FREITAS, Benedicto. Santa Cruz Fazenda Jesuita Real Imperial (Parte I) PDF

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BENEDICTO Fre - SANTA CRUZ FAZENDA JESUITICA, REAL, IMPERIAL VOLUME I | | dl | ERA JESUITICA 1567-1749 A | r oe ) DE JANEIRO | 69878 19853 BENEDICTO FRETTAS F SUA opna, HA quatro décadas, 0 emérito Ristoriador @ jornalists santacruzen- se BENEDICTO PREITAS ante com extraordiniria objetividade, a sande importincia da Hisisrie. Io. el, realizando pesquisas documen: fais; desenvoivendo laboriosos pro. Jetos; redigindo textos Iaudatérios @ue foram publicadas em mais de uma dezena de revistas © jornais es. Decializades, tendo sempre como ras Bho prioritaria a exterorizagao dos Valores de sua terra natal, para 0 conhecimento © deleite dos seus conterrineos, amigos e demais pes soas interessadas nas informacsee de earater histérieo. Preocupavacte, Ja haquela Epoce, com a divuizacao da Historia de Santa Cruz, para 0 co- nhocimento de uma grande matoria Em 1952, ano em que se come- ‘morava o bicentenario da. Ponte dos Jesuitas, BENEDICTO " FREITAS apregoava com louvor a protepao e revitalizagio daguele patriménio es. gultorico © arqultetOnico, hlstérieo ¢ incional que nos fora legado pelos Sibios ¢ laboriosos padves da Com- ania de Jesus fundada por Santo Infelo de Loiola, Como ideatizador, fumdador ¢ lider ‘maior dos “Amigos da Ponte dos, Sesuitas” BENEDICTO. FREI. TAS soube promover, 2. neosssiria satracéo para aquele belo monumen to de pedra, exemplar inusitado da nossa engenharia hidréuliea colonial, que demarca ‘um periodo. faustoss da Historia de Santa Cruz, do Ro ae Janeiro e do Brasil © primeiro volume da Histéria de Santa Cruz gue o Escritor Be edicto de Freitas oferece 20 pi Dllco nesse Ano Nacional da Cultus ve, adquite maior valor & medida em que verificamas ‘tratarse de meis uma valiosa pega no eonjunto total da obra, que o jomalista e hinlotiedor sahtacruzense ‘vem ofc SANTA CRUZ FAZENDA JESUITICA, REAL, IMPERIAL OBRAS DO AUTOR “Hist6ria do Matadouro Municipal de Santa Cruz", Edi¢to do Autor, Rio, 1950, “O Matadouro de Santa Cruz (Cem anos a servigo da Comunidade)”, Edicdo ampliada e atualizada do autor, Rio, 1977. Av sain: “Santa Cruz (Fazenda Jesuftica, Real, Imperial)”, Volume 1. | BENEDICTO FREITAS SANTA CRUZ FAZENDA JESUITICA, REAL, IMPERIAL VOLUME 1 ERA JESUITICA 1567-1759 RIO DE JANEIRO 1985 THORS ma LIOT (CR TASONTA Natal I Ao jovem © osclarecido empresério EDGARD RAIMUNDO DE FREITAS exjo apoio entusiéstico, tomou possivel este Livro. Nossas paginas nfo abrangem a ase Repiiblica, co- mo se vé da Apresentaciio. Mas seria omissio injusta nfo mencionar alguns _no~ mes, verdadciros beneméritos Gos tempos angustiosos de Santa Cruz, com centenas de vidas ceifadas anualmente pela maldria, Um deles sucumbindo as consequéncias de sua humanitétia missio no saneamento urbano, em con tGgio fatal com o terrivel mal; outro, em. plena varonil dade, tragado pelas éguas impetuoses do Guandu. ‘A eles, a eterna gratiddo pelo bem que fizeram 3 todos nés Bolisirio Pena, apéstolo do saneamento urbana’ lo- cal; Julio Cesétio de Melo, guatdido noite ¢ dia da sadde do homem e do campo: ‘Antonio Periassu, pessoalmente dirigindo 0 saneamen- to anti-malfrico do nosso solo; Carlos Ceiléo Filo, submergido nas aguas do Guan- du, em intensa atividade téenica; Egidio de Almeida, o capitéo do sancamento da érca central de Santa Cruz, vitima do paludismo, contrafdo em suas incessantes tarefas de engenheiro sanitério; Burico Vilela, primeiro diretor do Hospital Pedro II ¢ son dedieado organizador; Timoteo Penteado, engeneiro-chefe da_primeira ro- dovia Rio-Sio Paulo, passando por Santa Cruz ¢ assim possibilitando escoamento da producdo de nossos campos, Em 1934, clementos estranhos A esta localidade e in- teressados em especulagées imobilidtas, tentaram, apoisr dos oficialmentc, mudar © nome quatro vezes secular de Santa Cruz. Dai, a reagio dos seus habitantes — filhos © amigos de nossa terra, em obstinada campanhe com sex triunfo fine E Santa Cruz continuou Sante Craz, gracas @ estes raves Iutadores: Oscar dos Santos Pimentel, imbativel nas colunas da imprensa ¢ nos contatos pessoais em defesa do torrgo natal; Jodo Luiz de Carvalho e Breno Dhatia da Silveira a0 legistativo carioca; Moacir de Melo, junto as autoridades oficiais; Ap:onio Nicoldu Jorge, irredutivel lider nas campa- has Jocais e na imprensa regional e citadina; Renato Tavares Cavalcante, Aristeurino Batista Al ‘ves, Matio Santos, José Maria de Andrade, Julio de Oli- veita, Osvaldo Pereira, José Bemardo de Souza, Jodo Nicoléu Jorge, Sebastio Amaral, Carmélio Ciraudo, José de Pinho, Americo Fernandes Braga, Eugenio Chetém ¢ tantos outros nos movimentos populares intensificando a vitoriosa_campanhs. ——— SUMARIO APRESENTACAO OS JESUITAS NO BRASIL ~ COMO SURGIU SANTA CRUZ ANEXO (Doagio da sesmaria d¢ Cristoviio Monteiro) A RESIDENCIA DA FAZENDA, OS AZULEIOS DA IGREJA .