Familia Teatro Moderno para Peça Antiga

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12. Familia: teatro modemo para peca antiga 1° Ato: O Pai awente Sociedade patrarcal, estratura edipiana, familia nuclear — € este fo espago onde o analista intervém ¢ onde nfo pode eviter a questo do Espo vivido sociskmente e da sociedade como agente neurotizante. ‘Ao desenvolverse a sociedade sem mudangas radiceis, tanto as interdigbes quanto 0s sintomas se deslocam: no € mais hora da gran- de crise histérica, mas da disereta conversdo psicossomstica. A homos- sexualidade tendo sido aceita como forma possivel de sexvalidade, € ‘2 hora da bissexualidade fazer a sua aparigfo. Quer dizer, embora 0 campo da psicaniise no pare de se deslocar, 0 inconsciente esté sem- pre mais a frente deste pesquisador chamado psicanalista. Por exemplo, podemes observar que, estreitando-se a oflula fami- liar, a repartiggo dos papeis entre homem e mulher se toma cada vez ‘mais precisa; 0 Edipo se toma cada vez mais citcunserito & Mae, a violéntia e o estupro sfo manchetes nos jornais. A medida que a cctula familiar se reduz, o mito antigo (onde o infeliz her6i passa pela morte do pai e pela relagfo sexual proibida com a mle) nfo se torna mais preciso? Existe uma relapfo entre o estreitamento da familia e a violén- cia dos sentimentos otiginétos da relapfo com o pai e @ mle, Gnicos protagonists do drama infantil? ‘Quanto mais leio os jornais, quanto mais vivo em famflia ¢ ougo ‘meus pacientes, mais me pergunto se 0 meu oficio nfo se re sobretudo com uma sociedade enferma do que com individuos d Pois suas historias pessoais sfo sempre 0 relexo do que apre 1st através dos sintomas, e esses sintomas decorrem da impossbilidade de resolver 0 conflito edipiano: um dos protagonistas do drama previsto Para ts, 0 pai, est4, em geral, ausente de cena e o drama acaba se de. senrolando a dois. A famfia que vive nos grandes aglomerados urbanos é a imagem ~ de uma pequenina célula no seio de uma sociedade gigante, e quanto mais © habitae ¢ importante, mais a famdia x encerraem alguns poucos metros quadrados. Em meio a estes pequencs mundos familiares reina na mae todopodeross. O universo da ctianga se vé reduzido a mae € 80s inmdos ¢ irmas, pois as facilidades ou diftculdades do cuidado das “ criangas s40 habitual ¢ quase permanentemente assumidas pela mie. De fato, sa sociedade nfo apresenta meios exteriores& familia para cuidar dessa crianga fora do period escolar (insuficiéncia de cre ches ¢ bereSvios, inexsténcia de albergues de jovens), um dos membres da familia deve, sem divids, responsabilizarse pela crianga e essa pes. Soa serd 2 mae que, em vez de disputar um salério desgual no mercado de trabalto, opta por fear em casa, Portanto, a cxianga viveré a maior parte do tempo em c om a me, é que o pai “saiu de carro", como diz a erianga, com tode razdo. O pai €0 grande ausente dessa nova sociedede burguesa de coneu. mo. Curiosa sociedade que, sob 0 pretexto de aumentar o conforta muterial gages 20 saléio do pai, amplia 0 desconforto fisivo gages 2 educasdo basieamente feminina. Logo, a auséncia do pat € duplicads pela presenea continua da me . Antigamente, quando nfo se podia recorter a ninguém do espago familiar, pfocurava-se um tio, um primo, um vizinho, encontravames sempre alguém nesta vasta sociedade pera nos socomter, Atualmente, ‘esse nosto universo compartimentado, 0 tnico espapo possvel de expressfo ¢ essa familia reduza a seu nicleo mais primério. Em consegifnéis, hé um aumento da angistia entre paise filhos ~ exige ‘muito da mle, que exige muito de seu flho —, angustiante porque é inevitévl, © Edipo (atragio da cxianga pelo progenitor do sexo oposto), silo encontrando espago num teatro t40 diminito, vai se representer com maior violéneia no casamento e no amor. A tedugdo da famnfia Provoca a dramatizagio dos conflitos afetivas © normals da infancia (© amor assumiu uma importincia desmesurads ¢ se mostra incapas de amsinar nossas infliidades infantis, Para esta nova geagzo atnolu 1a ¢ violenta 0 compromisso parece impossvel, por isso cada vez mais 152 recor a0 dir — * Porque a educagfo do filho ocupa a maior parte de sua vidi Por a te fn pel