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Design e Artesanato Ana Luiza Freitas
Design e Artesanato Ana Luiza Freitas
DESIGN E ARTESANATO
Uma experiência de inserção da metodologia
de projeto de produto
Design e Artesanato
Uma experiência de inserção da
metodologia de projeto de produto.
2ª edição
copyright © by Ana Luiza Cerqueira Freitas
1ª edição: 2011
2ª edição: 2017
FICHA CATALOGRÁFICA
2008
Dissertação de
Mestrado Ana Luiza Cerqueira Freitas
ORIENTAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
Contato:
analu.cf@hotmail.com.br
Para Marcos.
Agradecimentos
Mediante o estudo de caso Projeto Pitangaporã, foi realizada uma análise sobre o sis-
tema produtivo de base artesanal e os cuidados a serem considerados no seu atual processo
de incremento da produção, para a não descaracterização do artesanato, preservando os
valores socioculturais inerentes a esta atividade. Da mesma forma, através de experiências
em campo em ações de desenvolvimento de produtos artesanais, percebeu-se a necessida-
de de uma reflexão sobre as metodologias adotadas, considerando as estratégias para se
alcançar sustentabilidade. A oportunidade de oferecer produtos competitivos, com técnica
aprimorada, condições ideais de produção, atenção ao ciclo de vida, a inserção do produ-
to no mercado, a capacitação e atualização profissional, são aspectos que caracterizam a
carência de uma revisão dos procedimentos adotados nesta proposta de desenvolvimento
socioeconômico.
O Projeto Pitangaporã consiste na implementação de grupos produtivos formados por
famílias com crianças portadoras de necessidades especiais provenientes de comunidades
menos favorecidas socioeconomicamente, planejando e desenvolvendo atividades de gera-
ção de renda. A proposta é possibilitar o fortalecimento de vínculos da criança com a sua
família, e desta no contexto comunitário, trabalhar os princípios de independência, auto-
nomia e cidadania, e promover a inserção das famílias no mundo da geração de renda e na
comunidade econômica local, através da confecção e venda de produtos de base artesanal.
Financiado pelo Ministério da Assistência Social, trata-se de um projeto interinstitucional
de ações integradas com o objetivo de realizar um trabalho vinculado ao planejamento de
produto, à gestão e aos processos produtivos, e à metodologia mais adequada para o seg-
mento produtivo artesanal para que possa, se não garantir, potencializar ações de continui-
dade pelos próprios produtores. Este trabalho descreve a inserção do design de produtos
e de princípios de engenharia de produção no projeto, como elemento de fomento à imple-
mentação e consolidação dos grupos produtivos.
Palavras-chave:
design, artesanato, metodologia, produto, produção, mercado.
Abstract
The case study Projeto Pitangaporã has made possible an analysis of a handicraft pro-
duction system and offered a good idea of the improvements needed to expand production,
while preserving originality and the socio-cultural values involved in the craft. Similarly, by
means of field work in actions of skills development in handicraft-making, a need was per-
ceived for deeper thinking on the methods used, taking into consideration the attainment
of self-sufficiency by the workers involved. Our goals also include the offering of durable
and competitive products, made with skilled technique, also having in mind the search for
ideal production conditions, the launching of the production into the market, the training
and updating of the craftspeople and their ultimate socio-economic rise.
The Pitangaporã Project consists in the establishment of production teams made up
of people from families with physically and/or mentally handicapped children, originating in
the lowest income strata of our society, with the planning and setting in motion of income
generating work training. The basic purpose is to strengthen the ties of the families with
the handicapped children, as well as that of both with society at large, working on the prin-
ciples of independence, autonomy and social belonging, by means of the making and selling
of handicraft. Financed by the Ministry of Social Assistance, it is an inter-institution project
with integrated actions, with the purpose of working on product planning and management,
production procedures, in search of the fittest methods for handicraft production and, as
much as possible, the enabling of self-sufficiency of the working families. This paper descri-
bes the introduction of product design and the principles of production engineering to the
project, to foster the development and consolidation of the production teams.
1. INTRODUÇÃO 21
1.1 - A Engenharia de Produção no setor artesanal 25
1.2 - Estrutura do trabalho 27
2. METODOLOGIA DE PESQUISA 29
3. REVISÃO DE LITERATURA 33
3.1 - Artesanato 33
3.2 - Artesão 38
3.3 - Produção artesanal 39
3.3.1 - Produção cooperada 44
3.4 - Educação e Treinamentos 46
3.5 - Valor 52
3.6 - Identidade e Cultura 56
3.7 - Metodologia de Design de Produto 64
4. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE CASO 69
4.1 - Mercado 69
4.2 - Antecedentes da pesquisa 74
- Projeto Artesão Minas 74
- Projeto Art’Estruturada 77
- Projeto Sempre-Vivas 78
- Programa SEBRAE de Artesanato 81
- Programa SEBRAE Design 82
- Centro de Integração Design Empresa/ED-UEMG 84
5. PROJETO PITANGAPORÃ: ESTUDO DE CASO 89
5.1 - Histórico - Programa Muriki 89
5.2 - Ação Multidisciplinar Integrada e Interinstitucional –
diagnóstico inicial 90
5.3 - Metodologia para o Programa Muriki 91
5.4 - Primeira etapa - período: outubro de 2003 a junho
de 2004 92
5.5 - Segunda etapa - período: julho de 2004 a dezembro
de 2004 101
5.6 - Terceira etapa - período: março a outubro de 2005 106
5.6.1 - Descrição e análise da produção 107
5.6.2 - Resultados da análise da produção 111
Tanto do ponto de vista mais abrangente, mais global, como do ponto de vista mais
regional, o artesanato tem sido considerado como uma atividade que gera amplo desen-
volvimento. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –
UNESCO1, tem uma visão global e integrada do papel cultural, social e econômico do
artesanato na vida da comunidade, povos e países. A estratégia adotada pela UNESCO
visa a preservação e o fortalecimento do artesanato, através da promoção da aproximação
e do diálogo entre artesanato e design, como aspectos separados, mas interdependentes
da mesma realidade criativa e econômica. Yair2 denomina esta estratégia como alianças
lucrativas. De acordo com o Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento
da UNESCO3, estima-se que o artesanato represente cerca de um quarto das microem-
presas no mundo em desenvolvimento.
Nos dados apresentados em 2002 pelo Programa do Artesanato Brasileiro – PAB4, do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC, o segmento artesa-
1 UNESCO has a global and integrated vision of the cultural, social and economic role played by handicrafts
in the community life peoples and countries. UNESCO. Handcrafts and Design; Handicrafts; Seal of Excel-
lence Programme. Disponível em: http:// portal.unesco.org. Acesso em: 08 out. 2005.
2 YAIR, Karen et al. Crafting competitive advantage: crafts knowledge as a strategic resource. Design Stu-
dies. Great Britain: Elsevier Science Ltd. n. 22. p.377-394. 2001.
3 CUÉLLAR, Javier Pérez de (org.). Nossa diversidade criadora: Relatório da Comissão Mundial de Cultura
e Desenvolvimento. Brasília: UNESCO / Papirus Editora. 1997.
4 PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Ex-
terior. Brasília. Disponível em: http://pab.desenvolvimento.gov.br. Acesso em setembro de 2002.
22 Design e Artesanato
nal brasileiro envolve 8,5 milhões de pessoas em suas cadeias produtivas5, movimentando
cerca de R$ 28 bilhões por ano. O artesanato constrói a sua própria cadeia produtiva ao
mesmo tempo em que está integrado a outros sistemas produtivos, dentre os quais pode ser
destacado o turismo e a agricultura familiar.
A variedade da produção artesanal impressiona6. São fabricados objetos oriundos das
mais diversas matérias-primas como fibras, algodão, argila, pedras, metais, plumagem, ma-
deiras, materiais alternativos e reciclados, aliadas a outras tantas manifestações artísticas,
culturais e de trabalhos manuais.
5 Cadeia produtiva - Cadeias produtivas referem-se ao conjunto de etapas pelas quais passam e vão sendo
transformados e transferidos os diversos insumos, em ciclos de produção, distribuição e comercialização
de bens e serviços. Implicam divisão de trabalho, na qual cada agente ou conjunto de agentes realiza etapas
distintas do processo produtivo (SEBRAE, 2005).
6 MDIC. APEX – Made in Brazil. MDIC, 2002
7 PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Ex-
terior. Brasília. Disponível em http://pab.desenvolvimento.gov.br. Acesso em agosto de 2007.
8 UNESCO. Handcrafts and Design; Handicrafts; Seal of Excellence Programme. Disponível em: http:// por-
tal.unesco.org. Acesso em: 08 out. 2005.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 23
estas ações de cunho produtivo têm, ou deveriam ter, como premissa, o respeito aos valo-
res socioculturais e técnicos do artesão, pois atualmente são estes os valores que carregam
consigo os aspectos diferenciais demandados pelos consumidores de artesanato.
No planejamento de programas de capacitação percebe-se, muitas vezes, certa pre-
cariedade dos diagnósticos apresentados sobre os municípios ou comunidades a serem tra-
balhados, no tocante às atividades de design e artesanato. Até bem pouco tempo o foco
estava no artesão; depois a atenção foi para o produto. Se considerarmos que a principal
característica do artesanato é a de oferecer ao mercado um produto feito a mão, este foco
deveria estar voltado para ambos – artesão e produto, conforme será discutido no decorrer
desta pesquisa. Durante a participação em campo em vários projetos institucionais (capítu-
lo 4), foi possível observar que os diagnósticos eram realizados, na maioria das vezes, sem a
contribuição direta de profissionais de design de produto, principalmente com o enfoque na
produção, ou seja, com o olhar direcionado para a oferta de matéria-prima, para o artesão-
produtor e o processo produtivo, para o mercado e para a cadeia produtiva.
Outra questão que vem sendo discutida mais recentemente é a rigidez metodológica
imposta para a etapa de desenvolvimento de produtos em função de padrões institucionais
de atuação e o seu formato estanque. Não há a possibilidade de trabalhar a capacitação de ar-
tesãos de forma pasteurizada, impassível e padronizada. A flexibilidade é outra característica
importante neste segmento produtivo13. A atividade de desenvolvimento de produto artesanal
é um trabalho de construção de conhecimentos, tanto para o artesão como para o designer de
produto. Conforme Gui Bonsiepe14, a ação interdisciplinar no processo de trabalho demanda
a revisão de métodos, e as experiências relatadas por Vinaccia15 e Barraza16 demonstram a
possibilidade desta adequação em situações particulares do trabalho artesanal.
A produção artesanal já se apresenta, em muitos casos, sob formas jurídicas, princi-
palmente como cooperativas, no mesmo plano que micro e pequenas empresas, com neces-
sidades semelhantes – adequação do produto final às tendências de mercado e a novas fun-
cionalidades, adaptação do processo produtivo, equipamentos e tecnologias de produção e
utilização de novas matérias-primas. Este novo enfoque, com respeito às suas peculiarida-
des simbólicas e culturais do setor artesanal, vem quebrando preconceitos e resistências, e
projetos voltados para a produção, design e artesanato começam a ser discutidos e iniciados
também no meio acadêmico, com o objetivo de realizar estudos que contribuam para o de-
senvolvimento do setor e para a formação de alunos que optem por atuar nesta área.
A partir do cenário exposto, o objetivo deste trabalho é (1) buscar compreender os prin-
cípios e as particularidades da produção artesanal, para a (2) geração de estratégias mais apro-
13 DORFLES, Gillo. El Diseño Industrial y su Estética. Barcelona: Editorial Labor S. A. 1978. YAIR, Karen
et al. Crafting competitive advantage: crafts knowledge as a strategic resource. Design Studies. Great
Britain: Elsevier Science Ltd. n. 22. p.377-394. 2001.
14 BONSIEPE, Gui. Tendências no Discurso do Design. In: Fórum Internacional Design e Diversidade Cultural
- ANAIS. Florianópolis. FIESC, SENAI e Laboratório Brasileiro de Design Industrial. 1995. p 111-116. 1995.
