CLIFFORD. J. A Escrita Da Cultura.

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id James Clifford ler Tel fel AVE Leet} eect one mec Man ttre! I auiemeee cultura Sai eem a Ua ee aC eas) o a & a A 3 a = ri 2 4 iS lo} J B £ [o} rn 8 E & cs Ser een’ Maria Claudia Cgetho oa Publicado originalmente em 4986, Writing Culture, finaimen- te, tem uma tradugao no Bras ‘Ag comemorar 31 anos de langa- ‘mento, somos brindados com sua tradugso para rut de_uma louvavel ja EAUERJ em parcer apéis Selvagens Edigdes @ belo rabalho de tradugao e apresen- 330 de Maria Claudia Coelho. Produto de um seminério que borreu em Santa Fé, Novo Mé- 0, em 1984, organizado por ‘mes Clifford George Marcus, ido como questo princi produgSo de textos etnogy 5, 0 livo contou com um gru- ‘de experientes académicos, los profundamente envolvides 1 experimentos @ inovagtes esctita da etnografia, mais ‘ecificaments na critica de twtdrica e de sua histéria, Entendido por muitos como dos marcos fundadores. do modernise na antropolo- orte-americana, A escrita da vra_ provocou modificagtes eflexdo e no fazer ai ©, deixando mareas pr 2 rastros miitiplos que tando 0 oficio do etnégrafo, AESCRITA DA CULTURA: POETICA E POLITICA DA ETNOGRAFIA PAPI SELVAGENS. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor Ruy Garcia Marques Vice-reitora ‘Maria Georgina Muniz Washington EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Conselho Raitorial Bernardo Esteves Glaucio Marafon (presidente) Jane Russo “Maria Aparecida Ferreira de Andrade Salgucito Ivo Barbieri (membro honoririo) Italo Moriconi (memibro honoririo) Lucia Bastos (membro honorétio) PAPEIS SELVAGENS Coordenagio Kal ‘Rafael Gutiérrez, Maria Elvira Diaz-Benitez, Gustavo Siveir Ribeio (UFMG) Jaime Arocha (Universidade Nacional da Colémbia) Jefliey Cedetio (Universidade Javeriana de Boga) Suan Pablo Villalobos (E: Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFR) Maria Filomena Gregori (Unicamp) Manica Menezes (UFBA) Colesto Kaela Papéis Selvagens papeisselvagens@gmail.com www papeisselvagens.com AESCRITA DA CULTURA: POETICA E POLITICA DA ETNOGRAFIA James Clifford e George E. Marcus Organizagio Tradusio: Maria Claudia Coelho dP a az t south Rio de Janeiro 2016 O RIO DE JANEIRO Astistente Editorial Coondenadera de Prato Assented Prodeeso ‘Sipernsor de Revisan Revsto Projeo« Diagramaci copa apis Selvagens Manin Riguez ADOS INTERNACIONAIS DE CCATALOGAGAO NA PUBLICAGKO (CF) ‘Bes Heler~ CRE 100548 (Clsudia Coelho, ~ Rio de Janciro: Ed, aptis Selvagens Edigbes, 2016, 388 p+ 1623 em 1. Exnografia. 2. Poet 1. Clifford, James. TI. Mateus 3, Politica, 4. Culture eorgeE. cpu 39 Imagem de capa gentnents cae plas organiadoes do liza Sumario Sobre tropas ¢ cometas: apresentacio & edigéo brasileira de Whiting Culture Maria Claudia Coelho Preficio... James Clifford e George E. Mayeus Introdugio: Verdades parcais, James Chifford “Trabalho de campo em lugares comuns... Mary Louive Past O dilema de Hermes 0 disfarce da subversio na descrigio etnogréfica. Vincent Crapanzano Da porta de sua tenda: 0 etndgrafo eo inguisidor. Renato Rosaldo Sobre alegoria exnogeéfica James Clifford ‘A ecnografa pés-modema: do documento do oculto 20 documento oculo Seephen A. Tyler (O conceito de tadugio cultural na antropologia social britinica Talal Asad 27 31 3 1 125 183 ene 207 roblemas contemporineos da etnografa no sistema mundial moder90 a George E. Marcus Actnicidade e as artes pét-modernas da meméria Michael M. J. Fischer As representagées sao fatos sock pés-modernidade na antropologi Paul Rabinow modemidade € Posficio: A escrita etnogrifica eas careiras antropolégicas George E. Marcus Referéncias. Os colaboradores. Sobre a trad utora evn 237 271 323 359 365 383 387 Sobre tropas e cornetas: Apresentacio a edicao brasileira de Writing Culture ‘Maria Claudia Coubo! As ciéncias sociais ¢ os cimento hoje fortemeate apart nas concepces dos departamentos univer tabelas usadas pelas agéncias de fomento para em sua versio miri nas “reas de conheciment almente, 0 exame nacional de acesso as universidades. A démarche de seus percursos intelectuais, contudo, desafia recorrentemente esse afastamento, sendo prédiga em momentos de grandes redefinicdes paradigmaticas pro- vocadas por influénciss ¢ intercimbios recfprocos de conceitos e teorias. As teses de Edward Sapir e Benjamin Lee Whoxf sobre a telagio en- tre a linguagem e/0 pensamento, advindas da antropologia culzuralista de Franz Boas, sio um primeiro bom exemplo, olhando a partir da histéria do pensamento antropolégico, da fecundidade do dilogo entre os estudos da cultura € os estudos da linguagem, Um segundo momento extraordinirio reside, evidentemente, na inspiracio encontrada por Claude Lévi-Strauss na linguistica de Ferdinand de Saussure e Roman Jakobson para a elaboracio da sua antropologia estratualista Em sentido oposto — ou seja, quando os estudos da linguagem vérn beber na fonte das andlses socioculturais ~, pode-se lembrar do lugar central ‘cada do Departamento de Antropologis do Iastituto de Citacias Socais aivessdade do Bstdo do Rio de Jancio (UERD, 8 Aceriads clea pods plied nog sociolinguistica interacional