Os Principios Da Cosmologia Algra PDF

You might also like

Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 12
3 Os principios da cosmologia Kenre Ascra Isrropugio: aro & cosmoLocia cosmologiafilosefica grega no se origina completamente do nada. Os primeiras cosmélogos filésofbs ~ a quem geralmente s¢ refere como os ‘cosmélogosjénios ou miléscs, visio terem atuado em Mileto, na Jonia - po- deriam estar reagindo a, ou mesmo elaborando, concepsies populares que ‘xistiam jd tempos no mundo giego.' Algumas dessasconcepgdes populates podem ser vislumbradas na poesia de Homero ¢ Hesiodo (séeulo VII aC). Em Homero, o cosmas € concebido como uma terra plana cereada pelo oceano (0 rio Okeands)c coberta por um eéu hemisfético dotado de so, lua ¢estelas. No século VIII a.C, o curso anual do sol eo nascente o poente de algumas constelagées haviam sido integrades a um primitivo calendirio sazonal, As lu- rages eram usadas para propésivos de pequena escala(‘o vigésimo sétimo dia domes melhor para abrir uma jarrade vinho": Hesfodo, Trubabhes dae 814) «em algum momento — embora 10 haja disso quaisquer tragos em Homero ‘ou Hesfodo—, algurma forma de elenditiolunissolar ¢ estabelecida* Tradicionalmente, protagonistas cdsmicos, como a terra, 0 sol ea lua, «exam pensados ¢ adorados como deuses, ainda que seu culto na Greécia nao patega ter adquirde o starus do cult dos deuses olimpicos, bem conhect- do do mito ¢ da poesia. Mas mesmo em Homero, quando Zeus convoca "Para uma bordagem dathods de como Homere « Heside dao forme 8 culure hablo pales priaitosflésofos grogos, ct. Moe, reso volume, p. 424.425. 2 Sobre ot calendriot © 2 zonclogiaantigos, ef. Bickerman [83] 27-04 © Ch Burka (85) 174176, 92. Pmménoios msm Greed ‘uma reunio dos deuses (Mada XX.1-18), comparecem também os tios, 2 excegio de Okeands,¢ as ninfas, Era possivel dirgir-se ao sol, terra, 20 éu, 206 rios ¢ aos ventos em oragSes € invoci-los como testemunhas de juramencos. Alguns olimpicos também estavam imbricados em ~ e, em alguns contestos, identifcades com ~ fendmenos eésmicos particulares (Zeus enquanto aquele que redine as nuvens e deus do céu, Poséidon como deus do mar ee.) Além disso, tanto no mundo grego como nas culcuras suas vzinhas no otiente préximo, circlavam histérias micas a respeito da origem do mun- do, concebido este como o nascimento sucessivo de divindades césmicas.* Em tal contexto falar do cosmos significa falar dos deuses,e veorias a respei- ‘co daorigem do cosmos (cosmogonias) sio, na verdade, histdras que rlatam a genealogia dos deuses (reogonias). O exemplo elissco desta categoria no mundo grego arcaico & a Tegonia de Hesiodo (segunda metade do século VIII .C.) Na obra, os primeicos estégios da histria do cosmos so retrata- dos como segue (Theog. 116-133): Primeino de todos surgiu 0 Caos, depois a Tera (Cia) de seios Ingo, para sempre firme assenco de tudo, ¢ 6 Tértazo sombrio, no fando da terra de ‘caminhos amplos, ¢ Eros, © mais belo dos deusesimorais, ele que toma linguidos novsos membros, que subjuga a mente © o comelho pradente de homens ¢ dewses, Do Caos, surgem 0 Frcbo e a negra Noite: da Noite, 0 Frere 0 Dia, que coneebeu e deu a lz depois de combinarse amogosa- ‘mente com o Erebo. Tera primeito gerou Urano, igual asi mesma, que a cobritia de todos os laos, para sempre firme asento dos ber-aventurados deuses. Também gerou grandes montanhas, belo lar das divinasninfs que habitam as moncanhas coberas de drvores Também gerou o