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Nº 1.0000.21.

005476-3/001
<CABBCAADDAABCCBCABBCBADCAAACBDBDCAAAADDADAAAD>
<ACBBCBCAADAADDAAADDAABCADACCBBDAACB>
2021000042678

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV 5ª CÂMARA CÍVEL


Nº 1.0000.21.005476-3/001 BELO HORIZONTE
AGRAVANTE(S) CONTROLADOR-GERAL DO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
AGRAVANTE(S) MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
AGRAVANTE(S) PROCURADOR-GERAL DA CÂMARA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE
AGRAVADO(A)(S) BRUNO DE CASTRO ENGLER
FLORENCIO DE ALMEIDA

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO


DE BELO HORIZONTE em face da decisão à Ordem 12 (JPe-Themis)
que, nos autos da ação popular ajuizada por BRUNO DE CASTRO
ENGLER FLORENCIO DE ALMEIDA, deferiu a tutela de urgência para
determinar a suspensão dos efeitos do art. 1º do Decreto Municipal n.
17.523/2021 a partir do dia 29 de janeiro de 2021.
Em suas razões (Ordem 1), o agravante sustenta que: a) o
Decreto n.17.523/2021 foi expedido com a finalidade de combater o
avanço da pandemia pela COVID-19 no Município de Belo Horizonte,
diante da alta taxa de transmissibilidade do vírus entre a população e a
elevada taxa de ocupação dos leitos de UTI; b) o Decreto tem a
finalidade de reduzir a circulação de pessoas, promovendo o
isolamento social, sendo a medida necessária por ainda não haverem
fármacos adequados para o tratamento da doença e por ainda
estarmos na fase inicial da vacinação; c) consoante se observa do
texto legal, as atividades consideradas essenciais para a população
têm permissão para funcionar, incidindo a suspensão apenas sobre as
atividades não essenciais e apenas até que a transmissão da doença
esteja sob controle, com consequente redução da taxa de ocupação de
leitos de UTI; d) a ação popular pode ser manejada apenas para a
suspensão de ato lesivo ao patrimônio público, o que, na ótica do
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magistrado, consubstancia-se na queda da arrecadação tributária
municipal provocada pelo fechamento do comércio; e) não há falar em
violação ao princípio da isonomia, porquanto o critério para definir
quais estabelecimentos podem funcionar é a essencialidade para a
população; f) “a decisão, embora tenha sido proferida em regime de
urgência, o que é próprio de provimentos judiciais liminares, em clara
contradição, estabeleceu que os efeitos da abertura do comércio por
ela promovida somente se dariam a partir do primeiro minuta do dia 29
de janeiro de 2021, diante do pico da pandemia da COVID-19”. Fica
aberta então a questão: e se o pico da pandemia não for debelado até
o dia 29.01.2021?”; g) na ótica do magistrado, o prazo estabelecido
para que a decisão produza efeitos deveria ser utilizado para que os
vereadores produzissem uma lei substitutiva do decreto suspenso,
contudo, não é possível compelir os parlamentares a legislar; h) o
magistrado não pode obrigar a Câmara dos Vereadores a compor o
polo ativo da demanda; i) diante da situação de emergência de saúde
pública é imperativo que sejam adotadas políticas públicas orientadas
por evidências científicas e pelas principais autoridades sanitárias do
mundo, com destaque para a OMS; j) a OMS tem recomendado o
distanciamento social como a medida mais adequada e eficiente de
contenção da COVID-19, sobretudo no estágio de transmissão
comunitária; k) as medidas de distanciamento social possuem base
científica sólida e têm o condão de impedir que o sistema de saúde
entre em colapso em razão de um aumento repentino e exponencial do
número de atendimentos de emergência; l) o Comitê de Enfrentamento
da Epidemia de COVID-19, instituído pelo Decreto n. 17.298/2020, é
composto por profissionais extremamente respeitados no meio médico
e da saúde pública, sendo encarregado por avaliar e planejar as ações
a serem executadas pelo poder público para conter a doença; m) o
Decreto municipal seguiu as diretrizes técnicas estabelecidas pelo
Comitê de Enfrentamento à Epidemia e está amparado em uma base