imps fac cemplar da forca desse contato intelectual é a fincia dos conceitos de “enquadre” nos estudos sobre conversa e de linha” nos estados sobre polidez. A csmrita da cultura, entendido como “marco bibliogrifico” que con- telectual em curso na cena antropolégica norte americana nos anos 1980, pode ser entendido como um quarto momento de importincia impar nessa conversa entre 2 linguagem ¢ a cultura. Essa antropologia pés-moderna realiza seu movimento buscando na teoria lite- riria 0 interlocutor preferencial para uma nova versio dessa conversa entre sociedade, cultura e linguagem, inaugurando assim wm paradigma te6rico de lugar jé consagrado na hist6ria do pensamento antropolégico. ‘A coletinea reine um conjunto de ensa densa um movimento apresentados original- 1984 em um seminirio realizado na Scho n Santa Fé, no Novo México. Seu foco principal é a exploracio ® literéri, por meio do exame de suas figuras suas estratégias retéricas © suas aproximacées com outros 3s literarios. Essa atencio para a dimensio literitia da e mente et f American Re- search, -nografia como um ita etnogrifica nio é, contudo, um fim em si mesmo, um meto exercicio electual. A intengio & romper com uma relacio de referéncia que o meio antropolégico supunha argumento central da coletinea). Nese modelo tedrico, marcado, segundo geral do livro, por uma certa naiveté, a realidade cultural seria algo telagio aquilo que se diz a seu respeito, Uma etnografia fidedig. na e intelectualmente responsével seria, entdo, um texto que retrataria aquela realidade estudada “tal como é", segundo os dados tecolhidos no trabalho de campo. Eventuais incongruéncias e lacunas seriam, assim, frato de eventuais interpretagSes equivocadas ou parciais, nfo guardando qualquer relagio com a escrita da etnografia. O esforgo intelectual dos textos de A esta da exltura poderia ser de- finido, em sua esséncia, como um projeto para dotar o texto etnogrifico de visibilidade propria, Ao invés de atsibuir-lae uma qualidade “transparente”, de tomé-lo como uma via de acesso 4 cultura do “outro” cuja melhor chance de sucesso residiria,justamente, em sua opacidade, os autores desta coleti- Sore ops comets: AprucnioAeibraiein de Wrikng Calaee 9 ‘nea redirecionam o olhar do leitor para o texto em si, para 0 modo como 0 cenégrafo procura descrever, em sua “fantasia de objetividade”, o “outro” objeto de suas pesquisss. (Os autores realizam esse esforco de erigir como objeto de suas refle x3es 0 texto etnogrifico em si por diversos caminhos como, por exemplo, examinando a relacio entre dados empiricos ¢ discussio tedrica na cons. trugio do texto; analisando as principais figuras de linguagem empregadas; ou comparando 0 texto etogrifico com outras formas literarias, como o pastoril ou a literatura étnica, entre outros. problema teérico fundamental da coletinea pode ser melhor com- preendido se examsinarmos um conceito proposto por James Clifford em um ensaio que, curiosamente, nio integra a coletinea (embora seja objeto do escrutinio analitico de Paul Rabinow em seu texto aqui incluk com publicacio antecedendo-a em trés anos: “Sobre a Autoridade Etnogrific: (1998 (1983). Nele, Clifford discute o conceito de “autoridade etnogrifica’ que pode ser definido como o conjunto de estratégias discursivas utilizadas pelo antropélogo para convencer o leitor de que deve acreditar em seu rela to, Clifford cria uma taronomia de quatro “tipos” de autoridade etnogrifica: experiencial (cujo nome exponencial seria Malinowski) interpretativa (cujo melhor exemplo seria 2 obra de Geertz), dialogica e polifSnica (estilos que visariam expurgat do relato etnogrifico uma autoridade concebida como au- torititia, na medida em que a vor do informante somente se fatia presente sob forma mediada ¢ editada pelo etndgrafo), tema da autoridade etnogrifica é ecampado pelo propio Geertz, que de objeto da investigucio de Clifford reivindica, em seu livto Obras nidas (2002), uma posicéo de interlocutor. Analisando as estratégias discursivas monstros sagrados da etnografia ~ Malinowski, Evans-Pritchard, construgio da autoridade etnogrifica seria o “estar ld”. O desenvolvimento tipico dessa estratégia se daria em dois tempos: no primeiro, 0 etnégeafo estabeleceria, por meio de um minucioso relato I, muias_vezes incluindo descrigdes detalhadas da paisagem que s6 uma observacio em primeira mio poderia propiciar, que “esteve gue agora descreve; no segundo tempo, ressao de objet estado [4 como eu, veria exatamente isso que eu vi produzindo, assim, no leitor uma i parece ser-esse 0 10 Acces da tu: poi «polled enogria pticiamente dado 20 letor por meio da retirada cabal do ponto 0 dada p texto etnogriifico como algo no mais opaco, no de atencio em si mesmo, tem graves implica tro” & represen- ografia gencralizada” (Clifford, 1998), exa- ‘minar, entre outras coisas, as relacdes de poder em meio s quais o préprio projeto de compreensio da alteridade & concebido € levado 2 cabo, bem como atentar pata a da circulagio desses seu cada vez mais provével retorno A “sociedade do Esse despertar para a gravidade do projeto de cespraia-se também para os dominios tedricos e metodolégicos