A Coroação Das Vísceras

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172 tae Side A coroacao DAs visceras. REPRESENTAGOES DO AVESSO NA POESIA DE Luis Micuet Nava Cantos Mewes o& Sousa Universidade do Minbo Paso Pelues-chove “Apear da dimensioesrtuant, seen ass de Poesia fuga qu se epeta aque que pode conserve 0 vecor portugues mats wirmacwo ds poses de Las Miguel Nao esha Ssntemporine mento ma epeseatgto do corpo. Or trsts anamificas Lats go conguram dares qu st cna soi mt Nav; copo; omplexa tea de inercimbioe ene cx dios do coipoe 2 Asters palsage, rca ecentads em epee obsess AS spe sintne fern results da datergto snc contrbuem pte go ‘nob de Ls Miguel Naa se sent o extant Ne ropa acumulaco de ne se toma viel a derence de san ico, uma das ae singular da cent pes portguese, Absa Xeywards In ape ofits soucurng meni bol ithe eof Contemporary {Sigh that muroed what cam be cone the mos ese Portuese stor of Ls Miguel Nave pti: the shared represen ety fhe Body. Anamorphic rest shape ditrtns wich re at Mig primontly onsubstonsed na comple network ofexcharges Nava: bods ‘ramen the ogns of the boy and th lands, cee an ‘orton, ‘etre in bsesive Spaces The speries which ream sym ‘sya dlsterton conte strength erongeert of {Lats Miguel Nove werk. The very accamaltionof kts mes Wai he diference of Ms dm, oe of he et uni it recent Portas pty Ac dos vies apecrgis o resanpsi de is Mig Nw. 173 As vissiades dos orgos, = abundancia dos estmags, ds ainges dos crebon, que straverea ar expies animals © ma Inamerivelquanidde de individu, ata» aging para floxos¢ efheos que els mao acempanha de bom grado {edo ao io sa Fone enter mrs penser ras sangeentas palpitacoes dos corpos, O homem gost de imaginasesemelhante 20 deas Neptoro que hs ss PrOpias jondas impoe o silencio com majestade, no entanto, 2 onda ‘idoss des viceasicham e mis os menos Incssntemente se persbam pondo um fis basco & sua ignhade (George Bata) Fabula de Marsias D. eitoratento¢ do leitorertico de poesia que foi Lut Miguel Nava resul- ‘aram sobretudo reflexdes e sinteses sobre periodos e obras daliteratura portugue- sa. A incansével atengio, que nio deina de ter inevtéveis reflexos no modo de olhar para a propria obra, estendeu-se a muitos poetas de oxtras latitudes, como: foi o caso de Joio Cabral de Melo Neto, No ambito de imtesrogagbes sobre essa, complexa (cia de intertextos em relacao @ qual os préprios autores se espantarn, por nela vitem a descobririnesperados eos, Luis Miguel Nava evocava o exeraplo ‘de uma ressondncia cabralina encontreda naquela “Agua despenteada’, verso do seu primeiro livo. Todavia, mais do que simples eco de eventuaisinfluéncias, a poesia de Joso Cabral pode ocupar em relacio a de Luts Miguel Nava um lugar de- ‘exemplo: por um lado, a voz dspera da antilira consubstanciada numa sintaxe cerigada e, por outro, delimitagdo numa obsessiva topografia da rigare da estratura cerrada. Exemplo que ajudaria a resolver a tensao que na poesia de Luis Miguel se sgera entre duas decisivas linhas de forca: a da imagética e discursivismo herber tianos e a da ordenagio eugeniana, Joo Cabral escreveu uma rgorosa e bela “Fabula de Anion” ~ reeriacéo de ‘um mito servigo de programaticaintengaosincetizadora da sua poética. Em telagdo 4 poesia de Luis Miguel Nava, poder-s-ia encontrar numa outa figura mitologica ‘um exemplo que, pata a sus obra, constituria aquilo que para Jodo Cabral €sinte- tuzado pelo Anfion do seu conhecido poema. Falamos de Marsias, cuja fabula se pode resumir do seguinte modo: Atena inventara uma flauta dupla, feta com os- 505 de veado; contudlo, apesar da exccucio impecvel que esta proporeciona,a deus acaba por abandond-la quando se apercebe de que, a0 tocar, as faces inchamn e © rosto fica desfigurado, A descoberta da fauta pelo sitio Marsias, que consegue com cinstrumento assinalivel éxito, leva-oa desafiar Apolo. Tendo o sitio perdido na disputa, o deus inflge-Ihe um tersvel suplicio: ordena que seja escorchado vivo esuspenso de uma érvore. Porém, arrependido da vinganga, Apolo acaba por \wanslorimar Matsias em rio, sendo a flauta consagrada a Dioniso Refira-se que, desde a Antignidade, em torno do mito se desenvolve uma vasta tradigao representativa! Podem encontrarse reproduzidos varios momentos da historia, datados de epocas bastante diferentes, com destaque para a cena ds con tend, que surge em imimeros vasosdticos, e para as cenas do castigo, que tiveram {gvalmente grande fortana no periodo helenistico romano, Para alem da forte ‘isualidade que o mito suscita outro tragonele merece ser sublinhado 0 respeitante JS audiedo, justamente o que permite que sejam