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Mania 0a Gtoats Gon TEORIAS DOS i MOVIMENTOS SOCIAIS g % PARADIGMAS CLASSICOS E CONTEMPORANEOS: ssumindo 0 risco de cometer equivoces ao busearmos fagrupar teorias de determinados paradigmas, pode- ‘mos distinguir dois grandes deles na Europa depois 1960, agru- ppados em duas grandes linhas de abordagens, a saber: a neomar- sista e a culturalista-acionalista, que se eonsagrou como a dos Novos Movimentos Sociais. Na corrente neomarxista temos as ‘teorias dos historiadores ingleses Hobsbawm, Rude e Thompson, ‘ea teoria histérico-estrutural representada pelos trabalhos de Castells, Borja, Lajkine, nos anos 70 80. Na corrente dos | Novos Movimentos Sociais destacam-se trés linhas: a histérico- -poltica de Claus Offo, a psicossocial de Alberto Melucei, Laclau fe Mouffe, e a acionalista de Alain Touraine. Alguns analistas ‘agrupam os trabalhos de Castells, Touraine, Laclau, Offe ete. sob 0 rétulo de neomarxistas. Consideramos incorreto agrups-los todos num mesmo bloco, pois uma coisa é utilizar-se de algumas premissas ¢ outra é retrabalhar a teoria som abandonar seus fandamentos bésieos. Os argumentos justificando as diferencas {que assinalamos acima fieario mais claros ao apresentarmos a anélise de cada uma das teorias. Desde logo deve-se assinalar ‘que exiate um razodvel grau de aproximagao entre as correntes \dicadas na abordagem neomarxista e grande diferenciagao — fe em alguns casos até mesmo oposigao — entre as correntes, ‘cima agrupadas nos NMS. Assim, Touraine realiza uma ané- lise macrossocietal e Melucei trabalha com estruturas micro. Offe utiliza eategorias neomarxistas e critiea as abordagens micro, Mas os trés usam a terminologia Novos Movimentos Sociais. De forma geral, quando se fala em movimentos sociais a partir dos anos 70, @ teoria que vem & mente é a dos Novos Movimentos Sociais, porque foi construida a partir da eritica & abordagem eldssica marxista e gracas a ela desenvolveu-se um intenso debate com paradigma acionalista norte-americano, 120 0s paradigmas europens sobre or movimento sociae ‘Apesar de ter influenciado varios trabalhos na América Latina, cela nao teve a hegemonia nas diretrizes tebricas dos trabalhos 14 desenvolvidos, dividindo o espago com as toorias neomarxistas, ‘As razbes destas opeoes serio explicadas na tereeira parte des. te live. Iniciaremos a anslise dos paradigmas europeus com a teoria os Novos Movimentos Sociais porque, além de ter estabelecido © debate jé mencionado com as teorias norte-americanas tratadas ‘nos capitulos anteriores, ela também buscou a superagio de dif- culdades da teoria marxista européia, a ser tratada no préximo capitulo, Para finalizar, relembramos outra observagtio destacada no infeio: no caso norte-americano falamos em paradigma, no singular, e para o caso europeu estamos utilizando o plural. Isto porque, apesar das diferencas de énfases nas teorias apresen- ‘tadas na primeira parte, agrupadas em trés grandes blocos: as cléssicas, a Mobilizagio de Recursos e a Mobilizagio Politica, todas elas ttm denominadores e cortos parimetros comuns, & «lo continuidade a linhas basicas de investigagao. Tal no ocorre com 0 caso europeu, em que hé diferencas radicais nas premiseas © andlises realizadas pelo paradigma neomaraista, por um lado, e pelo paradigma dos Novos Movimentos Sociais, por outro. Os neomarxistas fazem uma revisto da teoria marxista, sem levar ‘2 cabo uma ruptura total com varios de seus postulados basicos. A teoria dos Novos Movimentos Sociais ¢ ambigua — alguns partem de premissas totalmente distintas do maraismo (eomo ‘Meluce), outros fazem uma ruptura na forma de abordagem, mas trabalham com as macroestruturas societais (caso de Touraine), outros ainda questionam a validade da utilizagao de alguns rognésticos realizados por Marx, arguiindo pela necessidade de sua atualizagdo — dado as transformaghes histérieas —, sem negar a validade das eategorias basicas (caso de Off). O PARADIGMA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS 1 - Caracteris as gerais Partindo da inadequagao do paradigma tradicional marxis- ta, denominado por alguns elissico ou ortodoxo, para a anélise dos movimentos sociais que passaram a ocorrer na Europa a partir dos anos 60 deste século, assim como fazendo a erftica aos ‘esquemas wtilitaristas e as teorias