da etnografia. Do pponto de vista teérico, talvex o maior impacto seja a desconstrugio do conceito de “cultura”, tio central na historia do pensamento antropolégico como base da construcio de seu problema central de pesquisa ~ “cultura do outro”. “Culta- 1°, agora, passa a ser vista com descontianga, como capas. de produzir “fiegSes homogeneizantes’,“tipifcag ses de cocténcia” que, entre outros pro- blemas, falseariam a forma como individuos especificos nativos dos universos tado é em um mundo de s politcas, sociais ¢ econémicas to de vista metodal6gico, coma identidade/subjetivi: sSgrafo ea forma como ¢ tratado pelo grupo sendo entendidos como dados do campo, como maneiras que 0 gru- po tem de dizer quem é por meio da relagio que estabelece com o pesquisador. ‘fo esses, assim, conforme sistematizamos em outro lugar (Coelho e Sin- ex, 2004), os quatro pontos centrais que constituem o paradigma teGrico que veio a ser conhecido como a pés-modernidade antropoldgica: a — a etnografia como género narrative; b —a dimenslo politica das representagies; ¢ — a des- Sole op orecs: Apress & ico basi de Whig Clee 1 construcio do conceito de cultura; ¢ d — 0 papel da subjetividade /dentidade do pesquisador na construcio do objeto ¢ nas proprias condigées de possiblidade ce realizacio do trabalho de campo. A exria da cuturaé considerado como “tar: co bibliogrifico” desse movimento, 20 reunir um conjunto de ensaios devotados 0 exame da dimensio literéria do texto etnogrifico, deflagrando, assim, um movimento profundamente autorreflexivo no meio antropolégico. Os impactos desse movimento, contudo, em que pese sua sofisticagio te6rica, sio dificeis de avaliar. Em seu texto aqui incluido, Rabinow sugere hhaver uma superestimayio do impacto efetivo das discusses criticas sobre a “autoridade etnogrifics”, recorrendo a uma colocasio irénica de Renato Ro- saldo: “as tropas nio estio acompanhando” (2016, p. 338). Gostaria, agora, de apostar na metiforae transformar a afirmagio em pergunta: as tropas de fato nio atenderam ao soar das cornetas? O que se esperava que fizessem? O que deveriam 2 Esstd certo que as tropas, a0 ouvir soatem as comnetas, nio se coloca- ‘tam em prontidio nem se langaram ao ataque em formagio de combate. Mas seu comando? Ou 0 atengio, ainda que terio de fato permanecido inteiramente indiferent terio escutado como um alerta 20 qual era preci sem qualquer reacio imediata? Como forma de elaborar essa reflexio, recorro, nas proximas duas segdes, trés etnografias intencionalmente escolhidas em duas cenas antro- poldgicas nacionais distintas: sua cena “de origem” — a norte-americana —, pot meio de duas etnografias de autoria de Lila Abu-Lughad; e sua cena “de chegada” (para os propésitos desta iniciativa de publicar A exmita da ultra fem portugués) ~ a brasileira ~, por meio de uma etnografia escrita a quatro mios, por Halo Silva ¢ Claudia Milito As duas etnografias de autoria de Lila Abu-Lughod aqui escolhidas foram publicadas com um intervalo de sete anos: Veiled sentiments, de 1986, € Writing women’s world, de 19932 Ambas descrevem a vida em uma aldeia beduina situada no Egito, na qual Abu-Lughod realizou extenso trabalho Ua primeira versio da anise aqui epresentada das duas emnografias de Abs-Lughod foi puilcada em Coetho (2010). 12 Accra cle: pod polis de ogni de campo, A primeira é uma etnografia de formato tradicional sobre hon- € amor (a tipica “etnografia-tese” comentada por Marcus no este livro); a segunda & um experimento etnogrifico em que a antropéloga procura, por meio de uma estrutura narrativa alternativa, retra- tar a complexidade das histérias vividas por seus “nativos”, a seu ver, no contemplada pela forma canénica de esctita do primeiro trabalho. lo para duas questées: em primeiro =xploragio da forma como sua “au- lugar, de forma nate, como 3 toridade etnogrifica” & constru vveremos de que forma a estrutura textual de Whiting women's com dois outros pontos caros i vertente pés- -moderna, longame: por Lila Abu-Lughod em sua introducior a desconsteucio da nogio de cultura a politica das representagies. por palmeirs de Alexandria, passando por fileins de construgdes cor de area idénticas, com varandas cheias de criancas, ho mulheres conversando 208 gritos com o¢ vizinhos e varsis cobertos por roupas malticolosidas que seca instantaneamente sob 0 sol Drilhante do Egito, Dov-reem seguida atavessar uma pequena ponte, que 35 comporta uma tnica fila de vei ema que o$ bedulnos moram nestas casas: nota 0 bilho Se wopase comers: Aprennso edit bral de Wing Care 18 tipico da prat em seus pul, um vestido comprido de cor brilhante preso ca coberta de preto. ‘do ise me foi mostrada. Esfoscei-me i, me perguntl se alin dia. Na primeira vex im gue gt esa paca ver tudo, para guardé- siamos a passarp essa a maneira como comecel a pe de poder cont qu a hava visto par o outoe que morsvam mais Eke adam rather nose: do mud da. Ao vohar das mas loudese baruhentas do Caito © de Alexania, mater reqs me sent alvin 40 ver {io A medida que nos aproximvamos dea em que morei durante 0 perodo de tabalho de campo, hava um pouco mais de vegeragio: Em seguida,vnka arma tendas, muito