feitas apropriacoes como aquela {que oFa nos interessa, Um ver que impressiona e um ouvir que fere ~dots vectores ue, interrelacionados, abrem o espaco 2 uma reflexao sobre a poesia de Luis ‘Miguel Nava, Lembrem:-seaqui,a propésito, os dots estimalante ensaios de Claude Gandelman (Haptics in extremis" e “Peeling of skins") incluidos no livro Reading, Picuures, Viewing Texts? onde se desenvolvem algumas inteessantes consideracoes, sobre o olhar que, assumindo propriedades tates, como que se toma dissecante. E ino contexto dessa reflexes que Gandelman introduz a figura mitica de Msias associada a diversas formas de autodilaceracdo tornadas alegorias do proprio proces fo arlstico, nas quats, tanto nas artes plsticas (com Miguel Angelo ou Kokaschka) ‘como na literatura (com Kafka ou Thomas Mann) a morifcato carnis devém um ‘morificatio arts, O elemento que choca e que mais impressivamente se associé {Ao mito no aproveitamento que se [az da imagem €0 castigo inligido por Apolo. E ha disputa propriamente dita radicam as tensdes que fundamentam os prineipies conflituantes que repercutem na poesia de Luis Miguel Nava A ple a nse amt stead, quer tena emia em cma dela, Quem dit? ‘pee outorehaseads, una bandeira, qse wa cru. No que lemos em O céu sob as extranhas, no poema “Estacas”, ecoa um dos twagos miticos da historia de Marsia:o reenvio para pele pendurada ~ espécie de coroa — que se movis quando se owviam as cancées da Frigia.” De novo o som, 03 fuvidos. O primeito poema do primeira veo inttulase "Nos teus ouvidos” — ‘Nos teus ouvidos ito explode/de amor... o modo de ler, de acender um texto/de 10s ouvidos, sto explode e entra nesta pagina o mar..". Tamabém a fabula de Anfion se centra numa flauta. A recriagao de Joo Cabral incide na “injusta sintaxe/que fandou, Anon” e na construcio de Tebas “entre/os esqueletos do antigo/vacabuliti ~ isto 6 fbula sobre a sua poétia da nao-masica, ou da mi ‘ica aspera, No lamento final o instrumento ¢atiado “aos peixes surds./fmudos {do mar”.*A licdo exemplar, poderiamas enconti-la para a poética de Luis Miguel Nava sob a seguinte divisa: Marsias ao contario de Apolo. Da competicio entre 0 sn Der ene Ply. Lescn der Antik, Munich, dt 1973, "Clade Gandelnan, Resin pictures, viewing tet, Bloomington and indenapls, Indaca Univers Pre, 1990 ef, Hans von Geta, “Marya, op. “Jolo Cabra de Neto, Gore capa, Rio dene, Nove Aga, 14, p. BT 292 aos os Sse Acad ries. apse do cs a sd is Mil owe 75 sto codes, ences pin om man ela soos aque mosivou 6 castigo plo esorcanent, «depos, como forma de atependh tens do des, a moran do sto da smaleigoaa aa, . ’ scendénca dionsaca de Matsa aise importante para a afimacto de uma postiea x0 aveso do apoineo curso, Ha al vatne pone arms antes mats qual (metfora da re pot suge deo nici, mated poruia premonitriamaliio deforma questo pore pate conser ts lermos «poesia de Las Miguel Nava. Tambem deve ser do em conta 0 fhe de alata de Mass ter sido invent por Atena, © Seu destino de agin roo se vlgad a uma forms de ssbedori slo que ta obra de Lvs Miguel Xin se pesgueem sua dnenso irlectateante num permanente jogo daca como dsbordamento ds iragns A rotagao das imagens 1 A emergencia das images a inssténia com que explictamentesurgem refers em tod ua poeta Canto no corpo de poemas coma nos ses tus wer" tmagem” em Vile), se pode ser nccadora de um sssumida vertene rmempodtia, vem 20 mesmo tempo, e com maior evn, liar 0 quanto € determinate o pendor val que dela ona conta. Num dos poems de Pel tals "inqumarse 38 imagens, a pequena aco doouton, oda decompoe st o snguc explode conta lardade" CO tangue de Basho"), © que €anuriaor dem mportate rage ds posi de Lue Miguel Navaésobetod ago que poe as iagens em movment» na olagdo do outono, a dca de distor singe a Talsgem jstimene por va do movimento. Deparese como esha das a Eenomapatagemeno texto Ovismlsm que tompe nena tomas pregoane roves do modo singular de capac a ngs, fcendo-as oat até vloidaes aque wazem as mais antghadors © shat vsdee bret Ros texts Tarmtivos, os ras longos de Ved). Ese ape visuals eomplenifiense eno coma afluncia ds outa sensagbes que inerferem na so, Lago nes peineios poenas a forea dos relimpagos abrin a visto para zones dclmente stings ek mle ar Sh exon ear elas nora sping eid deslocam-see misaram-se om otros eros na asagesexteroes Ainagem que se desoca jamais ses visa ma peapetva linear A rota leva auc os dominos habiulmenteismoviveis se creme Se imermuer, por ‘exemplo numa angulacto radical do céu que se encaminha para debaixo das en= ts eet 18,0 cto eel rts em gue, urea une, so permits movimentos como ced ple enfande-se em pogo