goon Bar maher pr ee earae por ele, com o inconvenonte de se tomar agresiva rn Sag ame un nro set orto om eit chats anion nats io bso oto cots. sao a iced um 20 ut, ‘me pegou sarampo" sate ‘Ele me estd chupando o dedo” (de quem, o seu ou o dele?). “Ele me comeu a papa” (ele comeu a papa ou ele feou fone ente apron © ue en he pot signa esse filho, que the parece indissoluvelmente ligado. Iso ¢ demas, “ ‘Uma educagio parcialmente assumida pelos organismos oe i para a crianga de estabelecer o EU sem 0 ELA dev mie = eae seca (confun dem o masculino € © feminino) ¢ dos nimeros fom.on i Gietsetladas pote nen i me Setar cer na escola? (E bom repetir que os eninge sprees ma mas escolares, sem dhivida porque viveram colados dos géneros se confunde.) Podemos nés, psicanalistas, viver reparando os estragas.causados Por essa familia reduzida, por esta educagéo em mfos das mulheres, sem nadé dizer no plano social? Podemos nos esforgar em culpablizar ou desculpabilizar (tudo depende do psicanalista) estas mes que nfo 'm outt altemativa além do circulo infemal: masoquismo-devotamen- “toafetividade, ao que a erianga responde com recuss-agessividade culpabilidade? ‘Vamos continuar ignorando esas mies que chegam sozinhas 20 consultério, achandose as Unicas responséveis pela situago? Nio deve «‘famos; antes de mais nada, dizer que a educagdo de uma crianga € uum fatdo muito pesado e difiil de ser carzegado por uma s6 pessoa? E que se pai esté mais uma ver ausente do consultéxio nfo significa «que ndo tena a sua parte de responsabilidade na histra da crianga? © homem simplesmente achou-se dispensado da paternagem, Jmaginou que a maternagem bastatia. Além do mais, onde encontraiia tempo:e energia para patemalizar, se volta tio cansado do trabalho? “Se $6 piidéssemos contar com ele..., dizem triunfantes as mulheres (triunfo répido e caro), contentes por vé-los dstantes de uma fungao ‘onde se sentem, enfim, superiors. Server as criangas de bakiarte 4 mulher nesta intermindvel guerra dos sexos? Parece, de fato, que a obs- ‘inagfo di mulher ao reivindicar a exianga est na mesma proporgdo que a recusa de homem em assumila, 456 hi algum tempo surgiu uma outra mulher que quer viver com - seu filho, b nfo através del, Esta nova mulher deseja manter sua ati dade social, messio tendo filhos, por iso ne: que se éncsrreguem da cxianga apes as $ da 4 maternidade como uma fungdo entre outras, nfo como uma FINALE DADE ems. E a cranga nfo deveri ’ar 0 caminho da mulher, asim comio nfo atrapulha o do homem. Se no prestamos atengao, 44 matemidade, simples etapa no eaminho da mulher, transformarse-4 ~-em ponto “fina!” Bu — mulher, mie, psicanalista — percebo que minhas dificulda- des na vida estiveram ligadss & fungo de Mae ¢ & teoria psicanal{tica sobre a milher ¢ a estrutura do seu inconsciente;a pratica “insistent vel” da maternidade sendo regida por uma teoria “indefensivel", na qual Freud designa 0 filho como substinuto do pénis que me fats Ora, sinto muito, mas este filho nunca foi um obstéculo que me impe disse 2 percepefo de que eu possuo apenas a metade dosexoe que devo recotter a0 outro sexo para encontrar 0 todo. Constato estat ohomem isa nna mesma situagdo, mas Freud ndo tirou as mesmas conclusées, sono 4 orianga seria considerada substituta do seio e do wtero ausentes no homem... Teria representado 0 objeto universal do easal, que 0 coloca- sa numa posigto totalmente diferente, sem vinculo com 0 clessicismo familial defendido por Freud, segundo o qual o filho pertence & me. Assim como todas e todos vocds, desejei este filho como imagem unificada do homem e da mulher, como trayo do reencontro de dois mundos diferentes. Mas, embora desejada sob o signo da reconciliago dos sexas ¢ da sexualidade, esta crianga, ao nascer, se langa na guerra dos sexos em virtude da educaco monossexuada que recebe. Por causa de sua estadia pré-natal no interior do corpo feminino, esta crianga, simbolo uno de duas pessoas, continuidade da unio passageira do cot- 10, encontra-se anexada ao corpo da mulher. Poderfamos pensar que es sa comunhdo vital se limitasse @ poucos meses, mas a sociedade vai fazéJa durar infinitemente mais. E a ruptura do cordgo umbilical