feita de tijolos brancos. Era abi que ov morans (Abu-Lughod, 1986, pp. 1-3, traducio ¢ grifes meus. ‘Esca abertura realiza um movimento que et lido & luz das ques. ‘uar uma démarche que parte da mais autoral plena da etnégeafa no texto. Ab ‘uma paisagem como forma de mostrar 14 Acad cur: pods poli da emogafa tindo, desta forma, que qualquer um, se pegasse aquela estrada, teria visto 0 que ela viu. Nao se trata, portanto, do seu olhat; aquela estrada é assim, Apés trés longos parigrafos neste tom, a autora subitamente entra afitmando que alguém, cuja identidade iio nos € informada me foi mostrado”), a fizera ver aquilo da primeira vez em que trilhara aquele caminho, ja aqui deixando entrever sua familiaridade de quem o percorreu muitas vezes e tem uma elaborada lembranga do modo como sua relagao com a paisagem mudara (“me perguntei se algum dia aquilo me setia familiar”). Eo texto segue estrada afora rumo a uma cada ‘vex maior fami ridade, por vezes, literal ~ um coragio que se acelera, , 0 aptego das pessoas por noticias, a uina descrigio da paisagem, Abu-Lughod, por fim, chega em casa (“era ali que eu morava”), estabclecendo, de uma vez ppor todas, que este ld, Essa abertura parece naive em relacio a visio pés-mo- derma da etnografia como um texto, datando sua publicacio do mesmo ano da publicacio de Writing culture. Veiled sentiments, contudo, se, pot um lado, pode ser tomado como exemplo dessa forma de construgio de autoridade cetnogrifica (ov, se quisermos, também como exemplo da autoridade “inter- pretativa” de que fala Clifford, havendo, na “Introdusio”, belos exemplos de “fabulas de contato”, como quando ela pranteia a morte de um “paren- te"), por outro, traz jé preocupacies sintonizadas com esse movimento pés- -modemo e fornece um abundante material para uma clucidago do que é a natureza inevitavelmente posicionada do conhecimento etnogtifico. Lila Abu-Lughod nasceu em uma familia de pai jordaniano e mie nor te-americana. Quando decidiu fazer sua pesquisa de campo no Egito, seu pai decidiu acompanhé-la, alegando ter também coisas a fazer pot li. Contra a ‘om os beduinos sua accitacio na “nossos parentes”, a tia favori Retornando brevemen je um lider local, a quem a etadgrafa se refere como “Hj”. Abu-Lughod fala do constrangimento que sent, sen- tada no banco traseiro do carro, enquanto seu pai entrava em acordo com 0 eu sentimento era de “nfo estar sendo muito antropéloga” por deixar seu pai cuidar de sua entrada no campo. Sua telutincia devia-se ao fato de estar segura de que sua familiaridade com o mundo mugulmano Ihe permitira lidar sozinha com as dificuldades que encontratia por ser mulher. Retrospectivamente, contudo, Abu-Lughod reconhece 0 acerto da atitude de seu pai, uma vez que, naquele universo, See opar earn: Apes lio bain de Whig Cale 15 a respeitabilidade no provinha somente do comportamento pessoal, mas também da relacio com a sociedade mais ampla. Na visio de mundo bedu- ‘na, uma mulher a quem @ familia permitisse viajar sozinba e entrat em conta- to com estranhos por conta propria s6 poderia ser uma “renegada”, alguém de comportamento a tal ponto imoral que a prépria fama teria decidido abandoné-la 4 propria sorte Gragas a “sabedoria” de seu pai, a etndgrafa é entio recebida na con- digéo de “filha adotiva” pelo Haj, que a “hospeda” em sua casa, proibindo, contudo que deixasse 0 acampamento, Outro problema, entio, se coloca: quais as consequéncias dessa restricio para 2 “‘representatividade” de seu estudo? Entretanto, a légica local rquivel: se cla deixasse o acampa: mento € softesse alguma agressio, eles seriam obrigados a revidar; se, 20 conttitio, fosse alvo de gentilezas, seriam obrigados a retribuir. E os bedui- ‘nos que a hospedavam nao quesiam incorrer em qualquer tipo de obtigacio por causa de sua “filha”... No ambiente doméstico, surgiam dificuldades de outra natureza. Com © passat do tempo, acostumados 4 sua presenga, os homens Ihe davam or- dens, acordando-a de madrugeda, juntamente com as demais mulheres da ‘casa, para que hes servisse ché. Como uma mulher adulta norte-americana, profissionalmente independente, podia aceitar esse tipo de tratamento? Todos esses “problemas”, contudo, revelam-se, aos poucos, parte in- tegrante de seu estudo, Abu-Lughod nao os trata como “percalgos” metodo- légicos, obsticulos a setem superados ou deseonfortos a serem suportados, mas discute 0 modo como integram indissoluvelmente sua entrada no cam- po, fechando algumas portas ¢ abrindo ontzas, de um modo que somente uma identidade feminina, adulta e solteira poderia fazer. Pois é apenas por isso (¢ pela atitade de seu pai) que ela pode vivenciar o cotidiano de uma familia beduina composta por um homem, suas trés mulheres © diversos filhos, bem como transitar entre os universos ferninino — dividindo 0 servigo doméstico (como ume mulher de origem arabe) ~ e masculino ~ conver- sando com os homens (como uma mulher aorte-americana ~ respeitados alguns limites, bem entendido). E é desse trinsito entre dois mundos tradi- cionalmente mantidos 4 paste que seu objeto de estudo ~ a poesia amorosa beduina ~ emerge. ‘Abu-Lughod conta-nos que estava