15 VINACCIA, Giulio. Design e Diversidade Cultural. Fórum Internacional Design e Diversidade Cultural -
Anais. Florianópolis: FIESC, SENAI e Laboratório Brasileiro de Design Industrial. p. 41-46. 1995.
16 BARRAZA, John Chamers. Design, Artesanato e Desenvolvimento Regional. Fórum Internacional De-
sign e Diversidade Cultural - Anais. 1995. FIESC, SENAI e Laboratório Brasileiro de Design Industrial.
Florianópolis. p 29-31. 1995.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 25
Essa definição clássica, de caráter multidisciplinar, pode parecer inusitada, à primeira vista,
quando se trata de artesanato ou produto artesanal. No entanto, este setor abrange todo este pro-
cesso de desenvolvimento. A atividade artesanal se projeta como um fato econômico porque,
inserida no campo do trabalho, acaba por se constituir em um problema de produção18.
Os aspectos produtivos devem ser considerados com cautela. Um novo produto pode
apresentar-se como competitivo, mas se as condições de produzi-lo não estiverem bem di-
mensionadas, o artesão pode ter a frustração como consequência. Produtos bem conceitu-
ados e com bom acabamento, muitas vezes têm sua produção comprometida em função de
ferramentas e condições de trabalho inadequadas e mão de obra desqualificada.
Alguns dos exemplos apresentados pelo Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC19,
em 1976, demonstram que esta discussão é uma preocupação de longa data:
24 KOTLER. Philip e KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. São Paulo: Pearson Education do
Brasil Ltda. 2005.
28 Design e Artesanato
deste plano, composta por alunos dos cursos de design de produto e design gráfico, na época,
estagiários do Centro de Integração Design-Empresa – Centro IDE (ED-UEMG).
Posteriormente, em uma fase mais avançada do processo de implementação, o tra-
balho e a pesquisa contaram com o apoio do Laboratório Integrado de Design e Enge-
nharia de Produto – LIDEP (DEP-UFMG). Essa foi uma etapa direcionada para o sistema
produtivo, no tocante às condições e organização do trabalho no processo de desenvolvi-
mento de produtos.
A inserção de ações de desenvolvimento de produtos artesanais tem sido direcionada
para o trabalho com grupos produtivos, conforme demonstra o Projeto Artesão Minas, re-
alizado pelo Centro CAPE, em 1997, o Projeto Art’Estruturada26, e o Programa Sebrae de
Artesanato27. Na fase inicial de implantação desses programas de incremento do setor, os
grupos se caracterizavam por uma formação heterogênea no tocante à faixa etária, técnicas
produtivas, artesãos muito experientes com indivíduos que começavam a buscar nesta ati-
vidade uma oportunidade de trabalho e renda.
Atualmente, a preocupação está em trabalhar com grupos mais homogêneos, pelo me-
nos no que se refere à técnica produtiva. De um modo geral, o objetivo das ações de capaci-
tação é formar grupos independentes, ou seja, capazes de conduzir suas atividades de modo
a garantir a continuidade das ações iniciadas pelas instituições de apoio. Neste sentido, a
metodologia de pesquisa-ação foi identificada como apropriada, pois trata de uma linha de
pesquisa associada a ações coletivas.
Segundo Michel Thiollent28:
3.1 - ARTESANATO
O artesanato está presente no cotidiano do homem desde os povos mais primitivos.
Adveio das necessidades do indivíduo de se alimentar, de se proteger e de se expressar. Foi
sem dúvida um processo empírico de desenvolvimento operacional e do estabelecimento de
ocupações mais específicas na formação social, o que deu origem a artesãos de vários gêne-
ros. A produção era apenas o suficiente para suprir à demanda local35. Mecanismos de troca
de mercadorias movimentavam e estimulavam a economia e, com isso, promoveram o de-
senvolvimento de habilidades técnicas e criativas, o que deu origem à formação de grupos
sociais produtivos que se organizavam como clãs, geralmente familiares, como corporações,
ou como tribos e quilombos, considerando nossos antepassados brasileiros. A atividade do
artesão consistia em dominar todo o processo produtivo, da concepção ao produto acabado
e à sua comercialização.
Na Grécia, século V a.C., o trabalho artesanal era definido como artes industriais,
quando já predominavam as indústrias domésticas36. Nas corporações medievais, havia en-
tre as artes liberais e as artes mecânicas duas atividades distintas: a primeira, de produção
35 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
36 PEREIRA, José Carlos da Costa. Artesanato – definições, evolução e ação do Ministério do Trabalho
– Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Brasília: Ministério do Trabalho. 1979.
34 Design e Artesanato
Nos dias de hoje, esta é uma situação que pode ser percebida em alguns segmentos
produtivos, como na tecelagem ou na cerâmica, ou em produções que utilizam como maté-
ria-prima a pedra-sabão, a palha de milho, a madeira, dentre outras.
A meta naquela fase do capitalismo consistia na otimização da capacidade produtiva,
ou seja, trabalhar no limite. Na sequência, veio a evolução da manufatura com o surgimento
da mecanização e o desenvolvimento da maquinaria. Moraes Neto42 coloca que o ser hu-
mano deixa de ser a unidade dominante do processo de trabalho. Ou nas palavras de
Marx43, a máquina substitui a força muscular humana.
O homem que produzia o produto passa a produzir a maquinaria que produz o produ-
to. Uma forma de produzir mais e vender mais. Os custos de produção vão diminuindo na
relação inversa dos lucros, que aumentam e fortalecem o capitalismo, através da promoção
do consumo de massa.
37 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
38 PEREIRA, José Carlos da Costa. Artesanato – definições, evolução e ação do Ministério do Trabalho – Pro-
grama Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Brasília: Ministério do Trabalho. 1979.
39 MORAES NETO, Benedito Rodrigues. A evolução dos processos de trabalho e a natureza da moderna
automação. Estudos de Sociologia. São Paulo: UNESP. Vol. 1. 1996.
40 MARX, Carl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A. 1980.
41 MARX, Carl. Op. cit.
42 MORAES NETO, Op. cit.
43 MARX, Carl. Op. cit.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 35
No Brasil Colônia, segundo Pereira44, com a expansão dos núcleos populacionais, a ati-
vidade artesanal se diversificava e se desenvolvia de acordo com as demandas e oportunida-
des, apesar de ainda não serem considerados, na sua maioria, como artesãos de grande ex-
periência. A produção artesanal concentrava-se nas necessidades locais de aldeias, vilarejos
e fazendas. Posteriormente, com o advento da urbanização, o artesanato passa a encontrar
mais condições de atuação e de aprimoramento. Nesse processo civilizatório, o artesanato
teve grandes contribuições estéticas, produtivas e educativas dos mestres e artistas vindos
de Portugal. No entanto, com a industrialização, o artesanato passa a ser considerado não
mais um ofício, mas como uma atividade ligada ao folclore, à cultura popular, ou como tra-
balhos de presidiários e hippies, sendo então excluído da dimensão do trabalho, provocan-
do o desaparecimento de algumas destas atividades ou dando-lhes novas configurações45.
O povo brasileiro é reconhecido no mundo como um povo criativo e expressivo. Neste
sentido a colocação de Aloísio Magalhães46 sobre o artesanato no Brasil é curiosa e provocativa:
Diria de início, que, na realidade, dentro dos padrões ortodoxos, não existe arte-
sanato no Brasil. O que existe é uma disponibilidade imensa para o fazer. Apro-
ximamo-nos, agora, de um possível raciocínio ligado ao problema artesanal. Pa-
rece-me que, no caso brasileiro, toda atividade com características de artesanato,
ou seja, pequena intermediação entre a mão que faz e o objeto que se usa, são
formas iniciais de uma atividade que quer evoluir na direção de maior complexi-
dade tecnológica para resultados mais efetivos. Talvez seja preciso dizer que, não
existindo tradições profundas, nem cristalização no trato da matéria-prima – que
constituiriam características do artesanato clássico, o que devemos fazer no Bra-
44 PEREIRA, José Carlos da Costa. Artesanato – definições, evolução e ação do Ministério do Trabalho – Pro-
grama Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Brasília: Ministério do Trabalho. 1979.
45 PEREIRA, José Carlos da Costa. Op. cit. e YAIR, Karen et al. Design through making: crafts knowledge as
facilitator to collaborative new product development. Design Studies. Great Britain: Elsevier Science Ltd.
n. 20. p.495-515. 1999.
46 Designer brasileiro responsável pela fundação da Escola Superior de Desenho Industrial - ESDI, primeiro
curso de design em nível superior no país e um dos pioneiros da atividade no Brasil. Aloísio Magalhães desen-
volveu projetos conhecidos nacional e internacionalmente, como a identidade visual da Petrobrás (alterada a
alguns anos), o desenho das notas do cruzeiro novo e o símbolo do IV centenário do Rio de Janeiro.
36 Design e Artesanato
sil é observar essa disposição, essa presença de um índice muito alto de invenção,
na busca de peculiaridades a serem estimuladas, criando-se, assim, condições
para que o processo se desenvolva em harmonia. É possível, até, caracterizar-se
essa alta inventividade como uma atitude que se poderia chamar de pré-design: o
homem brasileiro estaria intuitivamente mais próximo de conceitos de design do
que propriamente artesanais, no sentido clássico.47
Nos tempos atuais, o artesanato adquire novas dimensões que buscam revitalizar
a atividade. Ele é destacado como portador de elementos culturais, simboliza autenti-
cidade e promove a educação. Do ponto de vista econômico, é uma atividade que gera
trabalho e renda, e adquire a função social. Sob ambos os aspectos, é uma atividade que
deveria contribuir para a melhoria da qualidade de vida. O artesanato é um trabalho que
pode ser feito em qualquer lugar e em qualquer tempo. Segundo Pereira48, o artesanato
proporciona mais emprego e produção com menos dispêndio de capital e, por isto,
se torna importante fator de fomento social e econômico. Da mesma forma, Cuéllar49
coloca que unidades de produção artesanal podem ser instaladas com investimento
praticamente zero, particularmente nas comunidades em que as tradições perma-
necem vivas.
(...) é uma atividade com finalidades comerciais, que pode ser desenvolvida com
ou sem o uso de máquinas rudimentares, onde predomina a habilidade manual e
a criatividade de seu agente produtor, e desde que a sua produção não se realize
em série.
Os produtos artesanais têm sido classificados em diversas categorias talvez como uma
forma de facilitar a identificação do tipo de sistema produtivo e de faixa de mercado con-
sumidor. Algumas das definições de categorias mais utilizadas em projetos e programas
de incremento do setor produtivo de base artesanal são as apresentadas pelo Programa
47 FIESP/CIESP. Artesanato e Desenho Industrial: um processo contínuo. São Paulo: Núcleo de Desenho
Industrial / CIESP. 1981.
48 PEREIRA, José Carlos da Costa. Artesanato – definições, evolução e ação do Ministério do Trabalho – Pro-
grama Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Brasília: Ministério do Trabalho. 1979.
49 CUÉLLAR, Javier Pérez de (org.). Nossa diversidade criadora: Relatório da Comissão Mundial de Cultura
e Desenvolvimento. Brasília: UNESCO / Papirus Editora. 1997.
50 SOUZA, Tereza de. Uma estratégia de Marketing para o Artesanato do Rio Grande do Norte. Tese
(Doutorado em Administração). Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 1991.
51 SOUZA, Op.cit.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 37
3.2 - ARTESÃO
O artesão se caracteriza pela prática de atividades manuais. De acordo com observações
feitas em campo, foi possível perceber diversas formas de relação entre os produtores de base
artesanal com o seu trabalho e suas diversas formas de aprendizado. Muitos artesãos dedicam-
se exclusivamente a esta atividade enquanto outros a mantêm como uma complementação de
renda ou, como eles mesmos dizem, “qualquer serviço ajuda”. Na sua maioria são pessoas sim-
ples que almejam obter melhores condições para atender às suas necessidades básicas de sobre-
vivência. O grau de escolaridade do artesão ainda é, na maioria dos casos, a formação elementar.
