Brasil - Nação Imaginada

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BRASIL: NACOES. INAGINADAS AAs imagens da nao brasileira variaram a0 longo do tempo, de acordo com as visdes da elite ou de seus setores dor nantes, Desde 1822, data da independéncia, até 1945, ponto final da grande transformagio iniciada em 1930, pelo menos trés imagens da nagio foram construidas pelas elites poli- icas ¢ intelectuais. A primeira poderia ser caracterizada pela auséncia de povo, a segunda pela visto negativa do povo, a terceira pela visdo paternalista do povo, Em nenhuma o povo fez parte da construcio da imagem nacional, Eram nagdes apenas imaginadas, UM Pals FICTICIO Portugal empenhou-se em uma tarefa de descoberta, conquista ¢ colonizag?o que de muito ultrapassava seus recursos econémicos € humanos. Algumas conseqiiéncias para o Brasil deste fato fundamental foram a fraqueza do governo colonial, a necessidade de dividir as capitanias para governar, ¢ de depender do poder privado local para administrar a Col6nia ‘Como decorréncia, a Colénia americana chegou ao final de tres séculos de existéncia sem constituir uma unidade, exceto pela religiio © pela lingua. Quando as tropas do general Junot forgaram a Corte portuguesa a abandonar Lisboa com destino ao Rio de Janeiro em fins de 1807, nao existia Brasil ‘nem politicamente, nem economicamente, nem culturalmente, Havia um arquipélago de capitanias que, segundo Saint © botiinico francés que percorreu boa parte do Pais no inicio do século XIX, frequientemente ignoravam a existéncia umas das outras, No maximo, havia integragao preciria de regides. est vem parece em um dos is provincias deste de unidades politicas (Dantas Silva, 1990), ainda varios sintomas da auséncia de um sentido de identidade nacional. Nas cortes de Lisboa, em 1821, 0 deputado por Sao Paulo, i6, Futuro regente do Império, dizia que ele e seus nao eram representantes do Brasil mas & pernambucana de 1824 ‘ou © nordeste do resto do grande ressenti- ‘£ mesmo outros proprio da palav quando muito s testemunho de um da Col6i de livro estrangeiro fa Abreu, 1963, p.228). itores de ‘As questoes pi ia-se se havia pi is eram ignoi ow guerra, segundo 0 20 outorgada se Pais. Nos textos dos revoltosos transparec A palavra patria independénci para denotar provincias e nao © Brasil, Em 1828, 0 deputado Vasconcelos, falando a seus conterraneos mineiros, referia-se a “nossa patria”, Minas Gerais, ‘em oposi¢ao ao “Império", que seri (Vasconcelos, 1978, p.35). tas € Poets que sonharam com a independéncia 1as Gerais, com uma reptblica segundo 0 modelo dos los Unidos da América do Norte, nao mericanos") ou fal um buscado apoio em capitanias vizinhas, © Bras tégicas mais do que por qualquer sent coletiva. Os argumentos dos conspiradores em defesa da \dependéncia referiam-se sempre ao territorio de Minas Gerais UMA NACAO FICTICIA de Bi a no horizonte mental de is e da populaglo em get cabeca dos Politicos que lideraram 0 processo de independéncia. Como conseqiiéncia adicional da escassez de recursos proprio, Portugal foi obi \corporar em si Provenientes das col6nias, previament dade de Coimbra. Essas pessoas forneceram o traco de conti- uidade entre a Colénia ¢ © novo Pais, conservando a monarquia Como garantia da unidade politica e da ordem social. O exemplo Paradigmatico desse tipo de politico foi José Bonifacio de Andrada ¢ Silva. Educado em Coimbra em leis ¢ ¢i@ncias era a sede da Monarquia e fora promovido 4 Reino Unido a Portugal ¢ Algarves, era de se esperar que jor sentimento de brasilidade. Nao foi o caso. 0 "eros Autos de Devassa da bnconfidencta Mt ws partes referentes a0 "ados em varios volumes pela BNRJ, em 1936 € 1937. 