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PAISAGENS URBANAS POS-MODERNAS: MAPEANDO CULTURA E PODER Sharon Zukin Acconjuntura de mudangas espaciais, culturais ¢ sociais que tanto estimula 0s que, nos tiltimos anos, tém ‘escriig SOBtS cidades, esta reunida de modo bastante impreciso no termo “paisagem urbana pés-modema’. Embora nenhum critério claro separe as cidades modemas das pés-moderas, percebemos que algo mudou na main 10 organizamos 0 que vemos: 0 consumo visual do espaco € do_tempo, que est4 a0, mesmo tempo acelérido ¢ abstraido da logica da produgio industrial, obriga & dissolucio das identidades espaciais itadicionais e A sua reconsttuigio sobre nevis ‘De um modo geral, a pés-modemidace ocorre como lum’ pfctesso" social Ué “dissoluglo e rediferenciaclo ¢ como uma metéfora cultural dessa” experiéncia, ” Conseqientémenié, 6 processo social de construgao de uma paisagem pés-modema depende da fragmenta- ‘Glo econdmica das antigas solidariedades urbanas ¢ de uma reintegracao que € fortemente matizada pelas rovas formas de apropriagio cultural. A genialidade dos investidores imobiliatios, nesse contexto, consiste ‘em inverer a narrativa da cidade moderna, tomando-a um nexo ficticio, uma imagem que uma larga faixa da populacdo pode comprar, um panorama onfrico de consumo visual Elementos dessa visio dio forma 20 vocabulitio comumente usado pela critica cultural, pela geografia radical e pela economia politica urbana. Assim, Fredric Jameson ¢ Edward Soja esifo cativados pela preeminéncia do espago sobre 6 tempo na pés-modernidade; Phil Cooke vincula a reorganizagao urbana © ute exo fl publicedooriginalmente em Shacon Zukin (1991) Landscapes of power: From Deo to Disney World. Betkeleyftos Angeles: University of California Press. No Brasil, ta taduglo dese trabalho fol publicads pela primeira vez em Sharon Zaki (1996) "Pisagens turbanas poe anode mas: Mapeando cute pode. Revetado Patriménlo Hstrico « Arttico Nacional 0°24 Trad de Silvana Rubio. Revsio a raducdo de Pedro Maia Soares, as «regional 2 reestruturacio econémica global associads a0 pés-fordismo, e David Harvey enfatiza, sob a rubrica la “acumulagio Mexivel” ~ ¢ influenciado por Debord e Baucrillacd ~ o quaatoa apropragdo cultural {ofriou-se uma estratégia de aumento do valor econdmico, Quando pressionados para darem exemplos, todos ‘eles sugerem as mesmnas imagens: eles entendem a paisigem urbana pos-modema, por um lado, em termes de torres alts ¢ polidas que voltam suas costas paraa rua (0 *hiperespago", de Jameson), usando seu virtuosismo técnico para encerrar uma imensa massa de trabalhadores de escritérios, turstas e consumidores em uma visto panorimica do bazar da vida urbana. Além do conhecide Hotel Bonaventure, em Los Angeles, € do Renaissance Center, de Detroit, tais projetos incluem 0 complexo empresarial Bradgate, em Londres, até certo ponto, toda a nova construcio das Docklands, Por outro Indo, porém, uma paisagem urbana pos-modema também diz respeito & restauragao e 2 renovacao de antigos lugares, 3 sua abstracio da lgica clo capitaismo industrial ou mercantil,e & sua renovacio como espagos de consumo na tiltima moda, por tris das paisagens de ferro fundido ou de tjolos vermelhos do passado. Entre esses lugares, estio Favneil Hall e Fan Pier, em Boston; o Inner Harbour, de Baltimore; o South Street Seaport, em Nova York, 0 Covent Garden, em Londres; ¢ a Princess Street, em Glasgow (cf. Harvey 1989, Jameson 1984, Scott ¢ Cooke 1988, Soja 1968). © ¢spago incita € imita a ambigtidade. Os sitios especificos da cidade moderna sto transformados em \ Spaces limindré> ps moderncs, que tanto falsciam como fazem a