Alguns não sabem ler e escrever, e aprenderam os seus ofícios com familiares, atravessando ge-
rações, onde a relação mestre-aprendiz ainda resiste. Segundo consta no Dicionário do Folclore
Brasileiro58, mestre é o título dado aos peritos trabalhadores manuais; é uma reminiscência,
como nome de tratamento respeitoso, do artesão medieval, consciente de sua dignidade
funcional. Parte dos artesãos aprendeu através de programas de televisão ou através de re-
vistas periódicas de técnicas artesanais que, geralmente, utilizam matérias-primas de origem
industrial. Outros resolveram experimentarem sozinhos a partir da identificação com uma ha-
bilidade manual ou com um tipo de matéria-prima. Alguns têm curso superior e buscam nesta
atividade uma maneira de realização e qualidade de vida, e também de sustento.
58 CASCUDO, Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: EDUSP. 1988.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 39
às comunidades rurais são precárias. Aquelas artesãs que tem mais peças deixam-nas
acumuladas sobre uma lona ou pequenas coberturas de madeira improvisadas, ou den-
tro de casa, situações que ocasionam muitas quebras.
Ainda em relação ao escoamento da produção, outra situação que aparece como
nova para o artesão é a dificuldade de estabelecer uma logística de transporte para
seus produtos. As feiras estaduais, nacionais e internacionais realizadas para a pro-
moção do artesanato têm sido as oportunidades de concentrar a diversidade da pro-
dução brasileira e gerar novas oportunidades de negócios. A partir destes eventos, já
é comum o contato e a transação comercial serem realizados através das tecnologias
de comunicação cada vez mais amplas e disponíveis, facilitando, dessa forma, o acesso
a locais mais distantes.
Os aspectos produtivos artesanais, um trabalho predominantemente manual, e o
uso de máquinas e ferramentas eram, e ainda são, de forma simples e rudimentar. Mui-
tas vezes o artesão criava e construía seus instrumentos, outro aspecto característico
deste segmento. A aquisição de recursos melhores era de mais difícil acesso e a infra-
estrutura das comunidades era precária, como por exemplo, sistemas de eletrificação,
água e transportes, situação essa que mudou consideravelmente para melhor, o que
vem permitindo ao artesão repensar e melhorar as suas condições de trabalho. Novas
ferramentas e máquinas simples, porém com mais recursos e funções, são colocadas no
mercado, ou seja, a evolução técnica e produtiva torna-se inevitável. Além de máquinas
e ferramentas novas, a prática da comercialização de máquinas e ferramentas usadas
também foi intensificada. Dessa forma, neste processo, o cuidado deveria estar em mos-
trar para o artesão que alguns destes novos recursos podem comprometer o acabamen-
to final e a originalidade técnica das peças.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 43
63 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. CD
ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
64 PROJETO ART’ESTRUTURADA. Diagnósticos e processo de revitalização do produto artesanal. Belo
Horizonte: Programa SEBRAE de Artesanato, SEBRAE-Minas, Centro CAPE, Central Mãos de Minas. 1998.
65 MOTTA, Fernando C. P. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Pioneira. 1998.
66 JURAN, J. M. A Qualidade desde o Projeto. São Paulo: Pioneira. 1992.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 45
Esclarecidas algumas das razões que levam um grupo de pessoas a cooperar, a partir do
momento que um grupo informal de artesãos decide estabelecer um sistema cooperado de
produção, é necessária a tomada de providências para formalizar este grupo. Além do esta-
belecimento de um estatuto que se refere às leis orgânicas que governam este tipo de organi-
zação, é necessário o planejamento estratégico para o empreendimento, com metas precisas,
e o planejamento operacional, tratando de garantir um bom andamento do trabalho, da men-
suração dos recursos, da adequação do mercado aos métodos de produção. É principalmente
no planejamento operacional que se encontra a resistência do artesão, pois a informalidade
é certamente uma situação cômoda no que diz respeito a não ter que trabalhar em função de
normas, a não ser as estabelecidas por ele. Porém, em uma produção cooperada, as normas
sãs fundamentais para garantir a otimização da produção68. Motta69 diz que seria ingenuidade,
nos dias atuais, acreditar que microestruturas produtivas não precisem mudar.
67 PROJETO ART’ESTRUTURADA. Diagnósticos e processo de revitalização do produto artesanal. Belo
Horizonte: Programa SEBRAE de Artesanato, SEBRAE-Minas, Centro CAPE, Central Mãos de Minas. 1998.
68 HILLEBRAND, Bas e BIEMANS, Wim G. The relationship between internal and external cooperation:
literature review and propositions. Journal of Business Research. Great Britain: Elsevier Science Ltd.
n. 56. p.735-743. 2003.
MOTTA, Fernando C. P. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Pioneira. 1998.
69 MOTTA, Op. cit.
46 Design e Artesanato
Segundo Souza70:
Qualidade significa adequação ao uso71, mesmo que seu uso seja transcendente à
parte prática. Se o produto atende às necessidades do usuário, ou seja, do cliente, ele é um
produto de qualidade. Então, se considerarmos uma cooperativa de artesãos como uma
estrutura semelhante ao de uma empresa, alguns processos gerenciais são fundamentais
para se alcançar essas metas de qualidade. Juran destaca os passos universais do mapa
rodoviário de planejamento de qualidade formado pelas seguintes atividades:
• identificar metas de qualidade;
• identificar os clientes;
• determinar necessidades dos clientes;
• desenvolver características no produto;
• desenvolver características do processo;
• estabelecer controles do processo e transferir para operações.
Estas atividades também podem ser aplicadas em uma cooperativa de artesãos des-
de que sejam considerados os parâmetros que caracterizam a sua produção como o “feito
à mão”, a expressividade ou a diversidade técnica e de matérias-primas, dentre outros. A
Análise de Pareto72, para estas especificidades da produção artesanal, é um fenômeno que
também ocorre nas cooperativas, quando um produto de maior trabalhabilidade e represen-
tatividade cultural, de longo período de produção, e, portanto, de maior valor de mercado,
equivale a uma série de outros de menor destaque.
Neste conjunto de aspectos, observa-se que o que se espera com uma produção coo-
perada é a criação de uma nova classe gerencial composta de pessoas capazes de combinar
criatividade, competência técnica e organizativa e espírito empreendedor.
70 SOUZA, Tereza de. Uma estratégia de Marketing para o Artesanato do Rio Grande do Norte. Tese
(Doutorado em Administração). Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 1991.
71 JURAN, J. M. A Qualidade desde o Projeto. São Paulo: Pioneira. 1992.
72 JURAN, Op. cit.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 47
73 NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japo-
nesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus. 3a. ed. 1997.
74 FLEURY, Maria Tereza Leme. Equipes que aprendem, organizações que aprendem. Programa Educar
na Sociedade da Informação – Cidade do Conhecimento - USP. Disponível em http:// www.cidade.usp.br.
Acesso em: jul. 2005.
75 FREITAS, Rubens C. Mapeamento das competências. Palestra proferida nas unidades do SENAC/NE.
Rio de Janeiro: Treinacom Competências Ltda. 2005.
76 FLEURY, Maria Tereza Leme. Equipes que aprendem, organizações que aprendem. Programa Educar
na Sociedade da Informação – Cidade do Conhecimento - USP. Disponível em http:// www.cidade.usp.br.
Acesso em: jul. 2005.
48 Design e Artesanato
Figura 8 - Encontro de três gerações - oficina de design promovida pelo Projeto Artesão
Minas, em 1977, no município de Resende Costa, MG.
77 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 49
colhido é formado e reage aos processos, bem como seu potencial como veículo de
expressão.” 78
78 Crafts education and practice is centred on a dialogue between creativity, materials and skill, the
maker developing ideas by combining conceptual vision with manipulation of the object. A crafts
education instills in its students a unique tacit knowledge of how the chosen material is formed
and reacts to processes, as well as its potential as a vehicle for expression. YAIR, Karen et al. Design
through making: crafts knowledge as facilitator to collaborative new product development. Design
Studies. Great Britain: Elsevier Science Ltd. n. 20. p.495-515. 1999.
79 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
80 RUGIU, Op. cit.
50 Design e Artesanato
Não lhe adiantaria muito dispor de todas as demais qualidades se lhe faltasse a
prontidão para agir.
Estas três atitudes tornam-se de fato impulsionadoras quando inseridas na dimensão
da coragem, ou seja, quando o sujeito coloca-se a caminho de seu objetivo (figura 10).
Não é difícil, para o artesão, entender que as atitudes mobilizadoras em uma conduta
empreendedora estão na necessidade de desenvolver suas próprias competências82 e de
realizá-las através da prática e do aprendizado ininterrupto.
Nenhum modo de aprender é melhor do que o outro. O importante é conseguir iden-
tificar aquele que ajuda a alcançar os seus objetivos. Os procedimentos técnicos e metodo-
lógicos adotados nos programas de capacitação do artesão foram adotados para guiá-los no
atual processo de incremento do segmento produtivo de base artesanal.
Para os artesãos que optam pelo trabalho cooperado é uma condição básica realizar as
atividades de nivelamento técnico para, no mínimo, trabalhar em um padrão de qualidade
comum a todos. Todos sabem o seu ofício, mas cada um sabe de uma forma. Se desejam
trabalhar em conjunto, tem que ser treinados em conjunto, para que todos tenham o conhe-
cimento para produzir de forma mais homogênea. Todos devem entender qual o produto de
qualidade que querem produzir.
Os novos atores voltados para o desenvolvimento de produto que começam a se apro-
ximar do universo produtivo artesanal contribuem para estimular o processo criativo do
artesão levando até ele novas considerações. Da mesma forma, estes atores reconhecem a
necessidade de buscar informações do repertório cultural do artesão para, então, ser esta-
82 FREITAS, Rubens C. Mapeamento das competências. Palestra proferida nas unidades do SENAC/NE.
Rio de Janeiro: Treinacom Competências Ltda. 2005.
52 Design e Artesanato
belecida uma relação de parceria. Conforme coloca Yair83, este esforço de ambas as partes
reforça a carência de uma fase preparatória concisa que, mesmo assim, depende de aspec-
tos subjetivos, como por exemplo, a empatia e a aptidão. Este tem sido um modo de coope-
ração que tem trazido resultados surpreendentes, através do desenvolvimento de produtos
simples, sofisticados, e inovadores no sentido de aliar as técnicas tradicionais de produção
a novas tipologias de uso, além do precioso resgate das origens dos ofícios.
Os procedimentos adotados em programas de desenvolvimento de produtos poderiam
ser mais flexíveis. As metas deveriam ser avaliadas de acordo com as principais característi-
cas do grupo de produtores em foco. As atividades operativas, como aprender a calcular de
forma correta seus preços de custo e de venda, perceber se existe algum problema ou pre-
juízo na cadeia produtiva do produto, ampliar sua rede de relacionamentos, tem merecido
mais atenção e mais atitude por parte do artesão, habituado a contar sempre com o apoio
de um profissional de design de produto. “Eles (os artesãos) esperam que o designer
tenha todas as respostas.”84. Os artesãos estão sendo preparados para serem vistos como
multiplicadores das informações e dos conhecimentos adquiridos. A estratégia é formar o
homem para formar o sistema. Nem sempre é tão importante se preocupar com a criação
de uma marca, se o produto e o processo técnico-produtivo não estão afinados. A marca
é apenas um pequeno elemento no gerenciamento de uma identidade e imagem85. Já
vimos até aqui que os aspectos que elevam a imagem do artesanato e estabelecem a sua
identidade encontram-se nos valores sociais e no repertório cultural do artesão.
3.5 - VALOR
Os valores são a chave para a evolução de uma sociedade sustentável não apenas
porque influenciam o comportamento, mas também porque determinam as prio-
ridades desta sociedade, habilitando-a, assim, a sobreviver. Ao longo do tempo, os
valores mudam de acordo com as circunstâncias. Se assim não fosse, a sociedade
não perduraria86.
dos produtos, e é considerada de grande importância para as empresas que queiram criar novas
oportunidades de negócios e dar continuidade aos seus empreendimentos87.
