nfo & Fatado. n° 99; Essa Propredade Bath Con- dena, n° 104 Wide Oscar — Scfomé, n° 103. Wilder, T. Infancia, nt 121 Woltya, K. — A Loja’ do Ourves, nt 125 ATIVIDADES D’O TABLADO: CURSOS DE IMPROVISACAO: andreia fernandes ‘racy m. mourthé bia junqueira bemnardo jablonski ico caseira dina moscovict fernando bechy flavio lanzarint guida vianna joao brandéo luiz carlos tourinho we maria clara machado ‘maria clara mourthé maria vorhees milton dobbin ricardo kosovski thais bationt PUBLICAGAO: REVISTA “CADERNOS DE TEATRO” sinatra M28) occ cose eeeces ORB 100,00 INDICE = So Genésio — Padroelro dos Artistas — Jorge Leo Teizeira 2.2... 1 0 Ultimo Stanislavaki — Fatima Sadi a — Corpo e Movimento: Hxercicios — Derek Bowskitt . 8 A Arte Visceral de Antonin Artaud — Ri cardo Kosovski ir Texto para Estudo: Hora do Almogo — Jean Kerr hie ak 0 Baile dos Ladroes — Jean Anowith, 26 Estas publicagses poderfo ser pedidas & Secre- tarla @O TABLADO mediante pagamento com cheque, em nome de Eddy Rezende Nunes — O TABLADO, pagivel no Rio de Janeiro, Em caso de vale postal, o mesmo de- vera ser remetido a agéncia dos correios do Jardim Botanico-RJ, sempre em nome de Eddy Cintra de Rezende Nunes. Nimeros atresados podem ser adquiridos da mesma forma, pelo preco atual, ‘Composto © impresso pela GRAFICA EDITORA DO LIVRO LTDA.

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