x.SCAMPINI. Liberdade Religiosa Nas Constituicoes Brasileiras - 3 PDF

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ALIBERDADE RELIGIOSA NAS CONSTITUIGOES BRASILEIRAS (Estudo filoséfico-juridico camparado) Pe. JOSE SCAMPINI, SDB Diretor da Faculdade de Direito de Campo Grande (Mato Grasso) PONTIFICIAS UNIVERSITAS LATERANENSIS FACULTAS PHILOSOPHIAE Tese de Laurea JULHO A SETEMBRO — 1974 163 3? PARTE (*) SECGAO SEGUNDA A LLIBERDADE RELIGIOSA NA SEGUNDA REPUBLICA (1936-1937) CAP. 1: ANALISE FILOSOFICO-JURIDICA DA CONSTITUICAO DE 1934. Relacdes entre Estado e Igreja. Aliberdade de consciéncia, de crenga e de culto As assaciagées religiosas. 1. Personalidade juridica das associagdes religiasas. Il, O direito de voto aos religiosos I. Oservico militar dos Eclesiasticos. era A Representacao diplomitica junto a Santa Sé. . Asistencia religiosa. Os cemitérios. Casamento religioso. . Ensino religiosa. PN MRE J, Argumentos contra o ensino religioso. Il. As principais emendas ao Anteprojeto. CAP. JI: CONSEQUENCIAS PRATICAS. 1. A atitude da Igreja perante o ensino religioso em véspera da Constituigao de 193. 2. A Liga Eleitoral Cat 3. O ensino religioso nas s escolas do Rio Grande do Sul antes da Constituigae de 34, CAP. III: CONSEQUENCIAS FILOSOFICAS. 1. O progresso da liberdade religiosa na Constituicao de 1934. 1. Superamento do laicismo constitucional. Il, Separagao ¢ colaboracao entre Igreja e Estado. 2. Neutralidade religiosa do Estado e Ensino Religioso. [ET Avivo ® panes deste teabaho foram publicadat 4 Revs de Informagho Leila 41 © 47 184 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA SECAO SEGUNDA A Liberdade Religiosa na Segunda Republica (1930-1937) CAPITULO PRIMEIRO Anilise Filoséfico-Juridica da Constituicao de 1934 A Constituigao de 1934 foi promulgada a 16 de julho por uma Assembléia Constituinte que o Governo Provisério, instalado apés a Revolucao de 24 de outubro de 1930, sob a chefia de Getdlio Vargas, havia teimosamente retarda- do, mas que afinal teve de convocar através de eleicdes diretas. Essas eleicdes foram realizadas sob o impulso das reivindicagdes que a Revolucio Paulista de 32, embora derrotada pelas armas, conseguira tornar vitoriosas no anime do. povo eno consenso das elites politicas. (") Ao contrario da anterior, que foi eminentemente politica, a Constituigao de 34, seguinda uma nova concepgio do direito e do Estado, recebeu de maneira sensivel a influéncia dos abalos sociais provocados pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O advento de tais direitos ~- escreve Kelly — foi um fenémeno da evolu- cao da comunidade, uma conseqiéncia do grau de desenvolvimento material logo refletido no ordenamento juridico. Que adiantava reafirmar a independéncia juridica do individuo se nao se criava o minimo de condicdes necessarias para garantir-Ihe a independéncia social? Como dissociar dele as circunstancias que intimamente se relacionavam com a propriedade, a familia, 0 trabalho, o ensino ea cultura? (4) © Governo Provisério havia encaminhado um Anteprojeto (*) para submeté-lo a discussao e aprovacae da Assembléia Nacional. Encerrada a dila- io para recebimento de emendas, verificou-se haverem sido apresentadas so- bre 0 assunto 48 emendas assim distribuidas: 16 ao Titulo Religiao, 20 ao Titulo Familia e 12 a0 Titulo Cultura e Ensino. Enviadas 4 Comissao Constitucional, as emendas foram distribuidas aos respectivos relatores para aparesentagao dos pareceres. A Comissao Constitu- cianal organizou assim o Substitutivo da Comissio Constitucional ao Anteprojeto Governamental, () 0 qual, se nao satisfez a todos, o que seria uma utopia, consultou os interesses gerais da Nagao e representou a opi matona do plenario da Assembleia. (°*) A SARASATT 0, pig 15 2) KELLY, fstudon de Chelan Pol She Poul, 1, he 138 GI Anteprojeto, Anmaes da Assembla Nacional Contiuinte, Rio, 1934, Vol. pqs. 159-161 (4) Subetitive, Annaes, 0, 196, VoL. X. pgs HAA, (5) Annaes, 04 Vo}. XIC 193, 09g. 41. JULHO ASETEMBRO — 1974 165 Entre as importantes inovagbes da Constituicho de 34 no campo da liberdade religiosa figuram as chamadas emendas religiosas, objeto de nosso estudo. 1, Relagdes entre Estado e Igreja “E vedado 3 Unido, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municipios: estabelecer, subvencionar ou embaracar a exercicio dos cultos religiosos. Ter relagio de alianca au dependéncia com qualquer culto, sem prejuizo da colaboragao reciproca em pro! do interesse coletivo.” (*) Durante o império a religiao catélica foi a religiéo do Estado. Com 0 advento do regime republican, houve a completa separagio das dois pode- res. Decretou-se, desta forma, a laicidade do Estado sob a influéncia da ma- conaria e das idéias republicanas da época. Todavia, os Constituintes de 1891 nao cbedeceram, na confeccao da Carta Magna, a obrigacdo precipua e justa de se guiar pela opinido pablica brasilei- ra, mas se deixaram arrastar por preconceitos que absolutamente nao representavam a pensamento nacional, nem poderiam servir de norma inspiradora da Carta Constitucional de 1934. Desses preconceitos estavam imbuidos alguns poucos que ocasionalmente ocupavam posicées de destaque € imprimiam diretrizes 4 orientacao parlamentar, violando a consciéncia religiosa do povo brasileiro. () Proclamava-se entao a completa separacao da Igreja e do Estado; entre os dols poderes nao haveria de agora em diante relagdes de dependéncia ou alianga. A 2 Constituigao. Republicana, de 1934, mantém integralmente esses dispositivos, n&o sé quanto as subvengdes oficiais como, também, quanto as selacdes de dependéncia ou alianca entre os dois poderes, espiritual e tem- poral. No momento atual, a ideologia revolucionaria de 1930 tracava novas diretrizes politico-sociais, mais de acordo com a mentalidade do Povo Bra: ro, Cujas aspiracées foram sacrificadas pela Constituico de 1891 nas questdes concernentes 2 consciéncia religiosa. Procurava-se estabelecer um modus vivendi entre esses dois poderes, modus vivendi que, embora nao implicando alianga da Igreja com o Estado, admitisse, entretanto, a colaboracao reciproca em vista dos interesses coletives. (*) Qs Deputados catélicos insistiam nos varios debates afirmando que no se twatava de pleitear o reconhecimento da Igreja Catélica como Igreja oficial ou © Avie (7) Anmaet, 1936, vol AI, pte- 4. (8) eldeny, pag. 168 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Igreja do Estado, Pediam eles a completa separacao e independéncia da igreja do Estado, a igualdade juridica de todas as igrejas e cultos e a colaboracao de todos os credos nos servicos piblicos. Em particular, pugnavam pela reivindicagao desses principios: a ministracao do ensino religioso nas escolas, a assistncia religiosa nos hospitais, nas penitenciarias e as classes armadas, em. identidade, porém, de condicgdes para todos e para todas as religiées, independentemente de seus credos, Todos, pois, concordavam em nio ser possivel ao Estado prescindir da colaboracao religiosa. (*) Todavia, a leitura do artigo 17, nos seus incisos 1 ¢ IN, & primeira vista aparece contraditéria; tal contradicao nao deixou de ser discutida no plenario do Congreso, A primeira parte do artigo, que repete os dispositivos da Constituicdo de 1891, caracteriza © Estado lelgo, a situacao da tgreja livre em Estado livre, proibe qualquer relacto de dependéncia ou alianca. Ora, contrariando o espirito do artigo, aparece o inciso “sem prejuizo da colaboracio reciproca em prol do interesse coletivo”. Se entre qualquer culto ou igreja € vedada alianga ou dependéncia, como permitir uma colaboracao reciproca entre o Estado e qualquer culto ou Igreja? ('°) Que significa essa colaboracdo recipro- ca entre religiio e o Estado? Qual & a sua extensto? Fssa colaboracio significa talvez subvencionar um culto qualquer, estabelecer relacdes de alianca ou de dependéncia entre Igreja e Estado? Além disso, vé-se ferido o sistema de laicidade do Estado quando a Constituicao, no artigo 113, n° 6, permite assis- téncia religiosa nas expedicdes militares, hospitais, penitenciarias e 0 ensino religioso facultativo nas escolas piblicas, previsto pelo art. 153, Ora, nos sistemas de relades Estado-Igreja, encontramos trés espécies: o sistema da Religiao Oficial, o das relagdes de dependéncia ou alianca e, final- mente, o da Religiao livre em Estado livre. Neste ultimo sistema, segundo os Deputados contrarios 4 modificagao da Carta de 91, distingue-se o Estado leigo e o Estado ateu. O Estado leigo nao se arroga 0 direito de escolher entre as religides ou seitas uma que juigue verdadeira para impé-la a sociedade: deixa que cada individuo acelte a que the aparecer mais verdadeira. O Estado leigo proclama a mais ampla liberdade de consciencia, de crencas ou de cultos. Entende que a fé e a piedade religio- sa, apanagio da consciéncia individual, escapam inteiramente a ingeréncia do Estado. No Estado ateu, ao invés, a modalidade da laicidade consiste, nio em cogitar da existéncia da seligiao, mas em hostiliza-la e em procurar fazé-la (9) A Emerita en 7.204, de francisco Veras @ Catlos Relt, de pleno acorde com ewe princlco, asim & redigids: “O- ftado reconhece neceusri 2 colaboragio de todas 25 relgibea me solugto dot problemas morals da nacionaliade, mantendo, porém,aindependéncia entie-or poderer temporal eeepival, Clr. Annes, sty al XH, Bg 48. (00) Annaes 40 XX, pg. 6, JULHO A SETEMBRO — 1974 1067 desaparecer. O Estado ateu, neste sentido, tanto tem de antidemocratico, antiliberal e anti-republicano quanto o Estado Confessional. Por que, pois — perguntavam alguns Deputados — desteuir a obra ciclé cada T# Constituinte Republicana? Por que lancar os germes da luta religiosa? Os Constituintes Catdlicos, por sua vez, nao cessavam de afirmar da tribu- na parlamentar que a Igreja nao pleiteava absolutamente o retorno ao sistema da Religiao do Estado, instituido no tempo do Império. Preferiam o sistema de separacao entre os dois poderes. Ora, 0 regime de separaco ou de liberdade é justamente o sistema do Estado leigo. Eo regime em que o Estado e a Igreja nao mantém relacdes de dependéncia ou de alianca ou de interferéncia reciproca nos poderes respecti- vos. Logo, nao pode haver contrariedade no artigo 17. Victor Russomano, por sua vez, defendendo as emendas religiosas da Constituicao, afirmava que elas nao feriam absolutamente a organizacao republicana do Estado leigo. (") Barreto Campelo, antes da votacao do artigo, em nome dos representan- tes do pensamento catélico, pedindo a aprovacgao das palavras finais do ne IL do artigo 17, assim se expressava: A Constituinte de 1891 nao era hostil as reli- gides, como ficou evidente dos seus debates e dos seus melhores comentado- res. O que os Constituintes de 1891 queriam era apenas um Estado abstémio em matéria de cuito, um Estado equidistante de todos os cultos. Isso ficou de tal maneira vincado na redagao da Constituicao e nos debates que a prece- deram que nao seria licita uma pratica diversa. Entretanto, firmado em termos que nao eram implicitos nem explicitos na Constituigso de 1891, 0 Pais teve uma pratica constante de hostilidade as religiaes”’. “Essa hostilidade se manifestou inequivocamente, impedindo-se em todas as escolas do Brasil que 0 ensino religioso facultative fosse ministrado. Ficou ainda evidente com o se arrancar de quase todos os tribunais do Iuri do Pais a imagem do Crucificado.” “Assim, por pouca precisao e clareza da Constituicao de 1891, 0 Estado, que era meramente abstémio, converteu-se por uma pratica abusiva num instrumento de hastilidade, de perseguicao, de ultraje.“ (°) Tratando-se, pois, de estabelecer na nova Constituiggo a mesma atitude do Estado para com a religiao, era absolutamente necesséria uma clausula clara @ expressa que fixasse o pensamento da Constituicto. Colaboragio reciproca, portanto, em vista do interesse coletivo, quer dizer que o Estado € abstémio, (11) "Remo que o Estado modemo, quando nto esiver orgznizado nos moldes do Estado totlitie, no ter force aa: a ensinat o moral, Nests crcunstancis, s¢ a Insrugto apenas no basta para a focmacse de incivicuo, 3 quem devemes confiar a educacio da criancat Ao Tar. Mas 25 condicdes atuals do lar permirem a aco contimisda dat smder nessa fornagdo expitas| dos powcr fHh012" Armes 0.8, vol XIV, pig. 521 12) hanes 6. VOIX, pl. 7 168 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA nao subvenciona, nao se alia, mas também nao hostiliza e reconhece as reli- gides como forcas organicas da sociedade. A clausula queria, pois, fixar definitivamente a pratica da Constituicao, pratica que nao sera hostil, mas de cooperacio, isto 6, de reconhecimento ao fato notério, evidente de que a populacao brasileira é cat6lica. (9) Louve discussao entre os Constituintes sobre a possi clausula importasse uma concordata com a Santa Sé. jidade de que a Ainclusao da clausula na Constituicio, foi afirmado, & apenas para esclare- cer que 0 Estado nao € hostil as religioes. Nao visa a concordata, porque ela & possivel com ou sem a clausula. Para alguns Constituintes, a interpretagao a favor de uma concordata significaria a destruicko do Estado leigo para implan- tar a estado cristao ou 0 estado catdlico ou o estado confessional. Morais de Andrade sustentava, por sua vez, que, pelas concordatas feitas por alguns paises como a Inglaterra e a Alemanha, estes no deixaram de con- tinuar Estado leigo. Na votacao, votaram a favor da clausula 111 deputados, contra 63. Sobre o destaque de Pedro Aleixo, que separava 0 artigo em dois paragra- fos, correspondendo a redacdo final da Constituicao, 123 votaram a favor, con- tra 23. A intencao, pois, dos Constituintes de 34 nao foi a de inovar coisa alguma no espirito da Constituicao de 1891, mas apenas a de esclarecé-la, exterioriza- lo, para que nao pudesse ser deturpada ou refarmada a intencao do legislador, a mens legis do texto legal. ("*) Em outras palaveas, este foi o pensamento dos Constituintes: com a inclu- sao de alguns textos bem explicitos, isto &, as emendas religiosas, nés os Cons- tituintes, queremos que a interpretaco da jurisprudéncia amanha encontre mais facilitada a sua tarefa e nao possa vacilar na escolha da interpretagao A americana, que deveria sempre ter sido dada a Constituig¢ao de 1891, ao invés da interpretagio a francesa...