A diferença entre Análise de Valor e Engenharia de Valor é basicamente o momento
em que se está aplicando. A análise de valor é um conjunto sistematizado de esforços
e métodos destinados a reduzir o custo total de um produto, processo ou serviço,
mantendo ou melhorando sua qualidade. A engenharia de valor refere-se a produtos,
processos e serviços novos ainda na fase de projeto88. A Análise de Valor atua durante
o início do processo de produção até a venda e apuração do resultado. O plano de trabalho
da Análise de Valor é orientado por uma sequência metodológica que consiste na coleta
e análise de informações, abordagem funcional, geração de ideias, seleção de ideias e im-
plementações, sequência semelhante àquelas encontradas nas metodologias de design de
produto89 e do processo criativo90.
Os valores são circunstanciais, isto é, dependem da situação ou do estado do consu-
midor, de acordo com o momento. Um produto deve realizar as necessidades ou desejos
do consumidor a fim de ter valor91. A aceitação do consumidor é a medida direta do
valor92. A aquisição e conservação de bens materiais são escolhas do consumidor baseada
no valor, um termo adotado nas atividades de desenvolvimento de produto sob várias pers-
pectivas. Csillag93 apresenta os seguintes conceitos sob o ponto de vista econômico:
• Valor de custo, como sendo o total de recursos medido em dinheiro, necessá-
rio para produzir/obter um objeto;
• Valor de uso, como a medida monetária das propriedades ou qualidades
que possibilitam o desempenho de uso, trabalho ou serviço;
• Valor de estima, com a medida monetária das propriedades, características
ou atratividades que tornam desejável sua posse;
• Valor de troca, como a medida monetária das propriedades ou qualidades
de um item que possibilitam sua troca por outra coisa.
Valor é um atributo agregado. Segundo a definição no Dicionário Aurélio94, valor agrega-
do significa valor adicionado. No dicionário Michaellis95 significa algo com benefício extra
para o usuário. O valor de um produto, seja qual for a atividade desempenhada por ele, é
baseado em duas funções elementares – a função de uso e a função de estima. Uma função é
definida como toda e qualquer atividade que um produto desempenha96. A função de uso está
87 CSILLAG, João Mário. Análise do Valor – Metodologia do Valor. São Paulo: Editora Atlas. 1991.
88 IETEC. Instituto de Educação Tecnológica. Disponível em www.ietec.com.br. Acesso em: jan. 2006.
89 BAXTER, Mike. Projeto de Produto. 1. ed. São Paulo: Ed. Edgar Blucher. 1995.
90 CARVALHO, José Leão. Pensamento Atitudinal e Metodologia do Processo Criativo. Apostila do Curso
Básico do Instituto Latino Americano de Criatividade e Estratégia. São Paulo: ILACE. 1988.
91 A product must fulfill a user’s need or want in order to have value.
FOWLER, Theodore C. Value Analysis in Design. New York: Van Nostrand Reinhold. 1990.
92 This user acceptance is a direct measure of worth. (FOWLER, Op. cit.).
93 CSILLAG, João Mário. Análise do Valor – Metodologia do Valor. São Paulo: Editora Atlas. 1991.
94 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. CD
ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
95 CD UOL. 1998.
96 CSILLAG, João Mário. Análise do Valor – Metodologia do Valor. São Paulo: Editora Atlas. 1991.
54 Design e Artesanato
diretamente relacionada com o valor de uso do produto e envolve atividades que exprimem
o desempenho técnico de utilização. A função de estima está diretamente relacionada com
o valor de prestígio do produto, envolvendo atividades que auxiliam as vendas do produto,
dotando-o de beleza, status, moda, etc, ou seja, tornando desejável a sua posse.
O valor de uso é a capacidade de um bem de satisfazer necessidades humanas97, está
relacionado à funcionalidade prática. Segundo Marx98, a utilidade de uma coisa faz dela va-
lor de uso, e este só se realiza com a utilização ou o consumo. O valor de estima é dotado
de qualidades mais subjetivas, condicionadas à hermenêutica, a disciplina da interpretação,
ou seja, à semântica.
De acordo com Krippendorff99:
A forma de um artefato, suas superfícies reflexivas, pode ser o que uma câmera
responde, mas para nós seres humanos, isto é sempre interpretado como tendo
um nome, tendo uma história de uso reconhecida, como sendo composto de outras
coisas ou sendo capaz de amparar um modo de viver. Se o significado de um objeto
não está claro para nós, nós podemos nos sentir convidados a explorar ou brincar
com ele até que tenhamos adquirido uma compreensão prática sobre ele. Desta
forma, o significado de algo não reside na sua superfície. Ele emerge no uso, com
a prática, a prática de viver o ambiente e contextos específicos, toda vez que nós
cognitivamente conectamos nossas ações e percepções em uma perspectiva circu-
lar. Os significados então construídos apóiam nosso modo de viver, penetrando a
superfície tão fundo quanto nosso conhecimento pode chegar e envolvendo nossa
capacidade cognitiva quanto mais interagimos com ele (significado).100
O valor de estima muitas vezes está acima do valor de uso. Em situações corriqueiras
este fato se destaca, como por exemplo, conforme coloca Martins101: é mais gostoso o beiju
97 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. CD
ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
98 MARX, Carl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A. 1980.
99 KRIPPENDORFF, Klaus. Product Semantics; A Triangulation and Four Design Theories. In: Product
Semantics ’89 Conference - ANAIS. Helsinki: Publications of the University of Industrial Arts UIAH A4. p
a3-a23. 1990.
100 The form of an artifact, its reflecting surfaces, may be what a camera responds to, but for us as
human users, it always already is interpreted by having a name, by having a recognizable history of
use, by being composed of other things or by being able to support a practice of living. If the meaning
of an object is not clear to us, we may feel invited to explore or play with it until it is, until we have
acquired a practical understanding. Thus, the meaning of something does not lie on its surface. It
emerges in use, with practice, the practice of living with our environment and in particular contexts,
whenever we cognitively connect our actions and perceptions in an experiential circle use. The mea-
nings thus constructed support our practice of living by penetrating a surface as deep as our unders-
tanding goes and by involving as much of our cognition as participates in interaction with it.
KRIPPENDORFF, Klaus. Product Semantics; A Triangulation and Four Design Theories. In: Product
Semantics ’89 Conference - ANAIS. Helsinki: Publications of the University of Industrial Arts UIAH A4. p
a3-a23. 1990.
101 MARTINS, Saul. Contribuição ao estudo científico do artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. 1973.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 55
cuja massa é sessada102 na peneira fina de taquara; o peixe tratado na gamela rasa
de imburana; a feijoada servida em vasilha de barro; o arroz afogado em frigideira
de pedra. É mais gostoso tomar um cafezinho numa caneca de esmalte (figura 11). A sen-
sação bucólica satisfaz o consumidor, mesmo quando existe uma inadequação funcional. A
caneca de esmalte foi desenvolvida para acompanhar o bule, recipiente para acondicionar o
café e que geralmente ficava à beira do fogão de lenha, preservando uma temperatura mor-
na para a bebida, o que era conveniente para os materiais utilizados na fabricação destes
utensílios. Atualmente o café é acondicionado em garrafas térmicas, que mantém a bebida
mais quente por mais tempo, fazendo com que muitas pessoas queimem os lábios ao utilizar
esta canequinha.
Segundo Caldas104:
O valor de um produto artesanal, atualmente, parece que tem sido caracterizado mais
pela estima do que pelo uso. Poderíamos dizer que é um produto de caráter estesiogênico,
isto é, que provoca sensações e sentimentos105. O produto artesanal é dotado da expressão
pessoal do artesão, fruto da sua criatividade e habilidade técnica106, e também fruto da rela-
ção com a sua sociedade de procedência. Neste sentido, Caldas107 define:
104 CALDAS, Dário. Observatório de Sinais – teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro:
Editora SENAC Rio. 2004.
105 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
CD ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
106 DORMER, Peter. Os significados do design moderno – A caminho do século XXI. Portugal: Centro
Português de Design. 1995.
107 CALDAS, Dário. Observatório de Sinais – teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro:
Editora SENAC Rio. 2004.
108 FUNDAÇÃO IBGE. Tipos e aspectos do Brasil. Excertos da Revista Brasileira de Geografia. Rio de
Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia. 1970.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 57
109 Cultura: um complexo de comportamentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras
aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade (BARSA, 1970; IEPHA, 2005).
110 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
CD ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
111 IEPHA. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. Disponível em: www.
iepha.gov.br. Acesso em: nov. 2005.
112 UNESCO. Handcrafts and Design; Handicrafts; Seal of Excellence Programme. Disponível em: http://
portal.unesco.org. Acesso em: 08 out. 2005.
113 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Disponível em: www.iphan.gov.br. Acesso em: nov. 2005.
58 Design e Artesanato
114 DORMER, Peter. Os significados do design moderno – A caminho do século XXI. Portugal: Centro
Português de Design. 1995.
115 CASCUDO, Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: EDUSP. 1988.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 59
lar face a face118, procedimento didático verificado por Rugiu119 como inerente à relação
mestre-aprendiz.
A crendice popular pode interferir no processo de produção do artesanato, como por
exemplo, na colheita de algumas matérias-primas120. Segundo a tradição, para o corte de
algumas plantas para a obtenção de fibras, é recomendável que seja feito durante os meses
que não tem “R” (maio, junho, julho e agosto) para que o produto confeccionado tenha
maior durabilidade. Especula-se que uma explicação técnica seja o fato de realizar o corte
no período da seca. Recomenda-se também esse corte aconteça durante a fase minguante
da lua. Na lua minguante a seiva concentra-se mais na base da planta, o que poderia vir a
favorecer o processo de secagem. Essas são medidas adotadas por alguns artesãos para
garantir que o objeto feito com determinados tipos de matéria-prima vegetais conserve-se
mais, minimizando, dessa forma, o risco de dar caruncho, ou broca, definição dada aos inse-
tos que corroem ou perfuram tais materiais121.
Para a produção de objetos artesanais, o artesão tem de vencer as etapas de colheita
e preparo da matéria-prima. Na prática da tecelagem tradicional, por exemplo, a matéria-
prima vem da plantação de algodoeiros ou da criação de carneiros. O algodão ou a lã era
lavado, secado, cardado122 e fiado, ou seja, transformado em fio. A fiação é feita por meio da
roca de fiar. Em seguida é realizado o processo de tingimento, utilizando-se de pigmentos
naturais. Concluída esta fase de preparação, a matéria-prima está pronta para ir para o tear
para a confecção de colchas e outros panos diversos. É feita a urdidura, um processo demo-
rado de montagem dos fios e, em seguida, é iniciada a tecedura123.
A taquara, matéria-prima usada para a confecção de esteiras de teto e outras peças,
é outro exemplo. Para encontrar a planta, o artesão sai cedo de casa e caminha geralmen-
te de uma a duas horas no mato para chegar ao seu habitat. A taquara cresce em lugares
úmidos. O ato da colheita obedece aos critérios de preservação da planta. De volta ao seu
local de trabalho, geralmente em casa, a matéria-prima é preparada para então ser iniciada
a confecção dos produtos.
São rígidos os laços entre o artesão, matéria-prima e forma de vida124. O artesão
conhece profundamente o material com que trabalha, o que é e como se comporta, fato
que proporciona bom desempenho no processo de produção. Cada matéria-prima reage à
118 LASTRES, Helena M. M.; CASSIOLATO, José Eduardo; MACIEL, Maria Lúcia (org.). Pequena Em-
presa – cooperação e desenvolvimento local. Rio de janeiro: Relume Dumará Editora, UFRJ – Instituto
de Economia. 2004.
119 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
120 RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Inquérito sobre práticas e superstições agrícolas de Minas
Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da educação e Cultura. 1971.
121 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
CD ROM. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lexikon Informática Ltda. 1999.
122 Cardar: pentear com carda, Instrumento constituído de um banco ao qual se apóia uma espécie de
grande pente com dentes de madeira, compridos e bastante próximos, e que serve para desembaraçar o
cânhamo, o linho, a lã, etc.
123 SANTOS, Micênio Carlos Lopes dos e SILVA, Gustavo Melo. Tear: artesanato de Resende Costa. São
João Del Rei: FUNREI. 1997.
