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STEVEN JOHNSON Complexidade urbana e enredo romanesco 1. O enigma da forma urbana Numa passagem famosa de A condigao da classe operéria na Inglaterra, Engels conduz o leitor por um passeio em Manchester e mostra como uma determinada politica se sedimenta na propria topografia das ruas: A cidade & construida de tal maneira que uma pessoa pode residir nela anos e anos ¢ percorré-la diariamente sem deparar com um baitro operario ou ter contato ape- nas com operdrios ~ quer andando a passeio ou indo para o trabalho, Isso se deve sobretudo ao fato de que, seja por um acordo técito e inconsciente, seja por inten ‘os bairros habitados pela classe operaria sao nitidamente se- _] Sei que este modo hipécrita de construgio é mais des cidades: sei também que os varejistas, devido consciente ¢ explicita, parados dos da classe média. ( ou menos comum a todas as gran‘ A natureza de seus negécios, devem tomar conta das ruas principais; sei que nessas fe que o valor do terreno nas redondezas € maior do que tuas hd casas bastante boas, i, como em Manchester, uma exclusdo tao sistematica um véu téo delicado sobre tudo 0 nas ruas afastadas; mas nunca da classe operdria em relagao as ruas principals, que pode ofender os olhos ¢ os nervos da burguesia. Eno entanto Manchester nao é 866 Narrar a modernidade construida muito regularmente nem segundo prescrigdes oficiais, obedecend, py, contririo, mais ao acaso do que qualquer outra cidade; ¢ levando em conta 6 que 5 classe média afirma com grande zelo, a saber, que 08 operirios passam bem, ging, assim creio que os fabricantes liberais, os big wigs de Manchester nao sao totalmente inocentes deste vergonhoso método de construgio. contradi¢ées, em unissono com as Nesse trecho, quase ouvimos o ribombar das “manufaturas sombrias ¢ satanicas” de Manchester. A cidade ergueu um cordon sanitaire para separar os industriais capitalistas e a miséria por eles criada, iso. lando a sordidez dos bairros operarios; mesmo assim, esse ocultamento vem 4 luz, sem “intengéo consciente e explicita’, Manchester parece deliberadamente projetada para esconder suas atrocidades; no entanto, seu desenvolvimento fo) muito mais fortuito do que o de qualquer cidade anterior. Como escreve Steven Marcus em sua fundamental reconstituigao do periodo de permanéncia do jovem Engels em Manchester: 0 ponto & que essa disposigao urbana espantosa e cruel ndo pode ser plenamente entendida como resultado de uma conspiracao, e nem de um projeto deliberado, s. E um estado de coisas grande ¢ mesmo sendo controlada por seus benefici complexo demais para que pudesse ter sido pensado previamente, para que preexis- tisse como ideia. Lendo as descrigdes de Engels cerca de 150 anos mais tarde, a combinagao de ordem anarquia se mostra imediatamente familiar. Na verdade, dispomos de uma termi- nologia para descrever esse tipo de comportamento; o que Engels observa nas ruas de Manchester é, utiliz istema de auto-organizagao. Como escreve Thomas Schelling em seu classico tratado sobre a teoria dos jogos, trata-se de um macrocomportamento gerado pelas micromativa- indo linguagem da teoria da complexidade, um goes de milhares de atores inconscientes. Desde Lewis Mumford e Jane Jacobs, 0s estudiosos da urbanizacio sabem que as cidades possuem vida propria, com bairtos que se adensam sem que nenhum Robert Moses imponha um projeto de cima. 4 F-Engels, La condizione della classe operaia in Inghilterra, Roma: Luigi Mongini, 1899, PP. 3637 (ed. bras. A condigio da classe openiria na Inglaterra, trad, Rosa Camargo Artigas ¢ Regina do Forti, Sio Paulo: Global, 1986). 2S. Marcus, Engels, Manchester e la classe lavoratrice, Tarim: Bi audi, 1980, p. 173- Complexidade urbana e enredo ramanesco Quais sao os tracos que os sistemas de auto-organizagao tem em comum? Em termos mais simples, sio sistemas que resolvem os problemas recorrendo nao a um Unico “executivo” inteligente, e sim a grandes quantidades de elementos rela- tivamente esttipidos. Sao sistemas que se configuram de baixo para cima, e nao o contrario. Para usar uma linguagem mais técnica, sao sistemas de atores difusos que dao vida a comportamentos coletivos nao previsiveis a partir do comporta- mento delimitado de c: ida ator individual. Cada um deles segue regras simples, e utiliza os encontros acidentais ¢ a retroalimentagao para modificar sua propria ago. A retroalimentagao geralmente consiste em identificar esquemas de acdo no comportamento do outro. Assim, para compreender esses sistemas, & necessario mudar de escala: os atores operantes numa determinada escala geram um com- portamento que se coloca numa ordem de escala superior. As formigas dio vida a col6nias; os habitantes urbanos dao vida a bairros, Essa maneira de ver as coisas se tornou patriménio comum apenas em data recente; Engels, percorrendo as ruas de Manchester em 1840, ha mais de um século, procurava se orientar na hegeliana “noite em que todos os gatos sio pardos’, em busca de um culpado por aquela diabélica organizacio urbana, onde, porém, re- conhecia a evidente falta de planejamento. Se das ruas da cidade surge uma ordem, raciocina Engels, deve existir alguma forga inteligente que a cria: neste caso, os industriais de Manchester, os poderosos nao “totalmente inocentes”. ‘A desorientacao de Engels em Manchester também ocupa um papel fundamen- tal no romance, seja nas epopeias urbanas oitocentistas de Dickens e Flaubert, seja em obras mais experimentais, como Mrs. Dalloway e Nadja, Essas obras podem ser consideradas tentativas engenhosas de resolver 0 enigma exposto por Engels em A condigao da classe operdria na Inglaterra: tomar a nova experiéncia e coloca-la em forma narrativa, tal como os romances de Jane Austen haviam codificado a experiéncia do capitalismo agrario no come¢o do século xx, ou como os romances cyberpunk dos anos 1980 propuseram uma nova forma literdria adaptada ao mundo desencarnado ¢ mutavel da revolugio dig diante das cidades em processo de auto-organiza¢ao, o problema era grave porque a forma do romance havia se especializado em apresentar a multiplicidade dos destinos individuais ou a vida de familias interligadas. Como escreveu Raymond Williams, os romances tradicionais eram “comunidades cognosciveis”: narravam . Para os romaneistas que se viam. histérias de namoros e casamentos, acompanhando de perto as vissicitudes de uma duzia de personagens que se conheciam entre si. O paradigma austeniano consiste em encontros e conversas pessoais. Mas 0 que Engels viu nas ruas de Manchester 867 Narrar a modernid. era algo totalmente diferente: uma forma que brotava da interagao entre estranhos, nenhum deles com vontade ou intengao de cria-la. A experiéncia da metrépole ou da cidade industrial era um desafio para a estrutura do romance tradicional; nao so porque as novas cidades eram mais povoadas do que o Sussex de Austen, mas também porque a propria cidade se tor- nava protagonista ativa, personage dotado de todas as nuances ¢ potencialidades mutaveis de um herdi literdrio. A cidade, porém, nao era uma pessoa, e sim uma coletividade: um sistema de relagdes humanas com forma coerente e duradoura, A cidade era causa e efeito de seus habitantes-personagens: as agoes deles criavam. a cidade, ¢ esta, por sua vez, influenciava 0 comportamento deles. Tome-se Jo, de Casa desolada: é causa e efeito do sombrio beco em que mora, Tom-all-Alon’s; a0 mesmo tempo parte e sintoma do problema. “Nao € um selvagem auténtico crescido nos desertos ¢ na floresta’, escreve Dickens espicacando a filantropia a distancia de Mrs. Jelleby, “é um objeto comum fabricado aqui no pais.”’ A cidade ~ ou, mais precisamente, seus bairros e ruas ~ nao sé abriga, mas cria personagens, o que a torna, de direito, uma espécie de “actante”, Mas é claro que nao se conversa com um bairro, nem se vai ao baile com ele. Os expedientes narrativos da comu- nidade cognoscivel eram inadequados para a escala da cidade: ineapazes de fazer justiga 4 complexidade da interagao entre individuo e multidao. Precisava-se de uma nova forma. “Complexidade” é um termo que aparece com frequéncia nas reflexdes sobre 0 espa- co metropolitano, desde o flaneur de Baudelaire e as passagens de Benjamin. Masa cidade oitocentista conhece dois tipos diversos de complexidade, duas experiéncias com implicagées muito diferentes para os sujeitos que procuram entender o sentido da vida urbana, Ha, em primeiro lugar, a ideia de complexidade como sobrecarga sensorial: a cidade que leva 20 limite o sistema nervoso, nisso ensinando-Ihe uma série de reflexos e abrindo caminho a valores estéticos que se desenvolvem como uma cicatriz em torno da ferida original. Assim diz Benjamin: ento tenha sido por algum tempo ‘Talvez a visio cotidiana de uma multidio em mo um espetaculo a que os olhos, inicialmente, tiveram de se habituar.(...] pode-se talvez la esta tarefa, eles acolheram bem todas as oportunidades supor que, uma ver cump! 3 Charles Dickens, Bleak Howse (1852-53) led. it: Casa Desolata, trad. A. Negro. Turim: 1995, cap. x1vtt, p. 602] Complexidade urbana e enredo romanesco dese mostrar dotados da faculdade recém-adquirida, A técnica da pintura impressio- nista, que extrai a imagem do caos das manchas de cor, seria um reflexo de experién- cias que se tornaram familiares aos olhos do habitante de uma grande cidade.* Por tras dessas frases ha imtimeras descrigdes urbanas dos séculos x1x ¢ xx, desde as segées londrinas do Preltidio de Wordsworth as flaneries irlandesas da Dublin de Bloom: o barulho e a falta de sentido sao, de alguma maneira, transformados em experiéncia estética, em “caleidoscépio dotado de consciéncia’, como diria Baudelaire. Abraga-se a anarquia, mergulha-se nos bracos da multidio em nome da poesia do todo. Entraram calmamente nas ruas ruidosas, insepariveis e abencoados - escreve Dickens no final da Pequena Dorrit - e, enquanto avangavam no sol e na sombra, 0s ruidosos ¢ os impacientes, 0s arrogantes € os obstinados e os fiiteis se rogavam e se atritavam, ¢ faziam seu alarido costumeiro. Mas a complexidade nao é apenas uma questao de sobrecarga sensorial, Hé também aconcep¢ao da complexidade como sistema que se auto-organiza: mais Instituto de Santa Fé° do que Escola de Frankfurt. Essa complexidade descreve a cidade como sistema, e nao como recepcao fenomenolégica de seus habitantes. £ uma vista do alto, nao do nivel da rua. A cidade ¢ complexa porque predomina sobre o individuo, mas também porque tem personalidade prdpria, que se organiza a partir de milhées de decis6es individuais, uma ordem global que nasce das interagdes locais. f esta com- plexidade “sistematica” que Engels viu nas ruelas de Manchester: nao a sobrecarga nem a anarquia, mas uma estranha espécie de ordem, um esquema que promovia os valores politicos da elite de Manchester, sem ter sido planejado por ela. A partir dos modelos cibernéticos e sociolégicos ~ que vio além dos estudos dos sistemas gerados pelos insetos sociais ~, hoje sabemos que agées circunscritas nio coordenadas podem levar ao surgimento de esquemas mais amplos. Mas, para Engels ¢ scus contempora- neos, aquelas formas nao planejadas deviam parecer obra de espectros. W. Benjamin, “Di alcuni motivi in Baudelaire’, in Angelus novus. Saggi e frammenti. Tarim, 2001, p. 108 fed, bras.: “Sobre alguns temas em Baudelaire’ in Charles Baudelaire, um lirico no auge do capitatismo, Obras escolhidas, v. 3, trad. Hemerson Alves Baptista. Sio Paulo: 4 Brasiliense, 1989). Referéncia ao Instituto de Santa Fé, Novo México, centro de ensino e pesquisa sobre sistemas de auto-organizagio, fundado em 1984. [¥7] 869 870 Narrar a modernidade Assim, protomodernistas como Dickens e Flaubert, 4s voltas com o “superorga- nismo” da cidade, estavam diante de um problema formal de grande magnitude; © romance sabia como se conduzir com pessoas de carne ¢ osso (por assim dizer), mas nio era possivel tomar a cidade como personagem propriamente dita sem as técnicas do realismo magico. Dickens se aproxima bastante dele, num trecho muito famoso e fortemente autorreferencial de Dombey e filho: “Ah, se um espirito benigno descobrisse as casas com uma mio mais poderosa e benévola do que o diabo coxo da histéria, revelando a um povo cristdo as formas escuras que saem de suas casas”? Mas esse espirito benigno sempre ergue os telhados das casas para enxergar melhor a vida dos individuos. E a cidade: como representa-la? Como converter a metrépole em algo além da mera soma de seus telhados? 2. Coincidéncias e sentimentalismo: Dickens A resposta convencional diz que os romancistas oitocentistas levaram a cidade ao palco revestindo-a com os ornamentos floreados da ret6rica: longas e demoradas imagens no pano de fundo, geralmente tingidas com os previsiveis elementos do clima e da sujeira (a névoa em Casa desolada, os montes de lixo em Nosso amigo comum). Em alguns momentos especificos, as metaforas se concentram ao redor de um tinico objeto: E ali se sentou a mastigar e roer, olhando a grande cruz que cintila sobre uma nu- vem de fumaga vermelha e viokicea sobre a ctipula da Catedral de Sio Paulo, Pelo rosto do rapaz, seria de imaginar que 0 emblema sagrado representa, a seus olhos, a confusio suprema da cidade grande ¢ confusa: tao dourado, alto e inacessivel. Jo fica ali, enquanto o sol se pée, 0 rio continua a correr ea multidao passa na frente dele, em duas correntes.” E um trecho forte, mas é poesia, No plano narrativo nao resolve o problema da auto- organizacao: a historia se interrompe, ¢ é a linguagem que ocupa o centro, por um ou dois paragrafos. Mas, depois que o romancista abandona os emblemas sagrados, 6 C Dickens, Dombey and son [1847-48] [ed. its Dombey e figlio, trad. G. Angiolillo Zannino, Milio: Rizzoli, 1994, cap. xL1, p. 859]. 