("9) 2. ALiberdade de consciéncia, de crencae de culto “E inviolavel a liberdade de consciéncia e de crenca, € garantide o livre exercicio dos cultos religiosos, desde que nao contravenham a ordem piblica e 20s bons costumes.” ('*} “EN “A stotghe tual da cvlzagdo extnguiv a insanla de comprimic 21 reigies Para uns, a religio © sagrada, para ‘outros € um fato soca, © tstado, po's, deve organizar todas at forges neces, Ea trjetérla do Exado Made- ‘o, Sende a Religite pele menos um fentmena soca, deve te contempad, cornerarc ne compen Be do Eade Por is, todos 05 Estados Moderros ou fizeram au eso solichande concordat.” Idem, pig. 43, (10) Annes 0. ¥0.¥, pg. 196. 105) bier, og a8 6) AR. T13, 95" JULHO-A SETEMBRO — 1974 169 © principio da liberdade de consciéncia e de crenca implicitamente reconhecido pela Constituicgio do Império, art. 79, e explicitamente pela Republicana de 91, no art. 72, § 28. O Anteprojeto, porém, foi mais explicito sobre o assunto, declarando no art. 106: “E inviolavel a liberdade de consciéncia e de crenca”. (”) A liberdade de consciéncia ¢ de crenca, garantida pelas Constituigdes do império e da RepGblica, nao sofreu nenhuma contestacio ou emenda. Inclui- da no trabalho da Comisséo Constitucional, passou em julgado no plenario como artigo basico do Titulo Religiao. Quanto ao exercicio livre do culto, nao houve também emenda contraria. Louve aiguma divergéncia quanto ao seu condicionamento com a ordem publica e os bons costumes. A Emenda ne 1.036, da bancada baiana, e a de nv 203, da bancada gaticha, nao queria incluir o dispositivo restritivo “desde que nao contravenham a or- dem publica e os bons costumes”, pelo receio de que na interpretacao pudes- sem surgir dificuldades € abusos. Com efeite, é muito dificil fazer-se juizo perfeito daquile que se diz constituir contravencao 4 ordem publica. negra — escreve Caires de Brito —, conhego intimeros casos de perseguicao, de invasio de terreiro, de espancamento, de prisdes. Nao ignoro que tanto na religiao negra como em outras ha abusos; mas o que desejo assinalar & que, nao obstante essas expressées, continuar3o os abuses. 9 3, As Associacdes Religiosas Na segunda parte do § 5° do art. 113, a Constituigao prescreve: associagdes religiosas adquirem personalidade juridica nos termos da lei ci L Personalidade juridica das assaclayes religiosas ‘Ao tempo da Monarquia, as associacées se regiam pelas leis de “mao morta”, que na definicao de Rui Barbosa sao o sistema de excecao a que a lei civil submete, especialmente quanto ao direito de propriedade, sua aquisicao, seu exercicio e sua transmissdo, as entidades coletivas, cujo patriménio por interesses de ordem pGblica se quer limitar. A Constituicao de 1891, embora incluindo no art. 72, § 3%, a expressao “abservadas as disposicdes do direito comum”, concedeu as associacdes ‘G7 Annaes, oc, vol. Xl, pig 42. (18) 103 DUARTE. A Conatiukcdo Bealica de 1946, Rio, 947, vol, 2, 170 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA religiosas a liberdade de adquirir, mantendo porém a restricdo de alhear e dis- por dos bens. Com a atual Constituicio caiu qualquer restricao. Algumas emendas apresentadas visavam as relagdes internas das congregages. A Emenda n’ 1.036, por exemplo, propée a inclusto dos seguin- tes dizeres: “As associacdes religiosas adquirem capacidade juridica nos ter- mos da Lei Civil e ficam subordinadas nas suas relacoes internas com os seus superiores as leis fundamentais das confissdes a que pertencam’. E a Emenda ne 1.087 sugere a seguinte redacao: ”...ficando subordinadas, no seu governo e disciplina, as regras fundamentais da confissio a que pertencam”” A primeira vista, poderia parecer uma interferéncia do poder temporal nas atribuicdes do poder espiritual. Pelo contrario, firma o principio da nto intervencao. Definindo na Constituigto a situagao das pessoas juridicas de direito eclesiastica em relacao 3 disciplina interna da respectiva confissio, o poder temporal esquiva-se de nelas intervir para evitar conflitos entre os dois poderes. O direito de voto aos religiosos No Substitutivo da Comissio Constitucional, no art. 138, § 1°, encontra- mos a reproducao do art. 70, § 1%, da Constituicao de 1891. “’Nao podem ser alistados o¢ religiosos de ordens monisticas, companhias, congregacdes ov comunidades de qualquer denominacio, sujeitos a votos de obediéncia, regra ‘ou institut que implique rendincia da liberdade individual”. Trata-se, sem diivida, de uma restrigho odiosa que foi impugnada pelos Constituintes de 34. Censuram-se os religiosos porque se ligam por votos temporérios ou perpétuos. Ora, trata-se de um fenémeno todo intimo, entre a consciéncia do crente e Deus, € nao entre o crente e a sociedade; por conseguinte, em tais vo- tos nao pode intervir a sociedade. Censuram-se as associagdes religiosas porque praticam o celibato, Mas no se pode obrigar ninguém a casar; 0 casamento forgade & um assunto de comédia. Censuram-se 0s religiosos porque vivem em comunidade. Que se pode fazer se a vida em comum nada tem de ilicito, sendo, pelo contrario, um postulado legitimo da natureza humana? Finalmente, acusam-se, com par- ticular energia, os religiosos porque abdicam sua vontade nas maos de um superior. Onde basear 0 direito do Estado de proibir a um homem de confiar a outro a direg3o de sua conduta? Cada um sendo senhor de sua pessoa, pode confiar sua ditego a seu vizinho. Assim, varias emendas foram apresentadas para suprimir esta restriggo. (19) 49) Aanaes, acc, vol, WVU Emenda nr 1879, pig. 38; Emeeds ne LAW, pia. HAY: Govends oF 767, pag. 190; Emenda 29 py. a JULHO A SETEMI 974 71 O Cédigo Eleitoral, Decreto n° 21.076, de 24 de fevereira de 1932, art. 4°, no acervo imenso de leis e decretos do periodo ditatorial, € um dos poucos que se saivam e & talvez o Unico que tem resistido aos embates da critica candente da opiniao pablica. Com efeito, ele nao restringiu, ou melhor, nao privou os religiosos congregados do direito de vato. (®) Em virtude desta conguista, 0s religiosos puderam votar nas eletcdes para Assembléia Constituinte de 1934. Nao € justo pois que, obtide o afastamento daquela restricio excepcional da 1" Repdblica, venha ela agora ressurgir na Carta Constitucional, quando também nao figurava no Anteprojeto. Até aqui concedendo aos religiosos o direito de voto, nenhuma desvantagem ocorreu para o Pais, ant » pelo contré- rio esta medida s6 lhe trouxe evidentes beneficios de ordem civica, interessan- do os religiosos na vida politica da Nagao. (”) Desde que 0 religioso, nao alegando 0 voto de obediéncia, est sujeito ao 6nus ou servicos exigidos pela Republica, conforme se deduz do art. 111 da Constituigao, nao parece justo que se Ihe impeca de ser eleitor pelo simples fato de pertencer 4 ordem que o sujeita a esse voto. Alias, num perioda em que se procusa destruir a ordem social, a intervengao dos religiosos pelo voto 56 pode beneficiar 0 futuro da Patria. (?7} Na verdade, a profissio dos religiosos nao Ihes tira 0 direito e a liberdade de voto. Nao votam eles nos Capitulos e reunides da respectiva Ordem, escolhendo livremente os seus diretores? Nao se interessam eles pelos desti- nos de sua Patria? A resposta esta na hist6ria patria e alhures. (*) Resumindo, nao procede a alegacao da obediéncia a que os religiosos es- tho sujeitos para infirmar-lhes 0 direito de voto, pois tal obediéncia se refere aos deveres de seu estado e nada tem que ver com a liberdade de escolha dos candidatos eletivos. Ademais, qual & 0 homem civilizado que nao tem fimitagoes na sua liberdade? Os militares, sujeitos a disciplina, obrigados as exigéncias hierérqui- cas no que toca a sua profissao, estardo porventura impedidos de votar livre- mente? Os funcionarios piblicos nao estarao nas mesmas condicées? (*) IIL. O servico militar dos Eclesiasticos © artigo 163 da Constitui¢ao prescreve: “O servico militar dos eclesiasti- cos ser prestado sob a forma de assisténcia espiritual e hospitalar as forcas armadas.” (20) dew, pi, 402, GV Asnaes oc, vol XVI, pi, 380 a2 thdem, pig. 387 1231 Ibldem, pag. 302 2h Annaes, os v0l. AV, BER 27 172 REVISTA DE INFORMAGAO LEGIBLATIVA A Constituiglo de 1891 dizia no art. 72, § 28: “Por motivo de crenca ou de fungdo religiosa nenhum cidadao brasileiro poders ... eximir-se da cumpri- mento de qualquer dever civico.” § 29; “Os que alegarem motivo de crenca religiosa com o fim de se isentarem de qualquer Onus que as leis da replica imponham aos cidadaos... perderao todos 05 direitos politicos.” Estes dois artigos, se nao visam exclusivamente as relagdes dos ministros religiosos em face principalmente do servico militar, a eles se adaptam porém perfeitamente. Pelas dispasic&es expressas, os ministras religiosos nio poderiam eximir- se do servigo militar, sob pena de perda de todos os direitos politicos. No servico militar, pademos distinguir duas espécies: aquele que se pres- taem tempo de paz eo que é exigido na guerra. A primeira espécie consiste na preparacio militar do individua e prepara © soldade para a eficiéncia da segunda espécie. Quais sto as relagdes dos ministros religiosos com estes servicos? Quanto a primeira espécie, prestada em tempo de paz, nao existe di- ficuldade. Recai no periodo de vida compreendido entre 17 e 21 anos, quando © seminarista ainda atende aos seus estudos. Nao traz, nesta época, nenhum. inconveniente. Existem tiros-de-guerra organizados © difundidos pelo Brasil inteiro. O Seminaria de S40 Leopoldo, no Rio Grande do Sul, por exemplo, mantém um tiro-de-guerra proprio organizado e reconhecido de acordo com as leis do Pats para os seminaristas. Em tempo de guerra, ao invés, a santidade do ministério eclesidstico nao se coaduna com a funcao do soldado: seria desviar os ministros religiosos de sua misséo de pura espiritualidade. Pleiteamos para eles a racionalizagao do servico militar segundo o princi- pio do aproveitamento de cada qual no posto em que possa ser mais util 4 sua propria finatidade e A eficiéncia da vida social. Isto de acorda com o espirito do art. 78 do Anteprojeto governamental, que se encontra no art. 183 do Substitutive da Comissio Constitucional: “Todo brasileiro € abrigado, na for- ma da lei, ao servico militar e outros encargos necessarios a defesa da Patria e das instituicdes, e, em caso de mobilizagao, pode-se Ihe dar o destino que me- Thor convenha as aptiddes, quer nas forcas armadas, quer nas organizagdes do interior.” (4) AEmenda ne 1.036 propunha a seguinte redacao: “O servico militar somente podera ser exigide dos ministros religiosos e membros de congrega- gdes religiosas sob forma de assisténcia espiritual as forcas armadas. “A Emenda n 763 propunha a mesma redacio, com a seguinte justificagio: “O as) Annies. 