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científica sólida; o) o art. 3º do Decreto prevê que a reabertura será
implementada de forma gradual, com a setorização das atividades e
serviços em fases distintas, de modo a reduzir o risco sanitário e o
potencial de aglomeração, não sendo recomendado que se proceda a
uma abertura abrupta, como determinado pelo magistrado de origem;
p) o monitoramento da evolução da pandemia em Belo Horizonte toma
por base três indicadores essenciais: o nível de transmissão por
infectado (Rt), o índice de ocupação de leitos de UTI COVID-19 e o
índice de ocupação de leitos de enfermaria, sendo que a necessidade
de permanência ou progressão de fases na reabertura decorre dos
parâmetros científicos e da análise estatística desses dados; q) as
decisões tomadas pela Administração têm amparo no Comitê Técnico-
Científico e nas análises dos índices de transmissão e de ocupação de
leitos, além de encontrarem respaldo científico em estudos de
epidemiologistas e infectologistas de todo o mundo; r) não há falar em
violação ao princípio da legalidade, sendo certo que o STF já decidiu
que as autoridades municipais podem estabelecer restrição de
atividades com fulcro em sua competência de garantir a saúde pública;
s) embora haja grande preocupação com a economia e com a
preservação dos empregos, no presente cenário de saúde pública, o
direito à vida deve se sobrepor a qualquer outro; t) o Poder Judiciário
não pode se imiscuir em políticas públicas para reformar medidas que
foram adotadas pelo Poder Executivo com amparo técnico e científico;
u) a jurisprudência do TJMG se consolidou no sentido de privilegiar a
avaliação das autoridades locais, reafirmando a impossibilidade de o
Judiciário substituir o administrador na formulação de políticas
públicas.
Pugna pela pelo deferimento da tutela liminar recursal, para
suspender a decisão agravada.
Ausente o preparo, por prerrogativa do ente público (CPC, art.
1.007, § 1º, do CPC).

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DECIDO.
Estabelece o artigo 1.019, inciso I, c./c. artigo 300 do Código de
Processo Civil que o relator poderá, a requerimento do agravante,
atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de
tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, nos casos em que
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo
de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
O recorrente postula liminarmente a suspensão da decisão que,
em sede de ação popular, deferiu a tutela de urgência com vistas a
suspender os efeitos do art. 1º do Decreto Municipal n. 17.523/2021 a
partir do dia 29 de janeiro de 2021, autorizando, assim, a reabertura do
comércio não essencial.
Data maxima venia ao entendimento do MM. Juiz a quo, não
vislumbro qualquer ilegalidade perpetrada pela Administração
Municipal a ensejar a concessão liminar, sobretudo no âmbito de ação
popular.
Cediço que a saúde é direito fundamental, garantido pelo art.
196 da Constituição da República, e dos bens jurídicos mais
importantes protegidos pelo ordenamento vigente, porquanto, num
Estado Democrático de Direito, não há interesse maior do que a vida
de seus cidadãos.
E, no atual momento, em que a população mundial é assolada
pela pandemia causada pela Covid-19, a proteção ao direito à saúde
tornou-se mais evidente.
Lado outro, o sistema federativo adotado na Constituição da
República de 1988 pressupõe a existência de repartição de
competências legislativas, administrativas e tributárias, como forma de
materialização da autonomia dos entes federados.
Versando o tema de enfrentamento à Covid-19, convém
recordar que a saúde e a assistência pública são tratadas no inciso II