baseadas na légica racional e cestratégica dos atores (que analisavam os movimentos como negé- ios, céleulos estratégicos ete), Touraine, Offe, Melucci, Laclau e ‘Moufe, entre outros, partiram para a criagao de esquemas inter- pretativos que enfatizavam a cultura, a ideologia, as lutas sociis cotidianas, a solidariedade entre as pessoas de um grupo ou mo- vvimento social eo processo de identidade criado. As caracteristicas sgerais bésicas dos NMS seriam: Em primeiro lugar a construgao de um modelo tedrico ba- seado na cultura. Os tedricos dos NMS negaram a visio funcio- nalista da cultura como um conjunto fixo e predeterminado de normas e valores herdados do passado. Apesar de trabalharem com as bases marxistas do eoncelto, que vé a cultura como ideo- logia, eles deixaram de lado a questo da ideologia como falsa re- presentagto do real. Sabemos que no paradigma marxista 0 coneeito de ideologia esta intimamente associado 20 de conscién- cia de classe. Esta iiltima, por sua vez, por ser formada por um m ma 0 paradigms earapeus sabre ot movientossociie ‘rocesso de coniits dados pelas estruturas de poder e desigualda- des sociais, em que o eeonémico tem prevalénca, ir influenciar os conflitos dos movimentos. Como a catogoria da conseiéneia de classe nao tem relevineia no paradigma dos NMS, mas apenas 2 das ideologias, atuando no campo da cultara, concluimos que a categoria da cultura foi apropriada e transformada no decorrer de sua utilizagto pelo paradigma dos NMS. Ao longo dos anos, tal paradigma seré influenciado ainda pela interpretagao pés- -estruturalista e pés-moderniata de cultura, eentrando suas aten {5 nos discursos como expressdes de priticas culture ‘Em segundo lugar, a negagdo do marxismo como eampo te6rieo capaz de dar conta da explicagao da agdo dos individuos «©, por conseguinte, da a¢do coletiva da sociedade contomporanes tal como efetivamente ocorre. Apesar da simpatia dos teéricos ddos NMS pelo neomarxismo, que enfatiza a importancia de cons- cidncia, ideologia, lutas sociais esolidariedade na agao coletiva, ‘© marxismo foi deseartado porque trata da agio coletiva apenas no nivel das estruturas, da agao das classes, trabalhando num tuniverso de questdes que prioriza as determinagées macro da sociedade, Por isso ele nio daria conta de expliear as agiea que ‘advém.de outros campos, tais como o politico e, fundamental- ‘mente, o cultural; 0 que ocorre é uma subjugacao desses campos ‘a0 domfnio do econémico, matando o que existe de inovador: 0 retorno e a recriagio do ator, a possibilidade de mudanga s par- tir da agto do individuo, independente dos condicionamentos das estruturas. £ importante destacar que @ negagio do marxismo refere-se a sua corrente classiea, tradicional, vista eomo ortedo- xa, Mas algumas de suas eategorias bésicas, como a da ideolo gia, influenciaram a fundamentacio de um conceito central dos NMS, o de cultura Em terceiro lugar, 0 novo paradigma elimina também 0 ‘sujeito historieo redutor da humanidade, predeterminado, con- flgurado pelas contradigbes do capitalism formado pela “cons- cigneia auténtica” de uma vanguarda partidéria. Ao contrétio, ‘novo sujeito que surge é um coletivo difuso, nao-hierarquizado, em luta contra as diseriminagdes de acesso aos bens da moder. nidade e, a0 mesmo tempo, eritico de sous efeitos nocivos, a partir da fundamentagao de suas agdes em valores tradicionais, 0 paradigma dos noves movimentossciit ns selidéros, comunitérios, Portanto, a nova abordagem elimina a antraidade de um sujeito expectico, predeverminado, e ve os patieipantes das agbes coletivas como atores socials Bm quarto Iugar, a politica ganha centralidade na andlise ¢ 6 totalmente redefinda. Deixa de ser um nivel numa eseala fem que ha hiorarguias e determinagies e passa a ser uma di ‘nensto da vida soeial, abareando todas as praticassociis (Laclau ¢ Mouffo). Esta perspectiva abriu possibilidades para se pensar ‘2 questio do poder na esfera publica da sociedade civil, nos ter- {nos de Foucatte no apenas nas eaeras do Estado (Off, 1985). Destaque-se que a dimensto politica ¢ utlzada prineipalmente restos estatas. Em quinto lugar, os stores socais so anelisados pelos teé- ricos dos NMS priortariamente sob dois aspectos: por suas agoos ‘coletivas e pela identidade eoletiva eriada no processo. Observe- “se que so enfatiza a identidade