0. voll, pt 50 JULHO ASETEMBRO — 1974 173 servico militar nao & compativel com o estudo e a profiss’o do sacerdote que a sua Patria no recusa qualquer sacrificio, inclusive da propria vida, quando a sua defesa se fizer necessaria.” (*) 4. A representacao diplomatica junto a Santa Sé Assim estabelece o art. 176: “E mantida a representacio diplomatica junto a Santa Sé.” Considerandy que 4 Constituigao de 1091 estabeleceu a laicidade € completa separacae do Estado e da Igreja, proclamando que nao haveria quais- quer relagdes de dependéncia ou alianca entre estes paderes, a conservagio da representacao diplomitica junto a Santa Sé, poder supremo da Igreja Catélica, parece ter sido uma incongruéncia e uma manifesta contradicao aos priricipios estabelecidos. Talvez o Brasil tenha continuado a reconhecer 0 po- der temporal da Igreja sobre o Estado do Vaticano, mesmo quando foi usurpa- do pela Italia. Todavia, durante a Assembléia Constituinte de 34, 0 poder temporal dos Papas jé tinha sido restabelecido, Com efeito, 0 que em 1891 podia ser considerado como uma deferéncia a9 espirito catélico do povo brasileira, hoje esta perfeitamente legalizado pelo restabelecimento do poder temporal da Santa Sé. Nao havia mais necessidade, pois, de se justificar a existéncia da representacao diplomitica junto ao Vatica- no pela declaracao categérica de que ela nao implicava violacao constitucio- nal. 2) A Emenda 203 sugeria esta redacao: “Para cultivar as boas refagdes com a Santa Sé, 0 Governo manteré uma representagao diplomitica junto a mesma.” Contudo, propuseram a supressio da representagao diplomatica os signatarios das Emendas 206-A e 932. Pereira Lima, em sua Emenda 1.421, propés a substituicao do termo Santa Sé pela expressao Estado da Cidade do Vaticano, Lendo on’ 1 ea parte final do n° 19 da Lei de 7 de junho de 1929, verificamas que “o Soberano Pontifice, soberano do Estado da Cidade do Vaticano, tem a plenitude dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiclarto”. (*) A cctitica feita ao dispositive que assegura a representacao diplomatica jun- to a Santa Sé, conclui o Parecer da Comiss’o do Anteprojeto da Constituigao, perdeu seu fundamento, pois foi restaurado o Estado do Vaticano e assegura- da sua soberania. (**) 26 Ansty oc vol AX pg. 3, 7) Anmaen o-e5 v0! XU, pag. 45. a8} Porento, o name pidprio do Eade Pontiiio € Exado da Cidade do Vaticano. Ne parte final do ar. 15, esta eve clita: “O velo ‘raz no eno # Mara con as chaves careadas peas palaveas “ilace da Cidade do Vaticene, costorme Oy rodeo que figura no anexoC da presente L6”,Amates 0x0 XVI, pap. 226. UB) Com a permanéncia do. artigo, stveram de acordo as Emendas n%s 203, 1036, 1056 € 1.907, sendo cantriia 3 es seetspostive apenas 2 emends 0° 206-A,¢ ainda com uma asinatura sb, ARMA, Ox, vl-X, pak. 402-403 1714 REVISTA DE INFORMAGAG LEGISLATIVA 5, Assisténcia Religiosa “Sempre que solicitada, sera permitida a assisténcia religiosa nas expedi- sdes militares, nos hospitais, nas penitenciarias e em outros estabelecimentos oficiais, sem Onus para os cofres piblicos, nem constrangimento ou coacdo dos assistidos. Nas expedigdes militares a assisténcia religiosa s6 poder ser exercida pelos brasileiras natos.”” ) Os partids da oposicao as Emendas Catélicas da Constituicao viram no dispositive constitucional da Assisténcia Religiosa um atentado contra a laicidade do Estado. No dizer de Plinio Tourinho, o anteprojeto da Constitui- io (") preocupa-se demasiadamente com as forcas armadas, dando a enten- der que os nossos pobres soldados nao tém tido o direito de comparecer as ceriménias € cultos. Quer dizer que os nossos oficiais sao muito exigentes. (22) Observa o citado autor que os saldados podem freqientar a igreja, nao havendo, pois, necessidade de assisténcia religiosa nos quartéis. Quer dizer entao, pergunta ele, dos operarios, dos funcionarios publicos, principalmente os dos Correios e Telégratos, dos empregados no comércio, que tém uma vida muito mais apertada que o soldado brasileiro? Como garan- tir a essa grande maioria da populacio trabalhista um tempo necessério a satistacao dos seus deveres religiosos, sem prejulzo dos servicos? Se a assisténcia religiosa aos militares se apresentasse unicamente sob a forma de um conforto individual, levado aos que sofrem nos hospitais ¢ presi- dios, ou nos acampamentos de tropas quando em servico de guerra, concor- daria. Se ela se estendesse aos hospitais, penitencidrias e manicémios civis, ou a outros estabelecimentos onde a dor se fizesse sentir, eu daria 4 medida tio humana 0 meu apoio integral. Com efeito, esse apoio se baseia no principio do direito individual, que garante a liberdade de consciéncia aos cidadaos, quando, estando momentaneamente privados de ir aos templos, podem solici- tar a assisténcia dos seus chefes espirituals. Ademais, o soldado 6 inteiramente livre aos domingos e dias santos, pode acorrer aos templos, como de fato acontece. Imagine-se o que ira suceder com uma assisténcia religiosa dada no interior dos quartéis pelos representan- tes das principais religiées, que forcosamente 1é comparecerao para fazer propaganda de seus credos. Seria introduzir luta religiosa nas forcas armadas. Os sentimentos religiasos — conclui Tourinho — nao devem sair do lar e dos templos, como bem compreenderam os Constituintes de 91. O que se pretende consumar com estes dispositivos & o cerceamento da liberdade de consciéncia religiosa que fatalmente tera lugar pela intolerancia que surgira no dominio das atividades praticas, Gor ANT 56 GI AN. 106, § #: "Mio se podera recusar 206 que pevtengam de dens armadss o tempo necensrio 8 satislago de seus deveres religigos. sem prejulzo dos servicos mires” Anmaes, 0. vo |, pig. 15% (22) Annaes, 0.6 Yo. VBE HS, JULHO A SETEMBRO— 1974 178 ‘A Emenda 522, de autoria de Lacerda Verneck, pede a supressio do dispositive legal, justificando-a desta forma: “Nao ha necessidade de consig- nar expressamente numa Constituicao tais dispositivas, uma vez que, em 40 anos de Repdblica sem essas precaucées, nenhuma expedigio ou pessoa foi privada da assisténcia religiosa, quando a reclamasse.” ©) ‘A Emenda ne 34 sugere a substituicao da expressio: “Sempre que se tor- nar necessério” por “Quando for solicitado”, com a seguinte justificagao: “Tratando-se de uma questao de foro interno da consciéncia religiosa de cada um, $6 0s interessados podem aquilatar da necessidade e da oportunidade des- sa assisténcia. Melhor, pois, ser facultar a assisténcia religiosa quando for solicitada pelos fiéis ou adeptos do credo que professarem ou pelos sacerdo- tes ou ministros do respectivo culto.” (4) A Emenda 733 pede reunir em um s6 paragrafo os dispositivos referentes a0 art. 106, §§ 4° e 5°, com esta redacio: “E garantida, sem Gnus para o Estado, a assisténcia religiosa as forcas armadas, bem como aos hospitais, prisdes e ou- tros estabelecimentos piblicos”. A redacao ora proposta ampara mais eficientemente os direitos espirituais das forgas armadas, tornando permanente a assisténcia religiosa e permitindo que ela seja prestada nos préprios estabelecimentos militares. O autor da emenda cita a favor da necessidade da assisténcia religiosa as forcas armadas a experiéncia da guerra de 1914. () Quanto as prisdes, pode o Estado seqiiestrar 0 individuo do convivio so- cial, obedecendo a motivos de ordem pGblica. O que porém nao pode e nao. deve fazer € proibir ao prisioneiro que procure o desafogo e vigor moral no contorto da Religito, que € melhor meio de que dispée para a sua regenera- ¢a0 moral. Ao tempo da Monarquia, as forcas armadas de terra e mar eram dotadas oficialmente de capelies eclesisticos que |hes prestavam servicos espirituais em tempo de paz e de guerra. A Repablica extinguiu esta instituiggo. A Reptiblica Nova permite o servi- ¢0 espiritual facultative as classes armadas, Interessante 2 Emenda 209, do Deputado Guaraci Silveira, tendente a estender a todo o cidadao dependente do Estado ou de quaisquer emprega- dores de homens, o direito propugnado para as classes armadas. 05) E uma louvavel iniciativa. 6, Os Cemitérios “Os cemitérios terao carter secular e serao administrados pela autorida- de municipal, send livres a todos os cultos religiusus 4 pratica dos respectlvos 133) Anmaes oc, vol XVI, pg 471 (6) thldem, pag, 470 35) Anaaes, 6701 IV, pag. 360 (86) Annes, e901 XM, pag 4. 176 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA ritos em relaco aos crentes, As associagdes religiosas poderao manter cemité- rios particulares, sujeitos, porém, a fiscalizagao das autoridades competentes. E-thes proibida a recusa de sepultura onde nao houver cemitério secular.” () A Republica institulu a secularizagao dos cemitérios no art. 72, § 5° O Anteprojeto Governamental, em seu art, 106, § 67, mantinha a mesma prescri- Gao de 1891, com a supress’o da restricio final “desde que nto ofendam a moral piiblica e as leis”, (4) Ao Anteprojeto Governamental foram apresentadas diversas emendas. A Emenda 1.150, de Asdrubal Gwyer de Azevedo, insiste no princspio da secularizagao dos cemitérios, determinando, ainda, camo que para robustecer 2 principio, a proibicao de transferéncia dos mesmos pelas municipalidades a outrem. Prevé a proibigao de monopélios ou privilégios funerdrios. As Emendas 203, da bancada gacha, 1.036, da bancada baiana, ¢ 1,067, de Fernando Magalhaes, mantém os dizeres do § 6 do Anteprojeto, transformando-o em artign e propondo acrescentar o seguinte paragrafo Gi co: “As comunidades religiosas poderao manter cemitérios particulares suj tos, porém, a fiscalizagao da autoridade municipal.”’ Assim procederam porque € certo que é dever do Estado manter cemité- rios profanos para aqueles que em vida nao se filiaram a nenhuma seita religio- sa, Todavia, nao seria justo ¢ nem equitativo, em face da liberdade de culto, impedir que as familias religiosas depositassem os sagrados despojos de seus membros para dormirem o sono da morte em terras santificadas pela béncio da religiao, conforme os ritos de suas igrejas. {) Ao tempo da secularizagio dos cemitérios pela Repdblica, existiam, dispersos pela vastidao do territério nacional, um sem-nGmero de cemitérios particulares. Continuaram a existir, € © que € mais interessante, surgiram Novos, sem protestos ou intervencao proibitiva dos Poderes Pablicos e sem que jamais tivessem originado inconveniéncias de esp&cie alguma. Por que, pois, nao conceder as irmandades ou corporacies religiosas o direito de erigir cemitérios particulares sujeitos, todavia, a fiscalizagao das respectivas autorida- des municipais? E 0 que ficou estabelecido na Constitui¢ao, com a ressalva de que os cemitérios particulares nao poder’o recusar sepultura onde nao hou- ver cemitério secular. 7, OCasamento Religloso “© Casamento sera civil e gratuita a sua celebraco. O casamento celebra- do perante ministro de qualquer confissdo religiosa, cujo rita naa contrarie a on Ang (8) Annaes, oc, vol pig. 160 9) Anmars 0c, vol I BAB. 6 ao) Anta. JULHO A SETEMBRO— 1974 Ww ordem publica ou os bons costumes, praduzira, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitagao dos nubentes, na verificacao dos impedimentos € ho pracesso da oposicio, sejam observadas as disposicées da lei civil e seja ele inscrito no registro civil. O regis- tro sera gratuito e abrigatério. A lei estabelecer& penalidades para a transgres- sao dos preceitos legais atinentes 4 celebracao do casamento.” «*") Em seus primérdios, 0 casamento era tido como uma instituicao de ori- gem divina e o exercicio das ceriménias nupciais constituiam privilégios do sacerdécio, Esse sistema continuou até a Revolugao Francesa, que transformou ‘0 matriménio em simples contrato e estabeleceu o casamento civil. O casamento, pelas suas condigées especialissimas, oriundas da prépria esséncia da sociedade natural e da sua finalidade social de cultura da prole, merece uma consideracao toda especial dos Poderes Publicos como institui- a0 que, além de satisfazer a inclinagdes, desejos, anseios e afetos humanos, & incontestavelmente a pedra fundamental sobre a qual repousa a moralidade e a estabilidade do meio social, Na Monarquia brasileira, o regime legal do casamento era regulado pelo direito canénico e pelo Concilio Tridentina. O Governo Provisério da Republi- ca, pelo Decreto 119-A, fixou a laicidade do Estado e, pelo Decreto 181, institufu e regulamentou 0 casamento civil obrigatério em todo o territério na- cional, reconhecendg, entretanto, aos cénjuges, qualquer que fosse o seu cul- to, o direito do casamento religioso. A Constituicao de 1891 determinou, no art. 72, § 49: “A Repdblica s6 reconhece o casamento civil, cuja celebracao sera gratuita.” © Anteprojeto Governamental, nos arts. 107 © 108, colocando a familia sob a protecio especial do Estado, declara que ela repousa sobre a igualdade juridica dos seres e sobre o casamento civil indissolivel e estabelece a gratui- dade de seu processo e celebragao. (") Diversas emendas foram apresentadas ao Anteprojeto Governamental. Umas no sentido de se opor 4 indissolubilidade do casamento e outras para tornar vilido o casamento religiaso inscrito no Registro Civil, estendendo a gratuidade da celebracao do casamento e de seu processo aos documentos necessaries, isentos de selo, ao registro civil do casamento religioso e ao regis- tro dos nascimentos e 6bitos. | Artign 107 do Anteprojeta Governamental: “A familia es sob > pretecto expecia! da Eslado © repousa sobre 0 ca ‘mento 2 sgualade juidca dos 12201; a lel ul, pore, estabetecerd as condicbes da chefia di sociedade cor gale do patno poder, ¢ regular or direnos € daveras dos Conluges. “An. 108. “Osan cntelegel ert 9 gil evi proces Sorcelebractoserte giatutos.” "410 Ocaramentod indinolove, A leichl determinard oncamen de desquitee de anulagdo do casamento “G2 Havers semare apelacho ex offi © com eleita suspentivo, das semen casamoletvian do CaS3MIe 0. "§ A pone do estado de casado rin pode ser contestada por FercoKo canta as esas cue nels se encar tem, ov 1eus Nes, endo. medlame ceridic extalda do registro civil, pely qual ve prove que alguma dels & coueralegalmentecatada com out.” Anges 6, vo. |, Dg, 160 178 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Contra o dispositive da indissolubilidade do casamento, se declararam a favor do divércio varios deputados. (*) “O divércio no Brasil — afirma Anténio Rodrigues de Souza — tem um adversario somente: a Religiao. E € bom definir esta responsabilidade: a Reli- giao Catélica, confissao que pretende controlar a maioria do sentimento religioso nacional. A consciéncia nacional ja chegou a um tal estado de maturidade que nao permite 20 nosso povo a tutela absoluta da religiao.”’ (#) Afirma, por sua vez, Tomaz Lobo: “Como foi mantida a separagao entre a Igreja ¢ o Estado, com a prolbic3o de quaisquer relacdes de dependéncia ou alianga entre o poder civil e o poder eclesiastico, deve ser conservada como conseqiiéncia a secularizacao do casamento, instituindo-se a forma civil Gnica reconhecida pela Republica como fundamento da vida de familia.” (“) Outros deputados pugnaram pela supressao do artigo referente a indissolubilidade, ou melhor, a sua nao-inclusio na Magna Carta, por se tratar de assunto de direito privado. Na verdade, discutiu-se, e se discute ainda hoje, sobre o que € matéria constitucional, isto 6, se narmas de Direito Privado pos- sam ser incluidas ou nao na Constituigao, que €a lei basica do Direito Publico. Asse respelto declara Wolfenbutell: ““A grande maioria do povo brasilei- ro, através de seus legitimos representantes, nao se satisfaz com o carater de relatividade e flexibilidade da legislacao civil; prefere confiar na fixidez e rigi- dez do texto constitucional.” Na verdade, outro seria o aspecto do problema se, além da competéncia de elaborar a Constituigao, a Assembléia tivesse a incumbéncia simultanea da legislagao complementar. Bastar-lhe-ia, entao, incluir no texto constitucional 05 principios basicos e fundamentais, relegando para as leis ordinarias tudo © mais, Nao sendo assim, s6 restara 4 Assembiéia incluir no texto constitucional todos os dispositivos cuja efetividade pretende assegurar. (*) Outra inovagao importante, introduzida pela Constituicao, é o reconheci- mento dos efeitos civis do casamento religioso. © Anteprojeto Governamental mantinha a mesma orientagao da Constituigao de 91, estabelecendo, no art. 108, que o casamento legal sera o ci- vil. Emendas foram apresentadas a instituigao do casamento civil para validar também © casamento religioso em certas e determinadas condicdes. Entre elas, a emenda da bancada gaticha: O casamento é reguiado pela lei civil eo seu proceso e celebracio serao gratuitos.” “Paragrafo Unico. O casamento religioso celebrado por ministro autorizado de qualquer religiio, observados os requisitos da lei sobre a personalidade dos c6njuges, impedimentos e lades e inscrito no Registro Civil, produzira todos os efeitos juridicos.”. (21s autores das emendas sao. 46, Aledo Pacheco: 207, Gusraci Sivina; 268, V. de Toledo: 33, Pinio Fourinho, 181, Cesar Tinoco; BBY, Amando Layne; € 142, Egat Sanches. Cr Anne, ovo XI pig 8 MO Annaes, exc, vol XIN pigs 28-25, Hal Annaes, ota vol X¥1- 938.67 HS) Antes, x6 vol XN. p85, 58 JULHO A SETEMBRO — 1974 179 As emendas, portanto, propdem acrescentar na Magna Carta, aos principios inclufdos, a validade do casamento religioso com todos os efeitos juridicos da lel civil, quando celebrada por ministro religioso autorizado, observados os requisitos prescritos na lei civil ¢ depois de incrito no competente Registra, (**) Houve também emendas restritivas. Com efeito, as Emendas 1.037 e 1.214 exigem que os ministros celebrantes da casamento pertencam a uma religiao cujo rito nao contrarie a ordem pabli- cae os bons costumes. ‘A Emenda 119-A s6 reconhece valido 0 casamento religioso celebrado pe- lo rito da Igreja Catolica. (*) Podemos afirmar que a primeira restrigao & um principio geral universal- mente reconhecide e, como tal, é supérfiua a sua incluso. A segunda restri- cho, estabelecendo um privilegio para 4 Igreja Catdlica, nao é aceltavel, em fe- ce da laicidade do Estado. Por esses motivos, as emendas nao foram aceitas. 8. Oensino religioso “O ensino religioso sera de frequéncia facultativa e ministrado de acordo com 05 principios da confissao religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsaveis e constituira matéria dos hordrios nas escolas publicas primérias, secundarias, profissionais e normais.” (#) A questao do ensino religioso foi um dos maiores argumentos debatidos na Assembléia Constituinte. Nenhum homem bem intencionado pode negar o valor do ensino religioso na educacao da mocidade. Sua influéncia se reflete na formagio da atma; por isso deve ser considerado um fator de grande importancia na vida da Nagao. $6 os intolerantes poderiam desconhecer seu valor. Nao devemos confundir educacia com instrugio, cujos principios, se associados, produzem efeitos mais benéficos. (**) A instrugao atua sobre a inteligéncia. A educacao tem uma esfera de acao mais elevada porque concorre para a formagao do carster. Plasmar a mocidade sem religido seria coisa impraticavel. Em um pats onde existam diversas religides, nao havendo religiao oficial, como deve ser encarada a verdadeira neutralidade do Estado? © ensino Ieigo pode ser considerado uma manitestagao de respeito a fi- berdade de consciéncia? 6) fuanarim pelo reconhecimenta do casamenta religlso, de acordo corn a Emend 204 acima ciara. 0$ signatirios dda fmends 78: Ponies viera, da Emends 119; P. Mat Machado, 76, Daniel de Canalhe, 411) 3 Rancada 1LOME Annaet 0.6, 401 X19 $8, (27) dem, pag 8. (4) Ariza “53 91 Anoaes woh Yo phe 107 180 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Deixando de lado a influéncia da forga numérica de uma religiao positiva sobre as outras, como no Brasil, cuja populacao de 40 milhdes de habitantes (em 1934) é catélica na sua quase totalidade, qual € o papel do Estado em face do problema religioso? Estado deve respeitar os sentimentos religiosos das familias e nao deve violentar a consciéncia de ninguém. Estabelecendo a laicizacao do ensino, o Estado quebra essa neutralidade, pois favorece 4 corrente que se opde a cris- tianizagao do povo. Podemos considerar o ensino religioso sob diversos aspectos; jurtdico, moral e pedagégico. Sob 0 aspecto juridico, relacionado com o direito da liberdade religiosa, fazemos a seguinte consideracao: os pais t8m o dever de tratar da educacao e da instrucao de seus filhos. O menino nao é propriedade da nagio. Sendo a es- cola complemento do lar, 0 professor deve ministrar-Ihe os mesmas ensina- mentos da casa paterna, ampliando-os a juz de seus canhecimentos, na quali- dade de representante da confianga do pai. O Estado, pois, deve velar e fiscalizar essa educacao, fazendo respeitar na escola os sentimentas religiosos da casa paterna. Se o Estado fizesse ministrar a doutrina crista a filhos de judeus, a doutrina protestante a filhos de catélicos, praticaria um desacato aos direitos que os pais tm na educacao religiosa dos filhos. Portanto, a neutralidade religiosa do Estado nio se pode comparar com a laicizacao do ensino. () A respeito da liberdade espiritual, Teixeira Mendes afirma que se deve acatar nos filhos as convicgSes religiosas de seus pais. (°") “Os representantes do povo, os poderes piiblicos — afirma Casta Fernan- des — nao devem desconhecer que eles violam a liberdade espiritual quando pretendem impor seu estado moral e intelectual.” Nao se achando uma crianga habilitada para escolher a sua religiio, e muito menos para rejeitar todas, € claro que semelhante escolha compete naturalmente aos pais. Além disso, o ensino leigo & reclamado por uma minoria que se opde a propagac3o das religides positivas, formada em suas idéias filoséficas, e € repe- lido pela maioria da populacao brasileira, que nele vé um obstacula sério a0 desenvolvimento das conviccées religiosas de seus filhos. Mesmo durante a Constituicao de 1891, alguns homens notaveis, como Pe- dro Lessa, Felinto Bastos, Pandia Calégeras e Aratjo Castro, nao encontravam justificativa para a oposigao ao ensina religioso. Dessa opiniao era também Rui Barbosa. (*) 190) Annes, vol V; pig. 111, on (52 thidem, pag, 12, JULHO A SETEMBRO — 1974 181 O Decreto de 30 de abril de 1931, do Geverna Provisério, auscultanda og sentimentos do povo brasileiro, veio abrir as portas dos estabelecimentos escolares ao ensino religioso facultativo. O Anteprojeto Governamental assim estabelece no § 8° do art. 112: “A religiao & matéria facultativa de ensino nas escolas piblicas, primérias, secundarias, profissionais ou narmais subordinado a confissio religiosa dos alunos.” (*) 1. Argumentos contra o ensino religioso Contra ensino religioso pugnaram varios Constituintes, fundamentando- se em argumentos que vamos expor, O espirito religioso nao falta ao povo brasileiro. O pave catélico do Brasil, na sua maioria, nao quer o ensino religioso. (*) Adotando o ensino religioso, embara com aparéncia de facultativo, a Constituinte vai favorecer os catélicos na luta contra os figis de outros credos que, por principio ou por nao serem profissionais de culto, sao radicalmente contrarios a medida. Essa medida vai implantar uma campanha de ddios e de rancores. (°) ‘A Emenda 166 pede a supressio do paragrafo do ensino religioso, justifi- cando-a desta forma: “A introducac do ensino religioso vai possibilitar a babel do ensino religioso nas escolas, talvez canvertidas em campo de lutas religio- sas. Cat6licos, metodistas, batistas, protestantes, budistas, maometanos, ju- deus, positivistas, espiritas, todos poderao ter nas escolas a sua hora de ensino religioso. Este se faz na Igreja ou em casa ou nos colegios religiosos. (*) Segundo alguns deputados, o ensino religioso & necessaric porque assim ‘© quer a maioria catélica do Brasil. “Entao — exclama Plinio Tourinho —, deve- mos fazer uma Constituigdo nao para 0 povo brasileiro, mas para uma maioria duvisosa. O sentimento da maicria brasileira € de fato catdlico — continua o mesmo autor —, mas nao endossa as pretenses exigidas pelo clero, ou me- thor, pela Liga Catélica. Os sentimentos religiosos nao devem sair do lar ¢ dos templos, como bem compreenderam os constituintes de 91. © que se preten- de com os dispositivos das emendas religlosas ¢ o cerceamento da fiberdade de consciéncia que, fatalmente, dar4 lugar a intolerancia.” (7) Se nos estabelecimentos de ensino se permitir dentro do horario escolar sejam ministrados pelo proprio professor todos as principios e confissées reli- giosas, quanto tempo — pergunta Tomaz Lobo — ficaria reservado ao ensino leigo? Além disso, todos sabem que a paixao religiosa € a mais intolerante. Se a professora professa sinceramente oa creda catélico au protesiante, nao pode 53) Annas, ese s0l 3g, 158 1641 Annaes. oxy v0l-V. phy 113 (SS) Anaaessoven vol. ML ap, S07 (361 Annaes ue val. NOL pg 0. 7) Annaes oe, v0l V,piR. 34 182 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA dispensar o mesmo interesse € o mesmo carinho aos.alunos de credos diferen- tes. Isso. € humano, principalmente quando se trata de sentimento religioso. Vamos, pois, assistir a0 fato que o Estadd concorrera para a propagacao do ensino de uma sé religiao. Se a maioria dos alunos for catélica, o ensino do catolicismo tornar-se-4 uma coagao; se nao for catélica, ou seja, se houver alunos de todos os credos, havera confusao e balburdia nas escolas. Alem », © ensino reli colas mantidas pelo Estado viola o principio proibitivo de relacdes de alianga do Estado com qualquer culto ou igreja. () © ensino religioso nas escolas pablicas constitui uma inovacio perigosa e contraproducente dos fins que se deseja alcancar, porquanto, em se tratando de todos os credos ou religides, com esse dispositivo despertam-se compara- Bes entre credos religiosos. Dai nasem consequentes conflitos que bem poderiam ser evitadas. O Estado leigo, longe de ser um inimigo das crensas religiosas ou tilos6ti- cas, comporta, ao contrario, todas as modalidades de sentir e de pensar diver- gentes dos membros da coletividade. No regime da laicidade do Estado sao respeitadas as multiplas convicgdes @ as mais arrojadas doutrinas que serao aceitas ou nao, conforme o senso da coletividade. O direito que tem o homem de pensar em assuntos religiosos nao difere do igual direito que possam ter milhdes de seus semelhantes. Na esfera da liberdade de consciéncia espiritual, o nosso século nao permite limites nem tao pouco consente que o Estado seja fatar de divergén- cias. Somunte 0 Estado leigo pode distribuir justi¢a e garantir a evolugao do direito das instituicées pela seguranca que inspira a sociedade. () I. As principais emendas ao Anteprojeto ‘A Emenda 135 introduz a variante que 0 ensino seja ministrado pelas comunidades religiosas interessadas. Se o ensino religioso constitui matéria letiva e constante do horario, embora facultativa a sua freqiiéncia, como se resalveria o*caso havendo na mesma escola alunos afiliados a comunidades diferentes e fosse catequista o proprio professor? Criar-se-ia uma situacao difi- cilima e sobretudo incompativel com os interesses do Estado, que se veria envolvido numa questao religiosa, quando.a constituicao garante a liberdade de consciéncia e de crenga. (*) A Emenda 469 pede que 0 ensino religioso seja ministrado por pessoas estranhas ao estabelecimento, de acordo com a religiao dos pais do aluno e a 188) Anmaes 0.6, Yo XVI page. 5-88 189) Annaes, oie, v0 HK, p65, 158193 1601 Anmaes, 04,901, paR. 19 8D Anmags, 04. 