no ‘consegue romper a unidade entre mfe e filho, pois estd prevista pela sociedade, que tudo faz para mantéa. Entre a concepgao o nascimento, 0 desejo do filho se modifica fem cada um dos sexos. A mulher, através da gravidez, parece descobrir ‘0 “todo”, enquanto o homem se sente excluitio do projeto concebido. Depois do nascimento do bebé ele nfo ousa recuperar o seu bem e a mulher nada faré para ajudélo: ela guarda a crianga para si, Tendo sido obrigado a renunciar & relagfo de corpo durante a gravidez, nfo seré no nascimento que restabelecerd esta relacio: a erianga representa para o pai a historia de sua linhagem, de sua sucesso, mas nunca se mm a histéria do corpo deste filho, ela se vai desenrolar somente com a mde. Desde 0 bergo 0 universo da crianca se divide em dois e a sexua $f toma o aspecto de seximo, pois comeca a se estruturar num mun: do onde tudo o que se refere a0 corpo e 2 afetividade passa pela mae, Jogo, classificado como femninino, enquanto tudo o que for sonho inte. lectual e continuagdo da rage, logo, social, € visto como masculino. 0 sexo impregna desde cedo nfo apenas as partes genitas, como obser. ‘you Freud, mas tudo. Ser que se toma rapidamente sexuado: ai reside a maior dificuldade, precocemente introduzida na vida dos individuos {que os prepara para a futura guerra dos sexes. ‘Como esta crianga desejada por nés dois me parece pesada uo do- sertar de sua morada interior: ali ndo me incomodava, no me impedia de viver, acompanhavame. A partir do seu nascimento, agarzou-se 4 155 ‘mim, 36:tinha a mim, eu era seu nico recurso, sua unica ¢ exclusiva rife, Que abismo entre 0 sonho de uma realizapfo comum junto a meu rmarido © a carga enorme que de repente me era jogada nas costas! So entfo me dei conta que a sociedade nfo fora prevsta nem para mim ‘nem para essa crianga. Essa ¢ uma sociedade de homens, onde estou insetida por erro ‘ou por omissfo? Nao escuto sempre 0 mesmo refrio — Mulher “privada de pénis", conte com seu flho flico e considere.0 0 “objeto” que the falta, Essa sua tinica sat, unica realizagdo, nica funcdo que a aiuda- ‘fo aassumir — 0 resto pertence aos homens, Constato que a sociedade no me concedeu enquanto trabalha- dora nenhuma ajuda para a educagfo das criangas. Ao contréio, mos- traramme que a educagao des flhos era priositéra (assiséncia social da familia assegurada pelo marido, salério principal, sem consideragéo do nivel de vida), © meu trabalho era facultativo (s6 em caso de nivel de vida muito baixo € que existe uma ajuda para creche). Existem indicios reveladores de que a educacfo da crianga levada a cabo pela ide é, antes de tudo, uma decisio govemamental e que a mulher dei- >a de trebathar fora principalmente por falta de escotha, Por vermos desde pequenos 0s papéis sociais sezem distriburdos segundo © sexo, tomate dificil identificar 0 nosso proprio desejo. Enquanto para uma mulher ¢ inadmissivel nfo gostar de acarinhar, amimar, para ohomem é ridfeuo que ouse af encontrar prazer. E como eu quisesse dar carinho, mas também trabslhar, cai no terrivel dilema «que tanta} mulheres conhecem! Durante minha auséncia nfo podia con- tar com ginguém para cuidar de meus fh asa nem fora. Ninguém ignora que as creches e bergéi necessidades. Eu vivia numa cidade de 14 tivas, combinar com a avé, a vizinha, etc. E, depois das 17 horas, a ‘mim a'anigistia de recuperar os meus querides, lives dos cuidados de qualquer instituigao. Cinco da tarde: hora fat(dica para a maioria das mulheres que ainda ‘tém uma hora de trabalho pela frente, duplicada pela ansiedade de mie. “Seré que tudo coreu bem? Espero que nfo tenha havido nenhum Imprevisto. Tomara que a vida e a sade caminhem como os ponteiros do rel6gio”. So estes os pensamentos das mulheres na Franga apés s 17 horas. Mas seré que quem govemna este pais nfo percebe que 0 rendimento da assalariada baixa & medida que a angistia e a culpabili 6° e dade maternas aumentam? Passaram ministros e ministras ¢ eu fiquei em vfo esperando que esse grave problema da guarda das criangas, da angistia materna, da culpabilidade parental to prejudicial a crianga fossem evocados. ‘Serd preciso, por acaso, que os psicanalistas assumam 0 Ministério da