coletiva criada por grupos e no a identidade social criada por estruturas sociais que precon- figuram certas caracteristicas dos individuos. Os aloes produ: 120m a acho coletiva, nos dizeres de Meluee, porque sto capazcs de se autodefini, 2 si mesmos © a sou relacionamento com 0 meio ambiente. Nao e trata de um process linear mas de inte- raplo, negociagdo, e de oposigio de diferentes orientagdes. O grande destaque seré para a ligica que cria a identidade colet- va que permeia as agtes de um grupo. Bla é mais importante ‘que a racionalidade instrumental ou estratégica defendida pelos ‘Americanos. A identidade coletiva tem centralidade nas expic ses dos NMS, Nao devemos nos esquecer também de que 0 uso da categoria identidade na andlise dos movimentos sociais nto {oi introduzido pelos tedricos dos NMS. Ela esta presente no tr balho de Tumer e Klapp em 1969. S6 que aqueles autores est ‘vam mais predeupados com a identidade individual, pessoal, © zo com a coletiva. Na realidad, a preocupacio com a identi dade individual advém dos interaconistassimbolicos;e Goffman (4968, 1967) retomou suas implicagoes para 2 andlise socilégice, a8 (0s paradigmas europens sobre of movimentot stints por exemplo quando do estudo da importaneia da auto-imagem. 0 interacionismo simbélico, que vé a cultura como erencas, metas, expectativas e motivagies, também influeneiaré o paradiga dos [NMS na formagio das representagies sociais. E, como pudemes ‘bservar no capitulo anterior, o debate da MR com os NMS envol. ‘yeu a absorgéo da questio da identidade pela primeira por meio da retomada de Goffman, Nos NMS a identidade 6 parte constitutiva da formagto dos movimentos, eles crescem em fungio da defesa dessa identida. de, Bla se refore a definicio dos membros, fronteiras e agies do ssrupo. Jean Cohen (1992), ao estudar a questao da identidade coletiva, introduziu uma distincio entre identidade orientada e estratégia orientada para que se pudesse entender por que os ‘movimentos soriais se movem. Isto porque, segundo a autora, ‘sem um entendimento do processo que di contetido a esta iden tidade, mostra como é formada e quais as paixdes que motivam 0s diferentes atores sociais, fica dificil explicar a dinamica dos ‘movimentos sociais. Retomaromos a discusado da identidade co- letiva a0 analisar o trabalho de Melucci, na segunda parte deste capitulo, Concordamos com Foweraker (1995) quando ele afirma que © paradigma dos Novos Movimentos Sociais define-se a partir da identidade coletiva, 86 que esta centralidade deixa de lado a categoria do “novo” que nomeia o paradigma. O proprio Melueci firma que “o ‘nove’ nos Novos Movimentos Sociais é ainda uma questo aberta” (Melucci, 1996: 5). Ainda segundo Foweraker “uma das principais afirmagies da tese dos Novos Movimentos Sociais 6 que eles sao novos porque nao tém uma clara base classista, como nos velhos movimentos operdrios ou camponeses; ¢ porque nao tém um interesso especial de apelo para nenhum daqueles grupos. Sao de interesses difusos” (1995: 40). Assies, Burgwal e Salman (1990) observam que 0 “novo” se refere a ‘muitas coisas. Na Europa se contrapde ao “antigo” movimento dia classe trabalhadora; na América Latina se refere 208 movi: ‘mentos que nao se envolviam com o8 esquemas da politica populista, do jogo de favores e relagies elientelistas, Em ambos 93 cas08 0 que ha de novo realmente é uma nova forma de fazer politica @ a politizagao de novos tem 0 paradigma dos novos movimenassvtais ns [Na realidade, a melhor contraposigho entre o novo ¢ o velho foi feta por Offe (1985), que discutiremos no ultimo tapico deste capitulo. Pesquisadores europeus ¢ americanos demonstraratn {que movimentos de jovens, de mulheres (sufragistas), pela paz, do estudantes, rligiosos (Temperance-EUA) ete, jé haviam ocor, ido no infeio do século (Johnston, Larafia e Gusfield, 1994), Eles sustentam que “uma das contribuigbes da abordagem contempo- riinea dos Novos Movimentos Sociais foi ter chamado a atengao para o significado das mudancas morfolégicas na estrutura e na, ‘acuo dos movimentos, relacionando-as com transformagies estri- tarais na sociedade como um todo. As mudangas #80 portant fontes dos movimentos. Mas o conceito de NMS seria difieil de ‘laborar por se tratar mais de uma forma de abordagem do que

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