234 235 naturais, percorreu a Europa durante dez anos a servigo do governo portugués, ocupou altos postos na burocracia metro- politana, lutou em Portugal contra a invasio francesa e s6 voltou ao Brasil 4s vésperas da independéncia, Antes de regressar, fez um discurso na Academia de Ciéncias de Lisboa falando sobre 0 seu sonho de construir na América um grande império, Toda a sua agi durante © process qual foi uma das principais figuras, Fecuou em sua proposta de abolicao da escravidio, pois a medida teria levado a fragmentagio do Pais. Era 0 mesmo ideal de Bolivar que se tomou viavel no Brasil pela existér de muitos outros politicos, provenientes de toclas as provincias, com a mesma postura de José Bonificio. A maioria deles nao articipava da preocupaciio de José Bonifiicio com a questio da escravidio, mas apofava fortemente a manutengao da unidade do Pais. Para os interesses escravistas, a manutengo dla unidade podia ser, a curto prazo, benéfica, de vex que evitava possiveis medidas abolicionistas em regioes de pequena populagio eserava ¢ preservava a ordem social.? A decisio de manter a monarquia foi reiterada em 1831, quando 0 primeiro imperador foi forgado a reniincia. Politicos, 5 € 0 povo nas ruas do Rio de Janeiro nao hesitaram em aclamar Pedro I, uma crianga de cinco anos de idade. ‘Mas enquanto durou a Regéncia (1831-1840), as tendéncias centrifugas manifestaram-se com forga. Houve revoltas em quase todas as provincias, Em trés delas, Bahia, Paré e Rio Grande do Sul, foi proclamada a independéncia da provincia. Mesmo depois de inaugurado o Segundo Reinado (1840), houve tés revoltas em provincias importantes, S40 Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. A revolta de Pernambuco, em 1848, filiava-se ao espirito republicano da revolta de 1824. Somente em 1850 pode-se dizer que estava consolidado 0 processo de criacao de um estado nacional, centralizador € mondrquico, Das unidades frouxamente interligadas construira-se um Pais. 10 se construira ainda uma nacio. O sentimento de identidade que pudesse haver baseava-se mais em fatores negativos, na oposicio aos estrangeiros. O nativismo anti- portugués permeou muitas, se no todas as revoltas urbanas Sobre a elite iperal, wea CARVALHO. A construgdo da ordem. 236 da Regéncia. A identidade brasileira ai se definia pela oposi 40 portugues € era fendmeno local determinado pela forte lusitana no comércio e nas posigdes de poder, civis res. Ser antiportugues nao era suficiente para definir identidade comum ao habitante do Rio de Janeiro, do Recife © «de Belém, Com mais razio se pode dizer o mesmo do sentimento antiinglés. Ele surgiu em razdo da pressao britinica pela abolicao, lo trafico de escravos e chegou a um ponto critico na década de 1840, quando a Inglaterra decidiu violar a soberania brasilei para aprender navios negi antilusitano, © nativismo antiinglés tinha a desvantagem de poder ser acusado de estar a servigo de uma causa ingléria Mais tarde, em 1860, 0 conflito com a Inglaterra chegou a0 rompimento de relagdes diplomaticas, momento em que a populacao do Rio de Janeiro saiu as ruas em protesto nativista De positivo, havia pouco para cimentar a identidade nacional. Grande parte da populacio de 7,5 milhées continuava fora dos canais de participagio politica seja por ser escrava por nio gozar das garantias dos direitos civis indispensiveis para a construgao do cidadao. ‘Tratava-se de uma populaglo quase exclusivamente rural ¢ analfabeta, isolada na imensa extensio territorial do Pais. Por serem’ precirias as comunicagdes, noticias importantes, ‘como as da propria independéncia e da abdicagio de Dom Pedro