124 MARTINS, Saul. Contribuição ao estudo científico do artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. 1973.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 61
manipulação de uma forma diferente. A mesma matéria-prima pode reagir de várias formas;
isso depende da habilidade, da criatividade e da experiência do artesão. Fibra de bananeira,
sisal, buriti, indaiá, piaçava, taboa, bambu, taquara, sementes, pedra de cantaria, cristal,
pedra semi-preciosa, pedra preciosa, pedra-sabão, pedra pomes, concha, pedras decora-
tivas, papel machê, sempre-viva, palha de milho, argila, areia, madeira, minerais, metais,
borracha, penas, ossos e pigmentos, são alguns exemplos de matérias-primas oferecidas
pela natureza.
O meio ambiente é um aspecto determinante na definição do tipo de artesanato. Uma
panela é feita de barro em uma região, e noutra, é feita de pedra.
O buriti, um tipo de palmeira típica do noroeste do Estado de Minas Gerais, cresce no
meio das veredas, um lugar cheio de água. A árvore é matéria-prima para o artesanato típi-
co. Em Urucuia, cidade da região, os artesãos têm consciência da importância desta planta
e dos cuidados necessários para preservá-la. A extração do material é feita apenas em áreas
autorizadas e com todos os cuidados recomendados para a sua preservação. Os artesãos
aproveitam a casca, a palha e o talo do Buriti. Desses materiais surgem esteiras, cortinas,
caixinhas e tudo mais que o material permitir125.
Como matérias-primas artificiais, ou seja, aquelas que já passaram por um processo de
transformação, podemos considerar os materiais industriais, como por exemplo, linhas, aço,
vidro, tintas, cimento, concreto, além dos materiais recicláveis e das sucatas. O que antes
não valia nada, agora vira artesanato. Recentemente, tem-se visto o aumento gradual do
uso de materiais reciclados pelos artesãos em seu trabalho, incorporando itens de
sustentabilidade ao seu ofício126. O artesanato contemporâneo geralmente é produzido
por indivíduos com maior grau de escolaridade, em geral do meio urbano127. Os produtos
são determinados por uma demanda de mercado arraigada a uma demanda social de âm-
bito econômico e ambiental. A semelhança com o artesanato tradicional concentra-se nos
princípios do modo de fazer.
O artesanato contemporâneo conceitual tem outros valores, atende a outras necessi-
dades e promove a interação do indivíduo com o meio em que vive, de uma maneira distinta
daquela anterior, da época das corporações de ofício. O artesão-artista provoca polêmicas e
reflexões através do uso inusitado de materiais. O trabalho realizado pelos irmãos Fernando
e Humberto Campana, de certo modo demonstra a viabilidade de levar para a indústria as
características particulares do artesanato como um valor de estima agregado128.
125 TERRA DE MINAS. Buriti - A árvore símbolo do cerrado é matéria-prima para o artesanato
típico da região noroeste. TV Globo Minas. Disponível em: http://terrademinas.globo.com. Acesso em:
out. 2005.
126 Recent years have seen craftmakers increasingly use recycled materials in the work, and
incorporate issues of sustainability into their practice. EDWARDS, K. L. The design experience: the
role of design and designers in the twenty-first century (resenha). Science Direct. Materials & Design.
No. 25. 2004.
127 BARROSO NETO, Eduardo. Design, Identidade, Cultura e Artesanato. Primeira Jornada Ibero-ame-
ricana de Design no Artesanato. Disponível em: http://www.portaldigital.com.br. Acesso em: out. 1999.
128 DOMINGUES, Vanessa. Do artesanato à indústria. Revista Arc Design. São Paulo: Quadrifólio Edito-
ra. No. 38. 2004.
62 Design e Artesanato
O artesanato contemporâneo também pode ser visto como fruto de projetos acadê-
micos em algumas escolas de design, onde os alunos têm a oportunidade de conceituar um
produto e de confeccioná-lo. Uma experiência diferente daquela de se construir um protó-
tipo como mais um passo da metodologia projetual. No artesanato cada peça será única por
mais que se queira repetir o percurso construtivo do objeto129. A ciência do fazer artesanal
retoma a sua importância como instrumento na formação do conhecimento130. É uma estra-
tégia para o desenvolvimento da educação, entendendo-a como uma atividade que promove
a formação cultural e a socialização. A arte tem um imenso poder transformador, tanto
no plano dos indivíduos quanto no da sociedade como um todo131. Nos tempos atuais,
uma grande preocupação tem sido buscar formas de registrar, preservar e dar continuidade
aos ofícios tradicionais. O desafio está em localizar os verdadeiros artesãos-mestres132, que
são as valiosas fontes de conhecimento, não somente técnico, como também didático133.
Outra preocupação de relevância diz respeito às formas de consumo. Novos critérios
são considerados no momento da escolha quando se busca pela aquisição de novos produ-
tos, inclusive no tocante ao artesanato134. As pessoas estão mais conscientes em relação
ao consumo135, seja este com ênfase na ecologia, na cultura ou na sociedade. Essa fase de
conscientização de princípios de consumo que promovem a qualidade de vida abrange prin-
cipalmente a movimentação para a incrementação do turismo, atividade considerada como
uma vocação do país, e como suporte para o artesanato.
O turismo pode ser dividido em várias categorias, por exemplo, ecológico, históri-
co, rural, místico, radical ou gastronômico. Em algumas categorias, a aproximação com
os atributos do “fazer cotidiano” é uma estratégia de agregação de valor e, por isso, tem
sido valorizada, preservada e incrementada. Os sentimentos que o patrimônio evoca são
transcendentes136. O Instituto Estrada Real137, através do Projeto Produção Associada ao
Turismo, propõe criar braços de desenvolvimento local, integrando o artesanato ao turismo.
Produção Associada ao Turismo é toda produção artesanal, agropecuária ou indus-
trial que detêm atributos naturais e/ou culturais de uma determinada localidade
129 MARTINS, Saul. Contribuição ao estudo científico do artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. 1973.
130 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
131 CIDADES VIVAS. Revista sobre as administrações municipais do PT. São Paulo: Ed. Fundação
Perseu Abramo. Edição especial. 2004.
132 BRAGA, Roberio e PAPA, Cleber. Brasil das Artes. São Paulo: São Paulo Imagem Data. 1999.
133 RUGIU, Op. cit
134 Em virtude da participação em muitas edições da Feira Nacional de Artesanato, decorrente do en-
volvimento nos projetos apresentados no capítulo 4 desta dissertação, foi possível, nestes eventos, ouvir
depoimentos de consumidores que acreditam que o consumo de produtos de base artesanal é uma forma
de reação ao processo de globalização imposto pela cultura de consumo de massa.
135 MANZINI, Ezio. Artefatti – verso una nuova ecologia dell’ambiente artificiale. Milano: Domus Acade-
my. 1990.
136 IEPHA. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. Disponível em: www.
iepha.gov.br. Acesso em: nov. 2005.
137 Instituto Estrada Real: sociedade civil sem fins lucrativos, criado por iniciativa da Federação das
Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG, cujo objetivo é fomentar negócios e turismo para o desen-
volvimento da área de influência da Estrada Real (INSTITUTO ESTRADA REAL, Op cit.).
Ana Luiza Cerqueira Freitas 63
ou região capazes de agregar valor turístico138. O “fazer cotidiano” poderia ser definido
como o conjunto de atividades que vincula o indivíduo à sociedade – conviver, sustentar,
trabalhar, cultuar, expressar. A produção artesanal integra estas atividades, e assistir e par-
ticipar desse processo tornou-se um produto do turismo. De acordo com o código de ética
da Organização Mundial do Turismo139, os empreendedores do setor de turismo, bem como
os funcionários da atividade e os turistas, devem observar as condições naturais do ambien-
te, bem como as tradições culturais e sociais e as práticas de todas as populações nativas,
incluindo as minorias e os grupos indígenas, assim como o reconhecimento do valor destes.
Neste contexto, a atividade turística deve ser conduzida em harmonia com a natureza e
com os atributos e tradições dos núcleos turísticos receptores e em respeito com suas leis,
práticas e costumes.
A ecologia140 é a busca pelo equilíbrio do homem com o meio ambiente, no seu sen-
tido mais amplo – meio ambiente natural e artificial. Manzini141 coloca que para o homem
produzir o artificial é uma atividade absolutamente natural142. Segundo o autor, por
convenção, o ambiente artificial é aquele produzido pelo homem, e suas histórias se confun-
dem. Fazer artesanato é interagir com o meio-ambiente, seja ele natural ou artificial. Neste
sentido, criar condições de sustentabilidade é criar condições que promovam a estabilidade
da atividade por um longo período, ou seja, poupar e preservar para que as gerações futu-
ras possam dar continuidade às ações iniciadas pelas gerações atuais. O grande movimento
que vem sendo feito para a promoção do artesanato, inserido ou não em outras atividades,
busca, evidentemente, obter vantagens de cunho econômico e social, com grande atenção
à questão do desemprego. A produção do artesanato integrado a atividades afins, como foi
verificado, surgiu como uma proposta de aliviar este problema, desde que não sejam igno-
rados os princípios e valores que orientam o setor. Estes processos levam consigo o risco
de uniformidade, padronização de estilo de vida e práticas culturais e por meio disso
empobrecendo a diversidade143.
É fato a importância do artesanato como um meio de preservar a cultura e as diferen-
ças que caracterizam povos de todo o mundo, e que estes são exatamente os aspectos que
mais lhe agregam valor. O valor de mercado de objetos artesanais está coligado com o valor
de estima, intrínseco ao consumidor. Partindo do pressuposto que a entrada de um elemen-
138 INSTITUTO ESTRADA REAL. Projeto Produção Associada ao Turismo. Federação das Indústrias
de Minas Gerais. Disponível em: www.estradareal.org.br. Acesso em: 16 de janeiro de 2006.
139 WOLD TOURISM ORGANIZATION. Disponível em http://www.world-tourism.org/code_ethics/eng/
global.htm. Acesso em janeiro de 2006.
140 Ecologia: Ramo das ciências humanas que estuda a estrutura e o desenvolvimento das comu-
nidades humanas em suas relações com o meio ambiente e sua conseqüente adaptação a ele, assim
como novos aspectos que os processos tecnológicos ou os sistemas de organização social possam
acarretar para as condições de vida do homem (FERREIRA, 1999).
141 MANZINI, Ezio. Artefatti – verso una nuova ecologia dell’ambiente artificiale. Milano: Domus Acade-
my. 1990.
142 Per l’uomo produrre l’artificiale é um’attività assolutamente naturale (MANZINI, 1990).
143 At the same time, these processes carry with them the risk of uniformity, standardization
of lifestyle and cultural practices and thereby impoverishing diversity (UNESCO, 2005).UNESCO.
Handcrafts and Design; Handicrafts; Seal of Excellence Programme. Disponível em: http:// portal.unesco.
org. Acesso em: 08 out. 2005.
64 Design e Artesanato
Esta é uma fase inicial e, portanto, ainda de muitas incertezas. Já na fase de projeto e
desenvolvimento, os riscos e incertezas diminuem em função das decisões tomadas que
determinam as especificidades do novo produto e do detalhamento das ações de projeto.
Um novo conceito de produto é determinado em função da identificação e especificação da
oportunidade de mercado para se trabalhar a configuração do produto. Após a realização
de testes preliminares de mercado, se o produto for aprovado, passa-se então para a fase
de detalhamento para a prototipagem e fabricação. O autor ressalta que a organização das
atividades de projeto de produto é complexa e apresenta um esquema projetual que nos
ajuda a compreender o grau de detalhamento necessário para o sucesso do projeto de um
produto industrial. No entanto, em sua obra, é enfatizada a similaridade estrutural entre a
metodologia de projeto de produto com a metodologia do processo criativo, caracterizada
pelas etapas de inspiração, preparação, incubação, iluminação e verificação.
Lobach148 sustenta a teoria de que o processo de design de produto é um processo de
solucionar problemas. A ênfase está na relação de similaridade entre o método do processo
criativo com o método de design. No intuito de facilitar a compreensão, Lobach, de forma
semelhante a Baxter, divide o processo projetual em quatro fases, da mesma forma que o
processo criativo – preparação (1), incubação (2), iluminação (3), e verificação (4). As qua-
tro fases projetuais no desenvolvimento de produto são: análise do problema (1), solução
do problema (2), valoração da solução (3), e realização da solução (4). Em outras palavras,
o autor descreve o processo:
• um problema existe e é descoberto;
• reúnem-se informações sobre o problema, se valoram e se relacionam cria-
tivamente;
• desenvolvem-se soluções para o problema que são julgadas segundo os cri-
térios estabelecidos;
• realiza-se a solução mais adequada.