ihediagio ene natureza e anlaio, aio Ppablico ¢ valor privado, mercado global e lugar espectico, Liminaridade, aqui, remite ao conceit de Viet ‘Tumer, subvertido por Jean-Christophe Agnew, que alterou 9 significado antropol6gico original de “ta de certos grupos, especialmente grupos de idade, de um status social para outro”, confeiindS-To tenne novo significado social e cultural de “espago transicional".' Nomear um espago como “limi ar”, contudo, simplifica o fenémeno, Misnirando funcdes ¢ hiswriag, um espaco liminar situa o, usuario “a meio camlaho™ entre Instituigées. O comportamento aprendido € sempre posto em questio quando a liminaridade cniza lugares lucrativos com nao lucratives, casa com espago de trabalho, bairro (restdencit!) com centro Comercial). O espago liminar pode também gerar confusto ontol6gica entre a introspecgtio individual © os produtos da fantasia coletiva comercializada, como ja descreveu E.L. Doctorow (1971). A liminaridade dificulta 0 esforgo de construgao de uma identidade espacial. As mesmas caracteri «que tornam os espagos liminares to atrientes, tio competkivos em uma economia de neicadn, epresaninne \ tdmbeni & desgaste da diferenciagao local. As fontes dessa erostio encontram-se em trés amplos proces { mudanca que atravessam.o século XX: a crescente globalizagio do investimento e da produgho, a abstracic continua do valor cultural era relacao 40 tabalho material ea mudanga do significado social que era extra 2 produc hoje deriva do consumo, Contudo, o espago liminar situa essas mudangas gevals oor Roses 1 Anda que Ture disinguisecuidadosamente ots lininares de passagem coltiva nas sociddes tba as arias mais antiga das Zonas linindides ov ds margitalidace, que sBo abertasindividualmente na socedae indestal modems, sun tendéncia a usar o terme ‘amplamente foi erica. Ver Turner (1982). Agnew (1986, cop. experitcia de vida, modelando a expresividade das fours® didrias ¢ estendendo 0s limites de nossa perspectiva, Assim, ‘uma paisagem urbana pds-modemns. ng apenas mapeia cultura ¢.poder -mapeia também. fp oposigho_entre «mercado Teas econémicas.que_ desvinculam.as_pessoas_de.Insuic®es Soc “estabelecidas — 1s formas espaciais que as ancoram no mundo ‘social, proporcionando 4 base para, ‘ima identidade estavel (ver Zukin 199). (© processo de. mapeamento.€ imporante para entendermos a transformagao anual da paisagem, que & recosPedamente o maior exemplo de apropriagio cultural de nose [TPS Longe de ser uma mera reezganizagio cognitva, como a Tetra suave que Jameson fez do ‘urbanista, Kevin Lynch pode sugerir, © smapenmneno da. pssager € un processo etna gus 0 essonincia tanto no ambiente construido como,,'s+"77"2» rua representagio clei, [so exlge wma etre as vjindmeica das estruturas-espaciais do que aquela dy owe Froporia pelo concelo de babitus de Pier Bourdieu requs! st inseric2o do capital nas formas espaciais, pee inscrigao que admita, contudo, 2 influéncia reduzida a légica de producio. Isso reques um modelo que rads o individual, que realize um orquestacio, de formas expaci -e praticas culturais, 'A pos-modemidade sugere, de ato, dias formas contrasaes G& PESEST ‘urbana arquerfpica. Para cidade: amtigas, como Nova York, Londres e Pars, as tansformasdes a pés-modemidade sto formuladas @ partir do enobrecimento. Todavia, para cidades mais novas ~ e principalmente para projetos de desenvolvi- aan te etpano, especialmente aquetes fore das “idades pés-modernae) como 1 ‘Angeles © Miami — 2 paisagem pos-modesna toma a forma do Walt Disney World na Florida (daqui em diante, Disney World). Esses exemplos certamente nfo S20 representatvos de todas as wansformasoes