I, levavam trés meses para chegar as capitais provinciais mais distantes e mais tempo ainda para atingir 0 interior, O Brasil apresentava a face externa de um pais organizado em ‘modelos europeus, com uma monarquia constitucion: rei jovem € culto, um congresso eleito, partidos politicos, cédigos legais avangados, um judiciério organizado nacio- nalmente. A face interna estava longe de corresponder a essa imagem externa. A nagio brasileira ainda era uma ficgo. A IMAGEM ROMANTICA DO PAIS Como transformar esta construgao politica em nagao? Como fazer uma populagio dispersa, mal unida por lealdades locais e provinciais, sentir-se parte de uma comunidade poli- tica chamada Brasil? Qual foi a estratégia da elite imperial ara conseguir este objetivo? 237 Gn ABO, quando os liberais forgaram a antecipacao da marc dade do jovem imperador. Esta conviceao da el Popular. Se ndo havia sentimento de Brasil colénia sob regime moniirquico deixar profundas na Populacio. O sentimento mondrquico manifestouse entra ’o urbana do Rio de Janeiro de Pedro 1 Populaclo rural, sua expressio mais clara banos (1832-1835) q) Ciieg samambuco ¢ Alagoas. Os rebeldes — pequenos proprie, de engenho — reivindicavam a restauracao de Dom Pen ue consideravam ter sido ilegalmente des Por impias forcas jacobinas, Foi necessirio enviarines a bispo de Olind convencé-los de que Pedro 1 ja ‘morrera (1834) © que Pedro Il era o rei legitimo to da Repsblica. E conhecida la Bahia na década de 1899, tas como acusavam 3s sentimentos monar- clheiro, € de seus seguidores, nperador, de itreligiosdade,/A Replica i do deménio, Mais de vinte uum ato de deste: era a “lei do cao”, p68 a Proclam mais clara sua conviccao monirduica. © movimento do Contestado, assim chamade por ‘cr ocorrido numa regio disputada pelos dois Estados, langou dei anifesto Monarquista e proctamou rei um pequeno fay deiro analfabeto. Como no caso de Canudos, fer reprimido, com violénci 's do exército. Os rebeldes, cujo capnt® foi calculado entre cinco e 12 mil, tinham come live Sagrado Carlos Magno e os Doze Pares de Franga. Mesmo no Rio de Janeiro republicano, hd indicagdes de uma persistente lealdade aos simbolos monarquicos. Um cronista 238 bolo indis- abdi- Casto. em 1831, quando foi aclamado Dom Pedto Il, fot anna trés séculos de éculo XX, atestou que da cidade, escrevendo no inicio do século XX, atestou q ‘marginal a monarquia continuava entre a populacao pobre e margi pe patriotismo era necessirio que se vinet ch cle ers ura a7 peuagopien,digida 3 populagto, que ae | esforgo. O tinico marco eee co mineira de 1789. A imagem do pro- : com a de um dos precursores da independéncia, a do her6i repul ; O simples uso de simbolos civicos it resumindo-se & misica de Pedro M.A execusio do hine aeabou resumindo-se 8 misiea de Francisco Manuel da Silva. Seu uso mais espetacul trangeiro, um republ © compositor Louis Moreau Gottsch © pianista a0 Rio de Janeiro, em 1868, aproveitando 0 ambiente emocional ‘causado pela guerra contra 0 Paraguai, Gottschalk compés uma ‘Marcha Solene Brasileira, fantasia em torno do hino nacional Para executar a marcha, organizou um concerto gigantesco, como nunca se vira na cidade, empregando quase todos os ncluindo bandas do Exército, da Marinha (0 éxito foi estrondoso. Mas nem assim e da Guarda Nacion: se interessou 0 governo em dar ao hino uma letra.