os nid a rotaao centfugdora que encore fndamentordo alana aia de lava (ier poem “Washer” en Reberuaaa). Eas eagbes pode sso. Garse a wia sigifcavaordem de velocidaes ques implica sobre corpo Avid. A visto endoscope pss ater um paallo lucinaterie mama projecea exoscpin desis mesmes orgs eplhados no univers: gua snl {ngistia do corpo diviidoo ncenano cops morcle~emblemateament rete sents nm tl come "cored o corpo co muda pssa ae ds tute perpetvaencomalmene tthe omg, 16 tee Sud 2A proliferate flgurago das imagens em movimento entrevista nese anunciador campo de velampagos (em Peles) €, como s pode ver. essen a forcaqucese posi evla Se queer instr no domino de ssaldade pital {usm parce erp como model paricularment tae face 30 mod como tos poems surg enquadradas ests imagens, nao podems dear de reletr tutos dos dominios que cram, rts wees, por ser assimilados pelo modelo dominant, mas que neceseaiamente nao deitam de aur por sis, consttindo Fordamenal exo na eciniza gut aera, conti parses de rotaa0 Refenmo-ns ao eieta fotografi, Se seta de todo do cinema que Chega 4 telecine fs tmover as agens, também fotografia desemperia um papel {Ssnaavel Exerpinguems ess pesege om dt olan uta sequent Se poems No ume texto de Felicfas CA pretoe Branco") ntervem uma mate tue st pode insrever no campo do retro Toagaficn (cons no sl do Isto) a histo nolo sapere pla etrato que no poemase compe com re revelagh da pelicula, A est, que pode igulmente ser decisive no dominio plisico.¢jsamente uma das mars gue define 0 curso fogrses.Segum- So tis gue Nar, so irlarete ou aguleprmenor, et ou agile rgment, em torn do gual nso slencio squad a fotografia cstore as proprges eos volumes, bala as esc, tevolucions ‘expo, Com eats 20 pasa da cidade pata fcr, o objeto nao soe deste da ‘us fungo pamordl como tmbem se agents, 20 ponte de, por vers, o qu vemos dt ‘dee poser er assimlado a0 mesmo temo que, por cut ade, pss dss forma as to toda uma ste e objec, eujo paentaso cm ele enzo a cms que Pak Ocinema, ue a expresso artticaem que exemplarmenteas imagens ganar velocidade, aparece nos verso implicita ou explicitament salvar esse processo de roo (vejam-seexermpos nos poemas "Regresso ou "Marcas", de O céu sob fs entrankas, ou em “A carne, de Vues). Eno conjunto que rece o tala 'ngreia da deserio" (tule de que livo, onde esequénci aparece, se apropria- 1) que estas referencias ocorrem pela primeira vez com maior clareza. Assit nos dois primeitos fragmento: tom texto ond 0 cinemas nsinue, 3m tempo panhandhe as ages € 06 mulplas sonidos, trae dam flim, ss peronagens abrem bch no tere (0 texto podtico configura uma dimensio espacial visualmente motivada. A desereio que aparece no titulo, fazendo apelo 20 exemplo das vagas (“espelhos desertando na peugada das vagas") atwaliza,ao mesmo tempo, nessa extraordindia ‘motivacto, uma referencia cinematografica. Como se nesses fragmentos(iniclados por reticencias) se visualizasse a imagem da projecio no écran * Las tiguel Nava “A pretext de uma expose de Antonio Jost Alegria alguns lcs", Caslog, Lsbon, Galena Br, 1995, Cs Mos Se Acai os viscous Reesnos does an ps de is Ng vo 177 3, Da infindavel rotagio das imagens somos conduzidos &escrta absessiva. A sua poesia aparece fundada por um forte propésito de se organizar em torno de ‘deias obsessivas girando umas sobre as outras. A prépria idea de uma obra a construirse, numa construcio cerrada, aparece perseguida como em poucos cas05. Socorre-se de um apoio fundamentador que comeca por sero suportesintstico ~ ‘como que a alavanca desencadeadora que se persegue na forma de obsessio e que se pretende tomar natural apolando-se simultaneamente na concentracio de alguns iicleos temsticos recorrentes, "Na pintara moderna, ao levarseacabo oinsistenteenfrentamento (una revisio) face a “Urania” classica da representacio, pée-se em causa o olhar fixo peraate @ imagem imével (Tocalizacio unidirecionads) e procura-se redefinic 0 principio da tepresentagao mimética~ propondo-se 2 rotacao das imagens que intencionalimen- te motivaas perturbagesfigurativas © Nessa poesia encontramos uma equivaléncia esse enfrentamento nas imagens a0 conteiio ~ imagens rasgadas, manipuladas -, ‘nos compos espacejados, nas visceras 4 mostra que aparecem como forma de intro- dduzir mecanismos de aceleragdo ou retardamento € de provocar justamente essa visto alterada na inversio das imagens (anamorlases, metamorfoses,iansligurasbes) A pintura reve uma grande imporcancia no modo de ver o mundo plasmado na obra de Luis Miguel Nava. Nos seus ensaios, em especial entre as suas ultimas piginas de reflexto critics, surge essa preocupacao