O METODO MISTICO 5
mesma escola, diz que o cristianismo é a religio absoluta, porque seu principio fundamental,
ou seja, a identidade entre Deus eo homem, ¢ 0 principio fundamental de sua filosofia. Em seu
“Encyklopidie” (p. 3), ele diz: “A nica religifio que se conforma a razio é 0 cristianismo,
porque cla considera o homem como a forma na qual Deus se tem revelado. Sua teologia 6,
portanto, antropoldgica, ¢ sua antropologia é teolégica. A idéia da divindade do homem
(Gottmenschheit) é a chave do cristianismo, na qual, como diz Lessing, jaz sua racionalidade”.
§ 4. O Método Mistico
Poucas palavras tém sido usadas com maior amplitude de significado do que o misticismo,
Aqui, ele deve ser tomado num sentido antitético para especulagaio. Especulagao é um proces-
so do pensamento; misticismo é uma questo do sentimento. A primeira presume que a facul-
dade racional é aquilo pelo qual alcangamos o conhecimento da verdade. A outra, suspeitando
da razio, ensina que se pode confiar exclusivamente nas emog6es, pelo menos na esfera da
ido. Embora este método tenha sido devidamente expresso, e os sistemas de teologia te-
nham sido construidos sob sua diretriz, os quais sao ou inteiramente independentes das Escri-
turas ou neles as doutrinas da Biblia tém sido modificadas e pervertidas, nao se deve negar que
a grande autoridade se deve 4 nossa natureza moral em questées de religiao. Sempre hé um
grande mal na Igreja em que os homens permitem o discernimento légico, ou o que eles cha-
mam de sua razio, fazendo-os chegar a conclusdes no apenas contrarias a Escritura, mas que
violentam nossa natureza moral. Admite-se que nada contrario a raz&o pode ser verdadeiro.
Mas nao é menos importante lembrar que nada contrério 4 nossa natureza moral pode ser
verdadeiro. Deve-se admitir também que a consciéncia é muito menos passivel de erro do que
arazdo; e, quando enfrentamos conflito, real ou aparente, nossa natureza moral é a mais forte
e manteré sua autoridade a despeito de tudo o que somos capazes de fazer. Ela é legitimamente
suprema na alma, embora, com a razdo ¢ a vontade, esteja em absoluta sujeigao a Deus; que é
arazAo infinita e a moral infinita por exceléncia.
O Misticismo como Aplicado a Teologia
O misticismo, em sua aplicagio a teologia, tem assumido duas formas principais, a
supernatural e a natural. De conformidade com a primeira, Deus, ou o Espirito de Deus, man-
tém comunhio direta com a alma; e, pela excitacdo de seus sentimentos religiosos, comunica-
Ihe intuigdes da verdade e capacita-a a atingir um tipo, um grau e uma extensio de conheci-
mento inatingiveis de qualquer outra maneira. Essa tem sido a teoria comum dos misticos
crist&os em tempos antigos ¢ modemos. Se por isso se quisesse significar apenas que o Espirito
de Deus, por sua iluminago ¢ influéncia, comunica aos crentes certo conhecimento das verda-
des objetivamente reveladas nas Escrituras, o qual é peculiar, infalivel e salvifico, isso seria
admitido por todos os cristdos evangélicos. E por tais cristéos defenderem esse interior do
Espitito, é que so as vezes chamados de misticos por seus oponentes. Isso, contudo, nao é 0
que se pretende aqui. O método mistico, em sua forma supernatural, presume que Deus, por
sua comunicago imediata com a alma, se revela através das emogées e por meio ou na forma
de intuigdes da divina verdade, independentemente do ensino externo de sua Palavra; e € essa
luz interior, ¢ nao as Escrituras, que devemos seguir.6 TEOLOGIA SISTEMATICA
De conformidade com a outra, ou a forma natural do método mistico, no ¢ Deus, e,
sim, a consciéncia religiosa natural dos homens, como excitada e influenciada pelas cir-
cunstincias individuais, que se torna a fonte do conhecimento religioso. Quanto mais pro-
fundos e mais puros sao os sentimentos religiosos, mais clara é a percepgao da verdade.
Essa iluminagao ou intuig&o religiosa é uma questiio de grau. Mas, como todos os homens
possuem uma natureza religiosa, todos tem em maior ou menor intensidade a apreensdio da
verdade religiosa. A consciéncia religiosa dos homens, em diferentes épocas e nagées,
tem-se desenvolvido historicamente sob diversas influéncias, dai existirem diversas for-
mas de religiao — a paga, a maometana e a crist. Essas no se relacionam como verda-
deiras e falsas, mas como mais ou menos puras. A aparéncia de Cristo, sua vida, sua
obra, suas palavras, sua morte causaram maravilhoso efeito na mente humana. Seus
sentimentos religiosos foram muitos mais profundamente estimulados, purificados e cle-
vados do que antes. Dai os homens de sua gerago, que se entregaram A sua influéncia,
possufrem intuigdes da verdade religiosa da ordem mais clevada que a humanidade jé
péde atingir, Essa influéncia continua presente hoje. Todos os cristéos so seus objetos.