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do art. 23 da Carta Maior como competência administrativa comum
entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Já o artigo 24, XII, do Texto Constitucional prevê a competência
concorrente entre a União e os Estados, além do Distrito Federal,
para legislar sobre proteção e defesa da saúde, sem prejuízo da
competência municipal, prevista no art. 30, incisos I e II, para
suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, havendo
interesse local.
Além disso, o art. 198, incisos I e II, da mesma Lei Magna reza
que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com a diretriz de descentralização, com direção
única em cada esfera de governo, inclusive com prioridade para as
atividades preventivas.
Visando ao estabelecimento de medidas para enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
do novo coronavírus, responsável pelo surto pandêmico, foi editada a
Lei federal 13.979/2020, segundo a qual, no que pertine:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional de que trata esta
Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de
suas competências, entre outras, as seguintes
medidas:
I - isolamento;
II - quarentena;
(...)
§ 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser
adotadas:
I – pelo Ministério da Saúde, exceto a constante do
inciso VIII do caput deste artigo;
II – pelos gestores locais de saúde, desde que
autorizados pelo Ministério da Saúde, nas hipóteses
dos incisos I, II, III-A, V e VI do caput deste artigo;
III - pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses
dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo.
IV – pela Anvisa, na hipótese do inciso VIII
do caput deste artigo.
(...)
§ 7º-C Os serviços públicos e atividades
essenciais, cujo funcionamento deverá ser
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resguardado quando adotadas as medidas
previstas neste artigo, incluem os relacionados ao
atendimento a mulheres em situação de violência
doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de
7 de agosto de 2006, a crianças, a adolescentes, a
pessoas idosas e a pessoas com deficiência vítimas
de crimes tipificados na Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto
do Idoso), na Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e
no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal).
(...)
§ 9º A adoção das medidas previstas neste artigo
deverá resguardar o abastecimento de produtos e
o exercício e o funcionamento de serviços
públicos e de atividades essenciais, assim
definidos em decreto da respectiva autoridade
federativa. (...). (Destaques e grifos meus).

O Presidente da República regulamentou os serviços públicos e


as atividades essenciais no Decreto 10.282/2020, o qual foi modificado
por outros éditos subsequentes (10.292, 10.329, 10.342 e 10.344).
Vejamos aquilo que interessa para o presente feito:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de
2020, deverão resguardar o exercício e o
funcionamento dos serviços públicos e atividades
essenciais a que se refere o § 1º.
§1º São serviços públicos e atividades essenciais
aqueles indispensáveis ao atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade, assim
considerados aqueles que, se não atendidos,
colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a
segurança da população, tais como:
(...)
XLIV - atividades de comércio de bens e serviços,
incluídas aquelas de alimentação, repouso, limpeza,
higiene, comercialização, manutenção e assistência
técnica automotivas, de conveniência e congêneres,
destinadas a assegurar o transporte e as atividades
logísticas de todos os tipos de carga e de pessoas em
rodovias e estradas; (...). (Destaques meus).

No Estado de Minas Gerais, foi editado o Decreto n.


47.891/2020 reconhecendo o estado de calamidade pública decorrente
da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19). Além disso, por

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meio do Decreto 47.886/2020, foi instituído o Comitê Gestor do Plano
de Prevenção e Contingenciamento em Saúde do Covid-19 – Comitê
Extraordinário Covid-19, de caráter deliberativo, e com competência
extraordinária para acompanhar a evolução do quadro epidemiológico
do novo coronavírus, além de adotar e fixar medidas de saúde pública
necessárias para a prevenção e controle do contágio e o tratamento
das pessoas afetadas.
Convém aqui mencionar a Deliberação n. 17/2020 desse Comitê
Extraordinário (que dispõe sobre medidas emergenciais de restrição e
acessibilidade a determinados serviços e bens públicos e privados
cotidianos, enquanto durar o estado de calamidade pública em
decorrência da pandemia coronavírus – Covid-19, em todo o território
do Estado).
Extrai-se do referido ato normativo:
Art. 6º – Os Municípios, no âmbito de suas
competências, devem suspender serviços,
atividades ou empreendimentos, públicos ou privados,
com circulação ou potencial aglomeração de
pessoas, em especial: (...)