7 1d, Casa desolata, op. cit, cap. x1X, p. 259. Complexidade urbana e enredo romanesco somos diligentemente reconduzidos ao enredo, eas historias narram as pessoas, nao as multidées. Neste sentido, a “confusio suprema” de Dickens nao se adequa a escala de grandeza da cidade, como tampouco se adequara, meio século antes, o “monstruo- so formigueiro na planicie” de Wordsworth. Na verdade, sabendo o que hoje sabemos sobre as coldnias de formigas e a auto-organizacio, Wordsworth foi mais preciso. ‘Mas enfatizar apenas esse modo retérico de representar a cidade presta um desservico aos resultados alcancados pelo romance oitocentista. Dickens e Flaubert realmente conseguiram integrar a auto-organizagio da cidade nas estruturas nar- rativas de seus grandes romances urbanos, mas de uma maneira cuja importancia é geralmente subestimada. Nao seria exagero definir essa solucio do problema da complexidade urbana como uma das inovagées narrativas mais originais e largamente imitadas da literatura oitocentista, sobretudo se considerarmos que muitos expedientes formais - sobretudo o enredo de herdeiros - eram um legado dos romances anteriores. A solugao de Dickens Flaubert lana uma sombra que atinge o proprio cerne do cinone modernista, embora de uma forma curiosamente alterada, E se funda no mesmo espago urbano que, cem anos depois, daria vida ao ensaio de Jane Jacobs, Morte e vida das grandes cidades: a calgada. Qual é a ligagdo entre calgada e auto-organizagio? Comecemos com a interpre- taco de Jacobs. As cidades, para ela, sio entidades que se organizam de baixo para cima, criadas nao pelas comissdes dos planos reguladores, e sim por ages minimas executadas por pessoas quase estranhas entre si, que cuidam de seus assuntos em espacos ptiblicos. O espaco metropolitano é normalmente apresentado como um conjunto de fatias recortadas contra o céu, mas a verdadeira magia da cidade vem. de baixo. Jacobs foi a primeira a compreender com absoluta clareza a importancia dos esquemas do trinsito de pedestres para dar uma forma ao desenvolvimento das cidades. Com a excegio de alguns projetos de remodelagao urbana, os bairros ani- mados - fervilhantes de bistrés ou lojinhas, de confeitarias ou cafés ~ quase nunca sao criados por decreto. Pelo contrario, desenvolvem-se em resposta ao fluxo nas calgadas: quanto maior o ntimero de olhos e pés a percorrer um determinado trecho, maior a probabilidade de que algum comerciante empreendedor abra alguma loja ou restaurante naquela esquina; enquanto abrem novos negocios, novos olhos surgem, criando aquele tipo de retroalimentagao capaz, em dez anos, de transformar um cruzamento abandonado num fulgurante ponto de encontro, e dez anos depois no- vamente numa favela. A duragao dos bairros e sua tendéncia & especializagio é uma espécie de efeito secundario dessa repetigao: 0 desgaste provocado por milhares de transeuntes que palmilham diariamente o mesmo trecho de calgada, 872 Nattat a modernidade Sob a aparente desordem das velhas cidades, existe ~ sempre que a cidade cum, bem sua fungi ~ una ordem maravilhosa que pode manter as ruas em seguranc, uj esséncta resi ao mesmo tempo, manter acidade livre, & uma ordem complex jo ininterrupta dos olhares, nna mistura adequada de usos das calgadas ¢ na suce u orden, feita de movimento ¢ mudanga, ¢ vida e ndo arte [...J.O espeticulo Oferecidg pelasruas de um bairro urbano chelo de vida muda constantemente de um lugar pay outro, ¢em cada lugar ele sempre traz uma profusio de novas improvisagies,* A partir de Morte e vida das grandes cidades, a celebragao da cultura de rua se to. now uma ideia fixa dos urbanistas de esquerda, um axioma largamente compart, Ihado dentro da cultura hberal, Por ironia, porém, muitos dos que reconheciam em Jane Jacobs primeira guerreira dessa “cruzada pela rua” entenderam erroneamente «. £ isso porque viam a cidade como uma espécie de teatro politico, ¢ izagio, A balbiirdia ¢ 0s contrastes suas ide nao como um sistema complexo de auto-orgai das ruas do centro da cidade ~ em contraposigao as segregacdes assépticas dos bairros residenciais mais afastados - se tornaram uma virtude em si, algo a que as pessoas deveriam se expor para seu proprio bem. Ea descrigao baudelairiang da complexidade, um projeto estético envolto no fino véu da politica, levado nas ultimas décadas a extremos de risivel condescendéncia, O programa politico do etalvez pos. multiculturalismo de rua é louvavel, embora um pouco paternal ‘samos nos tornar mais abertos e benevolentes caso encontremos maior diversidade ‘em nossas ruas. Mas tais prescrigées nao tém nada a ver com a interpretagio de Jacobs sobre as ruas ¢ seus usos, Segundo Morte e vida das grandes cidades, os in- dividuos se beneficiam apenas indiretamente com os rituais de rua; vias melhores formam cidades melhores, que por sua vez melhoram a vida dos habitantes. O valor do contato entre estranhos consiste em seus efeitos sobre a cidade como superorga- rismo, e nao sobre os proprios estranhos. As calcadas existem para criar a “ordem complexa” da cidade, nao para tornar os cidadios mais completos, ¢ funcionam porque permitem que as interagdes locais criem uma ordem global. A vida da cidade depende da interagao casual entre estranhos, a qual modifica 0 comportamento do individuo; 0 desvio imprevisto para a Joja nunca notada ou inho grudado ‘a decisao de sair de um bairro apds ter encontrado o enésimo rapa J. Jacobs, Vita e morte delle grandi cttd. Saggio sulle metropoli americane. 8 2000, p. 46 [ed. bras: Morte ¢ vida de grandes cidades, trad. Carlos S. Mendes Rosa, Sio Paulo: Martins Fontes, 2000). Complexidade urbana e enredo rornanesco no celular. Deparar com a diversidade nao incide de mancira alguma sobre 0 sistema global da cidade, a nao ser que esse encontro consiga modificar 0s com- ortamentos, Os encontros sio mais ou menos fortuitos, masa forma mais ampla poreles criada de forma alguma acidental, A natureza casual das interagdes ssencial ¢ se assemelha ao papel desempenhado pelas mutagdes genéticas na selegao natural: sem aqueles desvios improviveis, a cidade seria incapaz de cresci- mento e transformagao, isso que as teorias de Jane Jacobs nos ensinam. As redes de informagoes da vida de rua criam uma organizagéo de nivel superior, porque possibilitam encontros casuais entre estranhos, As diferencas internas 4 cidade um bom teatro, mas os encontros casuais ligados a vida da calgada tém um papel fundamental no sistema, Dickens, Balzac ¢ sobretudo Flaubert observaram 0 mesmo fendmeno ¢ 0 traduziram na linguagem da narrativa. O titulo memoravel que Jacobs deu d pri- meira segao de sua obra, “As fungées das calgadas", seria um bom