Todos, portanto, em proporgao a pureza e elevacio de seus sentimentos religiosos, pos-
suem intuigdes das coisas divinas, tais como as que os Apéstolos ¢ outros cristdos
desfrutaram, A santidade perfeita deve assegurar o conhecimento perfeito.
Conseqiiéncias do Método Mistico
Segue desta teoria: (1.) Que ndo existem coisas tais como revelagdo e inspiragdo, no
significado teoldgico estabelecido desses termos. A revelagiio é a apresentagiio ou comuni-
cagao objetiva supernatural da verdade 4 mente, pelo Espirito de Deus. Mas, segundo essa
teoria, no hé nem pode haver tal comunicagdo da verdade. Os sentimentos religiosos sao
excitados providencialmente, e por raziio desse excitamento a mente percebe a verdade mais
ou menos claramente, ou mais ou menos imperfeitamente, InspiragAo, no sentido biblico, éa
diretriz supernatural do Espirito, que torna seus objetos infaliveis na comunicagao da verda-
dea outros. Mas, segundo essa teoria, nenhuma pessoa é infalivel como mestra. A revelagdo
€ a inspiragdo sao, em diferentes graus, comuns a todos os homens. E nao ha por que nao
devam ser perfeitas em alguns crentes agora como nos dias dos Apéstolos. (2.) A Biblia ndo
tem autoridade infalive] em questdes de doutrina. As proposigdes doutrinais nela contidas
nao so revelagées dadas pelo Espirito. Sio apenas as formas sob as quais os homens de
cultura judaica deram expresso a seus sentimentos e intuigdes, Os homens de cultura dife-
rente, e sob outras circunstdncias, teriam usado outras formas ou adotado outras afirmagdes
doutrinais. (3.) O cristianismo, pois, ndo consiste num sistema de doutrinas nem contém
nenhum outro sistema, & uma vida, uma influéncia, um estado subjetivo; ou, por qualquer
outro termo que venha ele a ser expresso ou explicado, nao passa de uma forga no interior de
cada cristao individualmente, a qual determina seus sentimentos ¢ seus conceitos das coisas
divinas. (4.) Conseqtientemente, o dever de um tedlogo nao é interpretar a Escritura, mas
interpretar sua propria consciéncia crist&; averiguar e exibir quais verdades concernentes a
Deus se aplicam a seus sentimentos para com Deus; quais verdades concernentes a Cristo
sio envolvidas em seus sentimentos para com Cristo; quais sentimentos ela ensina
concernentes ao pecado, a redengo, a vida eterna etc. etc,O METODO INDUTIVO 7
Esse método encontrou em Schleiermacher scu mais distinto ¢ influente defensor, cujo
“Glaubenslchre” se acha construfdo nesse principio. Por Twesten — seu sucessor na cadeira de
teologia na universidade de Berlim — ele é mantido em maior sujei¢ao a autoridade normal da
Escritura. Por outros, também da mesma escola, ele tem sido levado a seu ultimo extremo. No
presente, contudo, nos preocupamos somente com seu principio, e no com os detalhes de sua
aplicagdo, nem com sua refutagio.
§ 5. O Método Indutivo
Ele é assim chamado porque concorda em tudo o que é essencial com o método indutivo
como aplicado as ciéncias naturais.
Em primeiro lugar, o cientista se aproxima do estudo da natureza com determinados pres-
supostos. (1.) Ele pressupée a fidedignidade de seu senso perceptivo. A nao ser que confie no
testemunho bem autenticado de seus sentidos, ele se vé privado de todos os meios de prosse-
guir suas investigagGes. Os fatos da natureza se revelam as faculdades de nosso sentido e nao
podem ser conhecidos de nenhuma outra maneira. (2.) Ele deve também pressupor a fidedigni-
dade de suas operagdes mentais. Deve tomar por certo que pode perceber, comparar, combinar,
lembrar e inferir; e que pode tranqiiilamente confiar nessas faculdades mentais em seu exerci-
cio legitimo. (3.) Ele deve também confiar na infalibilidade daquelas verdades que no sio
aprendidas da experiéncia, mas comunicadas 4 constitui¢ao de nossa natureza. Que o proprio
efeito deve ter uma causa; que a mesma causa, sob iguais circunstancias, produzira efeitos
semelhantes; que uma causa nao é mero antecedente invaridvel, mas contém em seu 4mago a
razio por que o efcito ocorre.
Em segundo lugar, o estudante da natureza, tendo essa base sobre a qual apoiar e essas
ferramentas com que trabalhar, passa a perceber, a reunir e a combinar seus fatos, Estes ele
nao pretende manufaturar, nem presume modificar. Deve toma-los como sto. $6 procura pre-
caver-se para garantir que sejam reais, e que tenha todos eles, ou, pelo menos, todos os neces-
sarios para justificar qualquer inferéncia que porventura deles extraia, ou alguma teoria que
porventura sobre eles elabore.