mar, Ponto, sem ato de desfute amoroso. Depois dormiu com Urano e gers Okeonés dos profundosturbilhes [.] Alguns do picipas textos encostamee convaniantemente oligos e rodvldos em Prtchord [125 Pera os rogmenios supétstes de ouror cosmologias oroicos ibuidos © Orley © ‘Musou, ef K 1 2; epreciosio em KRS 21:33, a FS Se Phebe Osrmmeinesoncosnoroan 93 Do modo paratitico caracteritico do politefsmo grego, esa histéria trata 0 cosmos como uma pluralidade de entidades divinas distintas: cada deus tem sua provincia prépria. Os familiares deuses ollmpios surgem depois na histéria e sfo ainda mais plenamente antropomorfos quanto a0 caréter, ‘mas também as divindades mais “abstratas” desses primeiros estos, como Noite ea Terra, que desempenham seus paps logo apés os primeiros pin cipios desde © Caos primevo, comportam-se de maneira antropomérfica: fazem amor e geram descendéncia Isso pode ser araence enquanto historia (rthos), mas no passa de urna ceplicagio parcial. Por que precisimente a divindade A faz amor com a di- vindade B permanece to obseuro como os descaminhos do amor no mundo ‘morta, Leitores ou ouvintes podem accitarenses elementos da histria como vverdadeitos, mas em um sentido relevance eles nao entenden: o que estkacon- tecendo, Ademais, 0 mecanismo explicativo dos deuses que, a0 fazer amor, geram outros deuses aparentemente permite excegdes, © mar, por cxemplo, gerado pela ‘Terra sem qualquer ato amoroso, Nem fica claro em todos os «casos por que 0 deus V nasce do deus X: os diversos estigios da histéria no io ligados de modo muito persplcuo. verdade que em muitos casos pode- se idemtificar uma espécie de légica por tris do fato de que esta divindade nasce daquela, mas iso fica sempre aberto a interpretasée, de modo que a conexio que uma e outra interpsetagGes tém a oferecer pode ser bastante diversa, Diz-se, por exemplo, quea Noite gera 0 Dia, ¢ podemos supor que € porque o Dia se segue & Noite. Mas alhures a Noite ¢ dita mae da Morte (212), provavelmente porque a Noite e a Morte compartlham caracterstcas negativas. Ainda se diz (224) quea Noite é mie do Engodo, ¢ alguns intér- pretes sugetem que assim o porque a maior parte dos engodos ocorre de noite. Mas esas ligagbes Go, na melhor das hipéveses, associativase vag, € nada acrecentam a uma caracerizagio clara e coerente Eiluminador comparar isso tudo & primeira cosmogonia filosdfica cujas links fundamentais io mais ou menos claas, Foi proposta por Anaximan- Aro, pelo menos um século depois de Hesfodo. Suas linhas fundamentals tém de ser reconstruidas a parti de evidéncias indiretas (em particular o © Mais examplos dec intrprotors em West [135] 3586, 94 tmawononos na Fxosor Gros pseudo-Plutarco ¢ Hipélito, DK 12 A10 ¢ 11). sendo que as opindes diver- em no que diz respeito & boa quantidade de detalhes nessa reconstrugio. Contudo, as principais caracterstcas da caracteriragio a seguir nio esto sujeitas& controvérsa ‘Segundo Anaximandro (DK 12.A10), 0 cosmos cal como o conhecemos surgiu de um principio etemo, ¢eternamente cm movimento, quanticativa e ‘qualitativamente indefinido, 0 “ilimitado”(dpeiron), por meio de um proces- so de estigios sucessivos, No primeito estigio, um germe (@énimon)” finite se separa do ilimitado. Diz-s “produit 0 quent ¢ fiio” presumivelmente porque, em certo sentido, esses oposcos esto jé contidos nele. No segundo estigio, o quente (aparentemente, a chama quente) eo fro faparentemente, algum tipo de umidade ou névoa) sio