acostumada 2 ouvir as mulheres recitarem, em meio a converses corriqueiras, poemas que falavam de amor. 16 A cern cleus: odin pola de epi Um dia, inadvertidamente, comentou sobre um desses poemas com 0 Hej, que reagiu de forma exaltada, exigindo que Ihe contasse quem o recitara. ‘Ao saber que fora a mulher de um de seus pastores, mostrou-se aliviado. A sazio de seu temor: 0 poema falava de desilusdes no casamento, ¢ ele teme- sa que tivesse sido recitado por uma de suas esposas. Ao contar 0 episédio para Gateefa indiscrigio, pois esses poemas sio formas de expressfo afetiva, de natureza privada, ndo devendo ser repetidos fora do contexto em que sio recitados. Surge assi sua percepeio da pressio dos sentimentos, que iri entio se constit nografia. E como, a no ser na condicio de “ mulher ¢ solteira — e “adotiva” — possivel por no ser bed se tera sua propria familia — Abu-Lughod poderia ter sido colocads em ‘um lugar que Ihe permitia andar entre mundos que, para um «a primeira esposa do Haj, Abu-Lughod é repreendida por sua , deste trinsito pelos universos masculino e feminino, ureza contextualizada dessa forma discursiva de ex- no objeto de sua et- tio rigidamente separados? E de que outro modo seria possivel perceber 2 gramatica desse tipo de expresso emocional — pequenos poemas recitados em meio a situagdes corriqueiras? Viiled sentiments nos ts22, assim, um precioso exemplo da imbrica cdo necessiria entre a identidade do pesquisador ¢ a construgio do obje- to de pesquisa. Serve-nos, pata efeitos desta exposicio, a mesmo tempo trae uma forma de construcio da “autoridade etnografica” e para jcar a natureza necessariamente posicionada do conhecimento. Entretanto, a propria Abu-Lughod di com sua primeira et- nografia, e da conti sete anos trabalho no qual as implicagdes pol cultura que presidira a primeira etnografia ensejam com uma outra forma narrativa. Writing women’s worlds € um livro esteuturado em introdusio ¢ cinco ca- pftulos, ¢ deixado intencionalmente sem uma concluséo, A introducio con sis idade & pesquisa, em uma longa ¢ densa discussio sobre 0 conceito de “cultura”, cuja ne- cessidade de desconstrucio é sustentada pela autora com base no argumento de que essa nosio, ao orientar « descricio etnogrifica, cria generalizagies € tipificagdes que produzem ilusdes simultéineas de coesio e coeréncia, ou seja, de que todos naquele grupo vivem tal questio de uma mesma maneira, sem conflitos, ambiguidades ou contradigées internas. Sobee wopasecomes Apraentso ei bia de Whig Cale 17 Essa critica do conceito de “cultura” justifica a estrutura narrativa do liveo: cada capitulo tem um titulo que remete a um conceito da teoria antro- pologica cléssica (“patrilinearidade”, “poliginia”), sendo composto por um Conjunto de historias sobre membros da aldeia beduina etnografada. A ideia é provocar um ef entre a “aridez” dos conceitos antropo- logicos e a vida “tal como ela é”. Um exemplo ¢ o capitulo sobre poliginia, composto por uma série de episédios sobre pequenos dramas e conflitos cotidianos vividos pelo Haj c suas trés esposas, contltos esses que envolvem, disputas por autoridade, prestigio, bens materiais ¢ afeto. O efeito provoca- do é desfazer a “fantasia” ocidental de que 0 “outro” que opta pela poligamia como modelo de casamento a vive de forma plenamente harménice. Ao contrisio, mostra a autora, o cotidiano é repleto de citimes, preferéncias afe- tivas ¢ hostilidades provocadas por mfnimas atitudes. Ao optar por escrever um “livro de hist6rias”, a intengio de Abu-Lughod é assim romper com a “palpabilidade” do conceito de cultura, que fixaria de forma indesejével as, fronteiras entre Na concepgio de Writing women’s words, essa problematizagio do con- ceito de cultura imbrica-se, desse modo, a0 mesmo tempo com a visio da etnografia como um género narrativo — sustentando essa experimentagio realizada pela autora ~ ¢ com a politica das representagées, uma vez que € 0 didlogo com as representagbes ocidentais sobre 0 mundo mugulmano que orienta as preocupagées lteririo-te6tico-politicas de Abu-Lughod. de contras segundo experimento etnogrifico escolhido € Voges do meio, de autoria de Hétio Silva ¢ Claudia Milito, publicado em 1995. O livro é resul- tado de inquietagdes produzidas pelo projeto “Se Essa Rua Fosse Minh’ voltado para a compreensio do universo dos “meninos de rua” e patroc nado por quatro organizacées no governamentais (IBASE, FASE, IDAC ¢ ISER). £, assim, uma pesquisa que tem como marca de nascenga uma natuteza engajada, um projeto voltado para o embasamento de propostas de intervencao, distinto, portanto, das etnografias gestadas pela curiosidade intelectual do pesquisador. Sua natureza er jada, contudo, ndo €, como por vezes ocorre, ficativa para uma anilise rasa de pouca sofisticagio te6rica, Ao contri 18 Acs dace pod poi da rogai refinamento tedtico concotre aqui para @ sutileza ¢ a consisténcia do “diag- néstico” e para a construcio de um objeto de pesquisa raramente visto. Pois, se 0 tema central é a “exclusio’ segregagiio, discriminacio e m ‘meninos de nua, as diversas formas de sos que softem, os autores se fazem a pergunta crucial: quem os