Em terceiro lugar, a partir dos fatos assim averiguados ¢ classificados, ele deduz as leis
pelas quais estes s&io determinados. Que um corpo pesado cai ao solo ¢ um fato familiar. A
observagao mostra que esse nao é um fato isolado; sendio que toda matéria se inclina para outra
matéria, que essa tendéncia ou atragdo ocorre em proporgao 4 quantidade de matéria; e sua
intensidade decresce em proporgao ao Angulo da distancia dos corpos atraidos. Quando se
descobre tudo isso ser universal e constantemente 0 caso dentro do campo de observagio, a
mente se vé forgada a concluir que ha alguma razio para isso; noutros termos, que ¢ uma lei da
natureza na qual se pode confiar além dos limites da observagio real. Como essa lei sempre
‘operou no passado, o cientista se assegura de que ela operaré no futuro. B dessa forma que a
vasta corporagdio da ciéncia modema tem sido elaborada, ¢ as leis que determinam os movi-
mentos dos corpos celestes; as mudangas quimicas se movem constantemente em nosso redor;
aestrutura, o crescimento e a propagago das plantas ¢ animais tém sido, em maior ou menor
extensao, averiguados e estabelecidos, Deve-se observar que essas leis ou principios gerais
nao derivam da mente e sio atribuidas aos objetos externos, mas derivam e deduzem-se dos
objetos e so impressas na mente.8 TEOLOGIA SISTEMATICA
A, O Método Indutivo como Aplicado a Teologia
A Biblia é para 0 tedlogo o que a natureza é para o cientista. Ela é seu depdsito de fatos; e
0 seu método de averiguar o que a Biblia ensina é o mesmo que o filésofo natural adota para
averiguar o que a natureza ensina. Em primeiro lugar, ele se aproxima de sua tarefa com todos
os pressupostos acima mencionados, Ele tem de presumir a validade dessas leis de crenca que
Deus imprimiu em nossa natureza. Nessas leis incluem-se algumas que nao se aplicam direta-
mente as ciéncias naturais. Tais como, por exemplo, a disting#o essencial entre o certo e 0
cerrado; que nada contrdrio a virtude pode ser ordenado por Deus; que n&o pode ser correto
fazer o mal para que advenha o bem; que o pecado merece punicio, bem como outras verdades
essenciais semelhantes, as quais Deus implantou na constituig&o de todos os seres morais €
que nenhuma revelago objetiva pode contradizer. Esses principios essenciais, contudo, nao
devem ser arbitrariamente pressupostos. Nenhum homem tem o direito de impor suas opinides
pessoais, por mais firmes sejam elas, chamé-las de “verdades essenciais da razfo” e fazer
delas fonte ou teste das doutrinas cristis. Nada pode legitimamente ser incluido sob a categoria
de verdades primeiras, nem as leis da crenga, as quais nao podem ser equivalentes aos testes da
universalidade ¢ necessidade, as quais muitos acrescentam a auto-evidéncia, A auto-evidén-
cia, porém, inclui-se na universalidade ¢ necessidade, na medida em que nada que nao seja
auto-evidente pode ser universalmente crido, ¢ o que é auto-evidente se impde na mente de
toda criatura inteligente.
Fatos a Serem Coletados
Em segundo lugar, o dever do teélogo cristéo é averiguar, coletar e combinar todos os fatos
que Deus tem revelado concernentes a ele e A nossa relagdo com ele. Todos esses fatos esto na
Biblia. Isso procede, porque tudo o que é revelado na natureza, bem como na constituigéo do
homem concernente a Deus e a nossa relagdo com ele, est contido e autorizado na Escritura.£
nesse sentido que “a Biblia, e somente a Biblia, é a religido dos protestantes”. Pode-se admitir
que as verdades que o tedlogo tem para reduzir a uma ciéncia ou, pata expressar mais humilde-
mente, que ele tem para organizar e harmonizar, estdo parcialmente reveladas nas obras exter-
nas de Deus, parcialmente na constituigdo de nossa natureza e parcialmente na experiéncia
teligiosa dos crentes; todavia, para que nao erremos em nossas inferéncias das obras de Deus,
temos uma revelagio mais clara de tudo o que a natureza revela, em sua palavra; e para que
ndo interpretemos erroneamente nossa prépria consciéncia e as leis de nossa natureza, tudo
isso pode ser legitimamente aprendido dessa fonte que sera encontrada, reconhecida e autenti-
cada nas Escrituras; e para que no atribuamos ao ensino do Espirito as operagées de nossas
proprias afeigdes naturais, encontramos na Biblia a norma e o padrao de toda genuina experi-
éncia religiosa. As Escrituras ensinam nao s6 a verdade, mas quais sao os efeitos da verdade no
coragiio e na consciéncia, quando aplicada com poder salvifico pelo Espirito Santo.
O Tedlogo Deve Guiar-se pelas Mesmas Regras que o Cientista
Em terceiro lugar, o tedlogo deve guiar-se na coleta dos fatos pelas mesmas regras que
governam o cientista.