‘ A educago primaria também nao foi utilizada como instru mento eficaz de socializagio politica. Exceto na Corte, el era, desde 1834, atribuicio das provincias e muni governo central, apesar da grande centralizagio p administrativa (os presidentes de provincia eram nomeados pelo ministro do Império), nao se preocupava em definir contetido dos curriculos escolares e em exigir qualquer tipo de educacio civica. Ao final do século, da RepUblica, José Verissimo, educador e ‘nao ser nacional, de nao procurar formar cidadaos. Na escol brasileira, disse ele, o Brasil brilhava pela auséncia. Nao havia concepgio de patria, nao havia educacio moral € civica, Os ros de leitura empregados no ensino primério nao conti- nham temitica nacional, eram muitas vezes traduzidos ou publicados em Portugal, usando linguagem estranha ao falar das criangas brasileiras. José Verissimo apontava exemplos de varios paises (Alemanha, Franga, Estados Unidos) que faziam da educacao instrumento basico da construgio nacional. Poderia acrescentar o exemplo mais proximo da Argentina que, pela lei de 1884, reformulara totalmente a educagio priméria e Ihe dera um sentido demo- critico e nacionalizante. No Brasil, argumentava ele, nem mesmo 0 ensino da geografia e da inham contetido nacional. Em varios paises, o ensino dk inas fora parte importante do esforco de construgio nacional durante © século XIX, Entre nés, na escola primaria, o ensino da geo- grafia se limitava ao ato de decorar nomenclatura européia © melhor texto de geografia brasileira era de um estrangeiro (Wappoeus). Nao havia curso superior sobre a matéria, Nem “Ver antigo sobre Gottschalk nesta coletinea. 240 escapava, O ensino primario de histéria nao passava de listagem de reis, governadores ¢ aconteci- mentos. © Gnico compéndio nacional era o de Varnhagen. Nao havia também ensino superior de hist6ria. Além da auséncia de uma politica educacional voltada para 4 formacao civica, José Verissimo queixava-se ainda do descaso ‘em relagao a museus, galerias de arte, festas nacionais, cantos patristicos, especialmente o canto coral. Nao se celebravam as ‘grandes dlatas, nem mesmo a da Independéncia. Era geral a apatia da populaglo em relacao as grandes datas nacionais.> A preocupagio da el dade nacional resumiu-se em tentat socializar e convencer seto- res divergentes da propria elite. Foi no campo das instituigdes de elite que se fizeram os maiores esforgos. A comecar pelo censino superior que, ao contririo do ensino elementar, sempre eesteve sob estrito controle do governo, seguindo a velha tradi- ‘elo colonial portuguesa. Durante todo © perfodo imperial, a educagao superior limitou-se a duas faculdades de medicina ¢ duas de dircito, criadas antes de 1830. Além dessas, s6 foram criadas duas escolas de engenharia, a Politécnica, em 1874, € a Escola de Minas, em 1876, As escolas de direito, sobretudo, ti- rnham seus curriculos controlados pelo congresso, pois delas saiam quase toclos os politicos imperiais. A instituigio que mais diretamente se empenhou em difundir 0 conhecimento do Pais, a0 mesmo tempo em que buscava transmitir uma identidade particular, foi o Instituto Histérico € Geogrifico Brasileiro, ctiado em 1838. Composto da fina flor da elite politica ¢ intelectual do Pais, teve apoio constante do poder piblico e patrocinio pessoal do Imperador ‘que, com freqiiéncia, assistia a suas sessdes. A partir de 1849, © Instituto passou a funcionar dentro do palicio imperial Entre suas atribuicées estavam a coleta de documentos hist6- Ficos ¢ 0 ensino da hist6ria patria, para o que contava com filiais nas provincias. Promovia estudos, debates, expedicoes cientificas, concursos. Publicava uma revista que foi sem imperial com o problema da identi- * Ver VERISSIMO, A educa¢do nacional. O i simo se refere € a Hisiéria geral do Bi ‘0 segundo em 1887, Sobre a relaeto ent da geografia ea ‘ver também MORAES. Estudos istiricas, p.166-176, 2a

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