segrega? Como é possivel delimitar fronteiras de uum “grupo” que se define pela ereincia urbana? E, se no € possivel car as fronteiras do grupo dos “excluidos”, como saber quem os “exclui”? Os autores assim, por um exercicio radical na construgio de seu objeto de pesquisa: trata-se de etnografar um “clima”, uma “ambiéncia”, ou, ainda, um “estado de animo compartlhado” (Silva ¢ Milito, 1995, p. 35). acima expostas que otientaram os experimentos literdrios de Abu-Lughod, conforme explicitado na citagio abaixo: to rarefeito, de rara concepgio, ¢ em fina sintonia com as questées Mas, sobrerudo, ainda seri possivel falar do woo? AA discussio, na qual se enredam Vincent Crapanzano, Deaais Tedlock ¢ ou- ‘ros pesquisadores, tematiza ainda essa obscura, problematica nocio de todo, Pode-se falar dos tcobriandeses, dos nuer, dos azande, em geral? Quanto mais, pode-se falar de uma cidade, uma grande cidade, como o Rio de Janci 10? (Silva e Mito, 1995, p. 58). Presente, assim, o topico pés-moderno da desconstrugio do conceito de “cultura”, em particular em sua fantasia de coesio, incompativel com a natuteza mesma do problema examinado. E desconstrugio essa de graves consequéncias metodolégicas: como definir “amostra”, como falar em “re~ presentatividade”, se o universo pesquisado no é nem mesmo uma cidade grande em si, nem algo que nela acontece, em um lugar ou hora especificos, por obra de grupos definiveis, mas um im, de etnografar um “inimo” difuso cuja ténicaé a exchu- ” percebido de forma nebulosa. Sua marca é, justamente, ‘ociedade “em volta”, da qual, sob outros angulos, é parte integrante. Traté-los em termos narrativos como “grupo” seria justamente, uum cliena? no esforgo mesmo de alcancar 0 diflogo que combate a violéncia ¢ a exclu- fo, reiterar as fronteiras ~ os “biombos” ~ que permite marginalizé-los, stestando uma preocupagio teérico-politca semelhante aquela exposta por Sete pas econ Aprende Wiig Calare 19) Abu-Lughod, ao alertar para a reificagio das fronteiras entre grupos como ‘um perigo possivel do conceito de “cultura”. E desse entendimento do problema que deriva a forma narrativa ado- tada. Mas que objeto é esse? Como se etnografa algo tio rarefeito como um “estado de animo”? A solusio proposia é a opcio pelo episédico, pelo fragmentado. Sio hist6rias, personagens qe se entrelacam para compor um quadro que des- creve um ambiente, ums percepsZo coletiva e difusa sobre estes integrates cexcluidos na cena urbana, cuja exclusio se dé justamente por estarem, em um curioso paradoxo, restritos 20 espago puiblico urbano ~ a rua, Neste sentido, a fragmentagio é a marca deste projeto. A experiéncia dos meninos é fragmentada, as anotagdes de campo o si, ¢ assim é 0 texto exnogrifico. Essa relacio é exposta pelos autores a partir de uma situacio comriqueira do trabalho de campo, qual seja, a dificuldade em lembrar a que se refere uma anotagio solta: -Anotages soltas ntrigam Claudia. Descobre ente seus papéis frases que de veriam remeté-la algo de que nio se lembra. Ante a culpa do esquecimento, pOe-se a espicagar a meméria longingua Sabe que o escrito refere-se & Casa dda Rus Alice, poi esta €8 indicagioinica © exercicio impée-the uma reflexio que avanga rumo 4 outros questions- ‘mentos. As frases desconexas, 25 relagbes que nio se completam na insinoa ‘io de texto, decotrem também da prépria forma como as informagies sio Conseguidas.sse menino que confia a desconfiar raramente expe situagées claras¢ lineares Seus depoimentos sio fragmentados, desconexos, intermi- tentes. Uma linguigem a eraduzir a prdpria fragmentacio de sua existéncia na rua ou a indicar o carter irevogavelmente lacunar de nosso acesso a cle, precariedade e imermiténcia de nossos encontros (Silva e Mito, 1995, p73) relato etnogrifico procede, entio, a partir de uma colagem de cenas soltas, vivenciadas ou presenciadas pelos pesquisadores nos espacos mais vatiados da cena piblica urbana, em pragas, praias, bares ¢ ruas. Sele- cionamos, aqui, quatro passagens que, juntas, proporcionam uma ideia da forma como 0 texto etrogrifico é montado para dar conta da etnografia do “animo compartilhado”, fugindo assim 4 reificagio daquelas fronteiras que sustentam 2 exclusio, 20 Acc da ale: pols polis d ogra ‘A primeira cena se passa na praia. Um rapaz protesta contra 0 espan- camento de um adolescente por policais, em Copacabana, alegando que ele nada fizera, Progressivamente, seu tom calmo faz com que os policiais co- mecem a voltar-se contra ele, acusando-o de “atrapalhar”: erguntavam 3¢ ele documentos, cli trangeram-no © quanto puderam. A inges © empenho foram cedendo, Parecia confuso, sem 2 gaguejava, evidenciava claramente ter perdido a capacidade d ‘que te passava, Lidava mal com 2 repentina inversio que 0 tornara suspeito, a ameaca de prisdo absurda, Uma pecula,dislamos, em se tratando de alvo tho inofensive, Siu dali 0 loro acompanhou (Silva e Mili, op. cit, pp. 35-36). Na segunda cena, a pesquisadora senta-se em um banco de praga para conversar com seus frequentadores habituais: 10 vagabundos” dia, que exté sentada ao lado Falam que nos domingos dormem sera. [.] Aprovam 0 massacre do Carsndi tam e