realmente separados ea chama cresce aé atingir as dimensoes de um cértex fgneo em volta do niicleo dimido, parte do qual se seca ¢ se torna terra, No tercciro estigio, a tensio entre os “elementos” opostos se toma tao forte que toda a estrurura explode, O crtex fgneo se artebenta e suas partes sio arremessadas para fora ¢ formam igncos a vitias distincias do centro, que ainda consiste de terrae névoa (a partir daqui seguimos DK 12 A11). Algo da névoa é arremessado junto -envolve os freulos igneos eelestes, deixando abertos apenas alguns furos através dos quais brilha o fogo. Q resultado é a estrurura basica do cosmos familiar: égua, tea e at (és manifestagbes do “frio") no centso,e “rods” (Aécio 1.20.1) de fogo envoltas em névoaa diferentes distincias. O fogo que passa pelos buracos € 0 que percebemos como éorpos celeste. Nos ans dos corpos celests a batalha entre o fogo e a névoa continua a desempenhar seu papel: em alguns momentos os buracos sio total ou parcialmente fechados pela névoa; em outros, o fogo “reconquista-os" ~ o que catactriza diversos fendmenos astrondmicos, como as fases da lua e os eclipses tanto do sol como da la No decurso do processo de ressecamento da terra, sere vivos sio gerados espontaneamence da lama ou do limo. Como peixes ou eriaturas piscbides, Adie 6 coramante de Araximand, mute enbera no salbomes se ee relate sav © Ferme génimon, Fora o Ise dpsiron (tem ines oo especto de seus uios nos primes do ponsamantogrego, cl Mckirchan, nese vem, p. 199, 95 ‘osrancins ox cose nnascem nas pares imidas ¢ sé emolvidos por céntices espinkosos, Quando aleangam as partes secas, os cértcesartebentam ¢ as eriaturas viver ago- ra por um tempo em rerra, Tem-se,afinal, uma pitoresa caracterizagio da getagio dos primeieos seres hummanos, Criangas humanas nao poderiam er nascido da mesma maneira que as demais criaturas, pois sio notoriamente indefesas durante os primeiros anos de sua existéncia, Assim, conta-se, prin- cipiam como fetos em peixes grandes, emergindo apenas quando Fortes 0 stuficiente para nutrirem-se a si pedprios (cf. os textos em DK 12 A30), [Em comparagio com a descrigio em Hesfodo, muito mudou, Em ver da enorme gama de fatores eésmicos independentes em Hesfodo, encon- ‘ramos agora uma abordager redetoa: vitios estigios da cosmogonia, in- clusive a descrigio da geragio dos sees vivos (zoogonia), assim come al- ‘guns fendmenos do mundo tal como ele € hoje, sto explicados por meio de referéncias interagio de apenas dois fatores (0 quente ¢o fri), destacados logo no inicio da origem ilimitada de tudo, Além disso, esses faroresexpli- cativos bisicos nfo sio deuses mais ou menos antropomérfcos. Em lugar deste, a génese do cosmos € explcada em termos de elementos reconhecl- vyeis na natureza, em outras palaveas, a abordagem € natwnalista, Ademais, podemos agora entender @ maneira como se ligam os diversos estigios do processo, Sabemos como o fiio (sob a forma aquosa) ¢ 0 quente incera- gem e cendem a destruir-se mutuamente, Também a adigio de analogias aumenta a inteligibilidade da hits logo no inicio, do qual procede o mundo, é apresentado como uma massa cspermiforme ¢, no segundo estigio, 0 fogo € dito cercar o cere imide como uma espécie de cértex. Hi, com eftito, notéveis semelhansas entre as describes do “nascimento” do cosmos ¢as da gerasio dos seres vivos (© © “germe” que o ilimitado produr dos humanos que sio,a principio, “envolvidos” por peixes). Talvex nfo seja por demais attiscado