subtitulo para Acducagdo sentimental. Os romances de Dickens Flaubert, portanto, estio ligados amecanismos urbanos que desconcertariam os leitores de Austen ou Stendhal: 0 que acontece, acontece por causa da rua, Os eriticos formalistas nos ensinaram a analisar os recursos ¢ os lugares que tor- nam possivel uma narrativa. Possivel nao como meio instrumental para o fim a que tende a histéria, geralmente o casamento ou alguma recuperagio familias/ financeira (na maioria dos romances ingleses do século x1x, 0 desfecho se da invariavelmente com a leitura correta de um testamento). Possivel porque impede que se chegue a conclusio desde o primeiro pardgrafo. As possibilidades narrati vas nao devem ser definidas apenas pelo desenrolar rumo a um final da historia; mesmo dispensando o dogma pés-estruturalista que di mais valor ao adiamento vangar a narrativa, em geral, historicamente mais do que realizagio, o que fa significative do que o término. Se compararmos os finais de Richardson ¢ os de remos que nao houve uma grande mudanga no decorrer de cem anos: sempre termina quando um personagem se casa ou quando uma Dickens, ahistéria quas heranga termina nas maos legitimas. Mas se olharmos 0 que leva ao desenrolar da historia, vemos que os universos narrativos foram reinventados. Antes, 0 que guiava o enredo era a falibilidade das redes de informagao: num romance como Pamela (1740), 0 episddio comega ¢ continua ou porque houve o extravio de uma carla, ou porque um didrio foi roubado, ou porque uma declaragio de amor de morou demais para chegar, Nos romances da época, existem milhares de variagGes an 4 ENATEGE A TMOGETVICGGS sobre o tema. £ 0 tipo de historia que se conta quando a informacao demora a chegar e as comunidades estao espalhadas pelo territ6rio. Em Dickens, pelo contrario, as historias acontecem porque Os diversos entre. chos entram literalmente em colisao entre si. Um orfao sem um tostao topa com um infeliz estendgrafo contratado pelo benfeitor de sua ex-amante; um joven, promissor depara com a filha de seu benfeitor andnimo. So os encontros casuaig - os anéis da “cadeia de associagdes’, usando as palavras de Dickens ~ que orig, nam a narrativa, que a tornam possivel. Esses encontros casuais ocorrem gracas 4 densidade ea heterogeneidade da vida metropolitana, e permitem reunir as linhas de parentesco separadas no comego da historia. As"cadeias de associacdes” proliferam em todos os romances de Dickens, 0 que explica por que ele continua a ser o escritor menos “realista” do canone oitocentista, Em Dickens, o anel da cadeia costuma assumir a forma de uma vaga semelhanca, é esquecida. Em toda a sua obra, os personagens que mal se percebe e logo depois deparam com feigdes de estranhos em que distinguem alguma vaga semelhanga, que no entanto nao conseguem identificar. Esses momentos ressurgem em seus romances como espectros, como semilembrangas, e é esta qualidade etérea que os aproxima da desorientacao subjetiva do modernismo ¢ do fluxo de consciéncia, Vejam-se as reflexdes de Pip sobre sua misteriosa companheira de jogos e objeto de seu amor, Estella: O que foi que nela me atingiu, enquanto me olhava atentamente em siléncio? [...] O que era? (...] Enquanto meus olhos seguiam sua mao branca, aquela mesma sensacio vaga, que eu nao conseguia definir, voltou a se apoderar de mim. Meu sobressalto invo- luntario fez com que ela pusesse sua mio em meu braco. E de novo se desvaneceu imediatamente. O que erat? Essas epifanias parciais no se resumem a simples ornamentos estilisticos: consti- tuem o principal motor do suspense, Identificar uma certa semelhanga, ligar um anel a outro na cadeia, dar nome a um rosto; tudo isso confere ao romance the sense ofan ending, a sensacao de um fim, ¢ restaura a ordem em meio a uma enorme desordem. 9 C. Dickens, Great Expectations [1860-61] (ed. it: Grandi speranze, trad. M, L. Giartosio d& Courten, Turin: Finaudi, 1993, cap. xx1X, pp. 255-56]. Complexidade urbana e enredo romanesco As “cadeias de associacées’, de semelhangas apenas vislumbradas, possuem tal impor- tancia porque fundam as duas principais obsessdes teméticas de Dickens: 0s érfiios eas herangas. No romance dickensiano, ficar érfio na meninice é uma conditio sine qua non, tal como a infidelidade conjugal no romance francés - é simplesmente inimaginavel que a forma sobreviva em sua auséncia. Os romances dickensianos mais complexos dos tiltimos anos ~ Casa desolada, Nosso amigo comum, Grandes esperangas — so repletos de criancas abandonadas, tutores e benfeitores anonimos. Quanto aos valores familiares, os vitorianos tém fama de conservadores, mas seu ro- mancista mais talentoso dedicou toda a carreira a seccionar e recombinar a unidade da familia com uma criatividade que teria impressionado 0 marqués de Sade. No entanto, por mais experiéncias que faca, no final Dickens sempre volta so- bre seus proprios passos, redescobrindo alguma espécie de nticleo familiar (serio necessdrios mais vinte anos para que se possa dispensar tal convencio). E com a “legitima” restauracao da unidade familiar, consegue-se também uma outra re- cuperacao, a financeira, Como quase todos os romancistas ingleses oitocentistas, Dickens construiu suas narrativas em torno de herangas problematicas. No roman- ce vitoriano, os testamentos impugnados, os benfeitores andnimos e as situagdes patrimoniais complicadas proliferam numa quantidade suficiente para manter todos os advogados de Londres ocupados por mais um século. Os érfios, eviden- enredos de herancas. Em quase temente, sao os espléndidos protagonistas desst todos os romances, a reconstrugao da unidade familiar dispersa e a descoberta de parentes entre os personagens principais dependem da legitima atribuigéo de um patriménio longamente disputado. Existe maneira melhor de manter o suspense do leitor do que apresentar uma semelhanga sugestiva, mas nao identificada, um indicio de filiagdo? Por fim, quando se chega ao reconhecimento, a unidade reeria- da possui a forga da biologia e do capital. E um auténtico lance teatral: Olhei aquelas maos, olhei aqueles olhos, olhei aqueles cabelos flutuantes, e comparei a outras maos, outros olhos, outros cabelos que conhecia, ¢ ao que poderiam ter se tornado apés vinte anos com um marido brutal ¢ uma vida tempestuosa. |...] Pensei como um tinico elemento associativo fora suficiente aquela identificagao no teatro, e como esse elemento, antes faltante, agora me prendera a atengio, ao passar casual- mente do nome de Estella para os dedos tricotando e para os olhos atentos. E senti absoluta certeza de que aquela mulher era a mae de Estella.” 