fazem o que que- em, merecem isso mesmo. (.) servagiio da cot Skee wopare cornea: Apruenet edible de Wiig Cle 21 srs, Quando vai embor, insite em que Claudia aio fique sozinba no banco: = perigoso. [Na divida, Claudia levanta-se (Silva e Milt, op. cit, pp. 47-49) O terceiro momento é uma conversa de bar: O senor, um aposentado com cerca de 65 anot, no but da Rua Carlos de Vasconcelos, onde 0 pesquisadar lancha em seus periodos de campo na Sa nz Peta, fala da arma que usa. Esti 4 procura dos trés garotos qu sam sua mulher em frente 20 quartel do E adicionais ~tratin a ‘a ela uma perna quebr de uma diabética, hipertensa —, levanta por inteiro suas ncias morais. © animal assastino, sem consciéncia ou remors0, est all inteiro, © que os meninos levaram foi seu velho ideal de uma velhice tranguila a0 lado de sua companheira em um baiczo tradicional. Agora tado perece permitida.E ele pode contar pass 0 pesquisador, com quem aio tem qualquer insimidade, em bom som, 0 se intento, sua ob Finalmente, a quarta cena se passa em uma cale lea auséncia de didlogo que evidencia/ 22 Actin da or: pots plia d nograa do de predispor para o crime, uma atitude muito comum nos comentitios de disposta a uns vinte metzos do local. A i ‘quando um dot meninos, que pedia esm tinuou 4 paciente captasio de vapor de combust Mili, op. cit, pp. 112-13). pan apiragio Gila © Como dizem os pesquisadores, fala-se sobre os meninos, mas nio cam cles. E neste movimento, fala-se conira eles. Reside ai a importancia politica da “etnografia do animo”: Esse “cima” no Organiza-se pelas ssa passagem, inserida em meio a uma colecio de fragmer -ocupaco fundamental do estudo: a imbticagio entre ética, entendido, nos termos de Hans-Georg Gadamer, como 0 a1 el. Sobre opus cornea: Apert ein brii de king Calne 23 Gadamer, em sua teorizagio sobre a conversa ¢ o modo de compre- ensio do outro, serve de inspiracio tedrica para 0 projeto etnogratico dos autores. Silva e Milito destacam sua tipologizacio das formas de se entender © outro: como tipo, com Esta dltima é apontada a": “aquela onde existe esse ‘com’ o outro e Essa, contudo, ¢ uma forma particularmente dificil ‘um empreendimento antropol6gico, que pressupée uma dis servador e observado a qual, paradoxalme dos meninos de rua, cuje experincia é marc 3c alcangar em. entre ob- visa transcender.’ No caso tamente pela exclusio, 0 problema do didlogo ganha uma importincia impar: ele é a0 mesmo tempo sintoma principal de sua experiéncia ~ pela auséncia sistemética — e meio principal de intervencio, ainda mais dificultado pelo fato de que a exclusio € tio radical que busca excluir também aqueles que contra ela se insurgem. Na concretizacio de seu.projeto de etnografar a disposicio de um “entorno” em relacio 20s “‘meninos de € Milito optam, por uma etnografia do fragmento, do >. Criam sua propria do dilema abordado sob tantas facetas pelos autores de A evita da cultura, ‘qual seja, que lngar conceder & propria voz no texto, como se fazer ouvir sem com isso calar aqueles a quem se pretende conhecer. Ou, ainda, como conciliar autoria ¢ autoridade, sem recair em uma “autoria autoritiria”, mas também sem sucumbir 4 bandeira ingéaua de “dar vor 20 informante”, uum projeto inviivel'em sua prepoténcia disfargada. Os autores justificam assim sua escolha ret6rica: A propia -problema ‘nocentrsmno” que perpasaaa rlacio de coaherimment antropokigico (Coelho, 2013), 24 Acs da clare: pod pola da eogria pois essa alo é uma sociedade que possua um minimo de coesio. A cata de fragmentos, a operacio de montgem, embora ainda contenha tagos au- leixard vazar a polfonia da rua “forcosamente”, minando na base a presuncio autoral, quando aparentemente ela estaria se manifestando com maior vigor. Essa impressio é apatente. Deriva exclusivamente da singula Fidade do ipo de escrta adotado ema contraponto @ tradigio. M vai sendo tecida quase & revelia de capelho, & mancira da imagem de Stendhal, focaliza a lama das © Milo, op. ct, pp. 182-83). Gadamer ¢ Crapanzano, com sua atengio, respectivamente, a con- versa ¢ ao didlogo, suas impossibilidades e paradoxo: elos implicitos entre o projeto tedrico da antropologia -americana sintetizado nos ensaios de A eserita da cultura urbana brasileira, habituada 4 consteugio desses seus objetos to estranhos 4 cena estritamente “antropoldgica” da academia norte-americana. Fé nisso mesmo, ereio, que reside o possivel interesse de um comentario sobre Vozes do meio-fo em uma “apresentagio A edigio brasileira” deste livro: nfo pode- ‘mos escutar aqui os sons daquela cometa aos quais as tropas pareceram de inicio indiferentes, mas 2 cujo eco reagiram, ¢ por vezes de forma exemplat? Referéncias ABU-LUGHOD, Lila. Ved sentiment. London: University of California Pres, 1986, ABU-LUGHOD, Lit. Priting women word: Bedouin sores, Berkeley: University of Califoraia formulagesclisticas e peablematinasties \TINO-AMERICANO DE FORMACAO DE 1UAS (I CLAFPL). Ana. Rio de Janeiro: Lecra Capital, \OFESSORES. 5p. 179-189. Maria Claudia, “A Compreensio do Ovtro: tia, o lugar do ‘nativo’ ea desnaty sobre os mo. CAVALCANTI, Tad Brasil Rio de Janeiro: Pago Imperial, 2004, pp. 37-45. (GEERTZ, Clifford. Obra eda: oanrpsis como autor. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002, Soineopas ecomeas:Aprsenai ciara de Whig Calne 25, HENDRY, Jog. “The Pasador of Faendship in the Feld: an is OF a long-term Anglo. Antiepaegy and atl: smodernidade e pés-modernidade na {George E. (orgs). emia da etre 23.58 Prefacio James Cliford ¢ George E. Mar conversas se estenderam zo longo d pela Escola para os “seminitios ava limitado a dez pessoas. O grupo discutiu trabalhos que lado antecipa relevantes pata o foco do seminatio: “a construcio de textos etnogrificos”, Alguns par da etnografia » Vincent Crapanzano, Renato Rosaldo, Michael Fischer); outros vinham deseavolvendo sists ae de suas perspe: jente e explorou uma vasta gama de izado recent participante: , em estudos uum centro de gravidade do grupo em um campo —a garantiu uma lingu into de refer’ comuns, permit fas 0 escopo do seminitio © géneros em seus fontes hist6ricas, literarias (pp. 383-85), ea bil das obras relevantes 28 esta da ct: pos pai da ogra ., nove estio inchuidos aqui, (Por razdes circunstanciais, Robert ‘no péde revisar seu texto no prazo estabelecido) ‘Ao olhar criticamente para uma das principais coisas que os etndgrafos {fazem ~ isto &, escrevet ~, 0 semindtio buscou, 20 mesmo tempo, reinterpre- ilidades 0 semi- {bes dessas abordagens. Alguns trabalhos sublinharam, e as discusses voltaram sucessivamente a isto, 08 contextos is abrangentes de desigualdades sistematicas de poder, as restrigies dos sistemas-mundo e as formagoes in textual s6 poderia dat cado, de forma a tar o passado recente da antropologia cultural e mostrar suas futuras, Entretanto, embora nério também examinow as icionais, das quais 0 foco na produce sata de maneira parcial. Assi fazem parte deste volume), ver 0 relatério publicado em Current Anthropology 26 (abril de 1985), pp. 267-71. Algumas da duzidas pela organizacio ¢ pelo foco do lusdes mais evidentes pro- dos no seminario. Alguns estio, agora, muito diferentes. Como organizadores, no os empurramos na diregio de uma unidade tematica nem tentamos esta- belecer “‘conversas” artificiais entee eles. Os leitores, sem diivida, encontrario tanto atritos quanto concordéncias. Também no tentamos impor uma uni: formidade de estilo aos ensaios, mas, a0 contririo, incentivamos a diversidade. ‘A sequéncia das partes do livro no tem qualquer significado maior. Hi uma progressio geral dos estudos de i io Aqueles que questionam essa énfase ~ por exemplo, 0 enquadramento critico de Rabinow -xtualista”, Os ensaios tendem, também, a passat das criticas retrospectivas das convengdes etnogrificas pata as di possibilidades atuais de trabalhos experimentais. Sob essa logica, 2 evocagio de Tyler de uma “etnografia pés-moderna” poderia ter sido colocada no final. Mas, na verdade, seu ensaio busca 0 pés-moderno em fontes pré-modernas ¢, cio literivia em di de toda a abordagem es sobre as em linhas gerais,é inclassificivel. Nao quisemos causar a impressio de que 0 volume como um todo aponta para qualquer diego ut6pica ou profética Como organizadores, gostariamos de agradecer especialmente aos pat- ticipantes do seminatio, por sua cooperaio ¢ bom humor; & School of Ame- Pefico 29 rican Research (em particular a seu presidente, Douglas Schwartz, ¢& sua dire- tora de publicagdes, Jane Kepp) pela hospitalidade e pelo incentivos & Divisio de Humanidades da Universidade da California, Santa Cruz; e, em espec Barbara Podratz, com a ajada de Margi Wald, da Rice University, pelo apoio ‘na preparagio dos originais. Na Editora da Universidade da California, Naomi ‘Schneider ¢ James Clark nos incentivaram e nos auxiliaram editorialmente. So- mos gritos, também, a diversos letore, revisores e mio revisotes, no apenas Por suas sugestBes especificas, mas, particularmente, por seu entusiasmo. Sua r confirmou nossa esperanca de que o livzo fasa soar um acorde impor- € controverso em todas as teas nas quais a etnografia e a critica cultural vvém se tornando importantes. Muitos desses leitores sio to qualificados para contribuir para um volume sobre esse tema quanto os dez pesquisadores que se reuniram em Santa Fé. As questdes levantadas nas paginas que se seguem estio seado amplamente debatidis; n6s nio as inventamos. Confiamos em que aque- les que jé contribuiram para o debate se verio adequadamente reconhecidos em rnossos agradecimentos, ou, 20 menos, contemplados nos dilogos estabelecidos. Finalmente, como Invocagio, oferecemos os versos compostos em uum desespero zombeteiro por nossa primeira letora editorial, Jane Kepp, com o diciondsio nas mis, dilema do hermeneuta ou Um poema de jagies a pré-lapsarian, «0 hermeneuts Sensou 5 confsa om ua imagem fel Merglbado em adriragto dedihande 0 alte Perdido om rbvera sem qualquer experanga E entio, em sincera tergiversago, gritou Vena, interlocutor, me escute! Em minba pathopoci calunieie ment Agora ouvirds ete dicurso sobre meu austero projet. Chafirdei em risas fmomenoligicos depravades E me juntei uma sinédoque seerta Disspei meu conhecimento em ftir embriagados E aderia hersiasepistemoligicas.

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