Art. 8º – Os Municípios devem assegurar que os


serviços e atividades abaixo listados e seus
respectivos sistemas logísticos de operação e cadeia
de abastecimento sejam mantidos em funcionamento:
I – indústria de fármacos, farmácias e drogarias;
II – fabricação, montagem e distribuição de materiais
clínicos e hospitalares;
III – hipermercados, supermercados, mercados,
açougues, peixarias, hortifrutigranjeiros, padarias,
quitandas, centros de abastecimento de alimentos,
lojas de conveniência, de água mineral e de alimentos
para animais;
IV – produção, distribuição e comercialização de
combustíveis e derivados;
V – distribuidoras de gás;
VI – oficinas mecânicas e borracharias;
VII – restaurantes em pontos ou postos de paradas
nas rodovias;
VIII – agências bancárias e similares;
IX – cadeia industrial de alimentos;
X – atividades agrossilvipastoris e agroindustriais;

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XI – serviços relacionados à tecnologia da informação
e de processamento de dados, tais como gestão,
desenvolvimento, suporte e manutenção de hardware,
software, hospedagem e conectividade;
XII – construção civil;
XIII – setores industriais.
Parágrafo único – Os estabelecimentos referidos no
caput deverão adotar as seguintes medidas:
I – intensificação das ações de limpeza;
II – disponibilização de produtos de assepsia aos
clientes;
III – manutenção de distanciamento entre os
consumidores e controle para evitar a aglomeração de
pessoas;
IV – divulgação das medidas de prevenção e
enfrentamento da pandemia Coronavírus COVID19.
(Destaques meus).

Embora no julgamento da Reclamação n. 42.591/MG o Ministro


Alexandre de Moraes tenha cassado a decisão liminar proferida pelo
Órgão Especial deste TJMG na ADC 1.0000.20.459246-3/000, que
impunha observância obrigatória pelos municípios da Deliberação
17/2020 e da Lei estadual 13.317/1999, certo é que referidos atos
normativos estaduais – em especial aquele emanado pelo órgão
colegiado – servem de diretriz para que os municípios possam
adotar as medidas próprias de acordo com suas especificidades.
Em sua recente decisão, a Corte Suprema acabou, portanto, por
referendar a competência própria dos municípios do Estado de
Minas Gerais para disporem, mediante decreto, sobre o
funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais
durante o período de enfrentamento da pandemia.
Nesse passo, o Prefeito do Município de Belo Horizonte editou
em 08.01.2021, o Decreto 17.523, suspendendo por tempo
indeterminado as atividades previstas no anexo II do Decreto n.
17.361/2020. O anexo II do referido decreto listava atividades não
essenciais que, por meio daquele ato normativo, foram autorizadas a
funcionar.

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Dessa forma, por meio do Decreto 17.523/2021, foram
suspensas as atividades consideradas não essenciais, tais como o
comércio varejista e atacadista, salões de beleza, clubes e academias,
museus, cinemas, teatros e outros.
Da leitura da exordial da ação popular, observa-se que o
recorrido busca a suspensão do ato ao argumento de violação à
moralidade administrativa, haja vista que a decisão do
administrador municipal violou os princípios da isonomia, da livre
iniciativa e da valorização do trabalho.
O magistrado, por sua vez, amparado na tese de violação dos
referidos princípios, considerou presentes os requisitos autorizadores
para a admissão da ação popular e da concessão da liminar,
reconhecendo a existência de ato lesivo ao interesse público, ao
fundamento de que o fechamento do comércio implica drástica queda
na arrecadação tributária e consequente prejuízo aos cofres públicos.
Com a devida vênia, olvidaram-se, o magistrado e o requerente,
que na ponderação dos princípios constitucionais, o direito à vida,
invariavelmente, tem protagonismo e, em colisão com a livre iniciativa e
a valorização ao trabalho, deve se sobrepor.
Não obstante compreenda a necessidade premente da
retomada econômica e da preservação dos empregos ligados ao
comércio não essencial, é certo que, diante da situação de crise de
saúde pública sem precedentes, a adoção de medidas sanitárias
restritivas, ainda que austeras, mostra-se fundamental para a
preservação da vida.
Conquanto entenda-se que as medidas restritivas ocorram em
sacrifício temporário de alguns setores da economia, mitigando o
princípio constitucional da livre iniciativa, é imperativo ressaltar que
referido postulado não tem caráter absoluto, devendo ser sopesado,
em caso de colisão, com outros postulados caros à ordem