601,308 BR 6 JULHO A SETEMBRO — 1974 183 requerimento destes, no Gltimo ou primeiro periodo do dia escolar. Este é a Gnico meio de se ministrar ensina religioso sem ferir a conscténcia dos alunos. Outra emenda pede a substituicao do ensino religioso pela disciplina Educagao Moral ¢ Civica. O objeto da moral € o homem e a moral é a ciéncia que ensina o homem a ser bom, honesto e exato cumpridor de suas obrigagdes. Vivendo na saciedade, o homem tem deveres individuais politicos € religiosos. Os deveres religiosos, pela sua prépria natureza, escapam a algada do Estado e 86 devem ser istrados no ambiente sereno dos templos, Os principios da Moral, por sua vez, nao constituem privilégios desta ou daquela religiao, pertencem ao patrimGnio da sociedade. O ensino do catecismo e das verdades biblicas nao devera sair do recinto dos templos. O Estado devera manter em seu seio somente o ensino leigo. (*) A Emenda 592 introduz a variante “'sem prejuizo do horério oficial” pare evitar a possibilidade de discérdias com outras disciplinas. A Emenda 1.004 pede a supressio do ensino religioso para que o Governo possa garantir ao ensino leigo completo alheamento a quaisquer influéncias religiosas, de acordo com o artigo da Constituigao que veda a Uniao e aos Esta- dos ter relacées de alianga ou dependéncia com qualquer culto ou igre}: A Emenda 1.366 sugere essa substituigho: “E reconhecida aos pais o direito de educar os filhos dentro de suas crencas religiosas ou das suas opinides filos6ficas, nos estabelecimentos ptiblicos ou particulares de instrugho.” As Emendas 1.798 e 1.879 pedem a supressao do artigo referente ao ensino religioso, em nome da laicidade do Estado. Concluindo a resenha das emendas e a crénica dos debates parlamentares sobre o ensino religioso, perfilhamos a opiniao de Morais de Andrade. Assim ele pontualiza o pensamento dos adeptos a favor das emendas religiosas: “© motivo do estabelecimento dessa disposicao sobre 0 ensino religioso facultativo nas escolas € o de evitar as interpretacdes opostas @ excessivas a que a forma da Constituicao de 91 freqiientemente dava lugar Devemos fixar a maneira realmente liberal de entender a laicida- de do Estado. Se tivéssemos a certeza de que todos os governantes interpretassem exatamente essa laicidade, nao haveria necessidade de tal disposigio. (*) Votei pelas chamadas emendas catélicas, que eu chamo, antes, mais apropriamente, emendas essencialmente brasileiras, traduzindo © sentimento cristéo do Brasil e, de maneira muito especial, do Estado que tenho a honra de representar nesta Assembléia, o Ceara. A pom. 452 (87 Artes 0.6 0A, pak 537 184 REVISTA DE INFORMACAQ LEGISLATIVA reagao que ora se faz nesta Constituico, no bom sentido brasileiro, & uma necessidade vital que diz respeito a propria existencia material e formal da Nagao.” (*) CAPITULO SEGUNDO. Conseqilénclas praticas Vimos como no Congresso Constituinte debateu-se o problema da liber- dade religiosa, do ensino religioso, receando-se uma suposta intromissao da Igreja na esfera do Estado. Houve o temor de uma luta religiosa com a introdu- ‘520 do ensino religioso nas escolas publicas. Falou-se na atuacao da Liga Caté- lica. Levantou-se a tese de que a Igreja Catélica queria restabelecer a religiao de Estado no Brasil. Como conseqiiéncias praticas aos debates parlamentares, queremos apre- sentar nesse capitulo a atitude da Igreja perante o problema do ensino re- ligioso, a atuacio da Liga Eleitoral Cat6lica e o exemplo do Estado do Rio Gran- de do Sul na situaco do problema a esse respeito. 1. A Atitude da Igreja perante o Ensino Religioso em véspera da Constituic¢do de 1934 © Diario Popular de Sao Paulo, n° 15.540, de 8 de junho de 1931, reporta um artigo sob o titulo “Religiio Oficial”, que passamos a transcrever: “© Decreto sobre o ensino religioso, (") promulgado pelo Go- verno Provisério, provocou, ao que parece, grande entusiasmo entre ‘0 catélicos praticantes. A mesa do Sr. Abgar Renault, Secretario particular do Sr. Francisco Campos, Ministro da Educagao, esta cheia de pilhas e pilhas de telegramas de felicitacées ao autor do decreto. Entretantu, se o entusiasmo € grande, ainda nao se esbocgaram de leve os meios ¢ os processos de aplicacao. O decreto sobre 0 ensina religioso foi promulgado em boa hora? Ainda é cedo para responder. Como informacao, podemos regis trar que, nos circulos militantes das organizagées catélicas, tendo a frente como inspirador e chefe D. Sebastido Leme, Cardeal do Rio de Janeiro, @ intenso o movimento no sentido de ser consagrado na futu- ra Constituinte o principio da Religiao de Estado. ‘Quvimos, hi pouco, pessoa que representa o pensamento de D. Sebastiao Leme declarar o seguinte: “o decreto sobre o ensino re- ligioso nao deve ser considerado seo como uma etapa, a primeira. © que precisamos é colocar a igreja catélica no lugar que Ihe compe- te, Na furura Consttulcao estabeleceremos a religiao de Estado, fare- mos do catolicismo religiao oficial ensinada nas escolas e proclamada 168) Anmaey, ac vol XI, pag (1) Decrelode Jade anit de 195. JULHO A SETEMBRO — 1974 185 nas repartigdes. Toleraremos os outros cultos. Mas a religiao oficial sera a catélica. O Estado nao ser& neutra. Somos a maioria e assim o queremos. Podemos impor a nossa vontade.’’() Essa versio, porém, deve ser redimensionada com a nota que o préprio Cardeal Sebastiao Leme fez publicar no jornal semanario da Liga Eleitoral Cat6- lica do Rio de Janeiro, Eis a nota de D. Sebastiao Leme: “Leio nos jornais que o St, Deputado Gwyer de Azevedo na Ca- mara cita uma nota atribufda a mim sobre o ensino reli obrigaté- tio, o restabelecimento da Religiao de Estado, religiao oficial etc. Nao existe nota alguma, nem entrevista, nem deciaragao minha apregoan- do tais reivindicacées. Tenho dito sempre que nao pleiteamos religiao Oficial, ensino religioso obrigatério etc. Se © simpatico Diério Popular de Sao Paulo divulgou coisa di- ferente, foi iludido em sua boa-fé. $6 os que nunca me ouviram, ou os que desconhecem inteiramente a minha orientagao a respeito das rei- vindicagées catélicas na futura Constituigao, poderiam acreditar na autenticidade das declaracées propaladas pelo discurso do deputado fluminense.” (°) Ao Jornal Diario da Noite, o Deputado Padre Arruda Camara fez a seguin- te declaragao: “O projeto da Constituicao brasileira atende, mais ou menos, ‘ao minimo das aspiracdes religiosas da Nacao.”” Pelo fato que Padre Arruda afirmou que ha um minimo, deve haver o mé- dio eo maximo. Disso, porém, nao se pode deduzir que seja intengao da Igre- ja implantar no Brasil uma Religiao Oficial e um Ensino Religioso obrigatério, como pensaram alguns deputados liberais ou laicistas, © Jornal, érgio da imprensa do Rio de Janeiro, publicou também um artigo sob o tituls “O Ensino Religioso nas Escolas do Estado”, relatando uma resposta do Padre Leopoldo Aires ao $r. Vivaldo Coaracy. (*) Logo depois da Revoluc3o de cutubro de 1930, reuniu-se o Congresso dos prelados catélicos, que formulou os seguintes postulados pelos quais se ba- teria a Igreja a) seja promulgada a nova constituicao em nome da maioria cat6- lica; 2 Annes, o1 vo. Vs p86 40 G1 thidem, pig 238, i “Reconhece Se. Vialdo Coaracy, evrave o Pe. Abe, aue 2 Igieia Calica se (iam om wa icventa muloria af populacies braless. Ora, se sin regio mas cola ofiias € uma atpiragso sor calsios, portanta da mene ‘a aioria dam populagdes brailcras, wea atplrag, num cepime que cansagra a vontade dat maior, chega 2.56 onstituit em dieitu, E um deta que & prego nenhum pode scr vendide, nem mesmo a custa da paz, quando ) 11H Art 181, § 2: “A obrigache militar dos eelessticos rk camprida nos services das forgas armada ou na atuatnca esaiinuat” (1@PACHECO, nen vol X, pig. 198 (5) Esa hipbrese verficou-se na Aula. Informa o prof. Zelmann Cowen, decano da Univenidade de Melbourne que 2s Testemnhas dt leaud durante 3 ili Caitera Mandal se opinerar a detessmacional. Cit FALCAQ. a. pay M, te 0 214 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Em tal caso seria absurdo admitir que 0 Estado aceltasse a escusa ou 0 cumprimento de um dever sucedaneo. Por esse motivo — conclui Pacheco —, seria bem melhor que nao as- somasse com todo a prestigio de um dispositive constitucional essa possibilida- de de uma escusa ou de uma evasao a esse dever tho fundamental, imposto a todos os brasileiros ou que simpiesmente figurasse uma autorizagac de dispensa a quem comprovasse justo motivo de escusa. 4, Assisténcia Religiosa “Sem constrangimento dos favorecidos, sera prestada por br: 129, Le Il) assisténcia religiosa as forcas armadas e, quando sol interessados ou seus representantes legais, também nos estabelecimentos de internagao coletiva.” (9) Trata-se, neste dispasitivo constitucional, nao de uma garantia de liberda- de, sim de um beneficio espiritual que sublinha a liberdade de consciéncia. Como se deve entender essa assisténcia religiosa? — pergunta Pontes de Miranda. Deve-se supor que durante o tempo do servico militar o sacerdote 0 cumpre sob a forma de assisténcia religiosa as forgas armadas? Deve-se enten- der que as forcas armadas tem capelaest O sentido deste dispositive — sesponde o citado autor — esta nesse fato: sua colocagao entre regras juridicas de Declaragao de Direitos revela seu conteddo de direito individual a assisténcia religiosa. Quer dizer: nao se pode negar ao militar, qualquer que seja a sua categoria, 0 direito a assisténcia reli- giosa desde que nao se trate de culto contra a ordem e os bons costumes. (7) A Constituicao de 1934 ja havia estabelecido assisténcia religiosa as forgas armadas ¢ estabelecimentas de internacao coletiva. Contudo, ocorrem diferencas entre aquela Constituigao e a atual, Segundo a Carta de 34 0 Estado era apenas obrigado a permitir a assistén- cia solicitada, presumivelmente pelos favorecidos, ao passo que, segunde a de 1946, o Estado tem obrigacio de promover a assisténcia. Antes em 1934, em todos os casos, a assisténcia religiosa devia ser solicitada, a0 passo que agora sera dada obrigatoriamente as forgas armadas e somente depende de solicita- a0 aquela que tiver de ser dada nos estabelecimentos de internacao coletiva. Em 1934, a assisténcia devia correr sem 6nus para os cofres puiblicos, 0 passo que agora nao est4 vedado algum custeio oficial. Em 1934, somente a assisténcia religiosa nas expedigdes militares devia ser exercida privativamente por sacerdotes brasileiros natos, ao passo que agora qualquer assisténcia devera set dada privativamente pelos que tenham adquirido originaria nacionalidade brasileira. (*) ng An tag (2| PONTESDEMIRANDA,0.<,vol-V, 1568, pg. 136. (18) FALCKO, ec, voll, pg. 103; PACHECO,o.<, val X pg 12 JULHO A SETEMBRO — 1974 215 5. Disposicdes Constitucionais de 46 similares 3 Constitui¢ao de 34 Existem finalmente outras disposicées relativas a0 exercicio da liberdade religiosa que substancialmente repetem os dizeres de 1934, dispensando qualquer comentario; remetemos 0 leitor ao que foi afirmado naquela sede. Sao as seguintes: Oart. 141, § 10, trata da secularizagao dos cemitérios e de sua administra- Gao pelas Municipalidades. Permitem-se praticar neles os ritos de todas as Confiss6es religiosas. Permite-se a existéncia de cemitérios particulares, 2 semelhanga do art. 113, § 7", da Constituicao de 34. © art. 141, § 7*, estabelece que as associacées religiosas adquirirao personalidade juridica na forma de lei civil; a Constituicao de 34 no art. 113, § 7°, uSava a expressao equivalente “nos termos da lei civil”, O art. 196 estabelece que é mantida a representacao diplomatica junto a Santa Sé, transcrevendo o art, 176 da Carta de 34. © art. 168, V — estabelece 0 ensino religioso nos moldes do art. 153 da Constituigao de 34 com leves modificagées de expressao. A Carta de 46 falaem matritula facultativa; a de 34 em freqiéncia facultativa. Com relagao ans efeitos civis do casamento religioso, o art. 163, §§ 1° € 2°, repete substancialmente o art. 146 da Constituicao de 34, desdobrando os seus preceitos nos atuais paragrafos. Duas sko as hipéteses previstas: a primeira subordina 0 processo desde © seu inicio as prescricées da lei civil. Apenas o ato sera religioso, ou seja, presidido por sacerdote ou ministro de seita religiosa. A segunda admite a existéncia de casamento religioso realizado de acordo com o rito proprio, mas sua eficacia civil dependerd de prévia habilitaco da autoridade competente, a qual autorizara 0 seu registro mediante requerimento do casal. (19) Finalmente o art. 181, § 2%, da atual Constituigao sobre 0 servico militar dos eclesiasticos repete o art. 163, § 3*, da Constituicao de 1934. Estas disposicées acima citadas correspondem portanto as emendas religiosas da Carta de 34 e sendo patriménio definitive da Constituicao brasilei- ra figuram na Constituigio de 1946. CAPITULO SEGUNDO. Aticas Conseqiléncias 1. Asreligises afro-brasileiras Na Constituinte de 46 foram apresentadas algumas emendas no sentido de eliminarem do artigo 141, § 7°, a clausula “desde que nao contravenham & (91 CAVALCANTI 0.6, vol I, pg 76 216 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Caires de Brito explica que com sua emenda quer evitar que se continuem a praticar atos de violéncia fundamental contra as religides negras. ““Conheco- as (nuito de perto — afirma o deputado —, estive em intimo contacto com elas na Bahia e presenciei também aos abusos policiais”. Conhecedor até certo ponto dos seus ritos e de sua pureza sou contra as expressdes que sugiro se retirem, porque constituem perigo para essas organizacées. Com efeito, & muito dificil julgar 6 que pode constituir contravencao a ordem piblica. Ora, pela Constituigao, no paragrafo 7*, assegurase as autoridades 0 direito de repressdo aos que abusam da livre manifestacao do pensamento. No caso da religiao — afirma o mesmo deputado — seria um absurdo deixarmos uma simpies autoridade policial julgar se tal ou qual religiao contravém a ordem publica. A nio ser nos casos de pur matéria policial, a autoridade pode, a titulo de moralidade, impedir a livre manifestagio de um culto religioso. Com relacio a religiso negra — continua Brito — conheco indmeras casos de perseguigio, de invasdo de terreiras, de espancamento e de prisdes. Nao ignoro que tanto na religiao negra como em outras ha abuso; mas o que desejava assinalar € que no obstante essas expresses eles continuarka. (*) Aliomar Baleeiro afirma que o ato referido por Caires de Brito € absoluta~ mente verdadeiro. E eu como baiano posso atesté-lo, pois conheco o assunto por experiéncia e observacao. O que porém contesto € que o remédio para 0 mal, isto €, a perseguicao 3 religiao afro-brasileira relativa aos bons costumes, esteja na emenda suprimindo a clausula acima referida. Em verdade e pratica da religiio negra na Bahia nao € contréria aos bons costumes, E fetichismo talvez, mas nao imoralidade, no dizer de Baleeiro. O mesmo acontece em muitos Estados, Entretanto € preciso coibir os abusos policiais, como os de perseguir os simples, os humildes, os pobres nos seus cultos rudimentares desde que nao sejam contrarios aos bons costumes. (?) Na votacao do paragrafo, a emenda de Caires de Brito foi rejeitada. 