‘ OS “RESIDENTES” DO CONVENTO B DA ALDEIA DE. ITAGUAT USOs & COSTUMES ADMINISTRACAO DO PARQUE AGRO-PASTORIL £ INDUSTRIAL : © FAMOSO CONSERVATORIO E A ORQUESTRA E CORAL DE FSCRAVOS A OFICINA DE OURIVES HOSPITAL B BOTICA DEPARTAMENTOS ANEXOS ‘A ESCRAVARIA i © “CAMINHO DOS JESUITAS” AS GRANDES OBRAS ‘A “PONTE MONUMENTO” DO GUANDU ‘A GRANDE CRIAGAO ANEXO © “INVENTARIO DA FAZENDA” PRISAO E EXILIO ANEXO 15 23 28 6 8 84 109 12 138 43 148 158 173 194 201 213 | 223 235 237 249 257 APRESENTACAO “Patigados das idéias de um Presente febril, enervados pela diivida de um Futuro ineerto, 86 no Passado nos 6 grato repousar com se~ guranga” (Edmundo Amaral, Rotulos e Man- ‘has) "tudo © que, parecendo feito apenas do Pre- sente, se alimenta continua e inevitavelmente a Historia’ © presente trabalho foi realizado com o objetivo de mostrar as origens da terra natal ¢ sua famosa existéncia até 05 titimos dias do Império. Os acontecimentos ¢ 2s realizacbes materiais surgidos apés. im, © destacadamente, na imorredoura obra por nés denominada “A Ressurreigdo da Planicie” (*), as homenagens a que fazom jus seus autores © exeoutores, cujos nomes figuram, para perpétua tem- bbranga, no portico deste volume. ‘Longe de nés esgotarmos com esta publicagdo, tudo aquilo que se teria a dizer sobre a hist6ria de Santa Cruz. Contudo, daremos a conhecer fatos e coisas da outrora quao celebrada Fazenda-Curato, pois, se muitos sacrificios enfrentamos nas méltiplas pesquisas nos arquivos ¢ na infindivel documentagio consultada, sentimos, embora © esforgo empregado, constituir obra mais vasta © profunda, a hist6- iia deste tradicional recanto carioca, eis que_nenhuma_hist6ria_€ completa e ser temeridade esorevé-iaapenas_com base em do- ‘Sambetay aos anjulos © Uioioos, Todavi, O-menanclal Taro Finite colsr eitte pire wer inveigada © iferpretda, ‘% “Imprensa Rural’, Santa Crus, D.F., Ano 10-11-1951, N° 40., Gran- es ¢ definitivas obras de reouperacso da Boixada de Sepetiba, hoje com @ sua area industrial, importante base militar, grupos residen- clais ¢ vastas lavouras, cy La caeenne ene Nosso propésito, apenas deserever, ainda que pouco dotéido de estilo, fases marcantes de uma localidade que, situada relative dis tincia da sempre capital do pais, possue uma histéria rica de féitos e tradigées, mesmo hoje retratada no seu convidativo bucolismo, de envolta com a promissora fase de sua recuperacio econdmica € os tentando na sia evocativa paisagem, seus monumentos arquiteturais, imareos centendtios de uma época io faustosa quanto & das cole bradas cidades da “gloriosa Provincia Fluminense", continuamente apontadas aos visitantes e curiosas ‘Assim nosso pensamento: suprir a lacuna por uma comunica~ fo mais atuante, desenvolvida no melhor trato possivel, sobre @ {io falada © pouco esclarecida Fazenda de Santa Cruz, & eviden- te iniciative, para nio se repetir 0 acontecido com 0 Principe do Grdo Pari, que aqui passou sua infancia e quando muitos anos apés veio A nossa terra com 0 pensamento povoado de recordagdes, regressou sem haver visitado um tinico lugar, por ndo enconttar pessoa conhecedora dos locais histéricos solicitados, embora ele, viv sitante, soubesse ¢ bastante as coisas do seu tempo, mais avivadas pela leitura do arquivo de familia, conhecido como “Arquivo Tn poriat”, precioso documentirio outrora no Castelo D'E veneranda mansfio dos sous, © hoje no Museu Imperial, em Petrépolis Muito se teria a dizer, sobre as dificuldades encontradas para trabalho de tanta profundidade, quanto as pesquisas efetuadas, Mon- senhor Pizarro ja se queixava, que as notas conseguidas nos arqui- vos péblicos, Ihcs eram proporcionadas “a muito favor © como se Fosse a furto”. Alberto Rangel, incansivel escavador de nossa. his téria também ‘sentin as mesmas dificuldades, desabafando: “Sabe- mos, todos nés investigadores, quanto nos custa em nossa terra, obier ¢ extrair documentos e informagies sobre 0 assunto a que hhos dediquemos”. E jamais cessaram as dificuldades e evasivas. ‘A primeira providéncia adotada para um cxequivel plano de trabalho, foi a organizagio da cronologia documenta da existén- cia de Santa Cruz, Inicia 0 interessante clenco, © requerimento de Cristoviio Mon teito, pedindo a sesmaria de Guaratiba, em cujas glebas estava in- clufda a area que seria mais tarde a Fazenda dos Corraes, depois dos Padres ¢, a seguir, definitivamente, para todo o sempre de Santa Cnz, Apés a morte de Cristovio Monteiro, as doagdes de sua viva, certidées, inclusive das medigées, as importantes “Anuas” relatan” do 0 excrcicio administrativo © espiritual do Colégio do Rio, ‘e nele 16 © da Fazenda, e, o'célebre “Tombo", sempre consultado em todas as diividas € litfgios terrtoriais. HE dois séculos e meio, um documento comum para a época, hoje sumamente precioso, revelou 2 vida intema da Fazenda: 0 Dist rio de Assumar, natrando a estada do execrado algoz de Felipe dos Santos, na Residéncia de Santa Cruz. & o prime’ro depoimento leigo expondo ocorréncias dentro © fora dos “sagrados tetos” Cerea de meio século apés, notével jesuita produziu uma das is belas péginas da vida rural carioca, o famoso poema “Da esiagio dos bois no Brasil”, todo anotado e semi-redigido em Santa Cruz, onde o autor, frade 'e poeta, amante letrista de Vizetlio, re pousava das fadigas da cétedra citadina. Seu extraordindrio traba~ Iho, repetidamente citado nes‘e volume, ¢ verdadeira obra de ruro- grafia, tal o volumoso informe acerca dos nossos campos ¢ de seu beneficiamento ‘Apés a expulsio dos Jesuftas, velo A Santa Cruz uma Comis- sio presidida pelo Juiz da Coroa, para encertar o Inventétio do imenso pattiménio da Companhia confiseado pelo Reino. Dessa Co" io fazia parte o Esctivio do Crime, Pedro Henrique da Cunha que, entusiasmado com a organizagao da Fazenda, escreveu a sua “Noticia Curiosa e Proveitosa a beneficio da Real Fazenda, sobre © principio, estado passado © presente