Saiide ou da Educagao? As mulheres, cada vez mais decididas a nao se eixarem barrar pelos filhos, fazem incriveis malabarismos para conci- liar trabalho e filhos. ‘Nada foi previsto para enftentar a vida ativa ¢ @ reprodusfo. E os natalistas ainda tém a petulincia de se desesperarem com a redu- 40 de filhos por familial Enquanto a sociedade nio se propuser a aju- 0 problema nko serd resolvido com a oferta de um Mie (solugio regularmente proposta pelos idedlogos do familiar). $6 com a liberagdo da carga exclusiva da cr voltaréa procriar com alegria e no com sofrimento. A familia se reduziré ainda mais s os diigente no aplicarem medidas para que a matemidade no rep objetivo, mas apenas mais uma funggo que nao venha a atrapalhar as demais nem impega a mulher de ser tfo livre no seu ceminho quanto o homem. ‘A principal injustica entre os sexos etd centrada na ma ‘nfo na sexvalidade, pois o homem, para vingarse do p: compartilhado da gravidez, decidiu manterse longe da crian mente nove meses, mas nove anos. Durante longos anos, a mulher por- ta sazinha 0 fruto do desejo dos edn © homem transpée a paternidade, a mulher &retida pela mater- nidade. Ela ¢ encerrada no que um dia foi o seu desejo, ¢ 0 homem fica indene. A matemidade tornase uma opeio social, her € nascer a mae junto com seu filho. Neo é de surpreender que, dante de tal escolha, existam certas renincias. Por a tomar decisdes escandalosas aos olhos do homem que cootinut sonhando com este filho que ele nfo pode gerar e no tem coragom de siding = som came yg se ocupar. E espantoso ver a peristéncia do homem em manter a vida da crianga, cujos encargos ele nfo vai assumir (estou falando-da oposi- ¢40 quase total dos médiees 20 aborto!. 29 Ato: Osactficio matemo ‘A maternidade que é, em si, mudanga de estado fisiol6gico, tomase também mudanga de estatuto social, Frente & matemidade, impoe-se uma escolha ine andoner 0 estetuto de mulher para adotar 0 de mae. No primeiro caso, pode haver um contentamento vimediato seguido de muitas decepgées, quando futuramente ‘quer retomar ume vida ativa, No segundo caso, a impressdo 2 de excesso de trabalho, as vezes provoca culpa, mas preserva oespago social da mulher, e cla nfo se sentiré inti no dia em que seus filhos pattirem, © nascimento da crianga interfere demais no equilirio interior ‘da mfec ¢ 6 impossivel nfo deixar marcas na relago dos dois. Q amor da mde serd,em geral, ambivalentee o da crianga maicado pela inquietagao e culpae até pela oposigfo nesta agressividade da mie, 1 a0 filho,julgando ser esta uma io € pcolégico, a crianga da me, como prova de que sta se Sal vitoriosa, que é uma boa mie: ¢ 0 filko-aldrio da mde, que nada pode fazer ou desejar sem que sea a favor ou conta ela, A crianga se sente portadora de uma vida que no é sua, Asvezes é tio dura essa situagdg que algumas prefeririam retomar a0 Gtero. Quando as mies dizem “voce me mata” ou “ood vai acabar comigo” revelam que sue vida jé passa pela crianga — e quem de nés, adulto on crianca, gostaria de sero responsével pela vitéria ou fracasso do outro? Orsagrado Dia das Mies nfo representa aimportinciae anecessi- = dade de reparagio do sacrificio matemo? Para aceitarem com tanta espontancidade tamanha consagragio nesse dia elas devem se sentir muito exploradas, desvalorizadas, rebaixadas! Se elas se sentissem recompensadas ¢ felizes nfo precisariam ser agradecidas, pois s6 reabil tamos quem sofreu um prejuseo. No é por acaso que esta revaloriza- go caiu primeiro sobre a mie! Bu quis ser mée por prazer; por nada deste mundo quisera que ‘um diveles viessem me agradecer pela alegra de vélos nascer e erescer 1587 ‘Talvez coubesse a mim agradécer a cles ou me desculpar por + los inserito no registro da vida sem consultésos, simplesmente por no ‘querer ver minha vida um dia terminada. 