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constitucional. E, como já exposto, no atual cenário, privilegia-se o
direito à vida.
Nesse diapasão, não é possível, sob o fundamento de
preservação econômica e da livre iniciativa, suspender medidas
sanitárias adotadas pelo administrador com o intuito exclusivo de
preservar a saúde pública.
Com efeito, a deliberação do administrador é amparada em
constantes estudos e no acompanhamento diário da taxa de
ocupação de leitos de UTI, um dos principais indicadores usados
para monitorar o avanço da Covid-19 nesta Capital. Outrossim,
também se baseia em outros dois indicadores, internações nas
enfermarias e taxa de transmissão do vírus, os quais também
estão em alerta.
Destarte, a premência da ordem judicial existe, neste momento,
em favor do agravante, dado que, conforme o Boletim Observatório
Covid-19 da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) divulgado no dia
12.01.2021, em Minas Gerais, assim como na maioria dos estados
brasileiros, houve aumento significativo no número de casos e de
óbitos por Covid-19 (disponível em:
<https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_
covid_edicao_especial_2021.pdf >).
Destaca-se que, malgrado o magistrado tenha determinado a
suspensão do Decreto a partir da primeira hora do dia 29.01, não há
qualquer evidência científica que aponte para a redução das taxas
mencionadas, não sendo possível prever a evolução da epidemia no
futuro próximo. Não há, nos autos, qualquer dado técnico que sugira a
possibilidade de alteração no quadro que motivou a adoção das
medidas restritivas, não sendo possível ao magistrado, de forma
consciente e informada, fixar uma data para o levantamento das
restrições.

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Noutro turno, o Juízo a quo entendeu pela ilegalidade da ordem
de fechamento do comércio, ao fundamento de que não fora imposta
por lei em sentido estrito, argumentando que o Prefeito pretende
“legislar por decreto, ao invés de enviar projetos de lei à Câmara de
vereadores”.
Contudo, conforme decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, seja na ADI 6.341, seja ADPF 672, seja na recente Rcl
42.591, as regras de repartição de competências administrativas e
legislativas deverão ser respeitadas na interpretação e na aplicação
da Lei 13.979/2020, do Decreto presidencial 10.282/2020 e, também,
da própria Deliberação n. 17/2020 do Comitê Extraordinário Covid-19,
observando-se a competência concorrente entre os entes federados.
Portanto, os prefeitos municipais continuam tendo ampla
autonomia para definirem, inclusive por meio de decretos, quais
atividades podem ter o funcionamento restabelecido em seu território,
não havendo, assim, necessidade de lei em sentido estrito para cada
medida emergencial a ser implantada.
Nessa mesma senda, tem-se a recente decisão proferida na
Medida Cautelar na Suspensão de Segurança n. 5.451/SP, envolvendo
ato normativo idêntico do Estado de São Paulo, na qual o Presidente
do Pretório Excelso, Ministro Luiz Fux, ressaltou o entendimento da
Corte Máxima:
Com efeito, na presente situação de pandemia da
COVID-19, especialmente na tentativa de equacionar
os inevitáveis conflitos federativos, sociais e
econômicos existentes, a gravidade da situação
vivenciada exige a tomada de medidas coordenadas
e voltadas ao bem comum, sempre respeitadas a
competência constitucional e a autonomia de cada
ente da Federação. Esse entendimento foi explicitado
pelo Plenário desta Suprema Corte no referendo da
medida cautelar proferida na ADI 6.341, ao se
consignar que os entes federativos possuem
competência administrativa comum e legislativa
concorrente para dispor sobre o funcionamento de
serviços públicos e outras atividades econômicas no
âmbito de suas atribuições, nos termos do art. 198, I,