da Fazenda de Santa Cruz, que foi dos denominados jesuitas, © hoje incorporada na Real Co- rox”, descrevendo 0 entio j4 famoso estabelecimento, inclusive sua origem ¢ o singular infcio da imensa escravatura encontrada. Este inestimével manuscrito, datado de 1790, € uma das melhores contri: Duigdes a bibliografia de qualquer es'udo sobre a Fazenda de Santa Cruz. Propositadamente Serafim Leite nfo menciona em sua volu- ‘mosa obra, tio valiosa peca documental em cujo texto acharse trans crita a sempre negada Monita Secreta ¢ a desabrida apreciagiio do catioso Esctivao do Crime, sobre a forma com que os padres con- seguiam suas propriedades:... “pois que principiando estes a que- rerem ser Senhores de todo o Orbe da tera procuravam puxar a0 se dominio, tudo o que podiam, segundo as suas diabélicas mix mas,’segurando a salvagio infalivel a todos aqueles fié’s que Ihe doassem os seus bens sendo muito natural que o fizessem a esta mesma viva (Marqueza Ferreira, doadora da Fazenda) ¢ até de a porém no altar e rezar dela a Igreja em breve tempo”. Com tio pesada afirmativa, o jesuita Serafim Leite jamais anotow a “Nott ia” em sua “Historie da Companhia de Jesus no Brasil”, 7) ~ Ht \ © Tenente- General Manoel Martins do Couto Reis, acatado engenheito e renomado cartégrafo, por duas vezes ditigindo a Fav zenda, nos deu suas importantes “Memérias’, onde tudo alf narra~ do, melhor serd aproveitado por quem queira comentar a Fazenda de Satna Cruz no vice-reinado € no perfodo joanino, Enoerra tio destacada relacio, apoiada nas fontes primétias, a “Histéria da Imperial Fazenda de Santa Cruz”, de José de Saldar nha da Gama. Cientista e engenheiro, deixou ele esta obza, onde com preciso e clareza, descreve {io pujante organizagao no seu dia-a-dia, fs realizagdes materiais, planos de remodelagto we apoio as inicati- yas do real utilidade para esta terra. Sua correspondéncia com a Mordomia Imperial, constitue uma das mais vigorosas afirmativas de sua personalidade e muitos subsfdios forneceu claboracio des te trabalho Toda essa documentacio 6 devidamente registrada nas paginas dos volumes onde, respectivamente, se apoiam os elementos pesquir sados, com referencias biograficas da maioria dos personagens nela mencionados e devidos comeatérios nossos, ainda dos autores e de suas obras, Deveras foi dificultosa a coleta do material exigido, Iniciada pela pesquisa jesuitica, mais penosa se tornou, em decorréncia das noticias, deficientes na meioria, que nos chegaram sobre « ativida- des dos padres em Santa Cruz, pois o proprio historiégrato oficial Gos inacianos, ja afirmara a inacessibilidade do arquivo da Com- panhia de Jesds ou fora do alcance fécil dos pesquisadores © os fudiosos. As deficigncias sdo afirmadas pelos claros das informagoes contidas nas Anuas: “As noticias nem sempre; Ano de 1720: 5 pe rfodo de mingua de Catélogos” (*). Mesmo os hébitos de tio célebre instituig#o eram to intimos, que muitos de sua histéria nfo so clucidados na exaustiva obra do Padre Seratim Leite, onde por muitas vezes entcontramos manifesta es vacilantes: “‘dizem”, “& possivel”, “é inverosimil”, “parece”, “deve tratarse de’ e por af afora. Banidos os Jesuitas ¢ entregue a Fazenda aos vicereis, uma ‘inica obra registra essa agitada fase: o citado manuscrito, até hoje inédito, do Escrivio do Crime © que se enconira quase esquecido na Biblioteca Nacional ‘ Sersfim Leite, Bistévia da Companhia de Jestis no Brasil, Impren- sa Nacional, Rio, 1945, volume VI, pigina 95 18 A seguir, com D. Joao VI, Pedro I ¢ Tl, 0 jé referido Arguivo do Castelo D'Eu. Repert6rio inesgotivel de indicagdes para 2 his- t6ria da monarquia brasileira intimamente ligada & crOnica social santacruzense, sua evocativa Ieitura & realmente proveitosa, gragas ao patriotismo e desprendimento de seu benemérito doador, Princi~ pe D. Pedro de Orteans ¢ Braganga, que em sua hist6rica resid&ncia, ‘© Palicio Grao Paré, em Petropolis, frequentemente facilitou nossas pesquises em seu arquivo particular, enquanto tm demoradas ter~ tlias, comentavamos a época glofiosa do Brasil-Império, jamais 1e~ petida em realizagdes e feitos memoraveis. Muitos outros volumes constantes da bibliografia enumerada testa obra, ajudaram a recompor a fase imperial, mas a fonte pre- ciosa foi o remanescente do Arquivo da ex-Superintendéncia da Real © Imperial Fazenda de Santa Cruz, depésito abundante de reliquias, documentais, com manuscritos valiosissimos, rubricas de vultos pre- eminentes do pais e documentos marcantes. do fastigio santacruzen se, Li esto autéprafos famosos, entre eles, de D. Jofo VI, D. Pe~ dro Le TI, José Bonifacio (assinava-se Dr. Andrada), Visconde do Rio Seco, Bario de Sorocaba (cunhado da Marquesa de Santos), Plicido Pereira, que de barbeiro do Paco atingin 0 alto posto de Ministeo, Couto Reis, Saldanha da Gama, Galdino Pimentel, Con- rado Jacob de Niemeier, Aristides Lobo, Rui Barbosa, Baro de Lucena, Cesitio Alvim ¢ tantos outros nas piginas de nossa histé ria politica e social, E, nos seus mais de duzentos anos de existén cia 0 do famigerado Furtado de Mendonga, sobrinho de Pombal © um dos primeiros administradores da Fazenda, Imundando 2s amplas prateleitas de dois grandes armétios de madeira, em pastas de resistente papeldo, centenas de esctituras, inventérios ¢ demais pegas processuais, muito bem esclarecidas, onde a “prudéncia da téonica tabelioa, a monotonia. ¢ prolixidade do es