10 Id, ibid, cap. xLVIU1, p. 416. Para leitordo século XX, esses nexos sao surpreendentes também por juntar Brupos sociais radicalmente diferentes. O triangulo familiar de Grandes esperangas é compos to por um galeote fugitivo, uma criada domestica e uma jovem abastada; em Casa de. , um opidmano que trabalha como estendgrafo solada, por uma baronesa aristocrat para estudosjuridicos e uma érfi criada por um tio da alta burguesia. Todas as vores, sabemos desde o comego quea unidade familiar se encontra fisicamente dispersa, eg final mostra que seus membros também tiveram diferentes destinos econdmicos, Hi, muito sentimentalismo, mas também um certo heroismo. Dickens, em seus romances, pelo menos tentou ver a “totalidade’, construindo uma forma ampla o suficiente par vincular as vidas de moleques de rua, capitaes de industria, mestres, gente de circo, damas de companhia, detentas, loucos, reis dos mendigos, nobres de idade avangada ejovens cavalheiros em ascensio, Nenhum romancista do século Xx construiu uma estrutura narrativa tio abrangente com tanto sucesso popular, ¢ desde entao poucos tentaram algo parecido. No entanto, a reconciliagao entre diferentes classes sociais tem toda a aparéncia de uma fantasia, de uma compensagao imaginaria — come dizia Freud ~ para uma contradigao real. Nao seria impréprio, invertendo a definigio de Raymond Williams, pensar nos enredos de Dickens como comunidades incognos- civeis que sio apresentadas umas As outras, como por milagre. Essas apresentagdes ocorrem gragas 4 multidao da nova metrépole. Os mun- Ba dos se encontram, mas apenas porque sio muito mais densos do que ante densidade cria coincidéncias inusitadas ~ 0 advogado da baronesa contrata o ex- Os romances tradicionais giram em torno de informagées nao con fidveis; as historias amante dela como estendgrafo ~ ¢ inconcebiveis em ambientes semirrura de Dickens sio alimentadas por informagoes imprevistas, que © personagem des- cobre por acaso, Nos romances anteriores, as historias acontecem porque as linhas genealdgicas divergem; nos dele, as linhas se cru ZAM. Londres fornece a Dickens 0 pretexto para reunir despudoradamente os perso- nagens, mesmo que raras vezes eles se encontrem no espago piiblico da calgada Os reconhecimentos dickensianos se dio quase sempre num aposento privado, € nao sob o olhar ptiblico da s nem Lodos os romancistas oitocentistas da cidade compartilham um expediente tao discreto, Em A educagdo sentimental, 0s contratempos que surgem no decorrer da historia - os mesmos contratempos que dio vida ao enredo = nio tém mais nada em comum com os atrasos epistolares de Richardson, Em Pamela, 0 que possibilita a historia & a imprevisibilidade do sistema postal; em Flaubert, & a da calgada. Complexidade urbana e entedo romanesco 3. Uma ordem que nasce do acaso: Flaubert Nao ha dtivida de que o olhar publico da cidade entrou no romance francés antes de Flaubert. Em Musdes perdidas, Ba vac ambienta uma cena no teatro de dpera, onde seu ambicioso herdi se mostra a. um leque heterogeneo de personagens do romance: avaliando-o, ¢ sendo avaliado por ees, como abjetos de um leikio (mais tarde, Flaubert tomaria essa metafor ao pé da letra, numa cena famosa de A edu- cagdo sentimental). E. um papel adequado a vida piblica num universo narrativo governado pela doxa, pelas vicissitudes do mundo, da sociedade. As pessoas apare- cem em ptiblico para ganhar nome, para fazer pose. Como escreve Franco Moretti a respeito de Ilusées perdidas, “O que dé um sentido ao que acontece nao é mais a interioridade fechada do herdi, mas precisamente a ‘sociedade': que 0 observa, comenta, pde-se a par das mudangas de sua fortuna’ No entanto, encontros urbanos nao fazem parte da cidade que se auto- organiza, de Jane Jacobs: sio coreogrificos demais, Os personagens de Balzac stem a rua quando querem impressionar. Para eles, rua é0 espago piiblico da teatralidade, palco de agées e contra agdes. Eos momentos de virada - inclusive os que tratam do aramento em puiblico ~ continuam restritos aos interiores, ainda mais do desma que em Dickens. Os personagens da Prima Bette vagam a esmo pela cidade, mas cruciais as. quase todas as cen se desenrolam na sala de jantar ou na sala de vis Nos momentos realmente importantes, as narrativas se tornam agorafébicas. Na cidade de auto-organizagao, nao basta a presenga das pessoas 30 também qu na rua: & 1 governadas pelo acaso. Nao se pode falar em acdes sej pre falar auto-organizagao se a interagao ja foi previamente orquestrada. Costuma. © nos enredos da Comedia humana, mas aqui também a polissemia do ac & 0 da roleta. A cidade se estende diante em acas termo & enganosa. O “acaso” de Bal dos protagonist 1 de jogo no cassino: sabe-se que geralmente a s como uma me: banca ganha, mas também se deseja correr o risco, O discurso de Balzac nao & apenas figurado: na Comedia humana, o jogo de azar & quase uma epidemia ¢ a especulagdo na bolsa corre solta (em A prima Bette, Valérie, a amante de Hulot, transforma suas rendas numa pequena fortuna jogando na bolsa ~ uma cena que Muito bem as propagandas atuais sobre os investimentos no merca- do de ages). O “acaso” da auto-organizagio é totalmente diverso: ema ¢ deixa-se que entrem em colisio a se prestar volta-se um smo; milhio de atores dentro de um jnaudi, 1999. P. 44. WE Moretti, HL romanzo di formazione, Tarim: 878 Narrar a modernidade i st 4 ior: a Onia deste tipo de encontros casuais surgira uma ordem superi s colénias de fop, migas aprendem a distribuir sua fora de trabalho com uma precisao iraculosa. (0s neurdnios se conectam para produzir lembrangas € capacidades Mentais; 95 origem a bairros € zonas comercials. O acaso Beta g encontros na calgada ordem num nivel superior. Dickens quase captou esse processo, mas usou de sentimentalismo a pontg de torni-lo quase irreconhecivel. Hé encontros casuais em Casa desolada, Grandes esperangas e Nosso amigo comum, e eles ocorrem porque a densidade da cidade reuniu os varios fios narrativos, Mas sio encontros improvaveis demais: calha que oadvogado de Lady Dedlock venhaa contratar justamente 0 ex-amante da mulher, eassim por diante. Sio coincidéncias que pertencem ao mundo das fabula: tros casuais, sim, mas que nada tém de acidental. Sao a tal ponto justifi eNCOn. ados pelas exigéncias superiores do enredo que quase ouvimos ranger as rodas da invencig, 2 B se... Flaubert se langou ao problema do “acaso” e da narracao adotando uma outra como encontrar uma maneira de reunir Esther e a ma perspectiva, ¢ assim enfrentou o problema de representar a cidade em auto-organiza do de uma maneira descartada por Balzac e Dickens. Em A educagdo sentimental, a rua é um expediente que gera narragao: hd na cidade um milhao de historias, e aquela que vamos seguir vai depender de quem encontrarmos, enquanto estamos indo ao café. Durante os disturbios provocados pelo protesto contra uma reforma eleitoral, Frédéric Moreau, o anti-heréi de Flaubert, encontra Hussonet ¢ Dussardier, que acaba de ser preso por engano. Deste encontro