com grande insistEnca, tendo concedida a visto, ao lteriio articulando-se com © dominio pictural ~ que, de Fest jf nos primeiros tabalhos aparecia, sobretude no modo dese aproximar das ppodticas das mais jovens vozes da poesia portuguess.” No artigo “O amigo mais ‘intimo do sol" *aparecemm mais vivas essas aproximagoes, comecando por inter= relagdes de teor comparatista entre a poesia de Eugénio de Andrade ea pintara de “Tapitse Malevtch até afirmagbes que gravitam em torno da ideis de que na pocsia ‘a luzque “constituia materia mesma do.que apreendemos através da vista" adquire " propriedades em que todos os outros semtdos se implicam”. A questio central da representacio nessa relacio que vai do pictorico ao literdrio aparece relevada no ensaio a propésito de um certo azul que € "a pique"; os vers0s apresentam uma -mais-valia face tela (onde deparamos alinal com a irepresentablidade de certos rmatizes da cor), aquilo a que nessa mescla dos sentidos s6 a palavra por fim con segue chegat 0 aralogn dh intro modern deve proc, como sblnhaBemad Youlus, ‘as torts € ones anamoross dos pac bcos ow toplgicsteconecKlos pela lee catemporincs si como os espace munis mands plo soho pl lai <0" Rema ous, La pene dan ete, Pars, CNS Caton 1994 p93). "Nero esis sobre “Os abets pnp vb “Una expose” nO pl cl sci tos eo, ba, IN-CM, RE = mewenre 1h Cademes de Serbia, Por, p13, dezembro 1996 “He hide 8 am io 17 leave Side © gue mene el nig tna, aK cm a expo“ plu aus fs de comprecer no conten afc em que se mares, nao dea, nem por U0, de ~ 20 transtar de nov po hpags, da ave proprameate dia pra a cor que Ie ¢ tibia = ‘Sagem ames nage ticamente “nigel”, 8s, que eau pinor, ainda gue © terae ogi alums vex eeprodazit Essa reflexdes espelhamn uma preacupapio relativamente a algo que se passa ‘coma pottica propria. Poderse-f, com toda a propriedade, reveteressas palavras ‘eaplicéclas & obra de Lu(s Miguel Nava, onde o azul que af aparece bem pode acolher a teflexdo sobre o2zul eugeniano. E isso em particular no seu ultimo livro, cuja elaboragao se situa face # alguns dos seus poemas, no periodo em que 0 tensa (oj escrito, Em Vuledo encontrarnos essa belissima imagem que, a lembrar tonalidades do t8o amado Teixeira Gomes, condensa muito do que sobre o azul se pode dizer ‘mera no destin erguese 2 pave de novo onde a lebron se facemn edsltsem om todo o azul do ctu i derue @ pocurar romp (Rests pews") © azul que é odo cu, mas que dentro des contém outros aributos, como 05 do mar, €0 mesmo azul que da abrigo 8s memras, 0s senties,& carne. Por isso Sse torna io diel capat 0 que na corse escapa. Esso que se procura dizer em dvtto poeta desse livros propdsio de um cé como que “sao de um éeran” € ja cor jamate pode ser vegulada Num dia de wert). Fae noe poemas de YValeao que 0 aru se toma cadaver mals presente ("Pogo e enti", "O ouvido”, “héspede"), a sua “liquide a sua diiculdade em fxarhe os atebutos jt ocorria antes, Assim em O clu sab enranhas (Estcitos aros déceis")viamos o azul associarse a velocdade Clado azul da propria rapide"), livro onde também en- ‘conttavamos 0 “azul do mara desprender-se da 4gua®(°O azul do mar’). O prin- cipio da instabildade que advém do dificil dese de assimllar a cor (do céu, do mat) aos insveis sentidos, encontrévamo-lo,contudo, pela primeira vez em Rebertagdo, onde a cor azul da cu se alterava ao penetar na profundidade do eu (Ave afin 4. Num poema emblemitico (sobretudo em relagio & primeiza poesia), “Ars erotica”, le-se: "Eu amo assim: com a5 mios, os intestinos. Onde ver deta fothas” (gro meu), Ja no poema anterior aparecia a lux por dentro a suit iho aparecer os relimpagas a acentuar a fungso hapiica, A partir daquiavisdo ve dentro: “Atra- vvés da nudes veem-se os astros", vee além; ou ainda a dimensio radioscépica em, ‘outro verso lapidar: “ats da pagina as imagens” [No artigo sobre Eugenio de Andrade tris referdo fala-se de uma Rellectindo sobre a poesia, diz que esta adquire uma espessura equivalente a da “mateialidade sensorial” do mundo e prossegue adiantando a comparagdo entre 0 éctil™ os Mos Sa Accom ican. Reread oma psd vs Nigel Nv 179 trabalho do poeta eo trabalho de pintor, Deste ver como se se tocasse ou come se acontecesse mais do que simplesmente ver, se chega a uma espécie de hapticizacio {do mundo," Em que medida ¢ que essa visio haptica funciona nas visbes que s6 0 fu tem de si mesmo ou nas que tem também do outro? O outro aparece quase sempre como tum ti ou ele que mais nto é do que o ex numa transversal forma de autotratamento. Conforme seavanca nos livros, tudo € olhada como se fosseferido ‘ou como se com esse olhar se fizessem feridas. Poder-se-ia dizer dos olhos, do ‘mesmo modo que Bataille, que eles sa0 a ferida do mundo." Ut pictura... 