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da Constituição Federal. Sobre o tema, também deve
ser destacada o que assentado na ADPF 672, rel.
Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgada em
13/10/2020, em cuja ementa se assentou que “Em
relação à saúde e assistência pública, a Constituição
Federal consagra a existência de competência
administrativa comum entre União, Estados, Distrito
Federal e Municípios (art. 23, II e IX, da CF), bem
como prevê competência concorrente entre União e
Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e
defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo aos
Municípios suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber, desde que haja interesse
local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a
descentralização político-administrativa do Sistema de
Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), com
a consequente descentralização da execução de
serviços, inclusive no que diz respeito às atividades
de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da
Lei 8.080/1990)”.
Deveras, o Supremo Tribunal Federal tem seguido
essa compreensão, forte no entendimento de que a
competência da União para legislar sobre assuntos de
interesse geral não afasta a incidência das normas
estaduais e municipais expedidas com base na
competência legislativa concorrente, devendo
prevalecer aquelas de âmbito regional, quando o
interesse sob questão for predominantemente de
cunho local. Trata-se da jurisprudência já
sedimentada neste Tribunal, no sentido de que, em
matéria de competência federativa concorrente, deve-
se respeitar a denominada predominância de
interesse.
(...)
Assim, tratando-se de ato normativo expedido no
exercício de competência legítima do Estado-membro,
conforme já reconhecido pelo Plenário desta Corte, e
inexistindo desproporcionalidade ou irrazoabilidade
em seu conteúdo, impõe-se seja privilegiada a
iniciativa local nesse juízo liminar. Inegável, destarte,
que a decisão atacada representa potencial risco de
violação à ordem público-administrativa, no âmbito do
requerente, bem como à saúde pública, dada a real
possibilidade que venha a desestruturar as medidas
por ele adotadas como forma de fazer frente a essa
epidemia, em seu território. (Julgado em 17.12.2020).

Diante disso, ainda que houvesse algum conflito sobre medidas


restritivas no decorrer da presente pandemia – o que, frisa-se
novamente, não há no caso em apreço –, deveria prevalecer a

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decisão do Prefeito Municipal de Belo Horizonte, no trato de seu
interesse local, em razão da competência concorrente.
A propósito, cita-se esclarecedora passagem da decisão
monocrática proferida pelo Relator, Min. Alexandre de Moraes, ao
conceder parcialmente medida cautelar na ADPF 672:
Dessa maneira, não compete ao Poder Executivo
federal afastar, unilateralmente, as decisões dos
governos estaduais, distrital e municipais que, no
exercício de suas competências constitucionais,
adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus
respectivos territórios, importantes medidas
restritivas como a imposição de distanciamento/
isolamento social, quarentena, suspensão de
atividades de ensino, restrições de comércio,
atividades culturais e à circulação de pessoas,
entre outros mecanismos reconhecidamente
eficazes para a redução do número de infectados
e de óbitos, como demonstram a recomendação da
OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários
estudos técnicos científicos, como por exemplo, os
estudos realizados pelo Imperial College of London, a
partir de modelos matemáticos (The Global Impact of
COVID-19 and Strategies for Mitigation and
Suppression, vários autores; Impact of non-
pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce
COVID19 mortality and healthcare demand, vários
autores). (Destaques meus).