fortuito surge um segmento inteiro da historia, embora nada obrigue a esse desenvolvimento, Se A educagdo sentimental fosse um romance de Dickens, no final descobririamos que Dussardier ¢ 0 primo do benfeitor andnimo de Frédéric, ou entao o testamenteiro de um testamento longa mente disputado. O fato de encontré-lo na rua ocultaria todo um subtexto narrativo, ea historia teria 0 objetivo de revelar os anéis da secreta “cadeia de associagGes” entre os dois homens. Em Flaubert, o encontro nao tem atras de si nenhum segredo prévio, nada, exceto o carater acidental do encontro e os efeitos que dele derivam. De acordo com a concepgao de cidade de Jacobs, esses encontros casuais nio se limitam as interagoes entre pessoas. Frédéric ¢ talvez o mais refinado amante de vitrines da historia da literatura, pelo menos até Au Bonheur des Dames {O Paraiso das Damas}, em que Zola narra a mania das grandes lojas de departamento. El essils: éconstantemente distraido por lojas, lojinhas, restaurantes e pequenas tra sao distragdes que geram desenvolvimentos narrativos, Veja-se a passagem abaixos que comega com uma fantasia baudelairiana de teatralidade parisiense: tiana: Complexidade urbana e enredo romanesco 879 A multidao caminhava devagar. Grupos de homens conversavam no meio da calgada, mulheres passavam, e tinham um langor nos olhos ¢ aguele tom de caméia que 0 esgotamento dos grandes calores di as carnes femininas, Algo enorme se expandia, envolvia as casas. Nunca Paris Ihe parecera tio bela, Via no futuro apenas una série interminavel de anos cheios de amor. Deteve-se diante do teatro da Porte- Saint-Martin olhando o cartaz, e por tédio comprou um ingresso,” O segundo paragrafo, tao brusco e curto, é um exemplo classico de ironia flauber- coragao do herdi esta repleto de aspiragées e admiragao pela majestosidade de Paris, mas depois, por puro tédio, vai assistir a uma féeri oriental de segunda categoria. Ha na cena, porém, mais do que um simples contraste entre as “vastas possibilidades” que reserva a cidade ea inanidade de Frédéric, Essa sua perambu- lagao, na verdade, da origem a um evento narrativo crucial: no teatro, Frederic topa com os Dambreuse, que ainda nao conhecia e que se revelario, na década seguinte, figuras centrais em sua vida. O ponto € que a expansio épica da cidade nio é mera questao de contemplagao estética, ¢ os movimentos das pessoas sio, mais do que nunca, governados pelo acaso. Todavia, a casualidade traz consequéncias narra tivas. A historia nao fica remoendo a sobrecarga sensorial da rua; pelo contrario, éa rua que torna a historia possivel. Quando Frédéric volta ao interior, 0 motor narrativo de Flaubert se torna mais lento, Assim, nada mais justo que o escritor tome de emp timo uma parte do arsenal narrativo dickensiano ~ a heranga imprevista ~ para retomar o ritmo da hist6ria, Tal 60 problema das narrativas de rua: nao funcionam no campo. tem-se a impress A forma de A educagao sentimental se funda num desencanto realmente radical: © de que Flaubert poderia ter arrastado seus personagens para qualquer lado, criando uma historia completamente diferente, gerada por encon- tros totalmente diversos: mesmo assim, o romance seria tio coerente como agora, encontro ca sair do C Arelagao no centro do texto ~ 0 tridngulo entre Frédéric e os Arnoux ~ nasce de um, sual num espaco semipublico: na ponte perto do barco que esta para is Saint-Bernard em Paris. Volte o filme, faga com que Fréderie pegue 12 G, Flaubert, Léducation sentimentale [1843-45] (ed. it: Leducazione sentimental. Storia di unt giovane, trad. L, Romano. Turim: Einaudi, 1994, parte t, cap. ¥,p. 1245 ed, bras. A educa sentimental, trad. Adolfo Casais Monteiro, Sie Paulo: Circulo do Liveo, sa) 880 Narrat a modernidade pronto ~ ele ira deparar com um objeto de amor inteiramen, le o barco seguinte, € - eri qualquer semelhanga com A educagao Sentimental aye outro, ¢ a historia nao t conhecemos, Compare-se tudo isso com as cadeias de associagées dickensianay podem parecer encontros casuais, mas o leitor sabe que so dados viciadgs Por exigéncia do enredo. Se Pip deixa escapar um indicio revelador sobre as Origens de Estella, logo a seguir ird deparar com uma outra indica¢ao, pois a histérig Nag pode terminar enquanto nao se reconstruir toda a genealogia familiar, Os encon. tos casuais, rtomando Peter Brooks, sio predeterminados pelo enredo latente, do romance; por isso, a densidade da cidade responde a um fim epistemolégico; as cadeias de associagdes se formam para que seja possivel desenterrar um significadg preexistente, Em Flaubert, as cadeias de associagées, pelo contrario, sio meramente fortuitas: como bolas atiradas numa mesa de bilhar, elas nao tém outro significady além de seus efeitos. Os personagens nao tém destino, exceto o que lhes é imposto, pot amor ou por necessidade, pelo turbilhao da vida urbana. ‘A passagem da coincidéncia dickensiana para a casualidade flaubertiana é um movimento na diregio do realismo. Podemos ler os encontros de Frédéric como uma espécie de versao narrativa do “efeito de real” de Roland Barthes. Barthes ob. serva com razio que o romance oitocentista é cheio de imimeros detalhes esparsos, de divagacdes e objetos marginais que nao esclarecem nem impelem a narrativa, e que nao podem ser legitimamente agrupados sob categorias tradicionais, como 0s objetos simbdlicos ou as fungdes de Propp. E se no romance oitocentista esses detalhes sio abundantes, nos romances de Flaubert assumem as proporgées de uma auténtica epidemia. Como destaca Jonathan Culler, em Flaubert ha muitos trechos cujos detalhes nao parecem submetidos a qual quer determinagao tematica especifica, e onde nem sequer se poe em andamento © proceso interpretativo, Instaurar rela¢des causais ou nexos simbdlicos parece totalmente deslocado, Para 0 leitor comum - presumivelmente nao muito interessado nos formalismos € nos modelos arquetipicos -, 0 efeito de real é plenamente compreensivel, € set significado, que se supe “ausente’, nio é esvaziado de seu contetido, ¢ sim elevade a um nivel mais alto, num movimento que Fredric Jameson define como “um rotagao de noventa graus em que a forma se torna momentaneamente um nov? tipo de contetido’, Esvaziado de qualquer significado simbdlico, o detalhe assinala a simples realidade do objeto descrito, Escreve Barthes: “o barémetro de Flaubet Complexidade urbana e enredo romanesco aportinhola de Michelet nao dizem, em suma, nada além disto: somos 0 real; as; sim, a categoria do ‘real’ (e nao seus contetidos contingentes) que ésignificada”™ No universo flaubertiano, isso vale para os objetos e também para os eventos: as pessoas deparam umas com as outras sem qualquer razéo em particular, exata- mente como ocorre na vida real. Quando Jo, perambulando pela cidade, cruza 0 caminho de Tulkinghorn, ele