1. Entre as interpretagdes de fabula de Mérsias encontram-se as leituras snagégicas” que acentuamo sentido dionisiaco da sua ascendéncia, que decorre, fem grande medida, do confit cristalizado pela letra de Nietzsche nas paginas de (O nascimento da tragedia O que dessa fabula importa para a representagio em Luis Miguel Nava ¢ sobretudo o hapticismo que af vamos encontrar eo que na convo- cagio do audivel esti para além de audibilidade ~ "viamo-lo através do ouvido” (A imagem”)." Note-sea inssténcia no timpano e na pupila que nos conduz a titulo-chave, O ouvido ea vista straem-se, enttecruzamse, chamatn-se um 30 outro. 2. Nessa poesia poems encontrar eflexo da grande heranga das dstorebes recebidas ataves da pintura de ecorteexpressonista. Deum cenio que. de al sum moro, pode surgi como devedor dessa referencia cmos oexerplo da “pai Sagem etaina”. A pele que se abredeina ver o que a olho desarmado se nao vishmbrara; tas anda o exprto para o dominio d visual, justamente para © mesmo plano daquilo que do corpo se alcanga Passaros assim a vero expiite nie as cordas a que se prenderaaroupa, integrando aprossice pisagem de um terago, im cetaposioesveen-se as covdavdo met empnitoesicadas nam tet ago." (© ceu Sob as entra). A roupa, no iodo como pendarada ou como associa pele, rasgando-se por exemplo, ads vt visio doloista do corpo que muito proxima esta dos ematiospictéricosacima referdos. De Pelclas Rebentgao vate detnindo uma tia em torn de elementos onde lteralmente se immphiaaidela de tecido e, porextens, de ups, como se va tornando props da poesia de Luis Miguel Nevs, esse process liga pontos bastante distancados entrees polos da conereta compraidade cum sent abstacamente-F natn pro. "Sobre dimensio hipica ma pinta de Francs Bacon, vero capitulo XVI (ei tla ‘nic do lito de Giles DelexzeLaglque dla eran, Pans, La Dilleence, 198, . 99-103, ® CL “A linguage das floes" ext publi na revia Dociments, Georges Baile, A muita sacl a hs cotads de Von Copa, ison, Hie. 19%, p 29.38 Mer Claude Galan, Reding pres, viewing es, looming and Indianapolis, Indiana Unirsiy Press, 1990, ep. IX “Taps in Exe p. 111-90, "A imagen” € pret texto da teres parte de Valet, Num assinlive logo entre sexe qu, sein, neta sie od er ime eo dpa snr eri 80 Uso eSoidie _Jegao c6smica, de que 6 poema € 0 mais ansiado espelhamento, que tudo tende a resolver-se: 05 fios do poema que cosem a manha com a paisagen, um coracao Aesfraldao, uma cgua mal alinhavada em suas préprias bainhas ou a escrita equiva Tente a um incessante embrulhar de fios. A parti de O céu sob as entranhas, a8 imagens e as metaforas da roupa ocorrem numa cada vez mais violenta e coesa figurscao, que pode ser agrupada em dots eixos fundamentals, Aquele em torn do qual gravitam as imagens da tensfo entre a roupa e a pele, entre a roupa e 08 nervos (ou outros drpaos) e que nos mostra prevalecentemente a estranha imagem dda roupa por baixo da pele no seu penoso esforco para sai dessa posigfo. Assina- le-se 0 modo como esse conflitualidade ¢ expressivamente sugerida pelos verbos romper eirtomper. Vejamse, por exemplo, os poemas *Cegueita"e "Os ossos", Os ossos podem servir de apoio aquilo que se pode observar no outro eixo, em que deparames com uma complexafiguracio baseada na imagem da roupa pendurada primeiro a cidade, o chu, as montanhas que parecem penduradas nas cordas (CVirginia"), depois toda a realidade jé surge pendurada numa corda que vai dos 1poros ao espirito (“Embrulho"); ow a manka que aparece estendida sobre 0s 03508 {quando a roupa, que vem das entrants, tudo vai absorver,inclusivamente 0 cét (CO ouvido"). Nesse quadro em que "a propria nogéo de roupa deixa de fazer qualquer sentido, alii al como a nudes", passa a ser cada vez mais indispensvel a nogio deabismo, com se afirma em “Aliana” (Vulcdo). Ejustamente violencia associada & presencs das cordas e a nogio de abismo que nos pode levat até 3 chamada pintura expressionisa, quadro de referencia que me parece dialogar com essa poesia no modo ds figurar experiéncias de dot cujo eco (como no eélebre “ito” de Munch) € cosmicamente ressonante; mas também nos pode conduzir a outras expressoes picuurais contemporaneas que the sio préximas, como certas compesicées do chamado expressionism abstrata de Franz Kleine onde na tela, a preto e branco, come que podemos vistumbrar a violencia de cordas esticadas; ott lum quadro que destacaos, por emblemitico face a muito de que temas vindo a dizer, do canadiano Philip Guston: *Head” (1975) - numa massa