Dependendo da complexidade do problema, estas quatro fases nem sempre estão tão
bem definidas, o que pode decorrer em repassar o processo várias vezes cruzando as in-
formações. No entanto, a condução e o andamento do projeto dependem, sobretudo, dos
conhecimentos e da experiência do designer, e de sua capacidade de relacionar estas in-
formações com o problema. Da mesma forma que Lõbach149, Dorfles150 enfatiza que a meta
deve ser a compreensão clara do problema, para então trabalhar a solução de modo a ser
percebida pelo consumidor.
Jones151 coloca que o processo projetual segue um esquema básico que consiste em
três etapas: divergência, transformação e convergência. A etapa de divergência busca am-
pliar os limites da situação de projeto e ampliar o seu espaço de investigação. A etapa de
transformação busca o entendimento do problema e sua estruturação. A etapa de conver-
gência conduz a uma única alternativa de solução e, consequentemente, ao seu desenvol-
148 LÕBACH, Bernd. Diseño Industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 1981.
149 LÕBACH, Bernd. Diseño Industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 1981.
150 DORFLES, Gillo. El Diseño Industrial y su Estética. Barcelona: Editorial Labor S. A. 1978.
151 JONES, Christopher. Métodos de Diseño. Editorial Gustavo Gili. Barcelona. 1978.
66 Design e Artesanato
vimento. Em outras palavras, estas três etapas poderiam ser denominadas como: análise,
síntese, evolução, ou seja, dividir o problema em partes, reordená-las e colocá-las à prova.
É enfatizado que o fundamental nesse processo é estabelecer a estratégia de projeto como
uma lista de métodos que se pretende usar em função do grau do pré-planejamento e do
modelo de investigação. Os métodos exteriorizam o processo de projeto e devem ser ana-
lisados a partir do ponto de vista da criatividade, racionalidade e controle. Jones parte do
princípio que nenhum método é tão completo como parece à primeira vista, e que a solução
de qualquer problema de projeto necessita de uma certa combinação de intuição e raciona-
lidade.
Munari152 apresenta um esquema de projeto também considerado por ele como bási-
co, tendo-o como resultado de uma análise de esquemas propostos por vários outros auto-
res. Esse esquema compreende as seguintes fases precedentes à construção do protótipo:
enunciado do problema, identificação dos aspectos e das funções – análise do problema
sob o ponto de vista físico e psicológico, limites – por exemplo, tempo de uso, normas de
fabricação, dentre outros dados, disponibilidades tecnológicas, criatividade, modelos.
Munari afirma que existem diversos modos e métodos de projeto, segundo os designers
e segundo o tipo de projeto. Para o autor, trata-se fundamentalmente de clareza, sensibi-
lidade e simplicidade de quem projeta.
Segundo Yair153, o sistema tradicional de projeto segue uma sequência linear de etapas.
Poderia-se considerar também que o processo é apresentado dessa forma para facilitar o
entendimento de uma estrutura de trabalho e da administração das ações que a sustentam.
Por conseguinte, este formato linear pode apresentar-se dessa forma como um meio didá-
tico. Dependendo do olhar, pode-se perceber que as ações que compõem um método de
trabalho são ações que funcionam em rede, de forma quase simultânea, onde em cada etapa
do ciclo metodológico de projeto de produto, prevalece um conjunto de critérios específi-
cos a um objetivo específico. Yair também afirma que a adoção de metodologias integradas
favorece a engenharia simultânea, que integra design, engenharia, vendas e marketing para
a concepção do projeto, decorrendo em ações integradas de projeto de produto.
A metodologia do processo criativo, segundo Carvalho154 e Parnes155, é caracterizada
por um percurso projetual de etapas muito similares às etapas sugeridas para as metodo-
logias de projeto de produto – objetivo, levantamento de fatos, problema / oportunidade,
ideia, solução, ação. O maior diferencial, como já foi dito anteriormente, está nas especifici-
dades de procedimentos.
Ao contrário do processo de desenvolvimento de produto para a indústria, onde oti-
mizar o tempo de produção representa aumento na produtividade, no artesanato, as con-
siderações sobre este aspecto deveriam ser tratadas com cautela. Frequentemente, e isso
152 MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes. 1979.
153 YAIR, Karen et al. Design through making: crafts knowledge as facilitator to collaborative new pro-
duct development. Design Studies. Great Britain: Elsevier Science Ltd. n. 20. p.495-515. 1999.
154 CARVALHO, José Leão. Pensamento Atitudinal e Metodologia do Processo Criativo. Apostila do
Curso Básico do Instituto Latino Americano de Criatividade e Estratégia. São Paulo: ILACE. 1988.
155 PARNES, Sidney J. Parnes. Optimize – The Magic Of Your Mind. New York: The Creative Educa-
tion Foundation in association with Bearly Limited. 1997.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 67
foi verificado em trabalhos de campo, o artesão modifica a sua proposta inicial de produto,
seja em função das características físicas da matéria-prima, dos procedimentos construtivos
do objeto ou de outro tipo de observação que lhe ocorrer. Esta flexibilidade decorre do seu
tempo de execução, o que lhe permite realizar avaliações simultâneas à produção.
Essas lacunas, dependendo do ponto de vista, pode representar para o artesão o tem-
po de usufruto do pensamento criativo. É sabido que o artesão, na sua maioria, “projeta”
mentalmente, ou seja, concebe um objeto. Em trabalhos de campo, junto com os artesãos,
foi possível verificar que o processo de concepção do artesanato segue uma estrutura me-
todológica percebida mais nitidamente no momento da construção desse objeto, ou seja, no
“fazer”. O método de trabalho do artesão é fundamentado principalmente no bom senso,
na sabedoria popular e no processo de experiência. Segundo Munari157, a experimentação
pessoal é a que melhor ensina.
Como foi visto, para o designer, tudo no objeto precisa ser antecipado em um projeto.
Além de materiais, tecnologias, aspectos econômicos, sistema de produção, custos, usuário
e da utilidade propriamente dita, os efeitos cognitivos que possam valorizar o produto tam-
bém são projetados, conforme as considerações feitas nos itens 3.5 e 3.6 desse capítulo.
O objetivo com a proposta de desenvolver um esquema referente aos diversos aspec-
tos que envolvem o desenvolvimento do produto artesanal, de acordo com a figura 13, foi
a de destacar a necessidade da realização de um diagnóstico específico a partir de mapea-
mentos feitos caso a caso. Em outras palavras, o objetivo é buscar compreender os princí-
pios básicos e as particularidades da produção artesanal para a geração de estratégias de
desenvolvimento mais apropriadas. Se alguém planeja uma ação ou um conjunto de ações
provavelmente é porque se deseja alcançar, de maneira satisfatória, um objetivo. Interpre-
tando o planejamento estratégico para o artesanato dessa forma, faz-se necessário entender
os mecanismos de desenvolvimento de produto, da produção, e de mercado, principalmen-
te no que diz respeito às oportunidades de negócios.
156 MARX, Carl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira
S. A. 1980.
157 MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes. 1979.
68 Design e Artesanato
4.1 - MERCADO
Como já foi dito anteriormente, o artesanato era produzido e comercializado de acordo
com as necessidades locais da comunidade na qual o produtor estava inserido. Na mesma ofi-
cina ele produzia e vendia, dominando todo o ciclo do produto, da ideação às mãos do usuário.
A demanda pelos produtos artesanais era pequena o que significava um sistema de comercia-
lização simples e informal. O artesão-mestre, das corporações de ofício, era tido como livre
produtor-empresário158, papel este que hoje vem sendo estimulado e apoiado pelos projetos
institucionais voltados tanto para as ações de design e artesanato159, como para aqueles voltados
para a agricultura familiar, nos quais o artesanato integra o elenco de produtos trabalhados160.
158 RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do Mestre artesão. Campinas: Autores Associados. 1998.
159 PROGRAMA SEBRAE DE ARTESANATO. Termo de Referência. Brasília: SEBRAE/UF. 2004.
e PROGRAMA SEBRAE DE ARTESANATO. Repasse Metodológico. Design e Artesanato. Apostilas
do curso preparatório para trabalhos de campo. Belo Horizonte: SEBRAE/MG. 1998. PROJETO
ART’ESTRUTURADA. Diagnósticos e processo de revitalização do produto artesanal. Belo Horizonte:
Programa SEBRAE de Artesanato, SEBRAE-Minas, Centro CAPE, Central Mãos de Minas. 1998. UNESCO.
Handcrafts and Design; Handicrafts; Seal of Excellence Programme. Disponível em: http:// portal.unesco.
org. Acesso em: 08 out. 2005.
160 EMATER. Agricultores mineiros mostram grande variedade de produtos em Brasília e Emater-MG
ajudará agricultores familiares a investir em turismo rural. In: Notícias da EMATER. Disponível em http:
www.emater.mg.gov.br. Acesso em: 09 out. 2005.
70 Design e Artesanato
Ainda fazendo uma referência ao passado, aquela era uma época em que prevalecia o
valor utilitário dos artefatos, mesmo se fosse utilizado como objeto de contemplação, como
por exemplo, os oratórios e imagens de santos, quando os rituais e manifestações culturais
e religiosas eram dominadas pelas características singelas do cotidiano, quando predomi-
navam os valores mais simples e essenciais, arraigados ainda a uma cultura tradicional.
A cultura de consumo começa a dominar e ditar as nossas necessidades com o início da
manufatura, da produção seriada, da mecanização, com a oferta de produtos com preços
mais acessíveis em função dos menores custos de produção. A produção em massa para o
consumo em massa161.
Hoje, as opções de produtos são tantas que, em alguns casos, o ato da compra torna-
se um verdadeiro dilema. É quando a função de estima passa a ser fundamental na decisão,
seja pela marca, pela confiabilidade, pelo status, ou seja, pelo o que mais aquele produto
pode oferecer além de atender ao uso esperado.
Para competir com produtos asiáticos de qualidade aceitável e preços muito mais
baixos, somente poderá ser conseguido quando se oferecer algo diferente, melhor
concebido, que fale diretamente ao coração e à mente dos consumidores. Estes
produtos oferecidos deverão incorporar algo mais, serem exclusivos, singulares,
com uma história própria163.
Para isso, é relevante considerar que na preparação do artesão para estar atuando aten-
tos aos atuais critérios e valores de mercado, é necessário aproximá-lo, de alguma forma, a
este novo ambiente. Talvez isso possa ser uma maneira de fazê-lo compreender melhor a que
qualidade ou volume de produção os profissionais de desenvolvimento de produto se referem.
O mercado mais promissor para o artesanato não faz parte da realidade do artesão e, neste
sentido, a participação em eventos no setor tem contribuído para essa aproximação.
Um exemplo notório é a Feira Nacional de Artesanato, evento promovido pela Central
Mãos de Minas e Centro CAPE, realizada desde 1990, considerada como a maior feira de
161 MARX, Carl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira
S. A. 1980.
162 SCHMITT, Bernd e SIMONSON, Alex. A Estética do Marketing. São Paulo: Ed. Nobel. 2002.
163 BARROSO NETO, Eduardo. Design, Identidade, Cultura e Artesanato. Primeira Jornada Ibero-
americana de Design no Artesanato. Disponível em: http://www.portaldigital.com.br. Acesso em: out.