2. O Mandado de Seguranga nv 784 do Tribunal Federal de Recursos Pinto Falcdo em sua obra “Constituicaa Anotada” cita 0 julgado proferido por maioria pelo Tribunal Federal de Recursos em 6 de novembro de 1950, 0 qual considerou correta a recusa de rematricula a alunos da Escola Politécnica da Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro, sob alegacées de que professavam certa ideologia politica ou nao tinham fé catélica. (81 JOSE DUARTE, A Consiga Wears de 196, (urges don (nies A ue dot ‘ol: 1847, Riode Janeiz, hg 27 2) DUARTE 0.6, v0 IN. pan 2, hos da Assembla Constituinte, JULHO A SETEMBRO— 1974 217 Esteou-se 0 julgado no argumento principal de que a recusa emanava de estabelecimento privado, embora sob a fiscalizacao federal, contra o qual nao operava a regra constitucional. Seria argumentacao desse jaez — comenta o citado autor — que teria levada certos tribunais racistas estaduais norte-americanos a permitir discriminagao de cor em escolas particulares. Mas acontece que na América as escolas seriam inteiramente particulares, a0 passo que no Brasil esto sujeitas a intervencao federal. Ora, os direitos fundamentais — conclui Falcao — nos tempos que cor- rem nao tém valor apenas frente ao Estado mas também em presenca de qualquer particular ou entidade que disponha ou represente forcas soci Entende-se pois, que em relacao aquela classe de terceiros, que desenvol- vematividade social, 3 qual o Estado nao € indiferente (escola, hospital, empre- sa de transportes), as garantias individuais atuem em plena eficacia como se fosse o proprio Estado que estivesse a frente do individuo. °) 3. Acérdio do Supremo Tribunal Federal de 10 de dezembro de 1922 Pinto Falcao em sua obra citada refere que a jurisprudéncia tem restriny do a aparente ilimitada amplitude da escusa de consciéncia, exigindo que para se tornar operante a escusa de consciéncia que 0 cidadao alega, tenha bom las- tro de veracidade e seriedade. Por vezes certos individuos pedem dispensa do servigo militar alegando serem adeptos de determinada seita. © Ministério da Guerra fundado em acérdao de 30-12-1922 proferido pelo Supremo Tribunal Federal, na vigencia de dispositive correspondente da Constituigao de 1891, costuma indeferir, menos que demonstrado existir motivo sério (voto de clausura); nao basta alegar, mas sim € preciso demanstrar {nao provar) que na situacao indi ha incompatibilidade com o encargo civico. (4) 4, Mandado de Seguranga a favor da Igreja Catdlica Apostdlica Brasileira © Mandato de Seguranca n@ 1.114, de 17 de novembro de 1943, foi impetrado pelo Ex-Bispo de Maura, Dom Carlos Costa, chefe da Igreja Catéli- ca Apostélica Brasileira. Trata-se de remédio juridico impetrado por um bispo dissidente que pretendia fundar tgreja nacional. Eis os fatos narrados pelo ministro do Tribunal, Hahnemann Guimaraes: “Sr. Presidente, resume o eminente Dr. Pracurador-Geral da Republica o propésito do impetrante em insurgir-se, ele, contra o ato do Exm? Sr. Presiden- te da Republica, que aprovando parecer emitido pelo Sr. Consultor-Geral da Repiblica sobre a maneira de assegurar o livre exercicio do culto da Igreja @FALCKO, 0.6084. 9; PACHECO, onc, vol X38 140. (4) Abddem, pg 10; PACHECO, 0. vol X, pg 218 REVISTA OE INFORMAGAO LEGISLATIVA Catélica Apostélica Romana, o encaminhou ao Sr. Ministro da Justica e Nego- cios Interiores para que desse cumprimento.”” © parecer de Consultor-Geral da Repdblica nasceu de uma representa- Gao dirigida ao poder temporai per sua Eminéncia D. Jaime de Barros Camara, Arcebispo do Rio de Janeiro, representacao redigida nos seguintes termos: “Em verdade, desde o nome do adotado, Igreja Catélica Apostélica Brasileira, até 0 culto, ritos, tudo é feito com o abjetivo de mistificar e confun- dir. Assim o préprio apéstata se apresenta como “bispo de culto romano”: usam, ele e seus ministros, as mesmas vestes e insignias do clero e bispos roma Nos, praticam os mesmos atos religiosos da Igreja de Rama, como sejam: batis- mos, crismas, casamentos, procissdes, missas campais, béngaos e lancamentos de pedras fundamentais, e, em todos esses, adotam os mesmos paramentos, 0 mesmo cerimonial do nosso culto externo.”” Dai resultou a providéncia nos seguintes termos: “‘Cabe portanto a autoridade civil, no exercicio do seu poder de policia, atendendo 40 pedido que foi feito pela autoridade competente da Igreja Catélica Apostélica Romana, e assegurado-lhe o livre exercicio de seu culto, impedir 0 desrespei- to ou a perturbagio do mesmo culto, através de manifestacbes exteriores, quais procissées, missas campais, ceriménias em edificios abertos ao publica etc., quando praticadas pela Igreja Catélica Apostética Brasileira com as mes- mas vestes, enfim, o mesmo rito daquela.” (*) “Adotando a providéncia sugerida neste parecer, Sr. Presidente, parece- me que o poder civil infringiu frantalmente o principio basico de toda a poltti- ca republicana que € a liberdade de crenga, da qual decorrem, como conseqiiéncia logica e necessiria, a separacao da Igreja do Estado. Reclamada essa separacao pela liberdade de crenga, dela resultou necessariamente, a liberdade de exercicio de culto . No caso particular, trata-se de delito espiritual definido no Can. 1325, § 2, onde se define o cismatico como aquele “qui subesse renuit Romano Pontifici aut cum membris Ecclesiae ei subiectis communicare recusat”. Eo que se da no presente caso. O ex-bispo de Maura, nao quer reconhecer o primado do Pontifice Roma- no, quer constituir uma tgreja Nacional, uma tgreja Catélica Apostélica Brasileira com o mesmo culto catélico. E-Ihe licito exercer esse culto no exercicio da liberdade outorgada pela Constituigao no art. 141, § 78, liberdade cuja perturbacao €, de modo preciso, prraibida pela Constituigao no art. 31, inciso II. Trata-se pois de delito espiritual. Ora, como podemos resolver um delito e um conflite espiritual com a intervencao do poder temporal, do poder civil que est separado da igreja? (8 HAROLDO VALLAOAO, Pareceres do Consutor-Geral da Repabiic, vo. Il, abril de 1948 a outubeo de THEY, Rin, 1950, Le, pig. 216 JULHO A SETEMBRO — 1974 219 Os delitos espirituais punem-se com as sangdes espirituais; os conflitos espirituais resolvem-se dentro das préprias Igrejas; nao & licito que essas Igre- jas recorram ao prestigio do poder para resolver seus cismas e para dominar suas dissidéncias. £ este principio fundamental da politica republicana, este principio da liberdade de crenca que reclama a separacao da Igreja do Estado e que impor- ta, necessariamente, na liberdade do exercicio do culto; 6 este principio que me parece profundamente atingido pela aprovagao do parecer do eminente e meu ilustre colega de Faculdade, Prof. Haraldo Valladao. Assim sendo, Sr. Presidente, contedo o mandado.” (6) CAPITULO TERCEIRO Conseqlléncias Filoséficas 1. O desenvolvimento da Liberdade Religiosa na Carta de 46 Apos a leitura comentada da Constituigao de 1946 podemos verificar 0 progresso da liberdade religiosa relacionado com a involugao representada pela Carta de 37, paréntese improviso de ruptura no caminho dos direitos fundamentais ocorrido durante a ditadura de Getdlio Vargas. A Constituigao de 1946, que durante 20 anos de vigéncia conseguiu conquistar a simpatia nacional do povo e nao s6 dos juristas e dos seus comentadores, representa mais do que © progresso, o desenvalvimento da liberdade religiosa. Divergéncias, restricdes, incertezas desapareceram deixan- do contemplar as linhas estruturais da liberdade religiosa, cujos alicerces afun- dam nos dispositivos da 1* Carta Republicana. O equilibrio emocional, que os Constituintes de 91 nao souberam e nao puderam guardar, tomados de medo pela grandeza da tarefa que sentiam ao proclamar a reptiblica, rompendo uma série de correntes escravizadoras, resplandeceu agora na Constituigao de 46. Falamos em desenvolvimento da liberdade religiosa porque as emendas religiosas da Carta de 34 que com dificuldade entraram a fazer parte de uma Constituigao efémera na sua vigéncia trienal, tornaram-se patriménio definiti- vo da Constituicao Brasileira. A propria redagao dos dispositives constitu- cionais relacionados com a liberdade religiosa ¢ feliz, sinal de uma elaboracao tranquila e consciente, de uma realidade perfeitamente integrada. Deparamo-nos com uma simpatia franca do Estado para com a religi geral, mas especialmente com a Religi’e Catélica, a religito da maioria. Nao se trata de um teconhecimento civil especial de que fala a declaragao concitiar (1, mas de uma colaboragao cada vez mais acentuada do Estado, consciente da sua responsabilidade para com 0 problema religioso. (6 Chr PONTES DEMIRANDA, 0, 6,0. ¥, 1967, pgp TS-12. ()—Digpdate Humanae, 06 220 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Essa responsabilidade € decididamente afirmada na colaboragao que o Estado quer com a igreja quando houver o interesse do bem comum (art. 31) em isentar de impostos as obras relacionadas com o culto, na invocaco a Deus no preambulo, na inviolabilidade do direito da liberdade de consciéncla e de crenga. E claramente afirmada essa colaboragio quando se declara que € assegurado o livre exercicio dos cultos religiosos. Assegurado significa determinagio, empenho, promogae por parte do Estado em favorecer 0 livre exercicio dos cultos, Com relacao a assisténcia religiosa as forgas armadas e nos hospitais e estabelecimentos de internacao coletiva nota-se a mesma clareza de proposi- tas. Enquanto a Constituicao de 34 permite a assisténcia religiosa quando for ada ¢ limitando-a as expedigdes militares, a de 46 assegura uma assisténcia religiusa permanente as forgas armadas, nao usando o verbo “permitir” de 34, lembranga dos dificeis debates travados na Camara pelo receio de trair os postulados de 91. Pacifica € também a questao das associagdes religiosas equiparadas as demais associacées civis, “adquirindo a personalidade juridica na forma da lei comum”. A expressa referencia da Constitulgio as associagdes religiosas & supérflua, uma vez que nao existam diferencas ou restrigdes com as demais. Contudo sua inclusao na Constituicao justifica-se como a lembranga de que o direito da mao morta que escravizou as ordens religiosas durante o Império e que foi parcialmente extinto em 1891 e em 1937, deixou completamente de existir em 1946. (?) A representagao diplomatica junto a Santa Sé, que figurava como um dispositivo intimamente ligado com a questo da liberdade de consciéncia, tomau outra canceituagaa, perdeu toda aquele misticismo anticlerical que a considerava como uma invasto de poténcia estrangeira, passando a figurar entre as Disposi¢des Gerais da Constituigao. Pacifica é também a questio dos cemitérias, uma vez que a Constituigao admite cemitérios particulares e garante o livre exercicio dos cultos fanebres nas cemitérios mantidos pelas autoridades municipais. A redacao de 1934 a esse respeito foi porém mals completa e feliz, O ensino religioso, o aspecto mais delicado da liberdade de consciéncia, ocasiao de debates cerrados em 1934, reflete o aspecto positive do Estado em cumprir seus deveres com a liberdade religiosa. Devemos notar que esta franca simpatia do Estado com a religiao se refere praticamente a Igreja Catélica, contudo nao h& nenhuma restricao as demais religides e cultos e confissdes existentes no Brasil. Sempre a Constituigao em todos 0s seus artigos coerente com as principios da liberdade religiosa, frisa que todas as confissdes se podem beneficiar da colaboracao do Estado, (—PACHECO, 0,4 vol iE. 135, JULHO A SETEMBRO — 1974 221 permanencenda de pé a proibicdo 4 Unido, aos Estados e aos Municipios de estabelecer, subvencionar ou embaracar 0 exercicio dos cultos religiosos e de manter relacao de alianga ou dependéncia com qualquer culto ou igrefa. Podemos, pois, afirmar que nesta Constitui¢ao 0 aspecto positive da agao do Estado no campo da liberdade religiosa & claramente afirmado de acordo com os principios enunciados pelo Vaticano Il. A declaragao conciliar assevera que “todos, cidadao e Poderes Piiblicos, devem cooperar com o exercicio do direito da liberdade religiosa, cada qual conforme a medida de sua capacidade e de seu dever para com o bem comum.” @) Entre os deveres e as tarefas que a “Pacem in Terris” atribui aos Poderes Pablicos destaca-se a seguinte afirmagao: “Na época moderna a atuag3o do