avermelhada adivinha-se a forma de uma cabeca humana na qual se distingue um ouvido; dele se aproxima, quase tocando-o, uma imensa pupila rasgada, 3. De duas visitas a uma exposiggo retrospectiva de Bacon na Tate Gallery em. junho de 1985 resutaria um artigo no JL. sobre essa pintura, A atengio acesa e ‘meditativs no encontro com a tela passava, recordo-me bem, pela consciéncia de saber que a sua poesia estava ali. E com toda evidencia em O céusobas entranhas, o livro que chega depois desse encontro, que mais se faz sentir a marea de Bacon, que com algoma frequércia tem vindoa ser assinalada. Lembre-se aia mais imediata ce reconhecivel das alustes ~a que surge no titulo de umm dos textos do livro: "Ma tadouro”. Nesse poema, que ¢ um dos mais exemplars casos de retoma eclrstica, facilmente se podem encontrar ec0s, mesino em relacdo ao primeiro quadro do pintor (a célebre *Crucilicagto” de 1933) Atuz que das acess crane € de deus agues que, por uma exes dove de eras ‘mistrads, masque qualquer outs aproxima dx de det. que esplandee as encase ‘ctl onde € Hell presenti a incpentes tas de algum a. uses Ss, Accra vss: pests do so m psi de Mil Nowe TB) [Numa das mais obsessivas imagens do universo baconiano, que se pode ver znos recorrentes quatiros dos papas, as asas sio essas carcagas penduradas que também jf apareciam na emblematica "Piotura” (1946) e em varias erucficagbes ‘onde se podem ver os ass0s espectralmente esbranquicadios, Se € evidente que 0 ‘modelo pictorico baconiano é fundamental, importa distinguir alguns pontos: 1 Por exemplo, a relacio paisagenvcorpo. Em Bacon o quadro fecha o corpo © a ppaizigem € nele incorporeda (na propria deformacio). 2. Em Luis Miguel Nava, ‘inca que muitas vezes se depare com um procedimento encarcerador desse tipo, nna maioria dos casos opera-se um alargamento ~ é 0 corpo que se espalha na paisagem (0 eserio ou 0 marausentes em Bacon), onde impera infindavel rotacio ‘que. afinal, pode ser encontrada mesmo na representacfo pictural. Sobre © modo de fear rotacio na pintura de Bacon, eis © que nos diz Gaetan Picon, em palave que to justamente se podem aplicar& poesia de Luts Miguel Nava: ‘ste ostos que se espondem, se reflect, jamais oF mesmo, vito que spades num Instat outs da su Yoteto, sempre oe mesmoe ta sus incompletace as ves tle ‘gn, comotos por magens ners; ele corpor —nasendo por ves da poce da sua sora das sus oupasdespidis ~quase sempre lommtados doe ees spots (den, etal se uma mesa, de uma cama, 2 um tape cadet, plsonsrodendo).” © pinto, coma macéia usada, na mistua das tints ¢ na anulagd dos con- tors, faz vera distoreao; 0 poeta procura un efeite similar para a escrta por via da captato de ores. "Em are, em pntura como em sia no se tata de repro. dlr ow inventar formas, mas de eaptar forgas. E mestno por iso que neuhuma arte figuratva" "Todo o texto d conta desses movimentos expansivos de foreas ‘que tém acima de tudo tum poder tansbordane. 4.0 lugarem que se inscrevem as nossas aproximagbes ndo ¢,evidentemente, © lugar de uma identificacao, mas antes, coma nos préprios principios horacianos que a célebre formula contém, mesmo segundo os principios aristotelics, uma apreximacso com base na capacidade de dar a ver vivamente o que a arte poética ‘mostra, No entanto, temos necessariamente que nos pasicionar num espaco que é ‘© espaco modemno da representacio, muito distanciado das aproximacdes com bbase mimetics. Atentemos nas seguintes palavras de Nietzsche [E60 para pinur a vos tarde, vos, pensamentt meus, eset pintados, que tenho cores, mias cores eave, mults mulicors delcadene, cnguena anaes c cath ¢ verdes © encareadas:~ mas nnguto pode desrncr niseo © sspecto qv thes ha Yrs "manhs, os, centlase marahas repens da mina soido, vs, nes wees eamades ensanentos perverss™ ® Gazan Pion “Le cescle eee, rani Bacon, Pais, Centre Geoges Pomp, 1996, pa, "Gilles Deleue,Logiqe del sensation, Par, La Dillience, 196, p32 ""E Nitsche, Para alm do bem ed mal, Lisbo, Gules Etre, 198%, p. 27 ‘0 Ueto eed ‘A metalora ajuda-nos a ver nessa poesia de Luts Miguel Nava o que se pensa pintado por cores — 0 pintado (metifora 4o poético) tomara conta do pensado (a logica) — numa tonalidade cada vez mais inquietante: de uma cor doloridamente icrepresentivel, a cor da ferida. Pode dizer-se que € isso aescrita: ao mesmo tempo _queeterniza, raz consigoasombra da mone. O raxocianosado éa tarde que anuncia 42 morte que com a esritachega. As cores da manha (a pulsdo vital ~ eros), mal se ‘entam fixar, sto tomadas por uma violent intromissao de sombras,infitrando-s, cada vez mais poderosts, peas frinchas entretanto por todo o lado