se encontra ali - nao intencionalmente, claro - para revelar 0 segredo das origens de Esther, ao passo que, quando Frédéric topa pela primeira vez com Dussardier, ele esta simplesmente ali, e pronto. Mas 08 encontros urbanos de Flaubert nao se resumem a um redirecionamento da fabula londrina de Dickens, a um simples sinal de deliberada falta de sentido. A cidade de Flaubert é mais realista do que a de Dickens nao s6 porque nao permite coincidéncias altamente improvaveis, mas porque a relacio entre os encontros de rua ea estrutura narrativa reflete a relagdo complexa entre micromotivaces e macrocomportamento da cidade que se auto-organiza. Em outros termos, as interagoes flaubertianas sao a solugao que o romance oferece ao problema que Engels viu em Manchester: como se explica a conexio entre as ages individuais isoladas e os esquemas metropolitanos mais amplos? Mesmo se enquadrando no campo da sociologia, o problema de Engels também tinha implicagées literarias: qual é 0 expediente formal que permite passar da escala das existéncias individuais para escala da metrépole? A resposta de Flaubert foi colocara nartativa a mercé da rua; ele foi de uma ousadia jamais vista, ao fazer da historia um material que surge de dezenas de encontros urbanos. Se eram as herangas disputadas que ali- mentavam as hist6rias urbanas de Dickens eas ambicdes individuais que impeliam as de Balzac e Stendhal, 0 primeiro motor do enredo de A educagio sentimental é acasualidade dos encontros na cidade, E inquestionavel que 0 relevo psicoldgico sofre com isso, Frédéric Moreau éum recipiente notoriamente vazio, que segue flutuando nas correntes sempre mutantes do agir metropolitano, e é provavel que sua vacuidade resulte da ampliagio do papel da vida urbana. Um protagonista forte talvez fosse incomodo demais num romance onde 0 sistema da cidade ocupa um papel tio determinante. Enquanto trabalhava no livro, Flaubert escreveu a Jules Duplan, numa carta famosa de 14 de marco de 1868: “'Temo que 0 fundo devore o primeiro plano; este é 0 problema do : Einaudi, 1988, 13, R. Barthes, “Leffetto di reale’, in Il brusio della lingua. Saggi critici wv. Turi PP. 151-59 [ed. bras.: “O efeito de real’, in O rumor da lingua, trad. Mario Laranjeira. Sio Paulo: Martins Fontes, 2004]. genre historique”, Como ¢ evidente, ele se referia aos acontecimentos Politicos do periodo 1848-1851, amplamente descritos no romance; mas a tensao entre o fundo ¢ 0 primeiro plano também contrapée o individuo ea cidade. Flaubert foio Primeirg casualidade épica da metrépole moldasse a narrativa, ¢ isso Teduzig apermitirquea za simbolica que circunda os herdis e heroinas do romance inevitavelmente a clare tradicional. Os personagens se transformam em peoes dos mecanismos Urbangs tornando ainda mais indistintos os limites entre plano de fundo e primeiro plano, Claro que, como ocorreu em todas as revolugdes francesas desde 1789, 0 fun, lo politico de 1848 &, em larga medida, a rua. De fato, a politica pode ser um exemplo perfeito dos movimentos complexos que brotam das interagGes de rua, Eis 9 que escreve Flaubert sobre a multidio, apds a queda da monarquia: Como os negécios estavam suspensos, a inquietacio e a curiosidade levavam as pes, soas a sair de casa. O desalinho das roupas atenuava a diferenga entre os niveis sociais, 0 odio se escondia, as esperangas afloravam, a multidao era uma dogura s6. 0 orgulho por um direito conquistado brilhava em todos os rostos. Era uma alegria de carnaval, um comportamento de albergue: nada foi mais divertido do que © aspecto de Paris nos primeiros dias." Divertido, sim, mas também criador de histérias. Flaubert teve um lance de ge- nio ao se recusar a traduzir o tumulto e a agitagéo numa experiéncia meramente estética para o flineur ou para o “homem da multidao”. O espago publico da rua constituia muito mais do que um mero estimulo visual: gerava um outro tipo de cidade e, com isso, um outro lipo de romance. 4. Cidades de sonhos: Mrs. Dafloway e Nadja Nos cinquenta anos posteriores i publicagao de A educagéto sentimental, as narrativas de calcadas tiveram um grande sucesso (os romances da Paris de Zola, por exemplo, utilizaram largamente as inovagdes de Flaubert), e algumas de suas caracteristicas formais comegaram a desempenhar um papel fundamental na descrigéio modernista da vida metropolitana, Mas, enquanto se tornava parte do arsenal retérico da van- guarda do século xx, 0 expediente narrative do encontro de rua se distanciava cada 14 G, Flaubert, Leducazione sentimental, op. cit., parte 111, cap. 1, p. 409. Complexidade urbana e enredo romanesco vez mais de suas caracteristicas originais, perdendo a especificidade que 0 tornara tio convincente na interpretagao de Flaubert. O acaso manteve sua importancia, mas a passagem de uma escala a outra ~ da caleada a cidade, do personagem a narrativa ~ desapareceu. O mecanismo se tornou uma celebragao do acaso, e nao conseguiu mais ligar a forca do encontro ao sistema urbano mais abrangente. Vejamos a transformagao desse expediente narrative em Mrs. Dalloway (1925) Virginia Woolf se baseia muito nos encontros improvaveis de absolutos estranhos nas ruas apinhadas de Londres (e nos parques da cidade: poucos romances podem concorrer com este, quanto 4 exaltacao dos amplos espacos verdes de Londres). No plano formal, com os admiraveis deslocamentos do ponto de vista criados por per- sonagens que se cruzam na rua, o romance é uma exploragio da forca metonimica da vida urbana. Na abertura do romance, Woolf passa em revista os pensamentos de uma duizia de personagens ao longo de uma diizia de paginas. A passagem entre eles se da gragas a pequenos eventos publicos compartilhados: um automével que tem retorno de chama, um aeroplano que traga letras no céu, Esse mecanismo extraordindrio capta bem aquele misto de proximidade piblica e interioridade privada que é 0 nticleo da flanerie urbana. Em certo sentido, o ponto de vista movel de Woolf é uma continuagao do “espirito benigno” de Dickens que olha do alto dos telhados, 36 que em Mrs. Dalloway ele espia as mentes dos individuos, e nao as salas de estar." Eo que nosso olhar vé de memoravel é a mente da fitlgida Clarissa Dalloway ea do delirante Septimus Smith, ambas perdidas na energia das ruas de Londres, uma apreciando a experiéncia ¢ a outra se sentindo petrificada: Nos ollios dos passantes, na sua pressa, no seu andar, na sua demora; no burburinho € vozearia; carros, altos, énibus, caminhées, homens-sanduiches bamboleantes € tardos; charangas; realejos; na gloria ¢ no rumor ¢ no estranho aerocanto de algum a vida, Londres; aquele momento avido sobre a sua cabeca estava isto, que ela ama de junho (p. 8). 