filo”, tornava enfadonha sua leitura, mas evidenteménte necesséria, ‘Alf manuscamos milhares de processos recheadissimos de papéis ‘com detalles os mais insignificantes, tarefa que 16s deixava pros trado. Toscas estantes de madeira-de-lei, ostentdndo dezenas de Ii ‘ros escriturados, completavam o que restava do outrora famoso “Ar quivo da Superintendéncia” e que foi pouco a pouco dispersado e Cestruido, mais por culpa dos poderes piblicos “inertes ou cémpl- ces nos atentados, deixando extraviarem-se grande parte dos livros da Secretaria, os mOveis, os quadros e mais alfaias da Fazenda de 9 Santa Ceu2”, afismou Alberto Rangel ao verificar, pessoalmente, no entio desfalcado depésito documental, tio triste ocorréncia ("). ‘Ademais, moradores antigos nos afirmaram (hd mais de trés décadas), que por ocasio do advento da Repblica, dos carros trans- portando o saque generalizado no Palécio, caiam volumes (lvros atticulares, ob:as.impressas) © nfo repostos nas citedas viaturns, Na Superintendéncia, livros empilhados nos cantos timidos, apodre- ‘eendo ou sendo levados por “‘colecionadores” ou como lembrance por familias inconsoléveis pela auséncia da Famil'a Imperial, © até or cutiosos, sem que ninguém os embargasse, fatos estes denuncia~ Gos pelo Superintendente em oficio datado de 18 de outabro de 1898" Dez anos apés a saida dos imper‘ais ocupantes do Paco da Fazenda, ainda se desbaratava tio importante ace:vo. E Gontinuow fo desbarato. A iitima destraicéo em massa, oeoreu no ano de 1937, exatamente no d’a 24 de maio, e seu autor, conhecida figura das ferénicas foreiras daquele ano, Ordenando a queima de dezenas de livros e farta documentagio contendo correspondéncia valiosa, abunr dantes registros da. vida social e econmica da Fazenda, em pouco ativa fogucira surgia tio impetuosa, que seu intenso calor abalava profundamente o muro contiguo, de cerca de trinta centimetros de espessura ¢ sélida constracéo antiga! Tao vandélico procedimento provocantlo' imediato protesto dos moradores locais, fot registrado pela imprensa da cidade, estampan- do em suas pdg'nas lombadas de livros centenirios, chamuscados, rotizados i sorrelfa da criminosa inc'neracto © ap6s guardados ca rinhosamente, inclusive 0s doados a este autor (*). ‘Para nds, 0 que escapon do fogo tornou-se mais precioso © mui- ta coisa foi conseguida, pela feliz circunstincia dos livros ali exis: tentes, referitem-se, constantemente, 2 fatos passados, ¢ mesmo re~ motos, da vida da Fazenda, constituindo, asim, a fonte direta ¢ ink Cal de sua fase pés-expulséo dos seus fundadozes. Exclufdos 0s documentos orig'nais, verdadeira demonstragio de Draquigrafia, exigindo esforgo quase paleogtifico na sua Teitura, mui % D. Pedro 1 ¢ a Marquesa de Sontos, Livraria Francisco Alves, Rio, 1018, pagina IX. Entre as jornais noticiando o stentado, O Globo, edigfio de 24 de maio de 1897, com as fotos. O exemplo vinha “de cima” com o fogo no “arquivo de escravidio", E até este, pasmem: “Oficio de Artur de Azevedo, Chefe da 2° Seco da Dixetoria de Agricultura, so- iettando cutorizagao pera queimar papéis relatives a movimento de escravos’ (Disrlo Oficial, 25 de outubro. de 1891, pagina 4413) 20 4a correspondéncia é' exposta por e6pias dos’ funcionérios da Supe rintendéncia, cuja ortografia corre & conta do copista. Tudo isto © @ verificagao da autenticidade dos documentos ¢ manusctitos, foi ta- rofe penosa pela investigacio exaustiva em horas mortas ou apés expediente estafante, “sem as facilidades do apoio oficial”, pois, fu- gindo A regra dos historiadores “no raro parciais, sensfveis,& fluéncia da moda e as imposigdes da critica social do seu tempo”, mui- to foi exigido para cumprir o método adotado na consecugio de nosso objetivo. Estas © outras apreciagSes, Yisam apenas amenizar austeras li nnhas de autores, que somente escreviam paca a administracio publ blica, tal a epistolografia offcial, sem contudo de-urpar-se os fan- damentos do que foi averiguado, Acteditamos que, intimamente, muitos agradecerio tio providencial recurso, mais suavizando a lei tura de alguns capitulos, nos quais fomos compelidos @ transcrever arcficos documentos sepultados no fundo dos arquivos. Tal iniciativa, que de certa forma tende tornar atracnte a nar rativa fria e descolorida dos documentos, em nada altera a subs: tiincia dos fatos ocorridos, inclusive quando a tradigio & manifesta, come matéria idénea. Foi nela que Couto Reis conheceu parte da hisiéria de Santa Cruz, endossando sua veracidade ao cont:onté-la com a documentagéo consultada nos arquives da Fazenda. De nossa parte, constitu'n preocupacéo previdente 0 exame © acerto de volumosa informagio, embora este trabalho com farta re Teréncia bibliografica, mais que munca necessicia, cis que, 6 0 pie blico frequentemente conduzido a vias tortuosas e de consequéncias Ganosas ao conhecimento da matétia interessada, mais agravadas pe~ In autoridade de seus autores e assim publicamente. impressas: Memé- rias do Distrito Diamantino, atcibuidas & Diogo de Vasconcelos por insigne ensaista; Jofo Manso Pereira na Inconfidéncia Mincira. efir- magio de not6io historiador do nosses dias; Titadentes exeeutado fem Ouro Preto, precioso rebento de animada foea, em ber:an’e re portagem, pagina inteira, de conceltuado érgio cle nosia imprensa; Grangjean de Montigny, Chefe da Missfo Francesa de 1816, “re vyelagio” de afoito comeatarista de artes plésticas; Capela do Con vento a “atual Matriz de Santa Cruz”, isto duzentos anos depois da inexisténcia do Convento (*). E uma infinidade de absuzdos clamo~ % E nas assembléias de doutos em histérla, a “Fazenda de Santa Crus, foi localizada Realengo"!! (Anais do I Congresso de Histéxia Na- clonal, Instituto Histérico, Rio, Tomo TV). 