Neste momento, considerando a legislação supramencionada e


os elementos coligidos aos autos, vislumbra-se que o Município de
Belo Horizonte, dentro dos limites previstos no ordenamento jurídico,
está adotando as medidas que julga cabíveis e necessárias à
prevenção e à contenção da pandemia em seu território.
E não cabe ao Poder Judiciário substituir o juízo
discricionário do Executivo em relação às medidas
administrativas relacionadas à Covid-19, o que, aliás, vai ao
encontro do art. 22 da Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro, inserido pela recente Lei n. 13.665/2018:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão
pública, serão considerados os obstáculos e as
dificuldades reais do gestor e as exigências das

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políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos
direitos dos administrados. (...).

Nesse diapasão, impõe-se ainda mencionar outro excerto da


decisão proferida no julgamento da medida cautelar requerida na
ADPF 672:
Não compete ao Poder Judiciário substituir o juízo de
conveniência e oportunidade realizado pelo
Presidente da República no exercício de suas
competências constitucionais, porém é seu dever
constitucional exercer o juízo de verificação da
exatidão do exercício dessa discricionariedade
executiva perante a constitucionalidade das medidas
tomadas, verificando a realidade dos fatos e também
a coerência lógica da decisão com as situações
concretas. Se ausente a coerência, as medidas
estarão viciadas por infringência ao ordenamento
jurídico constitucional e, mais especificamente, ao
princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes
públicos que impede o extravasamento dos limites
razoáveis da discricionariedade, evitando que se
converta em causa de decisões desprovidas de
justificação fática e, consequentemente, arbitrárias.

Observa-se que, conquanto na hipótese citada a intervenção


judicial fora pleiteada em face do Chefe do Executivo Federal, a
mesma razão de decidir se aplica nos âmbitos estadual e municipal.
Noutro giro, deve ser rechaçada a alegação de violação ao
princípio da isonomia em razão da autorização para funcionamento de
determinados estabelecimentos.
Conforme já esclarecido pelo Município de Belo Horizonte, o
critério para a manutenção de funcionamento de alguns
estabelecimentos observou a essencialidade do serviço para a
população. Por óbvio, atividades relacionadas ao comércio de artigos
farmacêuticos, hortifrutigranjeiros, supermercados, açougues, postos
de gasolina são essenciais, não sendo possível sequer cogitar na
paralisação destes setores.

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Nesse diapasão, por estarem em situação de desigualdade em
relação aos serviços não essenciais, é possível que se estabeleça um
tratamento diverso.
Dessa maneira, neste juízo de cognição inicial, não vislumbro a
verossimilhança das alegações do autor, sobretudo por entender
que as medidas tomadas pelo Poder Executivo Municipal não
extrapolam sua autonomia e competência ao determinar a
manutenção do fechamento da atividade comercial mediante o
Decreto 17.523/2021, não se vislumbrando, no ato objurgado,
qualquer ilegalidade.
Lado outro, o periculum in mora é manifestamente inverso,
na presente espécie, na medida em que a aglomeração e a
redução do isolamento social provocado pela reabertura do
comércio poderia causar um aumento ainda maior dos casos de
COVID no Município, que vive, atualmente, a pior fase da
pandemia.
Por todo o exposto, RECEBO O RECURSO NO DUPLO
EFEITO, suspendendo a decisão agravada.
Comunique-se, com urgência, ao MM. Juízo a quo.
Intime-se o agravado para apresentar resposta, no prazo legal,
sendo-lhe facultada a juntada de cópia das peças que entender
convenientes.
Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça,
para parecer.
P. I. C.
Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2021.

DESEMBARGADORA ÁUREA BRASIL


Relatora

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Nº 1.0000.21.005476-3/001
Documento assinado eletronicamente, Medida Provisória nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001.
Signatário: Desembargadora AUREA MARIA BRASIL SANTOS PEREZ, Certificado:
13EB2FC035549EE27D33A74E76CD9F67, Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2021 às 19:19:01.
Verificação da autenticidade deste documento disponível em http://www.tjmg.jus.br - nº verificador:
10000210054763001202142678

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