1999.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 71
..., o artesão precisa do mercador, o qual tem condições de compensar uma inva-
lidez congênita e invariável das mercadorias, aquela – notou Marx – de não ter
pernas e, portanto, de não poder dirigir-se sozinha ao mercado.167
Outra forma de comercialização que tem adquirido mais espaço no mercado é através
das organizações não governamentais de caráter ambiental e social. Estas organizações
certificam, divulgam e comercializam produtos ecologicamente sustentáveis ou de valor
social agregado, dentre os quais se encontram muitos tipos de artesanato. Uma questão
fundamental no que diz respeito às novas oportunidades de mercado para o artesanato, é o
processo de inovação no desenvolvimento de novos produtos. Se o artesão passa a atender
a tudo o que é solicitado, corre sério risco de perder o que traz mais valor ao seu produto – a
espontaneidade e a originalidade presentes no seu cotidiano produtivo. Um produto arte-
sanal pode ter a sua origem na arte popular, na cultura, na tradição ou na religião. Ele pode
ter compromisso com a etnia, como por exemplo, os produtos indígenas, ou pode ter como
referência uma identidade local como os pássaros do Pantanal. Pode resgatar a memória
histórica ou econômica de uma região como as rendas do Nordeste, e pode destacar-se pela
utilização de matérias-primas predominantes na região, como a pedra-sabão, o buriti, a lã,
dentre outras. Neste contexto, a parceria entre designer de produto e o artesão, com res-
peito às suas devidas competências, valores e critérios tem apresentado bons resultados. O
mercado busca por novas tendências com relação ao produto artesanal, como por exemplo,
formatos mais adaptáveis, utilitários, matérias-primas e criações de linhas de produtos.
... o desejo do mercado consumidor é de adquirir uma peça artesanal cuja quali-
dade e expressão cultural as diferenciam do produto industrial168.
Com o objetivo de possibilitar ao artesão uma visão realista do seu processo produtivo
como um todo, indo desde a aquisição da matéria prima, passando pela produção, até a co-
mercialização final, os programas institucionais têm tido mais recentemente a preocupação
de ensinar o artesão a desenhar sua cadeia produtiva, possibilitando, assim, que ele perceba
os gargalos de sua produção, melhore os processos e minimize os custos. Além de compor
sua própria cadeia produtiva, ou arranjo produtivo local169, ou ainda, sistemas produtivos e
inovativos locais170, o artesanato integra outras importantes estruturas de desenvolvimento
integrado, como é o caso do setor turístico, de estratégias de mercado semelhantes, porém
mais representativas. O objetivo é a divulgação do nosso patrimônio cultural, material e
imaterial, e ambiental, numa ação conjunta para o reconhecimento e valorização de uma
produção autêntica, diferenciada, ou seja, portadora de identidade de procedência. São
programas de incrementação que promovem ações para aumentar o fluxo turístico, favore-
cendo o desenvolvimento socioeconômico local através da geração de empregos, capacita-
ção de mão-de-obra local, melhoria da distribuição de renda e contenção de emigração para
os grandes centros urbanos.
168 SOUZA, Tereza de. Uma estratégia de Marketing para o Artesanato do Rio Grande do Norte.
Tese (Doutorado em Administração). Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 1991.
169 Arranjo produtivo local são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais –
com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que
incipientes (LASTRES, 2004)
170 Sistemas produtivos e inovativos locais são aqueles arranjos produtivos em que interdependência,
articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de
gerar o incremento da capacidade inovativa endógena da competitividade e do desenvolvimento local.
(LASTRES, Op. cit.)
Ana Luiza Cerqueira Freitas 73
O formato das oficinas e a determinação do plano de trabalho foram feitos com liberda-
de de escolha quanto à metodologia a ser adotada. Neste sentido, as estruturas metodogicas
de design de produto175 e do processo criativo176, conforme apresentado no capítulo 3, foram
utilizadas como referências para a elaboração e implantação das atividades em campo. São
estruturas muito similares no que confere as suas etapas de trabalho; a diferença consiste
principalmente nos procedimentos técnicos de desenvolvimento das ações, e no foco, sen-
do a primeira com atenção para o produto e a segunda com atenção ao indivíduo.
Com base nas experiências realizadas no Projeto Artesão Minas, em 1998, foi iniciado
em campo o Projeto Art’Estruturada.
175 BAXTER, Mike. Projeto de Produto. 1. Ed. São Paulo: Ed. Edgard Blucher. 1995. MUNARI, Bruno.
Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes. 1981.
176 CARVALHO, José Leão. Pensamento Atitudinal e Metodologia do Processo Criativo. Apostila do
Curso Básico do Instituto Latino Americano de Criatividade e Estratégia. São Paulo: ILACE. 1988.
PARNES, Sidney J.. Optimize – The Magic Of Your Mind. New York: The Creative Education Foundation
in association with Bearly Limited. 1997.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 77
- Projeto Art’Estruturada
Trata-se de um programa que prevê a capacitação associativista de artesãos
para, juntos e organizados, conseguirem promover e divulgar seus produtos177.
Numa ação articuladora e integrada de parceria interinstitucional – Centro CAPE, Cen-
tral Mãos de Minas e SEBRAE, o objetivo foi mobilizar, capacitar e organizar o setor
artesanal de diversos municípios do Estado de Minas Gerais, promovendo o aumento da
competitividade a partir da melhoria da produtividade, da informação tecnológica, do
gerenciamento da atividade, da qualidade do produto e do desenho. Para a implantação
do projeto, foram identificadas 22 cidades-piloto a partir da importância do artesanato
na economia destes municípios e da demanda identificada pelo Programa de Turismo
Competente do Sebrae.
O projeto contava com a participação de uma equipe de sete consultores em design e
artesanato conduzidos por uma coordenação. Estes consultores foram denominados como
“agentes de criatividade”. O primeiro passo para dar início ao trabalho foi a realização de
reuniões preliminares que objetivavam o nivelamento da equipe através do repasse das ex-
periências de cada consultor.
Para as atividades de desenvolvimento de produto, foi estabelecido um roteiro de
atuação nos municípios e uma metodologia de intervenção, desenvolvida pela coordenação
da equipe de design, para o processo de revitalização dos produtos artesanais nas comuni-
dades a serem trabalhadas, aqui apresentados de forma resumida:
• Diagnóstico inicial, apresentação do projeto, cadastramento dos artesãos, visita
aos artesãos, apresentação dos produtos (antigos e novos), reapresentação do
projeto (síntese), reconhecimento local (área urbana e rural), aplicação de dinâ-
micas de grupo, visita aos principais locais do município (com os artesãos), levan-
tamento histórico da cidade, definição de simbologia local, identificação dos prin-
cipais pontos / elementos regionais, identificação de principais produtos, seleção
de produtos para a revitalização, análise/defesa para esta seleção, apresentação
de intenção para linha revitalizada, e prototipagem178. Estas ações foram realiza-
das em 5 ou 6 módulos ou visitas aos municípios, de acordo com o rendimento de
cada grupo de artesãos.
A orientação da coordenação foi a de que os agentes de criatividade deveriam se res-
tringir à aplicação do roteiro metodológico apresentado. No entanto, caso fosse identificada
alguma situação específica sobre determinado segmento, o agente poderia desenvolver uma
metodologia de intervenção que julgasse mais apropriada, desde que devidamente justifica-
da e autorizada pela coordenação geral.
Para realizar o monitoramento das ações em todos os municípios foram estabelecidos
como procedimentos de rotina o registro iconográfico, entrega de relatórios ao final de cada
etapa, e reuniões mensais para a apresentação desses relatórios.
- Projeto Sempre-Vivas
O Projeto Sempre-Vivas foi elaborado e implantado pelo Instituto Terra Brasilis, uma
organização não governamental, criada com o objetivo de promover a conservação da na-
tureza e o desenvolvimento social179. O projeto foi desenvolvido em parceria com o Centro
CAPE, o Sebrae-MG, a Central Mãos de Minas, a Associação Comunitária de Galheiros, a
Fundação Serra do Cipó, o Instituto Estadual de Florestas - IEF-MG, a Empresa de Assis-
tência Técnica e Extensão Rural - EMATER-MG, e o Serviço de Pesca e Proteção à Vida
Silvestre dos Estados Unidos - USFWS. As sempre-vivas são espécies de plantas que sofrem
poucas alterações em sua forma e coloração depois de serem colhidas e desidratadas. A re-
gião de Diamantina, Minas Gerais, é considerada o maior pólo de extrativismo e comerciali-
zação de sempre-vivas, que são principalmente exportadas para fins ornamentais. O Projeto
busca subsídios para o uso sustentado dessas plantas, partindo da importância social de seu
extrativismo e reconhecendo o risco que as atuais práticas de exploração impõem à perpe-
tuação dessas espécies e da própria atividade180.
Entendendo ser necessário o desenvolvimento de práticas de aproveitamento das
sempre-vivas de uma forma sustentável, o artesanato surge como uma alternativa econômi-
ca de geração de renda para as próprias comunidades. Em setembro de 1998, a coordenado-
ra do projeto (e bióloga) compõe uma equipe com mais dois consultores do setor artesanal,
um profissional de design de produto e um profissional de relações comerciais, para a reali-
zação de uma viagem de reconhecimento local, no município de Diamantina e comunidades
vizinhas. A partir das informações levantadas sobre a história, a economia, a sociedade e a
biodiversidade, consequentes também das atividades já em andamento do projeto, o traba-
lho de desenvolvimento de objetos artesanais foi iniciado com a elaboração do diagnóstico
que nos daria as diretrizes de conduta neste processo. Nas comunidades rurais, a apanha da
sempre-viva é uma das principais fontes de renda. Os apanhadores repassam as flores para
os intermediários que, por sua vez, comercializam com os exportadores. A coleta desenfre-
ada fez com que várias espécies de sempre-vivas fossem extintas, e outras tantas correm o
mesmo risco.
Durante a visita de campo da equipe foi feito um amplo registro iconográfico de mani-
festações culturais e das técnicas artesanais já utilizadas na produção de diversos produtos
de uso cotidiano, além de catalogação de outras matérias-primas alternativas. Foram cons-
179 LARA, Ângela Cristina [et al.]. Planta viva, gente viva – sempre-vivas. Projeto Sempre-vivas. Belo
Horizonte: Instituto Terra Brasilis. 1999.
180 LARA, Ângela Cristina [et al.]. Op. Cit..
Ana Luiza Cerqueira Freitas 79
Com base nestes resultados foi então iniciado o trabalho em campo. Outras ativida-
des de sensibilização, conscientização e capacitação técnica já vinham sendo desenvolvi-
das na região, principalmente na comunidade de Galheiros, selecionada para o trabalho
inicial. Com a participação de outra profissional da área de design e artesanato, foi implan-
tada uma oficina de desenvolvimento de produtos, agora com a participação dos artesãos.
Novas propostas foram elaboradas antes da apresentação da experiência já adquirida na
etapa anterior, em Belo Horizonte. Sempre atentos ao escopo do projeto – a preservação
das sempre-vivas, respeitando as informações obtidas na fase de reconhecimento local, a
agregação de elementos técnicos e culturais, o uso de matérias-primas alternativas regio-
nais, as considerações para com o consumidor, e a participação de artesãos da comunida-
de, onde não havia um ofício tradicional de artesanato com as sempre-vivas, foi obtida, em
um esforço conjunto, a implantação de uma atividade geradora de renda através da pro-
dução de objetos diferenciados, visto a continuidade do reconhecimento do mercado de
consumidores de produtos artesanais. Contando com o apoio de seus parceiros, a Oficina
de Galheiros continuou sua produção e evoluiu não só em relação à ampliação da gama de
opções de objetos, como também na atenção à organização da produção e aos aspectos de
apresentação para o mercado, agregando informações sobre o projeto, identidade gráfica
e embalagens.
O formato metodológico adotado para as ações de desenvolvimento de produto no
Projeto Sempre-vivas caracterizou-se por um planejamento em dois blocos de atividades:
Ana Luiza Cerqueira Freitas 81
e, (c) promover a inserção das famílias no mundo da geração de renda e inserção na comu-
nidade econômica local, através da confecção e venda de produtos de base artesanal.
O eixo metodológico do Programa Muriki é o serviço de apoio sócio-familiar e de ar-
ticulação de rede comunitária como estratégia de desenvolvimento social, ético, político,
e cultural. A estrutura de trabalho consiste na identificação das famílias e formação de
grupos, desenvolvimento destes grupos com encontros semanais enfocando temas de seus
interesses voltados para atividades de oficinas produtivas, capacitação nas técnicas de con-
fecção dos produtos, capacitação sobre o processo de venda e formação de parcerias na
comunidade, pontos de comercialização e de captação de recursos, e assessoria para o ge-
renciamento autônomo dos grupos em modelos associativistas e outros.