2 10808, derivados de gabinetes, intluindo nos Ieigos ¢ 0 que 6 pior; na fmensa massa desconhecedora, a ouvir em radiofOnico programa off cial, a estarrecedora naturalidade de Antonil: “nascido no Brasil”! Por ser propriedade particular assim considerada’ pelas autorir dades que a dirigiam, a Fazenda de Santa Craz foi apreciada por quantos a visitaram, tio somenie no seu aspecto econdmico-admi- isttativo, Agora’ podemos ofereccr sta existéncia s6cio-hist6rica, fracas a0 vasto material reunido, grande parte em depdsitos publi 08, todos com o acervo documental ligado direta ou indiretamente 20, “Arquivo da Superintendéncia” e recolhendo a papelada das imiltiplas repartigSes, vnviada de acordo com 0 critério de sous 1e~ metentes, afora o que se afirma existir no Depésito do ‘Tesouro Ve- ‘tho, titulo com o qual néo se pode identiticar nenhum arquivo ou coisa parecida, tudo fazendo err no quase lendécio “arquivo mor to”, dito existento na Avenida Venezuela, E ainda impressos sem conta e intimeros avulsos consultados para_identificacdo cronolé- fica de fatos e sucessos ocorridos em Santa Cruz, os de mais desta que citados nas “Notas” de cada volume. E jamais omitindo 0 “Almanaque de Laemert”, assim conhe~ cido pelos pesquisadores, “o mais completo Srgio de comunicagio da civilizaco brasileira no século XIX, correspondendo agora 2 matéria fundamental para o estudo da histéria cconémica ¢ social do Pais” (*). Vécios capftulos do presente trabalho, foram resummidamente dir ‘valgados ein diversas publicagées, entre clas, “Imprensa Rural”, per Hiédico por nés editado, tudo com sta indicagio no volume respec tivo, A bibliografia, constante do volume final, sera de ordem geral € de forma a proporsionar 20 leitor, 2 principal fonte da obra ‘Ao encerrarmos estas consideragies, avaliamos o quanto de sa~ cxificio organic, fisico ¢ financeiro, custou “ajuntar o disperso, abre- viar 0 longo € escolher 0 seleto” ‘Duas forcas impeliram tio Ardua tarefa: a vontade irrevogs vel de legar aos pésteros a condensagao dos fatos que a ago dos agentes externos esto climinando dos alfarrabios ou que os inimi- gos da cultura estio destruindo, ¢ o apoio de inémeros ¢ bons amigos A estes, nossos agradecimentos ‘k MEC,Conselho Federal de Cultura, Atlas Cultural, Rio, 1971 2 OS JESUITAS NO BRASIL A controvertida atividade dos Jesuftas no Brasil, revela epi dios cujo registro retrata a uta titfnica pela implantagdo de nossa civilizagio, gléria alcancada ¢ jamais esquecida pela nacionalidade. ‘Orgulha, assim, uma nacéo que teve como iniciadores de sua cultura, homens ‘como Vicira, Nébrega, Anchieta, Cardim @ muitos outros, Gignos das homenagens~que sempre recebam ¢ significativamente, as oficialmente prestadas nas imponentes comemoragées do 4° Cent tendtio da “conspicua e heréica” (1) Companhia de Jesis. Destinados A grandiosa, nobre ¢, sobretude, estéica tarefa de amoldar © gentio 4 vida em comum, propagacio da 16 ¢ dos séos costumes, verdadeiros cruzados de uma era, conquistaram, e quan tas yezes com o dertamamento de scu sanguv, 0 alto objetivo de sua missic, que scria o mais poderoso contingente & causa da unidade nacional, Gigantes de tndo quanto podia a natureza humana, onde cestivessem haveriam de marcar com sua obra desafiando o sinal dos tempos, a passagem de uma existéncia fecunda e sumamente pré- fica, como foi o “ciclo inaciano” entre nbs Em tudo participariam: agricultura, pecudria, engenbaria, as tronomia, arquitetura e até siderurgia, destacandovse, ainda, variadas manifestagdes artisticas, como escultura, pintura ¢ ourivesaria. Rev velando capacidade de organizacdo © direcdo intinitamente superior 208 Ieigos de sua época, chegaram a constituir com suas proprieda- des, uma potincia de ordem moral © material autGnoma, portanto mita de qualquer influéncie. $6 no Maranhéo possviam cinguenta © ume aldeias e cinquenta e seis fazendas. “Poder excessive ¢ grant des cabedais” ,diria a Tnstrugo do Ultramar de 1751, regulando as atividades dos ‘imissionsrios que, 20 ver da Metrépole, néo cuidavam ‘86 do vspiritual, mas, com bastante entusiasmo do econdmico, para QB rn6s, atitude contraditéria dos ministros do rei, pois se 0s padses ‘eram acusados de se descurarem do progresso da terra, para s6 cuida- rem de “povoar o céu”, aluso 2s constantes declaragies de que se preocupavam mais com a alma o s6 nisso falavam, seria absurdo a desconfianca do Reino com as atividades materiais das Ordens na entio Coldnia. ‘Que as outras Oxdens no eram menos ativas em aumentar seus hhaveres, vemos em 1726 0 governador Luiz Vala Monteiro escre~ vendo ao Rei, que se fosse atender as pretensées das confrarias, sem- pre lamariosas, “toda a Capitania em breve seria patriménio ecle- sidstico” .B até hoje as Ordens, Inmandades ¢ determinadas, ou prt vilegiadas, Casas Pias, possuem as melhores areas no centro da cidade @). Vinha de muito tempo a inquictaggo: em 1661, 0 Conde de Atouguia escrevia ao Reino “sobre os padres da Cia, nfo quererem paget dizimos do Eng. q. tem: Por cuja causa havendo sido uns ¢ ‘outros (os da Cia. de Jestis, os religiosos de $. Bento © os do Car- mo) ‘nfio hé muitos anos pobres se acham hoje com grandes cabe~ dais ¢ cada vez vio aumentando mais 2 riqueza, parte no que dei- xam de pagar a Fazenda de V. Magestade, E segundo engrossam por estes meios, brevemente vitdo a ser senhozes da maior parte desta Praca, todos os bens seculares e vcles‘asticos (3) B em 1718, a Metrépole insistia: ¢ Carta Régia de 22 de se- tembro, de D. Joo, dirigida a0 governador da Capitania do Rio de Janeiro, pedindo informagio sobre os bens dos rel'giosos, assinalava, “e que atualmente as terras de que so senhores, conferidas e com- bnadas com todo o recdncavo dessa cidade, vem a eles ter 36s mais do que todos 0s moradores do te:mo do Rio de Janciro ¢ néo con- tente com isto, avexdo aos seculares com continues demandas © com poder e inteligéncia s vSo fazendo absolutamente senhores da tenra” (4), Em fins do sSculo XVIII, contava a Companhia dé ests com 180 colégios, 90 semindrios © 160 residéncias espalhadés em todo 6 globo. E apés a Restauragio, 35 universidades e institutes supe- riores, 49 faculdades de teologia e filosofia, mais de 70 escolas:nor- mais, cerca de 100 escolas industriais, mais de 170 escolas secun- rias, 9,000 escolas primarias, 155 ortanatos, 70 hospitais, 350 dis- 28 pensérios, 25 gréficas, 1.200 jomais ¢ revistes em cinquenta idiomas diferentes © 24 estagdes de rédio, afora 36 faculdades leigas onde Teeidinain professozes jesuitas, constituem a contribuigio da Compa- fa a causa do saber em todo mundo, com akinos chamados Volta te, Descartes, Moligre, Corneille, Diderot, Bunnel, Hitchcock © ou- tros notdveis vultos da cigneia, da arte ¢ da politica. Scus observat6- ros ¢ estagdes sismolégicas, sobem a mais de 25 (5). Por tudo isto se disse que a acto espiritual foi s6 no século XVII; no seguin:e, queriam se sobrepujat a tudo: “queriam conqu's- tar o continente”. Assim, com patriménio cada vez mais aumentado — “Rara €a Ansa, dos fins do século XVII em diante, que nio men- cione a constragio de alguma casa” — fruto da disciplina e sabia orientagdo, nio 6 de se admirar a oposi¢zo movida por integrantes de ovtras O:dens, universidades (pela concorréncia de seus colé ios, todos famosos) negecian‘es gananciosos (os Jesuitas vendiam sua produgdo por precos acessive’s) © até 0 bispo D. Antonio do Desterro ,cm atitude estranhdvel apés 0 decreto da expilsio, sendo considerado dos mais acérv’mos inimigos dos ento proseritos padres Politicamente, 2 desobedigncia dos Irméos das Sete. Missoes, © “caso Rio Pardo”, © dos limites © @ grave acusagio de se utiliza rem da easuistien para fins de proselitismo pattidério, arma de com- bate e instrument de dominio, formaram tremendo delito, imper dodvel para a administracio pombalina em plena vivéncia do abso- Iutismo, tc a gosto dos governantes da época. Nesse clima de animosidade, cedo havetiam de experimentar 0 poder mais forte a eles se atirar, consumando um dos mais repulsi- vvos esbuthos da histéria completando a iniguidade de sua_perset ‘guigdo, jamais sem justificativa fundamental ¢ pot sew principal aux tor, publicamente contestada. Com o banimento daguela legigo de plantadores de uma_gran- de civilizagao, a Colénia somente genhon sua total decadéucia; os estabelecimentos de ensino ruindo um ap6s outro ¢ 0 aiz%so mate~ tial de nossa promissora economia, com a completa anulagio do vas- to parque agro~industrial © pecudtio, outrora em floféscente ath dade (6). Vinte anos depois ,o Brasil caminhava na escuridéo: “na Bar hhia somento vxistiam dois mestres de ler” (7). Enos demais terri~ térios, trevas ¢ 0 férreo guante colonial. 25 Novas — Dom Joaquim Silvério, “Sitios ¢ Personagens’, Belo Horizonte, 1898, “Brago direito da Igreja Catéliea (que assim chamou & Companhia o Sumo Pontifice Clemente VIII)” in Ebion de Lima, "O Padre Manuel Bernardes", Moraes Ba., Rio-Lisboa, 1969, pé- sina 148. 2 — © Convento do Carmo da Bahis, grandiosa construgio do séeulo XVI, ainda existente, atesta a pujanga dessa comunidade. Assim, ano exam 26 os Jesultas os detentores do potler temporal. Alii quem compulsar 0 “Livro Velho do Tombo” dos beneditinos, também da Bahia, ficaré até estafado, lendo a infindivel rela~ gio das propriedades da secular Order, 3 — MEC/Biblioteca Nacional, Seg3o de Manuserito, 7-8-54. 4 — Ficaram eélebres os Jesuitas com suas “demandas” e litigios sem cessar, o que Thes aumentava a aversio tanto dos atingidas como dos temeroses vizinhos de suas propriedades. Tal a quantidade de questées cuscitadas, que o Provincial da Companhia declarava “estarem os tribunals enfadados com tantos pleitos nossos” (in Serafim Leite, Histéria, volume VI, pagina 70) 5 — "A equipe do Observatério do Vaticano, um dos mais moternos Go mundo, é constitulda por Jesuitas, todos astrénomos com dow toramento ¢ wma grande experiéneia em Astronomia” (Ronaldo R, de Freitas Mourfo, “O Observatério do Vaticano’, Jornal do Brasil, Caderno B, 2 de julho de 1980, pigina 8), Na cigneia es- peculativa, precurssores de notiveis conguistas da moderna tec- nologia, Citem-se no século XVII, a Lanterna Magica do Pa- Gre Kircher, 0 projetor de cinema de hoje; Cristvio Cheiner eminente fisieo da Ordem, “o primeiro a provar a importancia capital da retina como éreéo da vista"; inventor do pantégrafo, no século XVI; Pedre Zuchi, inventor do teleseépio de espelho; amigo de Kleper. E 0 infetigavel Brich Wastnan, padze, famoso zo6logo. No resultado