falar em uma aplicagéo de um rudimentar modelo biolégico de geragao. Hi, ainda, outta diferenga extre as cosmogonias miicas ¢ suas contra- partes flosdfcas ~ una diferenga antes de contexto que de contesido ~ fre~ jtentemente subestimada. A Teaponia de Hesfodo apresenta-se como um Sobre 0 uso da analogia, fay (108), 96 Punénor0s o Puovoria Ga ‘rina? Os conttdos dos hinos no so, em gerl origina. Tendem, antes, a articular e encarar 0 que ¢oferecido pela tradigio.” Da stem paticu- Inemente adequados 4 recitafo ¢ a importantes eventos socase rca. © mesmo aplics-se 8s reogonias, cua principal engGo conectaro pantsio exintente a uma suposta origem do cosmos, donde stem freqdentemente vinculadas a um ritual ¢ um culo.” Essas conexses com a tradigio ¢ um ritual néo sao atestadas (pelo menos plausivelmente nfo 0 s40) no que diz respeto aos primeitos cosmélogos jénios. Estes parccem engajar-se na ativi- ‘dade teria por si mesma, sentem-se livres para especulat & vontade c, como veremos, nfo tém quaisquer escripulos de propor teoriasradicalmente dife- rentes (em aspectos eruciais) daquelas de seus predecessores. "TALES F 08 PRINC{PIOS DA COSMOLOGIA GREGA © primeiro dos trés cosmélogos de Mileo foi Tales. Na antgiidade, cle era considerado 0 omer universal arquetipico: bem versado tanto em «engenharia como em matematica ¢ astronomia,além de engajado na politica de seu tempo, Em rario de tudo isso, nao escreve provavelmente nada, sen- do uma figura obscura jé nos tempos de Patio e Arist6teles. Suas atvidades ‘em geometria parecem ter sido de navureza amplamente pritica ¢ sua obra asirondmica ~ mais celebremente, sua previsio supostamiente coneta de win «clips solar” — parece ter sido antes uma questio de deserigio ¢ mensuragio, sem conex6es claras com suas opindes mais geais em cosmologia, Ch theog. 11; 33:37; 51; « Tabahose ci 654359, que pode rfriree 2 ogoni, "© E provavalment 8 luz dete pono do fundo que se deve inept a ake de Horidoto (53) deque Hemera ¢ Heed baicomente "dia as dave sus lose elarecom ss Provincia ids ki les ales seus eros poe fan xt sri 1 Hesiod poder ecilad ss oogonia ns ogos ineees de Animas em Cle CE. Wet [195] 4346; 1. Barone. Eateing, “Hesiod” er Eoseing & Knox 95] 8254 "Pare examples, cf, Prichard [125] (cobre um mit do ciagBe egipcol: 6061 © 392 [sobre o Eruma Ssh bobllnio« sv rectogSe). Pra uma oborlagem eitrioae das livertosconcepsées 0 rexpsto da conexdo en mio cua, cf Kk [106] 831 Uma quesiéo contovers: Dek [170 & axremament cco 0 respi doe avangoe ‘oshondmicos ds mies. Para una aprecagSo clare e equbrode dos evidéncoe @ respoits do Toles e do eclipse Panchenks [180), (x ruses ma commovocia ” A dificuldade de determinar quais cram essa opines torna-sesliente quando examinamos nossa primeia © mais importante evidéncia, uma pas- sagem da Metafsica de Arist6teles (13 98306-98424; DK 11 A12): (D A maioria ds primeitos flisoos pensavam que os princpios em forma de maésia (yl) oss os nics prinepis de do, Poi aguilo de que tudo surge ede que vido provéss cm ssi andlie ea que cudo se reduz no final ~ 20 passo que s substénca pertne, ae qualidades mu dam ~ iso, dizem des, €0 elemento eo priteio principio de tudo. Eé porioso qu eles afizmam que aaa vem ase e nada pec, visto que ta ratuteza sempre preterada [] Pot tem de ext gua substincia natural, una ou mais de uma, de que tudo provém ¢ que ¢ ela mesma prcservada (2) Contudo es nf concordam ao que de rexpeito so némero 8 Forma

You might also like