abertas, Como com ¢ filosofo, o projeta de fixagz0 do texto solar revela-se impossivel; no mo- ‘mento da sus transcrigio para a tela ou para o texto, o meio-dia transmuta-se subita € doloridamente era noite. Assim acontece no poema de Vuleao com esse pressentimento de que 0 facuro ders ora de sbio a cal, wm subtncia a apart crctalina mas em exo ‘soa formas do present se diam todas, com se, com or eat cortormor, re desocaee, for pouto que ose do present part oft, se ese enti no ct, detando ads de uma cane lmensa, Avessos, anamorfoses Como nos mundos de Andteas Vesslus ou de David Lynch, uma forga extra- ordinaia levacnos a penetrar nas inquiewntes coisas do mundo, onde, para além do aparentemente visivel, somos conduaios aver outrarealidade dilacerada.® Do mesmo modo 0s sitios: como aguele pedaco de pede que se ecoste um esptho, que, embors exist, et ‘esto belt da absolut reaidade, qual de tl neta sles mergulha as vests es {ue quse os drimos defiaramencetansportades para ado de gue 6 deat pode pen Gera luz. (Por was do espe) (Como trazer tudo isso para o texto? Como torné-lo um avesso? Essa uma das {uestdes centrais na poesia de Luis Miguel Nava. Os mundos ordenadas segundo 10s padroes de ordenagio geométrica estremecem perante a suspeita de regioes in- visiveis ¢ de realidades estranhas sob as camadas familiares do nosso mundo de todos 0s dias ou do nosso corpo de todas 2s horas. Para essa estranheza conctibuem sobremaneira os efeitos de perspectiva: as pequenas histéras exemplares, quando rio centradas no eu, aparecer como bistrias de exemplo, cujoalegorismo mals ‘ou menos matizado funciona sempre para, alargada a perspectiva, se regressar a0 en, Veja-se em Rebentacao © homem que sobe& gavea: " Vejse props, o eloguente exemplh do Huson de Bere Joué Gil refere-o em etamorfoses da capo Lisbe, A Regra do Joo, 180.14. "Os verdadero exctchados ost, cexibem mesmo ostuntriormisculos,vscers Come no cpaoso Hatzan da Fabvlae nator (1781) de Pe Beret, do-s um przer maligno em aranca pele, pre nes face ve os seus corpos, Eats vive, pens 0 pastam (as os Sea, cgi ds ise Regs dees ropes dea il 183 apenas pare peru a sua peop pee, cbur dela uma outa perspec, funciona 0 mar ‘como una represents mute sumen,qalger cosa eomo uma msifora ou ab ete ‘A forma da orelhacontém muitos huracos diferentes que temos de atravessar 6 timpano é o lugar labirintico de toda a atengio desenvalvida, como 0 otho o ¢ enquantovigincia acesa;a imagem que melhor e mais emblematicamente radix a dicgio da sun escrta € « que nos aparece no titulo de um dos poemas e no set finalizar “a alma aberta como uma ferida/ao longo da memeéria, onde se funders? © timpano e pupila™ Imagem que decorze do elsto de irrealidade adveniente da provocacio anamérfca, da ilusto dptica que em quase todos os poemas poe em causa a representagao mimética do real ‘A partir do Renascimento, a ténics da anamorfose passa a ter um grande de- seavolvimento por toda a Europa Sto intimeros os extudos que os tratadistas dos sécuos XVI e XVII dedicam as deformasSes do ponto de vista da perspectva; para além dos mais diversostipos de vistas inusuais ~ de baixo para cima, de cima para baixa, visio obliqua~refiram-se as namorfoses catdptncas(conseguidas mediante © uso dos espelhos) eas anamorfoses béptricas (através de lentes)" E impressi- ante, € mereceria uma atencio mais detalhada que aqui no cabe, o modo como na poesia de Luis Miguel Nava os espelhos, as lentes, os vidos interferem na deo macto da pele e na dispersio e mesmo explosao dos drgtos. Mais do que a anamorfose no rigoroso sentido ténico de qualquer coisa que s6 vista obliqua- mente retoma.a core visto, importa asinalar que os diverostransitos anameificos «ncontrados configuram distorgées que se consubstanciam sobretudo numa com- plexa tela de intercimbios entre os organs do corpo ea pasagem recriada ecenrada {em espacos obsessivos~comoosjé telerdos mar ou deserto, Nos Orgs espalhados na vastlddo desses espagos se adivinham quase irreconheciveis corpos, ou pelo mens oirepresentivel corpo. A mobildade involucrant eo: aeibuto retrativos ‘eexpansivos da pele, a sua elasicdade, sto fulerais, dai que as experiéncias vitals sejam conteminadas por uma qualidade similar. Bm O céu sob as entranhas falase dda “elastcidade cronol6gica"; tempo anamorloseado pode encontrarse a todo 0 ‘momento no modo como o presente setorna subitamente passado como, forca de se olhar para esses pedacos de tempo entre abismos, se introduzem intsitadas lentes © 0s pedagas de tempo sto pedagos de tempo deformados, Para a questao do ‘tempo vivido que allore & pele e que se pretende trazer a0 presente € fundamental © papel da meméria tantas vezes enunciada, que correspond & emergéncia a ‘scrita de uma matéria que no € j passado, mas também nao é presente, Isso se passa sobretudo quando a meméri,associada& rola que a percepelona (a me- ‘mora € um dos émbolos da rotagio), se insereve na mesms ordem dos elementos nucleares. E notével, als a inssténciacom que ocorte no proprio corpo textual 0 vocabullo mecanismo ou ngrenagem, a qu se untam termosatinentes ao seu funcio- er Javier Navaro de Zvi, Ingen del Perpctiva, Madi, Sirota, 1996. Ee pat ‘ol cp. 8, "Vata inasules y aamoron eo xp 9, “Catopeay dips” 184 aw Sedo ‘namento (carburante, motores, Bombas da memoria refinarias etc), quase sempre associados ao processo de regulacdo (aceleraczo ou retardamento) de velocidades, {sto ¢,arotacdo das imagens. Contudo, a memoria n4o aparece apenas como simples rmecanismo que suscita ou desencadeia as lembrancas, mas equiparando-se as en- _grenagens que fazem funciona processo textual. Por conseguinte, também nao ‘corre para simplesmente desencadear os pontos, 05 nds que intervém na rede ‘bsessiva (motives, incidentes, episédios) do processo poético do autor: o mar, «38a, 0 corpo, mas, 2 contririo, insinuando-se no mesmo plano desses nds. Por sso, talvez, apesar de, na concepcio geométrica dos estuos sobre a anamorfose, sempre se poder repora perspective *correta" por um certo angulo de visio, aqui a 4eformagdo ansmorfica inttoduz um principio de decomposigzo em que a propria meméria ésujlto e objeto da distorcio no fundo, com que o lado da morte dante dda vida. E por mais que se queiraretomar a vio do lado da vida, como que somos, para sempre apanhados por essa visio de vies; jamais as imagens da dolorosa Aisformidade (e ofuscante perspectiva obliqua) em nos podem ser apagadas, A fala arida omata ur tec que/uscasse anh asso, (oo Cabal de Melo Nas} (© poema "Céu srido” aponta logo no stulo (onde 0 name de wm dos mais conbecdos livtos de Bowles ndo devxaté de eco) para uma contaminagio que abr infinitamente as possiblidades de reversto, como se diséssemos que oct € o desert eo desert ¢o céu, Nessa enunciaglo reversva sobeepoem-se as imagens «que em hima instncia so a paisagem da esi Alaa quers da de uma aides Meni 8d ups ge ns cobeo corpo ou 8 doce, e que me exorgo, sempre que dl fl, po dear 4 moa un dos graf ais profane (0 aa sb as enor) A cconsciéncia acesa de que o caminho se ria wilh por uma via de obsessbes, uum trabalho construido sobre essas obsessdes, vai encontrar apoio num dos tragos ‘ais distintivos dessa poétca: a sintaxe que, como insistentemente Deleuze ver afirmando, empurrada até a0 limite, € onde a literatura se [az. As “deformages", torgdes sinticticas, fazem-nos ver até onde se pode levar a lingua, E obsetve-se uma correspondéncia com conseqnéncias no dominio fnico, onde as asperezas resultantes da dstorgdo sinttieacontribuem para que se cieesseeeitodistintivo, «como que “pictrico", Recri-se uma atmosferaviolenta que decorre da disposigao das frases, do seu avancar por vias etorcdas. Como que se entola 0 novelo ese ‘oma visivelmentedspera a diceio por uma acurnulacdo de nds. Vejam-s¢0s poemas saturados de “ques” reativos. Em Valedo, lembremos como no poem “o timpano 2 pupila’, no nivel da construclo, se procura tornar visivel 0 aparecimento da anifora formada pets particula “que”. Em alguns exemplos do prima livro (*A luz por dentro agora invadem-na outras ondas”; “Nao me olhar ele tcia-me..") ‘ssoma a evidéncia das inversdes (anacolutes, hipérbatos ~ digamos que modos diversos dle anamorfose sintética) que servem as imagens do estranhamento, ot ‘cn se Aca ds wos. Rests de np de i Mig New TAS por elas sio servidas, num excesso desordenadamente concebido, Esse pont parece ‘me devedor de alguns dos procedimentas ensaiados por poetas aparecidas na dé- cada de 1950 ~ como Gastdo Crus ou Luiza Neto Jorge ~ onde se vishumbra a dialética que poe em jogo a concentragio o excesso. ‘A poesia de Luis Miguel Nava acupa urn lugar diferenciador no panorama da poesia portuguesa dos finais do sé=ulo XX, e essa diferenca decorve, em grande. ‘medida, da extraordindriaforga das imagens e do sbi recurso ao poetnaem prosa. Estamos perante uma escrita pensada em imagens e em pequenas historias. ©. tencadeamento logicoe também propensio ordenadora funcionam como molduras ‘as quis se mostra atuante a verterte conceptual (intelecwslizada) de sua poesia, Lembre-se, por exemplo, o modo como organizou e arrumau os textos no conjunto Poemas, onde, em texto aposto no final, se sustenta 0 propésite arrumador expli-

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