2.Se a mulher decidiu continuar seu caminho e preservar seu ‘espago social, compreendendo nfo ser a matemidade seu inico destino, cla logo se dé conta que nada é socialmente previsto para seu filho, Por isso € tomada pela inquietagdo e culpa e a primeira doenga da crian- ‘ga transforma sua vida num ansioso infemo. A maior eritica feita 20 trabalho feminino nfo é a de que a auséncia se mascara de licenga mé- dica, escondendo na realidade a deenca de um outro: @ crianga? Estas mulheres se definem como computadores sempre em. ativi- dade, Na verdade, desenvolvemse nas suas cabegas varios programas concomitantes e nfo convergentes. Vida dupla, sorriso duplo, cara du- Um dinico programa por vez, um salatio pago em dinheiro. Como parece simplest ‘As mulheres altemam essas duas formulas de vida, sendo que a ‘maioria as experimentou simultaneamente. Ha sempre alg te sistema que ¢ a guarda des filhos pela mie. Tao precoce dicionamento ao filho que, imaginando concentrarse af todo oseu va- los, nfo consegue dividir essa tarefa com o marido por ser a tinica coisa que ele deixou sob sua total responsabilidade. ‘O homem, todo contente por ter encontrado uma babysitter to fiel, nfo colabora com a divisio dos encargos. Assim, quando a trabalha fora, conserva, ao contrétio do homem, sua funga0 fa Enquanto a mulher nfo se livrar do seu sentimento de culpa ¢ continuar acreditando mais no valor do outro do que no seu ‘© homem inteligentemente vai continuar explorando sua abomi falha, enfeitando.a com grandes nomes: devotamento materno, feminino, fibra camal. Havers invariavelmente atrés destes grand mes algo de reabilitagdo. Restituimos a mulher, sob a forma de materni> dade louvivel, tudo 0 que lhe roubamos de liberdade, ¢ consideramos de- ‘votamento sua liberdade transformada na do outro. Tal devotamento, tal remtincia, tal abdicagao de si mesma, quem ‘vai pagar & 2 crianga. Nao & duro ser flho de uma mull mais nada precisa de justficagdo e gratificaggo? Inscreven ficio de um no amago da vida do outro no acaba criando wi 159 de divida inadimplente entre geragdes diferentes? E por ter exercido sua dominaggo sobre seres jovens ¢ impotentes no vai mais tarde se confrontar com 0 ressentimento das criangas e dos adultos dos dois sexos?. Vimos que o homem se vingard afsstendo-a de todos os lugares conde ele'se encontra, e a menina a terd como sua etema rival. Nao é “um agradecimento bastante mesquinho para quem “fez tanto” para seu filho? E a matemidade nfo é um engodo que, em troca de alguns ‘anos de alegria mesclada com pena, propde-n0s para o resto de nossos: dias um amor mesclado de rava por parte daqueles com quem vivemos? [Nao vejo, por acaso, que toda neurose repousa, em primelro lugar, na relagZo com a mic, vista como personagem principal tanto pe~ la erianga quanto pelo adulto? Enquanto mulher, acho esse destino (se estivermos certas que de fato 0 &..) duro de carregar. As mulheres de- veriam ser as primeiras a abandonar esse posto artiscado, Nao é inquie- tante perceber que 0 que quer que fagam, 0 que quer que escolham ‘como forma de vida com a crianga, enquanto forem suas tinicas educa- doras sero consideradas tnicas responsiveis pelo que lhe possa aconte- [Nio € terrivel pagar tio caro e por tanto tempo uma alegria que uisemos guardar s6 para n6s? Da forma como se desenvolve na socie- dade atual, 0 Edipo faz da mulher 0 nico alvo do velho ressentimento coriginado” no confronto com a mie. Se quisermes que algo mude, do é necessério, antes de mais nada, evitar que o ressentimento infantil vise somente a mie? stg invejével lugar de mle nfo 6, na verdade, um campo minado de antemfo? E nfo seria melhor que juntes, homens € mulheres, atra- vesséssemos este terreno baldio que nos separa da crianga jé ao nascere deixéssemoas atrés de si cada um uma marca diferente? ‘Que’ 0 mundo feminino deixe de set a winica referéncia para a crianga: de ambos 0s sexos, que o homem intervenha finalmente na for- magdo psiquica de seu filo como interveio no momento de sua concep * go — asim, seu filho poderd, de imediato, estabelecerse dentro da a com a mulher, que tanto dano vai lhe causar n com ela. Quem sabe sua filha possa, enfim, olharse desde o inicio num espelho. mostrado pelo outro sexo, revelandothe um corpo desejsvel, sem a etema necessidade de interrogar a sua imagem nos olhos do ho- ‘mem, incapaz, por sua vez, de acalmar a ansiedade da parceira. A mie slo imagens nefastas para os dois membros do casal, das quais é diffe! Em resumo, querendo encerrar a “Mulhes” encerramos todo rmundo, a familia inteira traz a