bem comum encontra o seu fundamento nos direitos e nos deveres da pessoa. Por isso as principais tarefas dos Poderes PUblicos consistem em reconhecer, respeitar, harmonizar, tutelar e promover aqueles direitos, tornando desta forma mais facil o cumprimento dos respectivos deveres.” (*) 2. Incertezas na Constituicao Poucas incertezas encontramos nesta Constitulcio que server para por em evidéncia a valor e sua amplitude no campo da fiberdade religiosa. Trata- se da escusa ou objegae de consciéncia e do casamento religioso. Constatamos que 0 art. 141, § 8%, no foi feliz em sua redagao (*) ao afirmar que ninguém sera privado de nenhum dos seus direitos por motivo de convicgdo religiosa, filos6fica ou politica, salvo quando se trata da recusa de obriga¢ao imposta em geral aos brasileiros. E uma incerteza: quais sao as imposigées gerais da lei que possam resultar ‘em conflita com as convicgées religiosas do individuo? Como concillar esse conflito com a inviolabilidade da liberdade de consciéncia e de crenga garanti- da pela Constituica0? Como poders obrigar a lei se a Constituic3o garante essa liberdade? Sobretudo como a lei poders justificar estas obrigacdes, encargos ou servi- 505, impostos aos brasileiros em geral, se estio em conflito com a liberdade de consciéncia e de crenca do Individuo? A Constituicao registra uma consideracao particular oferecendo uma solu- cao especial para o servico militar dos eclesiasticos. () Devemos reconhecer que a objecao de consciéncia é aos inicios como em todos os outros palses, mesmo naqueles em que os horrores e as experiéncias bélicas evidenciaram muitas injustigas e males. Na realidade as Constituigées 2 Digntate Humanae, 108 a) Pacenn ba Teri, 058, 12 PACHECO, oc, vol X, pig. 138 1 AIL ED 222 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA refletem o ambiente sécio-cultural e religioso que devem interpretar e realizar. Quanto ao casamento religioso persistem algumas anomalias nas duas hipéteses previstas pela Constituigao. Na primeira hipétese, ou seja, no caso do Mmatrim6nio canénico nao ins- crito e anterior ao civil, ele € considerado inexistente. Na segunda hip6tese, nao est determinada com carater obrigatério a inscrigio do casamento reli- gioso no registro civil, ato capaz de outargar-Jhe toda a eficdcia civil e garantir elementos suficientes de prova e publicidade. As anomalias consistemn no fato da possibilidade de existéncia de “bigamia seciclogica” e unides matrimoniais candnicas que no gozam de direitos civis. 0 Contudo podemos afirmar que se submetermos a Constituicto de 46 ao mesmo tratamento com que uma escola exegética protestante submeteu a Biblia, dando uma cor as diferentes correntes de pensamentos que nela se encontram, podemos reconhecer, claramente nesta Constituigdo, tracos marcantes e fundamentais que pertencem a 91, outros a 1934, nenhum a 1937 e outros préprios de 1946, resultado de um progresso e desenvolvimento da Liberdade Religiosa no Brasil. SEGAO QUINTA A Liberdade Religiosa na Quarta Republica {De 1964,...) CAPITULO PRIMEIRO Anilise Filoséfico-Juridica da Emenda Constituctonal de 1969.4 Constitulgio de 1967 1, Antecedentes Histéricos No preambulo do Ato Institucional n° 2, de 27 de outubro de 1965, encontramos as finalidades da Revulucao e as metas do Governo Revoluciona- rio, instituido corn o movimento de 31 de Margo de 1964. “A Revolucio é um movimento que veio da aspiracao do povo brasileiro para atender as duas aspiracoes mais legitimas: erradicar uma situac3o e um governg que afunda- vam o pais na corrupgio € na subversdo.” No mesmo preambulo, frisou-se que “a Revolucao se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que traduz nao o interesse ea vantade de um grupo mas o interesse e a vonta- de da Nagao. A Revolucao investe-se por isso no exercicio do Poder Cons- tituinte, legitimando-se por si mesma e edita normas juridicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior a sua vitéria, pois, gracas a acao das @CIPLENTES, cpa, 202, JULHO A SETEMBRO — 1974 223 Forgas Armadas e ao apoio inequivoco da Nagao, representa 0 povo e em seu nome exerce o Poder Constituinte, de que o povo € o Gnico titular”. (7) O Governo Revolucionario editou um novo Ato Institucional, o de namero 4, de 7 de dezembro de 1966, em gue o Congreso Nacional foi convacado para, em reuniio extraordinaria a realizar-se de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, discutir, votar e promulgar o projeto de Constitui¢ao apresentado pelo Presidente da Republica, transformando-o dentro daquele prazo na nova Carta Constitucional do Brasil. Eram trés as perspectivas que se abriam ao Governo Federal para institu- cionalizar a Revolucao através de uma nova lei fundamental: a) a outorga pura e simples de uma nova Constituicao; b) a convocagao de uma Assembléia Constituinte a ser eleita pelo povo com poderes amplos para elaboragao de uma nova Carta Politica; c) a delegacao ao Congresso da competéncia de que se julgava titular, condicionada aos limites tragados em ato emanado de seu poder constituinte. Afastada a segunda hipétese por indiscutivel preméncia do tempo, optou ‘0 Governo pelo terceiro caminho, no que procurou agir, segundo expressio de Roberto Magalhaes, com um minimo de autoritarismo exigivel nas atuais circunstancias, renunciando ao poder de outorga em favor de amplo debate parlamentar da referma constitucional. () “A Revolucao de 64 — afirma Carlos Medeiros Silva — em sua “Exposicao de Motives” — nao se fez somente para extirpar da Carta Magna preceitos que no curso do tempo se tornaram obsoletos; tinha de inovar e 0 fez, através de Atos e Emendas Constitucionais com 0 objetivo de consolidar a democracia e asistema presidencial de governo.” No Brasil, a crise constitucional comegou em 1926 coma reforma da Cons- tituigko de 1891, que nao evitou a revolucao de 1930 e o poder discricionario que se seguiu até 1934. A Constituicao de 34, elaborada por uma Assembléia Constituinte, sofreu em 1935 trés Emendas que possibilitaram o advento da ditadura que durou até 1945, A nova Constituigao de 46, também resultado dos trabalhos de um Con- Bresso com poderes constituintes, foi emendada trés vezes, em 1950, 1956 e 1961, sem afetar as suas linhas mestras. Mas a Emenda ne 4, de 1961, intitulada Ato Adicional, instituiu no Brasil, em momento de crise aguda, o sistema parlamentar de governa; a de n° 5, do mesmo ano, estabeleceu nova discriminacao de rendas, pedra fundamental do regime federativo; e a Emenda nv 6, de 1963, reestabeleceu o sistema presiden- cial de tradigio republicana. Essas trés emendas mostram que a estrutura federativa e presidencialista entraram em colapso. @) 1m) Ao intnuclona nt 2 de 27 de outubro de 165, Ct, SARASATE. 8 tug 41 12} ROBERTO MAGALHAES, A Constitlgio Federal de 1967 Comentada, Rio ce neo, 1967, vol. I ntrodugto, pag. X |B} "Exposigho de Motivor” em SARASATE, oe, igh. 7375. 224 REVISTA DE INFORMAGAQ LEGISLATIVA Finalidade pois precipua do Movimento Revolucionsrio de 31 de Marco de 1964 foi consolidar a democracia e 0 sistema presidencial de governo. 2. A Constituigdo de 1967 e a Emenda Constitucional de 69 A Constituigao de 1967 foi promulgada a 24 de janeiro pelo Congresso Nacional, investido do poder constituinte delegado, e teve sua vigéncia marca- da para 15 de marco, data da posse do novo Presidente da Republica, eleito pelo Congresso Nacional a 3 de outubro de 1966, Mal. Arthur da Costa e Silva. © primeiro governo revolucionério queria entregar o Brasil a seu sucessor, depositando-the nas mos com o poder a nova armadura legal do Pais. De dois projetos valeu-se 0 governo para a elaboracao do projeto definitivo da Constituigao remetide ao Congreso Nacional. © primeiro da autoria de uma comiss4o de juristas nomeada pelo Presidente da Repdblica, nas termos da Decreto n° 58.198, de 5 de abril de 1966; e o segundo a cargo do Ministro de Justica e Negécios Interiores, Carlos Medeiros Silva. Mil e tantas emendas foram apresentadas ao projeto, como afirmou o Senador Afonso A\ nos de Melo Franco, dando vida a um amplo debate. (‘) Foram aprovadas 254 emendas. Tendo a Revolucao de 64 irrompido ex abrupto, quase que de improviso, como repulsa do povo aos desregramentos a acao perturbadora e 4 caminhada para © desconhecido do governo deposto, ela nao foi uma revolucia de caracteristicas sociais nem constituiu um movimento de feicio politica previamente delineada. Nao possufa uma filosotia prépria, outras metas além daquelas em que se consubstanciaram suas providéncias iniciais: combate & subversao e 4 corrupcaa, reestabelecimento da hierarquia militar e da ordem civil, luta sem quartel ao proceso inflacionario. Somente mais tarde € que se sucederam medidas reformistas de outro estilo nos planos politico, social, econémico, juridico e administrative, que vie- ram refletir-se no projeto da Constituicao. (*) Liberdade com autoridade é 0 espirito da nova Constituigao, Para conciliar a liberdade e autoridade, a Constituicao abrange d pios: a) interdependéncia e coaperacao dos Poderes em vez da classica divisi0 dos Poderes de Montesquieu; b) manutengao no seu teor tradicional dos Direitos e Garantias Individuais. Quanto ao primeiro princfpio basilar, como © segundo — escreve o citado autor — , se desdobra em varios outras elementos como 0 fortalecimento do Poder Executivo, 0 controle judicial e 9 controle ou fiscalizagao do Congresso Nacional. princi A Constituigao de 67, que iniciou a vigorar com o Mal. Costa e Silva, so- freu a Emenda Constitucional n? 1, de 17 de outubro de 1969, promulgada 1) SARASATE oe, pg 64 8) thier, pag. 68 JULHO A SETEMBAO — 1974 225 pelos trés Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronautica Mil tar, que substitufram o presidente impedido de governar por motivo de saide. «) 3. Aliberdade religiosa na Constituigao vigente Analisaremos a Emenda Constitucional de 1969, nos dispositivos que di- zem respeito a liberdade religiosa, comparando-a com as Constituigdes anteriores, 1 A Separagao do Estado e da Igreja ““K Unido, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municipios ¢ vedado: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaracar-Ihes 0 exercicio ou manter com eles ou seus representantes relacoes de dependéncia ou afianga, ressalvada a colaboracao de interesse puiblico, na forma ¢ nos limi- tes da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar.”’ (cf. Const, 1967, art. 9°, 1) C) Aluz das demais Constituigées, fazemos notar o seguinte. O principio da separacad da Igreja do Estado é afirmado nos mesmos ter- mos de 91, 34, 37 e 46, com a proibicio de estabelecer, subvencionar ou embaragar os cultos religiosos e de manter com eles relagao de dependéncia ou alianga. E expresso 0 principio de colabora¢ao afirmado em 34 e em 46. As diferen- Gas sao as seguintes: © acréscimo “seus representantes”, ao principio de separagio da Igrejz do Estado, contém, a nosso ver, proibigao de reconhecer as autoridades religiosas a personaliciade juridica de Direito Publico Interno. E uma explicitagio, pois as demais constituigdes falam apenas em nao ter relagdes de dependéncia ou alianga com os cultos. £ notério que as confissdes religiosas nao possuem uma hierarquia eclesiastica como a Igreja Catélica, cujos representantes sao eleitos pelo Roma- no Pontifice. A Constituigao de 91, na emenda de 1926, afirmiava que a representagao diplomatica junto a Santa Sé nao violava o principio da separacao da Igreja do Estado, dos cuitos: todavia nao falava em representantes do culto. Implicitamente, constitui tal acréscimo uma restrigao a autoridade da Igre- ja Catdlica. Se no for uma restricao, € pelo menos uma precaugio, A atuacko. da igreja na questao social ou no problema do desenvolvimento tem sido 18 “Considerando — aflemam ct tres Mimieor Miltares no Iaido db Emenda ~ gue a Consonuigae de 24 de janeno de 1967, na vs malo paste eve ser mania. Conidersida az einandss wodieativae © sapeenivas que por exe forma, obo adolades quam aon demsis dspost- words Caratiungia, ber cama memendasad tas que nelasdo nloduridae, Consideramo que, feats 35 modiicacors mencionadas, fdas em carsicr de emenda, 2 Consuiwican paderd ser edits de de acorde com 0 f2et9 que adante se publica. Promalgar 9 teRuinte Teas 1 Conntinagie, de 24 de [ane to de 67... Emenda Consitucional nt 1, de 17 de outubro de 19, Senado Federal, iretoria de infotmagie Lee isles, rans, HPO, pig 2 Int 226 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA marcante no Brasil causando espordicas dissengdes entre o Estado e a Igreja, tensées que tiveram eco no Congresso Nacional. (*) Ora, dentro do plano geral da Constituicdo, esse inciso pode ser considerado como uma medida de fortalecimento do poder, perante a situa- ao do Pais e dos paises da América Latina que estio sofrendo problemas de Subversie e de guerra psicolégica. Doutra forma nao se explica esse acréscimo, senao tendo em conta as circunstancias peculiares do Pafs, uma vez que nenhuma constituiclo, nem a de 1891, a mais rigorosa e laicista, sentiu a necessidade de explicitar uma formula que na sua simplicidade dissesse tudo 0 que devia dizer. O principio de colaboracao consagrado pelas Constituigdes de 34 € 46 so- freu também uma restricao na clausula que aparece na Emenda de 1969 e que nao se encontra no texto de 67: “na forma e nos limites da lei federal”. Tivemnos