15 A ligagao com 0 “espirito benigno” de Dickens se manifesta com forga especial no seguinte trecho, extraido do monélogo interior de Mrs. Dalloway: “[...] que significava para ela essa coisa a que chamava vida? Oh! era muito estranho. Era fulano, de South Kensington; algum outro, de Bayswater; ¢ mais alguém, digamos, de Mayfair, E ela experimentava continuamen- te a sensagio das suas existéncias; e achava isso um desperdicio; uma pena; se 20 menos se pudessem juntar... era o que tentava’, in V. Woolf, Mrs. Dalloway [1925], trad, Mario Quinta- na. 13! ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. n8; doravante citado diretamente no texto com 0 nlimero da pagina entre parénteses. Natrar a modernidade E ainda: ali etava oauto, de cortinas descidas, que tinham um curioso desenho semethan uma drvore, pensou Septimus, e aquela gradual centralizagao de todas as coisas ante gs seus olhos, como se algo fosse surgir daquilo e tudo estivesse a ponto de estalar em, cha. ‘mas, aterrorizou-o.O mundo oscilava, fremia eameagava estalar em chamas. Sou ey que estou estorvando 0 caminho, pensou. Nao era ele que estava sendo olhado e Apontado? Nao estava ali plantado, na calcada, com um firme propdsito? Mas que propésito? (p.18) Sao 0s dois extremos do teatro baudelairiano: “o alarido e o estrépito” da cidade ou revigoram ou levam a beira do abismo. Mas os dois casos nos reconduzem 4 poesia da “sobrecarga sensorial” de Casa desolada ou A pequena Dorrit; a historia se interrompe, discorre sobre 0 tumulto da cidade e depois retoma o fio. Mas, 4 diferenca de Dickens e de Flaubert, os encontros casuais de Woolf néo levam a lugar algum, As narrativas de rua continuam como fios separados, di-se de ombros e segue-se adiante, Nao precisam iluminar nenhuma historia familiar enterrada, nem preparar uma cadeia de acontecimentos futuros. A tinica coisa a uni-las é9 ponto de vista do narrador; mesmo para os personagens, Os encontros sao apari- ‘oes fugazes, registradas por um instante e depois abandonadas. Quando Frédéric depara com os Dambreuse naquela féerie absurda, sua vida se transforma; quando Peter Walsh, em Regent's Park, passa ao lado de um transtornado Septimus e de Rezia, o resultado é uma reflexio de poucos segundos: O que ¢ ser jovem! pensou Peter Walsh, ao passar por eles. Estao fazendo uma terrivel cena ~ a pobre moca parecia completamente desesperada ~ em plena manha. Que se passard? perguntou-se. Que lhe estard dizendo o jovem de sobretuda, para a por em tal estado? Em que dificuldades nao se haveriam metido, para estarem tio desesperados numa manhi tao linda? (p. 70) E mesmo antes de responder a si mesmo, ele se perde numa outra réverie sobre sua infeliz corte Clarissa, trinta anos antes. Na Londres de Virginia Woolf, a vida privada continua a ser uma questao pessoal mesmo se entremostrando no espas0 publico: apenas a voz narrativa une os personagens. Nas midos dos surrealistas franceses, a fungao narrativa do acaso se torna ainda mais frouxa; a cadeia de associacdes entre o encontro casual e a estrutura se romps, Complexidade urbana ¢ enredo romanesco e resta somente a celebragao da coincidéncia, dos nexos secretos que aparecem aqui e ali. E um mundo onirico - 0 que nao surpreende, em vista da influéncia que a anilise freudiana da linguagem dos sonhos exerceu sobre Breton ¢ Aragon, Mas, a despeito dessa influéncia, os mecanismos flaubertianos ainda desempe- nham um papel decisive no romance urbano, Quase no inicio de Nadja (1928), Breton anuncia de passagem que “nao sou dos que cultuam Flaubert”, mas o heréi autobiografico do livro guarda semelhancas nada remotas com os entusiasmos desatentos de Frédéric Moreau. Diverte-se em se refugiar nos cinemas baratos, sem saber 0 filme que esta passando; passa um tempo realmente excessivo a vaguear pelas calcadas da Rive Gauche; descobre stibitas epifanias no olhar fugidio de uma bela mulher. Mais que tudo, porém, aprecia os encontros casuais e as coincidéncias da vida metropolitana. A bem dizer, “aprecia’ é provavelmente um termo muito fraco: Breton eleva o acaso ao nivel do éxtase mistico. Mais uma vez, conta historias de imprevisibilidades metropolitanas: encontra um desconhecido num concerto; dois dias depois inicia uma correspondéncia com Paul Eluard; meses mais tarde, encontra Eluard e descobre que era o homem do concerto. Nadja usa a mesma frase que ele havia lido, no dia anterior, num livro que Nadja nao conhece. Atéa mulher de Breton entra em cena: Saio por volta das trés, com minha mulher e uma amiga; no taxi, continuamos a falar de Nadja, como ja haviamos feilo durante o almogo. De repente, sem que estivesse prestando a menor atengao nos transeuntes, sei lé que mancha ripida, ali, na calgada int-Georges, me faz quase mecanicamente bater da esquerda, na entrada da Rue no vidro do carro, Era como se Nadja tivesse acabado de passar. Corro, a0 acaso, para uma das trés diregdes que ela pudesse tomar. £ ela, de fato, agora parada, conversando com um homem que, me pareceu, havia pouco a acompanhava. (pp. 86-87). Sao cadeias de associagées sem segredos anteriores, e que ndo acionam nada, a nao ser sua propria carga momentanea, como num universo onirico onde mesmo os eventos mais espetaculares nao tém nenhuma consequéncia. Como as cadeias de associagées dickensianas, trazem consigo os ecos de alguma distante implicagao, mas esses ecos, em Nadja, nao sao explorados: 16 A. Breton, Nadja (1928) led. bras.: Nadja, trad, Ivo Barroso. Sao Paulo: Cosac Nail}, 2007, p23]. 885 co controlavel MA QUE, POF Seu Cait 2co po . nts € OCkaEGES supe, neira de passar do fio para a teja 7 pelo género dea re e mais graciosa do mundo se, num can, ria raha; fatos ques MESMO WE fOSSEM da ord » a aranhay f 7 aa que se aquela a tmtam todasas aparéncias de um sinal, sm gu, jades, ezapres acada vez apre mal se trata propriamente (P. 16). jo estivess nas proxi pra constatagaes possa dizer de aque st 4 passagem, mas ha também uma espécie del, rcebia um sinal parecido no verde de Regen, Park. Em Dickens, esse sinal lev ” ha genealdgica secreta: uma rede ge conexdes que apontavam numa tinica diregao. Em Flaubert, o s al indicava ung ordem superior: a forma da cidade que se aulo-organiza a Partir de milhoes de s, uma forma que encontra seu andlogo na narrativa de A educa Hydalgo inegavelmente belo ne cura, Provavelmente Septimus Pe vava a uma conexdes cast sentimental, Existem conex6es casuais no mundo de Flaubert, mas formam uns estrutura mais ampla, Com Nadja, aquele nivel superior de significado deixa de bra é apenas o sinal: misterioso, onipresente, evocando um sig existir, e 0 que s nificado, mas em tiltima instancia privado de qualquer significado. A pergunta de Septimus nas ruas de Londres ~ que fim? ~ se torna puramente retorica. A cidade que se auto-organiza, cujas calgadas eram palmilhadas por Frédéric Moreau em 1848, se dissolve numa cidade de sonhos,

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