cespaciais; tampouco afetam de mod igvalossetores mais ¢ menos afluentes da populagdo, todas 2§ regides da economia nacional, aa todos oF paises “desenvolvides’ do mundo, Mas o conjunto de temas it representam, sua importincia aes cama cultura global comm (orientada pars o consumo), 2 vsivel desiulGho ‘criadora da paisagem toe eles causa sob auspicios pivados lea-se mercado) fazem do fenabrecimento ¢ do Disney World. rapeamentos pés-modernos esseniais de. cultura s Pode. ‘Apaisagem como apropriacéo cultural _Paisagem & o conceito-chave para compreendermos a transformasao ‘eapatial, A partir da nogio académica sgade ue pEnere de pinur, a pasagem ampiion seu significado par ince ma THEO? sultura material, (79217 do “texto” e do processo social (cf Rowntree 1986). © termo também. \dg para referir.metaforicamente a”, is, como, por exemplo, um campo institucional paisagem financeira"), uma consimeae "FC fendmenos nao ‘S75 eam ngs gemifcavion diz epic so process plo ial a res qu, nis abinds Ps Pn pobre € altersda pela populagto Dn a ce yotea vera ove ret mum sent do vorimbiio «na ada depo S riginal, Para evita 0 uso aa isu de npn, pe "embene ne” ur reser cored ect rai original. (do a3 mo > como paisagem’) ou, num sentido mais amplo, uma nte (a. akagem histricn’), Ao mesmo ternpo em que refletem, em parte, uma. percepsBo ‘espondem tambe “gga 4x5. quetoma oespago equiva i que, 20 mesmo mo ponto de convergéncia yf dabiografia vndsidate deiner fanga Gl. Gregory e Unry 1985, Soja 1985). Contudo, quer tomemos um ponto de vista hist6rico, quer tomemos um ponto de vista estrutural, a nyt }\, paisagem é claramente uma ordem espacial imposta a0 ambiente — construfdo ou natural. Portanto, ela é ‘sempre socialmente constmsida: € edificada em tomo de instituigdes sociais dominantes (a igreja, 0 latifGndio, a Fabrica, a franquia corporativa) oek © “papa” dos gedgrafos da paisagem, J.B. Jackson, contrasta essa visio de uma ordem imponente e majestosa com as criagées mais, despretensiosas, “autoconsiruidas’, da sociedade local que as pessoas comuns desenvolvem ao longo do tempo. Mesmo que a Galepem pte ea paisager oe lu Tiga daquleanbene eta ala isl com propos Desse modo, a paisagem dé forma material a uma asimeta ene 0 poder econémico o cultural, Essa assimetria de poder modela o sentido dual da paisagem. Ainda nos termos de Jackson, o termo *paisagem” diz respeito a chancela especial de instituigdes.dominantes na topografia natural e no terreno social, bem “come a todo o conjunto do ambiente consiruido, gerenciado ou reformulado de algum modo. No primeiro “sentido, a paisagem dos poderosos se opée claraménté 4 chancela dos sem poder - ou seja, A construgio social que escolhemos chamar de vernacillar ~, ao passo que a segunda acepcao de “paisagem” combina ‘esses impulsos antitéticos em uma visio Gnica e coerente no conjunto. No sentido usado pela hist6ria da arte, “paisagem” sugere o poder assiméirico em termos da capaci impor uma visto. A “pincura de paisagem” tradicionalmente se refere a uma cena da vida no campo, 2 perspectiva através da qual esta é vista. No entanto, 0 ato de tom: a tem conseqliéncias para “a percep¢io cognitiva e para a apropriacio material. As inovagdes em cartas € mapas estio por tris da emergenci dos grandes poderes comerciais da Europa nos séculos XV e XVI. E, em meados do século XVM, a pintura de 3. Grifos meus; para a conceimagto completa, ver seus entaios em Jackson (198). paisagem tinha-se tomado um sucesso de tal Ordem, que 0 cenério rural do norte da Europa passou a ser visio como se estivesse cm um quadro. Quer se tratasse da paisagem senhorial do campo inglés, quer se watasse