ocasiio de afirmar que o principio de laicidade, consagrado na Constituicao, traduzia-se praticamente numa simpatia cada vez mais franca para com a Igreja Catélica. Esse inciso parece pois uma clausula restritiva comparada com a férmula usada em 34 e 46: “sem prejulzo da colaboracao reciproca em prol de interes- se coletivo”. (*) Todavia, 0 principio de colaboracio recebe uma explicitagao quando se indica a Srea e 0 campo de aco, na expressio usada pela emenda de 1969: “notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar’” Proverbiais sio a presenca da Igreja e das confissdes em geral nos trés seto- res lembrados pela Constituigao. O advérbio “notadamente” nao reduz a colaboragao a estes trés setores, indica apenas uma preferéncia, urna caracte- ristica da Igreja brasileira. Contudo, a colaboragao sera exercida dentro dos limites estabelecidos, ou seja, na forma e nos limites da lei federal. Com efeito, pelo principio de subsidiariedade, ao Estado compete assegurar a todos os cidadaos o direito 3 educacao, a saiide e a previdéncia social. IL A liberdade de consciéncia e de culto “E plena a liberdade de consciéncia e fica assegurado aos crentes 0 exercicio dos cultos religiosos que nao contrariem a ordem piiblica e os bons costumes.” (*9) £ garantida a liberdade de consciéncia. Variam os adjetivos que sto empregados nas Constituicées brasileiras quando elas se referem a liberdade de consciéncia. Esses adjetivos emprestam uma conotacao muito importante: revelam 0 espirito que anima e que dé vida ao dispositivo legal. As Constitui- (@) Anak da Cirmare dos Depulados, Brass, 1967, vol 25, pigs 691-62: vol 20, pig. HS: vol. 79, gays. 675.876; vol So pgs aBY-M08, pags. 1115-1129; vol. 31, pgs. 3385, pgs. BAEH59, pgy 1172-1122, An, Cam, Dep 0. cy 1966, vol 5, ORS. 25-307; vl. 2. gs, 905-1: vo. 8, pgs. 292-293, Cir Consteuiedo de 194, a. 17, I; Consteuieao de 146, 2.1. Mo) AM T85, 8" JULHO A SETEMBRO — 1974 227 gdes de 34@ de 46 estabelecem que a liberdade de consciéncia é inviolavel; a de 37, como a de 91, nao faz referéncia a liberdade de consciéncia; a de 67 ea de 69 afirmam que a liberdarle de consciéncia plena. Sem divida preferimas 0 adjetivo inviolavel, porque se trata de um direito que escapa ao poder do Estado, como ja afirmava Barbalho, em seu comentario de 1891. (") A Emenda Constitucional de 69 nao fala em liberdade de crenca expressa- mente, seguindo nisso o exemplo de 91 e de 37. Contudo, ha referéncias que supdem a liberdade de crenga. (”) No art. 30, paragrafo unico, a Constituigao atual estabelece que “nao sera autorizada a publicagao de pronunciamentos que envolvem ofensas as Institui- g6es Nacionais, propaganda de guerra, de subversao, de ordem politica ou so- cial, de preconceitos de raca, de religiio ou de classe ...”. Sao os ¢ do direito a liberdade de crenca, Semelhante prescricao se encontra também no § 8° do art. 153: “... Nao serao toleradas a propaganda de guerra, de subversao da ordem ou de precanceitos de religiao, de raga ou de classe e as publicacdes e exteriorizagoes contrarias a moral e aos bons constu- mes.” Esses limites, mais explicitos do que em outras constituigées, revelam a situagao contingente do Brasil e, portanto, a caracteristica da Constituicao atual que inspira todos os seus artigos, ou seja, “liberdade com autoridade”. (") Tecnicamente, é preferivel a expressao usada pelas Constituicdes de 1934 e¢ de 1946 a respeito da liberdade de consciéncia e de crenga, fruto também de uma situacao de espirito e de reacao ao laicismo de 1891 e a Ditadura de 1937. Quanto ao culto, manifestagao externa da liberdade de consciéncia, a Emenda de 69 afirma: “Fica assegurado aos crentes o exercicio dos cultos religiosos.” A de 34 “garante o livre exercicio dos cultos religiosos”” e a de 46 “assegura © livre exercicio dos cultos religiosos”, enquanto as de 91 e de 37 coincidem na férmula: “todos os individuos e confissdes religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto”. Substancialmente, o direito a liberdade de culto consagrado em todas as Constituicdes Republicanas & © mesmo; as nuancas que se notam em sua formulacao se prendem a situacio histérica e, portanto, contingente de cada Constituigio. Relacionado com a liberdade de culto esta “0 repouso semanal remunera- do e nos fesiados civis e religiosos, de acordo com a tradicao local” do art. 165, VIL, da atual Constituigao. A Constituigao de 46, no art. 157, VI, fala de “repouso semana! remunera- do preferentemente aos domingos e no limite das exigéncias técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradicao local”. A GN BARBALHO, 0-<, pig. 05 2) O art 153, § 3, de Cansituigho de 1969 rerz: "Todos serdo igvah perante 4 fi sem dinhncio de sero, aca, A batho, evedo reigiono ecomicetes politias.” 031 tends Constitucianatn' 1/6. 228 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Constituicao de 37, no art. 137, d, estabelece que “o operario tera direito ao repouso semanal aos domingos € nos limites das exigéncias técnicas da empre- sa, aos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradi¢’o local”. ‘inalmente, a Constituicio de 36 fala, no art. 121, § 1%, em “repouso hebdomadario, de preferéncia aos domingos”. Nao h& referéncias na Constituigao de 91. Houve pois progresso, uma evolucao, enquanto o homem precisa de tem- po para se dedicar aos valores espirituais. ML. A escusa de consciéncia “Por motivo de crenca religiosa ou de convic¢ao filoséfica ou politica, guém sera privado de qualquer dos seus direitos, salvo se 0 invocar para eximir-se de obrigagdo legal a todos imposta, caso em que a lei podera determinar a perda dos direitos incompativeis com a escusa de consciéncia.” oe “O Presidente da RepUblica decretara a perda dos direitos politicos pela recusa baseada em conviccao religiosa, filos6fica ou politica, a prestacao de encargo ou servico impostos aos brasileiros em geral.” (*5) Substancialmente, a Emenda Constitucional de 69 repete o mandamento de 46, com algunas variantes de notavel importancia na clausula “caso em que a lei poctera determinar a perda dos direitos incompativeis com a escusa de consciéncia”. Essa clausula tira a incerteza que reinava a respeito da escusa de conscién- cia como era formulada na Carta de 46. Admite-se, pois, plenamente a escusa de consciéncia, determinando a perda dos direitos que sao incompativeis com a mesma. A escusa de consciéncia € um fato moral ligado ao ambiente soci cultural ¢, por isso, sua adverténcia varia de povo para pavo. Contudo, o direi to da escusa de consciéncia € sancionado claramente na Emenda Constitucio- nal de 1969. Quanto ao dispositivo conferido ao Presidente da Reptblica pelo art. 149, § 1°, b, de decretar a perda dos direitos politicos, justifica-se pelo carater geral da Constituigso tendente a fortalecer o Poder Executive. Contudo, € “/assegu- rada ao paciente ampla defesa (art. 149)”. A letra b do citado paragrafo considera incompativeis com a escusa de consciéncia a recusa de prestacao de encargo ou servico impostos aos brasileiros em geral, IV. A Assisténcla Religiosa “Sem carater de obrigatoriedade, sera prestada por brasileiros, nos termos da lei, assisténcia religiosa as forcas armadas e auxiliares, e nos estabelecimen- Ga Ant, yo 15) At 18 JULHO A SETEMBRO — 1974 229 tos de internacao coletiva, aos interessados que a solicitarem direta ou indiretamente por intermédio de seus representantes legais.” (*") Por sua colocacao entre regras juridicas de Declaragao de Direitos, 0 § 7° do citado artigo revela o conteddo de direito individual a assisténcia religiosa. Vale dizer: nao se pode negar ao militar, qualquer que seja a sua categoria, o direito a assisténcia religiosa, desde que nao se trate de culto contra a ordem publica e os bons castumes. Portanto, é permitida e assegurada a penetracao de sacerdotes que sejam brasileiros, nas Forgas Armadas, sem distingao entre as religibes. O mesmo se diz a respeito de hospitais, penitenciarias e outros estabelecimentos oficiais. (") A assistncia religiosa sera prestada “nos termos da lei” para garantir o esptrito da Constituigao: liberdade com autoridade. Essa clausula nao figura nas Constituicdes anteriores, no art. 141, § 9, da Carta de 46 e no art. 113, § 6%, da Constituigao de 1934, © dispositive da Assisténcia Religiosa as Forcas Armadas nao figurava no projeto da Constituigao. Talvez fora retirado por se julgar de fei ordinaria prover as capelanias militares. () Foi incluido gracas a Emenda n° 111, dé Arruda Camara. (°°) ¥. OCasamento “AK familia € constituida pelo casamento e tera direito A protegao dos Poderes Pablicos.” § 1: O casamento é indissoltivel.” Nelson Carneiro apresentou emenda visando retirar do texto constitucio- nal a palavra indissolivel. “Todos — afirma o referido Senador — sustentam que a indissolubilidade nao é matéria constitucional. Se nao é matéria constitu- cional, vamos deixé-la para a legislaco ordinaria, como se fez na Constituicao de 1891." 7) Nisto nao concorda Arruda Cémara, afirmando ter reunido o elenco de 32 Constituigées que consagram a indissolubilidade. Esse elenco encontra-se no livro de sua autoria “A Batalha do Divércio”. Ao longo do debate que se tra- vou no Congresso, Nelson Carneiro apresentou também a Emenda n? 131-14, relacionando © problema da indissolubilidade com a liberdade religiosa. Assim diz 0 § 4° da emenda acima referida: ““o casamento regulado nos para- grafos 2° e 3° (trata-se do casamento religioso} nao poder’ ser dissolvido se 0 celebrante for de religiao que preconiza a indissolubilidade. O autor dessa emenda assim a justifica: “Como somos 95% de catélicos, temos o dever de respeitar o direito da minoria. Oswaldo Lima Filho concorda com Carneiro, acrescentando que “considera tal distingao necessaria, porque por motivo de {8 n30 podemos compelir um judeu que se fundamenta na lei judaica que 8) An 199,67° (71 PONTESDE MIRANDA, o.¢,vol-§, 971, pigs. 45-145, 08) Compal do Meal, Anal +0 1 rela, 1969, pig. 46 (98) Anale ds Consthulcto de 186, vol 8, Tome! (Tramiiagao ne Congress), Baal, 1968, gs. 172175. eg AetsE1 1) Anal-da Comallto de 1967, vl. 1V.0.6, pig. 34 230 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA permite o divércio a admitir a indissolubilidade que o obrigara a uma situagio injusta e imoral até”. (”) Pontes de Miranda por sua vez escreve: S6 hi uma explicagio que satisfa- ga a indissolubilidade: a de que a lei do casamento, por influéncia da religiio, conserva o carter de sacramento. Assim, ao lado ou por sobre o contrate que nao implica a dissolubilidade nem tao pouco a indissolubilidade, est o sacra- mento que estabelece ser indissoldvel 0 vinculo. Nao existe principio algum, a priorl ou de direito natural — continua Pontes de Miranda — , que possa expli- car a indissolubilidade. $6 mesmo razdo especialfssima de ordem religiosa poderia estatuf-la, Solucdo politica que ofereca maior estabilidade e considere a religiao um dos processos sociais sem a relegar a categoria de negécio priva- do, seria a de deixarem-se as regras juridicas relativas a impedimentos, celebra- Gao e relagdes pessoais dos cOnjuges no tacante ao vinculo, ao direito confes- sional segundo a religiio dos nubentes; ou as regras do direito interconfessio- nal 0 ordenamento de tais matérias. Quando os nubentes nao tivessem religiio ou preferissem nao se submeter a clas, permite-se-lhes seguir o Cédi- g0 Civil com ou sem indissolubilidade.” Tal atitude é a que nos parece mais cordata e até certo ponto teve a prova experimental da legislagao austriaca, onde o problema matrimonial entre catolicismo e protestantismo assumiu carater delicado. (*) “Forma de negacio de liberdade — escreve Odilon C. de Andrade — Indissolubllidade do matrimonio s6 se explica nas legislacdes onde se conser- va, por influéncia da Igreja, violando entao © principio da separaggo com a prépria liberdade de consciéncia.” (#) O Deputado Britto Velho, no debate que se travou na Camara, assim se exprimiu: “A questao esta mal posta. Nao é por ser catélico que sou antidivor- cista, Ha uma série de razdes de ordem social, de ordem politica e juridica que me levam a convicgao da inconveniéncia do divércio. Logo, nao pode e nem deve ser feita a distingao em termos de religiio. Nao declaro que deve ser indissolavel o casamento religioso, o que afirmo e defendo € a indissolubilida- de do casamento civil.” (*} “£ to inconciliével a sociedade humana sem a existéncia da familia — afirma Hahnemann Guimaraes — quanto a estabilidade social sem 0 ‘casamen- to, de onde resulta o aperfeicoamento da moralidade humana.” (#6) Quanto ao casamento religioso, o projeto* fol omisso. Arruda Camara pleiteou a inclusto do reconhecimento do casamento religioso. A Constit G40 nao poderia estabelecer de forma alguma que todas os casamentos re sos fossem indissolaveis. Sabemos que ha religidés ou ‘seitas que aceitam a dissolubilidade do vinculo matrimonial. — ainda mals, a Constituicao nao poderla determinar que um ato que nio é oficial, que no é realizado pelo Qi) Analeda Consul de 197-0. v0l 4, 6.315 1) PONTES DEMMRANDA 0. vol 6,16, gs 2083. (24) ODILONC. ANORADE.em tea Forene, vol. 1, pis. 15.521 5) Anais da Consthuighe de 1967 0.6. 398, (5) HAHNEMANN GLIMARATS, em Revbda Foren, vol, 123, igs. 251-255. Ch. SARASATE 06, pig. 52

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