marea do seu sacrificio. Foi sufiiente- ‘mente dimensionada a influéncia de uma tal mulher, declarada feminina € doce, ignorandost 0 que de fato ela era? Verificase hoje que ela nfo é uma coisa nem outra. Pode ser feminina e doce esta que desde 0 comego encerraram ¢ enclausuraram na sua feminilidade? Como uma prisioneira (cujo Unico crime foi ter nascido mulher) poderia ser doce e feliz aose ver relegada a tal sorte? Eu mesma, habituada A neurose individual, como posso ficar indiferente diante desta mesma neurose vivida coletivamente? Como ‘do dizer que os principais resultados da familia atual so a misoginia do homem e a culpa da mulher? Com eles me deparo em qualquer ar- tigo de jomal, em todo projeto de lei referente & fama 39 Ato: Discurso sécio-politco substituindo coro antigo, a mulher, © a mulher, tard tudo © que for do gosto dele, 40 habituada est agem que se Ihe apresen- tam dela mesmae a fung0 De fato, em qualquer regime politico, é 0 futuro da mulher que, no plano social, estd sempre anexado a0 do filo. Quando hé um pro- blema com este filho, recorrese a ela: por exemplo, se ndo howver longa o bastante para mascarar as necessidades dem Poder-se4 mesmo lhe propor um saldsio a partic do te lugfo que vislumbrou Debré para favorecer a natalidade Jado, evitatia a criago de espacos coletivos para a crian ppouparia a0 Estado pagar saldrios elevados aos especialistas. Por um ‘prego infinitamente menor, seria a mle a educadora ée seu filhoe nfo hhaieria risco de greve, sendo empregador e empregado perte Amesma famfla, ‘Assim, gragas 20 poderoso Kdipo do nosso caro V.GE. direito a dois anos de licenga-matemidade para nos atracar ao Waléry Gscard dating (N da T) de nosso: filho © nos excluir durante esse perfodo d0 campo social Nio sendo psicanalista, ste senhor tudo ignora sobre a constituigao falocrdtica€ o nascimento da mulher-objeto, e€ com a maior boa cons- ciéneix que, mesmo defendendo publi i -cipagZo das mulheres na politica, encontrou um meio de fazé-as tter. Enquanto nfo se desatar o destino da crianga do da mae através de uma ajuda exterior & fafa, nunca airmos dig as mulhe es nfo terfo acesso a nenhuma responsabilidade ou preocupagio a socie dade profunndamente sexista e 0 destino decidido no bergo. Barece que © homem, seja de direita ou de esquerda, tem uma $6 idéia: lograr a mulher, mantendo- prisioneia & forga do dever ou do dinheiro — quer-se comprar 0 seu devotamento, pagtla pelo amor que devota ao filho. Mas amor e devot so obrigados a andar juntos? Nao podemos amar sem nos saci que participam na divulgaeo da pesquisa scioldyica, Partcipam todos 2 grande ronda dos falocrataseducados pelas mulheres e, soe salvos, ‘¢xigem © mesmo para a geragZo futura (quanto no ouvimos durante ano de 1979 especialmente dedicado a “‘crianga”! P. Chaunu, professor de histéra modema, num artigo publicado em janeiro’ de 1978 na revista Marie-France sob o titulo “Somos muito ou poco numerosos?” comesa impressionando-se com a baixa de nat lidade e solicita um esforgo geral de toda a sociedade. Vocés verd0 10 € nenhuma novidade anos. Nio € outorgan- othe esse titulo suntuoso de educadora de sew prdprio filho que se vai mudar algo na condicfo da mée, nem na sua eseraviddo, mas desta vez 0 sistema proposto mais pérfido e traz o rsco de atrair muitas rutheres nia cilada preparada pelo homem. Chaunu reivindica a altos ue maternal? O pai possul alguma 102) de trésa cinco anos para ras e educadora de seus flhos (“escolher” —voeés nfo acham que num 162 sistema social onde certos casais tém apenas 2:500 francos por més para viver, qualquer ajuda suplementar representaria uma “obrigaglo”? E se tivemos tanto trabalho para afastar do nosso caminho 0 filho- fruto-do-acaso, irfamos agora reintroduzir o filho-beneficio-financeito? Nunca a mulher seré livre com relagéo ao seu desejo de ser mfe?). Somente este apoio financeiro restabeleceria as condigées de uma ver- dadeira igualdade entre 0s sexos (Nio, senhor, pois este salésio proposto apenas & mulher, no vejo onde isso possa restabelecer aigual- dade entre 0s 36x08, pelo contrétio, s6 vejo onde os “desigualiza” em fungio de crianca... Ese a fungdo matema € igual A dohomem, por que 