da paisagem plana da Holanda (menos diferenciada por classe social), ela era cada vez mais mediada pela forma. AA paisagem material era mediada por um processo de apropriagio cultural, ¢ a histéria de sua criagio foi ‘subordinada 40 consumo visual (ver Alpers 1983, cap. 4, Barrel 1972, Harvey 1988). eet Do ponto de vista do "ponto de vista", assim como em termos de recursos, a classe superior goza de um poder assimétrico na paisagem. Uma vez que a aristocracia e @ nobreza eram geograficamente moveis — ainda que por distincias curtas ~, elas expandiram seu repert6rio de paisagens para 0 consumo visual. ‘Sua mobiidade(.) signifiava que a arietocacs «nobrens mio estavam, ao contrisio da maioria da populago rraremediavel> ‘mente envelvidas,digamoeatsim ~ presas a qualquer localidade paniclar quero tnham temp, dinheiro ou mesmo qualquer rarto para deixar 0 sigificava, também, que elss iam aexperdnca de mas de uma paisagem, de mais do que uma epi geogrien, , mesmo gue io vajasem muito, exavam acosturiadas, por sua cultura, noydo de mobile, e pada imaginaroxres plsogens ‘com faciidade. Barrel 1972, p. 73) De modo similar, 0 “fluxo de capitis" vincula atvalmente a mudanca da paisagem material capacidade 6,9) de se imporem perspectivas millipla, a partir das quais essa paisagem pode ser vsla. Enguanio o capital sue pode sear una paiegem que de on moo, peoaneceh este, vt rp caused plas, Jan orgas do mercado", i no VerTACUlaF esto, in ‘Right, vinculados 40 ugar™ ASSim, Gs Hcereses Capi desetvipenlia a dialgtica entre mercado ¢ lugar” Alem disso, como conseqliénci Shoe mo vernacular © poder assimétsico no sentido visual sugere‘a grande capacidade dos capitalisas de projetar a um repertério potencial de imagens ¢ de desenvolver uma sucessio de paisagens reais ¢ simbdlicas Gue.”,"* inem cada perfodo histrico ~ incluindo a pds-modemidade. Isso inverte a maxima de Jameson, segundo, ¢2 pv" | 2 qual Farquitetura € importante porque é simbolo do capiulisme. Ac contro, a arqultetura.€ imi Bouter porgue & o capital do simbolismo, ‘As cidades modernas antigas (construldas entre 1750 e 1900) eas cidades modernas recentes (cofstruidas entre 1900 e 1950) sugerem duas paisagens urbanas contrastantes que expressam paradigmaticamenté'a forma como a paisagem dos poderosos coexiste com a vernacular, a daqueles sem poder. Em antigas cidades modernas, como Nova York, Chicago, Londres ou Patis, a paisagem pélitica (e financeica) concentrava 0 poder no centro; esse poder era visualizado como a silhueta dos edificios tontra 0 ‘céu~a palsagem da prépria cidade miodema, Enquanto isso, 0 vernacular ocupava amplas fatias da’cidade historica central, seus alojamentos, galpdes de manufaturas e apartamentos subsidiados pelo poder pablico, disputando as brechas dos grandes edificios das instituigBes dominantes. A mudanga do valor econdmico do solo utbano em relagao a outros investimeatos fomece o contexto no qual a paisagem foi consirufda zo longo do teripo. Contudo, a legitimacio do uso do espaco por grupos sociais especficos freqlientemente decorreu ua revisio da paisagem fomenta panic dey xiFc gine ed Sos padrdes culturais da ocupacio histérica ou.da habilitagio social." De 1900 até o inicio dos anos 60, ¢ ‘idade “modeme” tinha a aparéncia de uma tapecaria inalterada, que justapunha paisagem vemacular: Costa Dourada cara a cara com 0 baitro miserdvel, a colina nobre proxima do gueto.> Novas cidades modernas, por outro lado, nto possuiam essa concentragao espacial que equiparava centralidade a poder. Em Los Angeles, Miami e Houston, toda a cidade esteve até bem recentemente

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