das pesquisas jesuiticas, se apolava Newton para concluir ua famosa teoria. (René Filop Miller, Os Jesuitas, Livraria Globo, PA-Rio, 1946, pégina 440, passim). Extensa re- lagio de brasileizos, alunse de Jesuitas, despontando no cena ip polltico-social do Brasil, inclusive seleto grupo da Inconfi- déncia Mineirs, exibe o Pade Hélio Visti, SJ, em sua documen- aida tese apresentade a0 Congreso de Historia da Independtn- cla, ptomovido pelo Instituto Histérico do Rio (Ansis, 1976, vo- Jame V) 6 — Em Santa Cruz, tudo foi feito para o reerguimento da Fazenda, mas em outras propriedades confiscadss, a destruigio foi ré- ida: “e inexplicdvel a miséria ea Ruyna a que se acham 10 Guzides as fazendas que foro dos Jesuitas, ¢ hoje sio de Sua ‘Majestade: Eu vejo com grande dor as IgreJas, ¢ as eazas caindo, ‘as Rossas perdidas, os protos acabados’ (Carta do Morgado de ‘Mateus 20 Conde de Cunha, 3-3-1768 in Documentos Tnteres- santes, volime LXXI, pagina 192) 7 —Imediatamente & expulsio, foi proibido © ensin entre nés: “Carta do Provincial Anténio de Santa Isabel, proibindo nas Ca- pitanias da Babia e Pernambuco, o estudo da gramética de acor- do com o “Alvaré” de Sua Majesiede a quem Deus Guarde (ma- nusetito existente no Arquivo do Instituto Arqueologico e His- torico de Pernambuco, Estante A, Gaveta 5, Revista do referido Instituto, volume 27, pégina 119). 27 COMO SURGIU SANTA CRUZ Como surgiu a Fazenda de Santa Cruz — Cristovao Monteiro © iniciador — Marquesa Ferreira © José Adorno — A Fazenda dos Corracz — © Tombe e a primeira medicio, No B-asil, 0 Colégio do Rio de Janeiro constituiu um dos mais belos exemplos de abnegagio até pela sobrevivencia da cidade, sem pre alvo da cobica dos invasores. Assim foi combatendo contra Duclere ¢ Trouin, quer servindo de intermedtrio nas negociagdes de resgate, como contribuindo com avultada soma pata sua libsrtacio. Nas epidemias no regateavam o que estivesse a seu alcance, socor- rendo os enfermos com medicamentos, roupas e alimentos, mutos deles atirados & rua e piedosamente recolhidos (1), A afluéncia as suas aulas era notavel; até hoje, tradicionalmente famosos, os estabelecimentos de ensino dirigidos “por Jesuitas slo considerados padroes, Relativamente ao incremento da cultura ontre nds, cabe a eles uma das maiozes glérias merecidas, a primeira b> biioteea do Rio de Janeiro foi fundada pela Companhia de Jesiis no Brasil (2). Assim, no admira que tio soberba organizacio, fosse presti- giada pelos coevos. Com doagbes, esmolas ,aquisigbes, recompensas € outras achegis, constituiurse a famosa Orders em dona de intime- ras propriedades.. Os seus bens na Cap'tania do Rio de Janeiro, cons tavam das Fazendas de SANTA CRUZ, Engenho Novo Engenbo Ve~ Ino, Sapuesia, Sa0 Francisco Xavier, Saco (Niter6i), Muribégea, Max caé, Toapoca, Campos Novos, Aragatiba, Campos dos Goitacazes ¢ Inhaiima, afora muitos prédios na cidade © cerca de duzentos ¢ se tenta rendeiros (anos de 1751 a 1758) nos terrenos de suas proprie: dades, simados em Andarai, Sao Cristévéo, Inhaima, Pedrogulho, Cajt, ‘Tijuca e So Goncalo. _—t A Fazenda de Santa Cruz foi a mais importante _propriedade dos Jesuitas, com origem remontando & fandagao da cidade do Rio 28 de Tanciro e existéncia s6cio-econdmica repercutindo extra-frontei fas, decorrente da intensa valorizacao de seus bens, oriundos de doa. [50 1 Companhia, costume, alifs em alguns casos controvertidos, a $poca e pot muitos anos, beneticiando corporagies © obras pias ¢ renetidas. nos -numeroses ¢ valiosos iméveis, qué constituem hoje 0 Gultoso cabedal de todas es Ordens, Confrarias ¢ Misericérdias do pais, Tal costume datava do século XII, como se depreende, Jo de Preto do Papa Alexand:e IIL, declarando que “nenbum testamento poderin ser valido se nio fosse feito em presonga de um padre”, (28) Como se sabe e esté registrado na crénica hist6rica, aliés bar seada no documentério da época, vivia a populago de entio, cons- Tantemente om sobressaltos com guerras, conflitos do povo com aux toridades © epidemias (3). Para solucio desses problemas, apelavar vee, sempre, para a religiGo. Por, isto, rezaverss a toda a hora e por indo, Oracées pUblicas, nos templos v procisses era o.apelo daquela feenty a Divindade, afim de ser atendida em seus transes (4). Ey assim, sempre confortada pela religio, achava nela a de de sua gratidao, contiando-lhe os seus bens, para que soli na organizaclo, pudesse levar avante a grande obra de catequeso & esisténcia aos desvalides, contribuindo deste modo, pata @ pops fagao da santa dovirina (6). Era o espirito da época; entretanto, $s doagies de extensos latifindios aos Jesuitas ¢ demais ordens mom patcais, eriavam sérios embaracos & administrago pablica para bene ficiar as reas habitéveis. _-p Testemunhas de suas agies, teve a Companhia de Jess nos seus Goadores, 2 confirmacao de quanto era benquista pela grande obra fqne realizava, Entre 0s seus benieitores, contavarse Mazquesa Fer Feira e, logo apés, seu genro José Adorno. Possuidores de aprecié eis fortunas © dotados de profundo espitito religioso, nao vacila- ram om colaborar na grande cruzada missionéria, doando parte de seus bens, alids em cumprimento de promessa feita pelo marido daguela benfeitoza “Marquesa Ferreira, cujo prenome nfo é titulo nobiliérquico, mas, de batismo, como afirmou com sua irretorquivel autoridade Car pisttano de Abreu (6), era casada com Cristovlo Monteiro © para