0s homens ndlo parecem ter pressa em se encarrega = Direito @ apasentadoria para as mies de trés ou mais fithos, Unica possibilidade de lutar contra ainjustiga de uma sociedade ern que todos usufriem desta vantagem, salvo aquelas que levaram no corpo eno coracdo a geragdo que arcari com estas aposentadorias\ Querem os senhores transformar num inferno esta relagéo jé tor fonerada com @ nossa mée, acrescentando ao bom comportamento, antes exigido da criana, a boa retribuicgo agora exigida do Querem que reste ape relago? Por que mescl @ € 0 amor materno? A crianga nao é uma estranha para a mie, implica ‘amor ¢ ndo salério, mas a crianga estranha a educadora sai do campo do desejo © cai no da educagto. Que eu saiba, sempre pagamios as educado- ras, € espero que munca cheguemos a pagar os pais. Seria o comeco de algo que nem ouso nomear: seria o fim do amor. Oferecer um filho € 0 presente que os pais se dio ¢ no tem prego, porque é tinico. Parece assim to envenenado este presente que nem homem nem mulher 0 queiram espontaneamente? Ninguém quer a carga total desta crianga, mas todos quezem 0 seu amor. Entdo, esté bem claro que é a carga que se precisa dvidir de jutra forma — abrindo-se mais ereches rotativas, pagando-se educadores © educadoras, arranjando horérios ¢ licengas menos rigidas para que os pais possam se revezar. A partir do momento em que se prope payar ‘uma funglo do instintiva como a.de fazer um filho, nfo vefo bem o li rite do que seré pago nama vida humana, Tantos prazeres 86 se obtém através de um esforco prévio. A ctianga é, em primeiro lugar, prazer dos pais e, em segundo, um mem bro da sociedade, Nunca conseguiremos que os pais fagam filhos para o ‘bemestar da sociedade, mas sempre para © seu proprio bem-eatar, 163 Se 0 encargo do filo danifica o bemesta af que ¢ preciso mexer para influir na natal mais ser agaiola dourada da mae. Felizmente, as pessoas nfo véem as coisas da mesma forma que Chaunu; Comprar cidadfos financiando os pais nfo parece uma solug 1G boa quanto este senhor pensa. Nesta mesma revista, Leridon, um ‘outro pesquisador, toma a palavra (acrescendo aqui alguns pontos para Marie-France): “Jd que nfo queremos este niimero 3, € porque algo ‘do val bem com este mimero 2. Sto estas as difculdades que deverta- ‘mos analisar em primeira instincia, Quando é encontrada a explicasdo + para um problema, a experiéncia mostra que ele desaparece por si mesmo.” Nao ereio que este problema da baixa de natalidade desapareea por si mesmo, jé que hé uma evidente mé-vontade em volver as fontes do mal. Ha um desejo explicito de deixar a crianga nas mfos da mfe. O problema que este filho interrompe o caminho da mie, abri- ‘mie em particular), crianga ndo deve sistema é porque sua culpa as obriga a acreditar mais no valor do outro do que no seu proprio. ‘Aceitando o papel de Mie devotada aos fies, a mulhe: ‘mente espera entrar na norma, ser este seu principal objetivo desde 0 comego), considerada "do atrés “de sua imagem. Mas esta imagem favorivel é a ni ‘uma mulher posse pretendes? Neste sistema patriareal, o homem a instala no lar com as eviangas para ele poder reinar alhures. Tomaria a mulher por sua verdadeira vocagio 0 que 86 € 0 desejo do homem? Em suma, Leridon coloca o problema e algumas inhas mais adian- te esoreve: “Vier de outa forma supora dar una chance para cad 2s vezes sofrer muito, como jé vimos. ‘Mas como reconhece ainda Leridon: “De uma maneira geral, € preciso: reconhecer que nossa sociedade ndo é absobutamente adaptada @ erianca, e nfo se preocupa com suas necessidades especificas" E bem 164 * verdade que a sociedade se preocupa mais com seus proprios fundos, quer dizer, com sea conforto material, do que com o bemestar paf- quico dos individuos... E as necessidades especificas da crianga ninguém sabe bem onde situar: educagZo isolada ov coletiva? Cuidado pelas ‘mfos do homem ou da mulher? Relagfo com a mfe exclusiva ov reld- tiva? Até o presente, nenhuma resposta, a no ser a patridti¢a: mulhe- ese exiangasem casa, ‘fo pode uma analista ler tranqQilamente uma revista feminina sem se deparar com o germe dos impasses edipianos que constituem objeto para agradar ao homem (através da moda) ¢ a mulher que tem como objeto o filho (artigos sociolégicos onde a crianga ¢ responsabil dade da mulher) Nao 6 dever do analista dizer que a imagem da mde durante uma ‘Ho hiperatrofiada quanto o foi sua fungio na vida real do su- ‘go devemos lembrar que este individuo que pretendemos aju- to de uma sociedade frente & qual nos mantemos na maicria .. A “edipianizagto” da sociedade € geral, cla passa pela Lei do Pai e pela educacfo d: Pataca desta ofermento antifeminino? io fica caro que © homem s6 pode ter como objetivo prinei- too, do meu ponto de vista elas se at ‘mo, a seus efeitos secundarios, enquant zado no coracio do homem desde a sua mais convencer j4 hd muito se fez de surdo ao seu 165 pode ter a ver com o feminismo na medida em que ¢levada a prestar contas de um sexismo (dirgido contra a mulher) que nasce no bergo ¢ langa sas rfzes no inconsciente. ‘A psicendise daré sua contibuigfo ao feminismo se puder tomar ‘constiento€ explicével um conflito entre os sexos até hoje inconsciente ¢ inexplicavel. Wo es war soll ich verden.' K este o objeto da psicandlise desde Freud, Na estrutura da familia atual o inconsciente 86 pode se estruturar com relagfo 4 Mie, inica educadora reconhecida da crianga,¢ em segui- da o inconsciente de cada um acerta suas contas com a Mulher que co- “ The assim a vinganga dos dois sexos, Homens e mulheres devem se conscientizar de como os privilé- sios outorgados &s Mies transformaram.se em sortiégios que perse- guem incansavelmente as mulheres toda a vida, E indispensével que as mulheres se dem conta de que se continuarem a manter o poder junto 0 fitho sero automaticaments afastadss de qualquer outro po- er. ‘As novas mulheres so aquelas que jé nao confundem materida- 4e € propriedade, fungto e vocapio, e que assumem sua parte tanto na produs0 quanto na reproducto. ‘A cxistncia da Mulher passa pela desscralizagio da Mie, cujo reinado engendrou 2 misoginia no homem ¢ o cidme na mulher, Pode __cxistir uma outra famfia, uma outra educasfo, uma outra repatigéo e arefis pareniais ¢ socitis que permitiram & exianga encontrar, desde su# chegada 20 mundo, uma referéncia de mesmo sexo e um compleménto de sexo opasto: um servindo de suporte & identificayzo «© 0 obtro garantindo o Ecipo ea identidade. Enquanto a fama conti- rmuar sendo espago de diferengas entre o papel de homem e 0 papel de mulher, dla a criangaextrardo germe do sexismo. preciso que homens e mulheres asumam igualdade de papéis ‘a ifefenga dos sexos-para que a crianza possa conceber uma diferen- oa de corpos sem diferenga de poderes, conceito que serve de base & guerra atual entre homens e mulheres, 1. "Onde era 0 Isto devia advir 0 Eu.” Onde era o incomsciente, 0 caos, devia advo conscieate:0 pensamento, 166 Ler Sofocles, ler Freud, descobrir esta extraordiniria verdade: nninguém escapa a0 Oréculo, ninguém escapa ao Desejo. ‘Assim como Jocasta, embora prevenida, nfo pode evitar desposar seu proprio filho, as muleres de hoje, mesmo tendo lido (este em par- ticular), nfo poderdo dar as costa a seu desejo do “outro” sexo. E até agora o homem quem tenta fugir, é ele que parte, como Laio, na sua carruagem, tenta evitar 0 Desejo e encontra a Morte... Desde 0 comego dos tempos ¢ ohomem que deserta do lar ea mulher que fica, endossando todo o peso da Antigiidade, recentemente duplicado pela culpa. Mas as coisas podem mudar © a “outra” historia talvez.esteja por comegar... Que fardo se também n6s dermos as costas 20 nosso Desejo, que parir, gear, continuar e se decidirmos renunciar & Maternidade para evitar carregar a Culpa? Se 0 homem se recusa a enfrentar © que advém do seu desejo de ser pai, como poderiames més assegurarihe 0 comego? Se © homem se recusa a falar com esta crianga, por que responderiamos nés a seus vagidos? “Lalo, ndo te vis, nfo me deixes SO com ‘ele’ frente a ‘ela’, so- nfo, tu o sabes, ele 86 vai querer me desposar ¢ depois me mati Ela continuard a te chamar, provurar, para te aprisionar, te segurar. Laio, vem, € 0 inicio de um novo tempo, jé estamos no outro lugar conde 0 outro nao seré mais condenado a morte’ e és ix e eu quem 0 escreve.”” T.Héiine Chxous,

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