Equi viera de Santos seompanhando o esposo, que ajudow a funda ao da cidade. Foi a notavel matrona neta de Jodo Ramalho, famo- fo povoador de Séo Paulo de Piratininga (7). Ccistovio Monteiro, © prime'ro OuvidorMér do Rio de Janeiro, designado para téo alto cargo por Men de Siem 9 de marco de 1568, durante.trés anos. 29) Funcéo importantissima, pois seu ocupante constituia-se em encarre- gado geral dos negécios da Justica. Cavalheito Fidalgo da Casa Real, voio mogo para o Brasil acompanhando Martim Afonso de Souza, tendo exereido varios cargos de confianga na Vila de Santos, onde fora Almoxarife e Feitor de Sao Vicente e Santo Amaro, em 1555 (8). Quanto ao seu genro José Adorno, que estava na equipagem da nau de Mattim Afonso e ali conhecera 0 futuro sogro, possuia ‘centuada cultura humanfstica, segundo declarou Anchie‘a, de quem era amigo e bem assim de Nébrega, ambos apés viajando em seu ‘possante Borgantim, quando se dirigiam para Ubatuba, tendo Ador- no servido de iniérprete daqueles destemidos apéstolos junto 0s in- ios, no histético “Armisticio de Iperoig”. De origem fidalge, era sobrinho de Paulo Adorno casado com a filha de Caramura v sua formosa mulher, a india Paraguagu, Considerado 0 homem mais rico do Brasil metidional naquela época, proprietério do primeiro enge mho de acticar em S%0 Vicente, e ali aleunhado “0 Genovés’, Dos navios que serviram de transporte do socorro vindo de Séo Vicente para auxiliar Estécio de S&, alguns pertenciam-Ihe, figurando desta maneita e por agGes pessoais, como um dos colaboradores decisivos nos tormentosos acontecimentos que precederam a fundagdo de nos sa cidade. Em 1575, ainda tomou parte na expedigio a Cabo Frio para expulsar estrangeiros contrabandistas de pawrbrasil © na qual fomaram parte os indios do Sepetibe. Possuindo acentuado desprendimento pelas cousas materiais, tanto que’a permuta de terras entre os Jesuitas e ele, de grande van- tagem para agueles, considerada mais como doacéo, recebea com sua mulher (filha de Cristovao Monteiro © Marquesa Ferreira), 0 th tulo de benfeitores. Prosseguindo sua marcha filantrépica, fez outras inimeras doagées 4 obras pias, consteuiu templos ¢, por fim, vivo, estava inclinado a ingressar na Companhia, conforme afirma Serafim Leite, intencio esta talvez. ditada pelo exemplo de familia, com tio confessor de Sio Catlos Borromen, erudito integrante da Comissio que claborou o Ratio Studioram, viga mestra da pedagogia jesuitica, € que teria influido sensivelmente na proclamada instrugiio do so- brinho. ‘A pritica das sesmarias, foi adotada com a finalidade de fo- mentar 0 cultivo das terras do pafs. Bram estas dadas com a maior facilidade a quem as pedisse. Bem enfendido, aos fidalgos (muitos deles decadentes ou aventareiros), ov aos seus amigos, que so var iam a larga dese empenho. Com um simples requerimento de 30. duas linhas, conseguiam eles grandes extensbes de te:ras, que se perdiam de vista, Conta o insigne artista Jean Debret (esteve em Santa Cruz pintando cenas da Fazenda) em sua indispensivel “Vie~ om Pitoresea” que bastava o interessado subir em um morro bem alto ¢ 1é de cima, olhando a imensidade do terras em sua volta, pro- clamar-se dono delas até onde sua vista aleancasse. © viajante inglés John Luccock ,que estove ‘em Santa Cruz, em 1808 v fora comerciante em Sepetiba por varios anos, @ propésito das facilidades com que se constituiam. propriedades, narra em seu livro de viagom insossa.piada (cle considera anedota), mas que re- vela a mentalidade da época quanto & asticia dos Jesuitas: segundo afirmava a Companbia de Jestis, havia um grande agide contiguo & Fazenda de Santa Cruz e portencente & Coroa Real. Considerando de muito proveito para nele se fazer criago de marrecos, pedirem os padres sua doacdo com as formalidades legais ¢ demais providéncias de estilo. Mandado examinar o tal agude, verificaram as autorida~ des tratarse da enseada de Sepetiba com a baia de The Grande, in- clusive, Em tesposta, justificaram os Jesuitas suporem a cobigada massa dgua um imenso Iago de patos, porque ali se via constante- mente, multidio daquelas inrequictas aves aquiéticas... (9). —x— > Cristovfo Monteiro foi o primitive dono da imensa gleba for ‘mada pela vasta planicie santacruzense ¢ suas montanhas citcunvi- zinhas ¢ seu primeiro morador. Alegendo servigos prestados, comba- tendo os franceses até sua expulsi, requereu as mencionadas terras, ceuja posse foi permitida a 30 de dezembro de 1567, por Pero Ferraz, ugar-tenente de Martim Afonso de Souza, donatitio da Capitania de Sao Vicente, que abrangia toda esta regido inclusive. Residindo nas Larangeiras no alto conhecido por Cosme Velho, ondy construiu em 1576 um moinho de vento conhecido apés por ‘Minho Velho”, para ‘eneficiamento de milho e artoz, passou a habitar, em seguida, sua sesmaria, Isto muitos anos decorridos da doacio régia, quando os fndios estavam em Tuta em todo o litoral de Sepetiba ¢ Guaratiba, com forme destaca o documento que the concedeu to desejadas terras que: se entenderé, depois que a tetra estiver pacifica por ora estar em ‘guerra”. E s6 assumiu 0 senhorio da imensa propriedade, apés 0 tér- ino das hostilidades, tendo, entio, constrvido engenho ¢ capéla em Curral Falso, na suave colina em gue se encontra hoje a igneja de ‘Nossa Senhora da Gléria, O eserivao da Ouvidoria do Crime, Pedro 3h ~

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