O perfil dos participantes acompanhados pelo Programa Muriki caracteriza-se pela
presença predominante do público feminino – cerca de 95%, na faixa etária entre 35 a 44
anos. O nível de escolaridade com ensino fundamental completo é em torno de 7%, e com
ensino fundamental incompleto é em torno de 65%. Os dados sobre a situação no mercado
de trabalho mostram que 58,75% estão desempregados, 10,2% tem vínculo empregatício
e 13,66% fazem “biscate”, ou seja, realizam trabalhos ocasionais. O valor médio da renda
familiar é de 2,32 salários mínimos, com uma média de 5 membros por família - cerca de
0,46% per capita189.
189 PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Programa Muriki – resultados do período de 2000 a 2002.
Secretaria Municipal de Planejamento – Belo Horizonte: Prefeitura Municipal. 2002.
190 Cliente: aquele que usa os serviços ou consome os produtos de determinada empresa ou de profissio-
nal (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1999)
Ana Luiza Cerqueira Freitas 91
criar um grupo produtivo autônomo, esta estratégia não estaria adequada, pois tratava-se
de uma ação imposta e não de uma ação construída pelos principais atores envolvidos, os
futuros artesãos. Cumpre lembrar que este é um aspecto característico da metodologia de
pesquisa-ação, adotada no trabalho191.
A proposta de parceria foi de encontro à proposta de atuação do Centro IDE/UEMG,
pois trataria do planejamento integrado de produtos, de reverter o conhecimento gerado
em uma instituição pública de ensino superior para a sociedade, e de complementar a for-
mação de seus alunos, através de estágios supervisionados por uma equipe de professores
em suas respectivas áreas de competência. As ações de Design e Artesanato propostas pelo
Centro IDE abrangem a análise das atuais condições da produção artesanal perante um
novo cenário mercadológico, suas exigências sobre os aspectos que compõem a qualidade
do produto e o atendimento a uma crescente demanda. Conforme já foi dito anteriormente,
com intervenções cada vez mais constantes, a atividade de design de produto é considera-
da aqui como importante contribuição nesse processo de adequação, visto o seu enfoque
de atuação voltado para a inovação, para o sistema produtivo e para a gestão. Uma nova
proposta de trabalho e pesquisa foi elaborada e apresentada ao cliente. Em função do an-
damento das atividades, do aumento do prazo de implementação, e do recurso financeiro
disponível, esta proposta foi dividida em três etapas: (1) ações implementadas simultane-
amente nas cinco regionais, (2) ações implementadas quando os participantes formam um
só grupo de trabalho, e (3) análise da produção.
196 CARVALHO, José Leão. Pensamento Atitudinal e Metodologia do Processo Criativo. Apostila do
Curso Básico do Instituto Latino Americano de Criatividade e Estratégia. São Paulo: ILACE. 1988.
197 THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. São Paulo: Cortez Editora. 1997.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 93
Foram propostas duas técnicas artesanais para dar início às atividades – primeiro o
papel marche, uma técnica de modelagem com massa de papel, e em seguida o “fru-fru”,
que tem como matéria-prima principal retalhos de tecidos. Considerando que o tempo dis-
ponível para a realização do trabalho junto com os participantes era muito reduzido, a expe-
rimentação de diferentes técnicas artesanais ficou reduzida a essas duas opções, que, como
já foi dito, foram escolhidas após uma pesquisa preliminar. O uso da técnica do papel mar-
chê não teve aceitação imediata. Segundo os participantes, a massa era algo “melequento” e
que fazia muita bagunça em casa. A técnica do “fru-fru” teve mais aceitação, mas com o an-
damento do treinamento foi percebida a dificuldade em manter a qualidade de acabamento.
Esta técnica requer o uso de cola quente e, em pouco tempo, os participantes sentiram-se
frustrados por não conseguirem obter o esmero necessário. A ausência de máquinas de
costura também foi um dificultador. Diante destas dificuldades e dando prosseguimento às
atividades previstas, os participantes perceberam que a técnica do papel marchê propor-
cionava maior liberdade de criação e de procedimentos técnico-produtivos na construção
dos produtos.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 95
As oficinas de trabalho iniciaram com uma média de 15 participantes para cada regio-
nal. O total de participantes das cinco regionais no final da primeira etapa foi de 13, sendo
que este número representa os participantes diretos, ou seja, aqueles que participam das
oficinas e das reuniões. Há alguns casos em que a atividade produtiva implementada envol-
98 Design e Artesanato
veu outras pessoas da família. Pode-se dizer que parte da evasão ocorrida foi em função a
um processo natural de seleção visto que nem todos tinham identificação com o trabalho
artesanal. Outro ponto importante de ser ressaltado nesse sentido foi a necessidade de de-
dicação ao filho portador de deficiência em tratamento, e de pressões de familiares que não
viam resultados imediatos de geração de renda.
No final da primeira etapa, em cada regional foi feita uma apresentação dos produtos
resultantes das oficinas. De um total de aproximadamente 50 propostas, 20 foram selecio-
nadas para iniciar a produção – peças decorativas e utilitárias. Neste momento de seleção
alguns participantes ficaram preocupados pelo fato de suas peças não terem sido esco-
lhidas, gerando um sentimento de frustração. Os critérios que determinaram as escolhas
foram esclarecidos e foi sugerido então a criação de um banco de ideias com o acervo das
peças restantes.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 99
As peças são feitas na residência de cada participante, ou seja, trata-se de uma pro-
dução pulverizada. Isto foi uma condicionante do projeto visto a necessidade de cuidados
com o filho portador de deficiência. Este fato gerou dificuldades no controle de qualidade
para o preparo da massa de papel, para a pintura, para o estabelecimento de um padrão de
acabamento final, mas não impediu que esta meta fosse alcançada. Dentre as propostas de
padrões de pintura criadas pelos participantes foi feita a seleção para uma primeira coleção,
foi feita a normatização da massa, e durante os encontros semanais, havia um tempo reser-
vado para a avaliação dos resultados alcançados.
Com base nas observações feitas em trabalhos de campo em diversos projetos volta-
dos para o incremento do artesanato, os artesãos buscam inicialmente por resultados mais
imediatos, talvez em função da necessidade de gerar renda, talvez em função de serem
pessoas movidas por atividades práticas, ou talvez em função de estarem desacreditados de
ações institucionais que apoiaram o setor e não trouxeram benefícios reais a estes cidadãos.
No caso do Projeto Pitangaporã, estes foram também alguns dos aspectos que provocaram
a falta de compromisso com as tarefas a serem realizadas em casa. Esta foi uma questão
relevante, e que era frequentemente levantada para discussão com o grupo. Os principais
pontos discutidos foram: prejuízo da produção, a complementaridade das tarefas, e o tra-
balho em equipe, ou seja, a responsabilidade do indivíduo perante o grupo. As dificuldades
em estabelecer critérios de qualidade final do produto relacionam-se também com a falta
de referências dos participantes no tocante ao que é considerado como elementos qualita-
100 Design e Artesanato
tivos para o mercado consumidor. Neste sentido, foi proposto levar os participantes para
conhecer alguns dos principais pontos de venda de produtos artesanais e eventos afins para
a realização de uma análise de similares, quando os participantes tiveram a oportunidade
de conhecer e analisar diferentes matérias-primas, técnicas de acabamento, função e fun-
cionalidade, e aspectos diferenciais formadores da identidade de procedência do produto.
Alguns encontros foram realizados na Escola de Design, onde eles conheceram todos os
núcleos e centros de trabalhos e estudos. O objetivo foi também de aproximá-los a uma
instituição de ensino e pesquisa.
Em paralelo às atividades práticas de desenvolvimento de produto, o projeto de de-
sign gráfico foi direcionado para a elaboração de peças gráficas que pudessem reforçar os
valores sociais agregados e garantir uma apresentação para o mercado consumidor que
denotasse o profissionalismo dos artesãos envolvidos. Estas peças foram o tag, ou etiqueta
de contextualização, selo, sacolas e camisetas. Apesar do projeto disponibilizar de recur-
sos financeiros para este fim, o projeto gráfico foi inviabilizado em função das restrições
impostas pela profissional que desenvolveu a marca do Programa Muriki. O Centro IDE
apresentou então a proposta de desenvolvimento de um novo nome e uma nova marca
junto com o grupo de participantes, agora artesãos, de acordo com as suas características e
suas necessidades de aplicação. A proposta foi aceita pelo cliente. Foi vontade dos artesãos
continuarem trabalhando com o mesmo padrão de cores. Nasce então o Grupo Pitangaporã
– Pitangaporã, que em tupi-guarani significa criança bonita.
Definidas as ações para esta etapa, antes do início das atividades, foi definido também
o novo local onde seriam realizados os encontros de continuidade dos treinamentos, a fina-
lização das peças, o estoque da produção, e que ainda poderia servir como uma referência
para aqueles interessados em adquirir os produtos. Localizado em uma das unidades de
apoio da PBH, este espaço colocado à disposição do Grupo Pitangaporã no período da tarde,
a princípio, até julho de 2005. Em seguida, com o reconhecimento da equipe da PBH de que
o grupo ainda não havia alcançado a maturidade necessária para ser auto-sustentável, este
período foi prorrogado para dezembro de 2005.
As atividades previstas para esta 2a. etapa estão relacionadas a seguir:
• Aprimoramento e Nivelamento: aprimoramento técnico – matéria-prima, proces-
so de produção e tratamento estético da peça; nivelamento técnico-produtivo do
grupo, uma vez que havia diferenças de produção entre as regionais.
• Produção: definição de local e organização da produção no tocante às condições
de trabalho, aquisição e preparação de matéria-prima, divisão de tarefas;
• Mercado: (re) definição da estratégia de inserção do produto no mercado e co-
mercialização;
• Apresentação dos resultados: divulgação do andamento das atividades de pesqui-
sa e capacitação do Grupo Pitangaporã no meio acadêmico e instituições afins;
• Avaliação: resultados alcançados – técnica, produto, produção e trabalho em equipe.
102 Design e Artesanato
Em datas comemorativas, como por exemplo, o Dia das Mães, ou o período das festas de
fim de ano, este número chega a 100.000 visitantes199. Como candidato a expositor, o Grupo
Pitangaporã teve de passar por um comitê avaliador para a apresentação da técnica e de uma
amostragem dos produtos. A inicialização do grupo no contato direto com o cliente e com o
dinheiro das vendas foi um aprendizado necessário de ser provocado. Com o início das vendas
os artesãos ganham novo ânimo, porém, houve algumas consequências imediatas. O grupo, na
expectativa de garantir mais vendas, aceitou inicialmente encomendas que atendiam aos cri-
térios do cliente, como por exemplo, mudança de cor e alteração do material de acabamento
final. Este fato levou a se discutir novamente a importância de estabelecer uma referência de
procedência para o produto artesanal.
Além deste ponto de venda foram articuladas também outras opções de comercia-
lização. No entanto, isso exigia o aumento da produção para atender a essas demandas.
A pressão para o aumento da produção não foi bem recebida pelos artesãos, tanto que a
produção não havia aumentado. Diante disto, o grupo decidiu focar a comercialização de
seus produtos somente na feira da Av. Afonso Pena uma vez que não estavam conseguindo
suprir a quantidade de produção mínima necessária. Passada essa instabilidade inicial, o
grupo consegue se restabelecer em produtividade e na melhoria da qualidade, o que de fato,
resultou em dois dias de sucesso na vendagem.
Dado o sucesso de venda, o grupo se depara com um novo problema: o estoque se esgo-
tara e teriam agora que produzir o mesmo número de peças em 15 dias. O grupo se agita em
uma produção disparada o que decorreu em uma significativa queda de qualidade dos produ-
tos. Neste momento de confusão foram perdidas muitas referências das peças-piloto gerando
produtos totalmente diferentes daqueles que compunham a linha anteriormente definida. Os
artesãos sentiram-se frustrados quando os técnicos responsáveis “barraram” a grande maioria
dos produtos que iriam para a Feira. Foi então na segunda quinzena do mês de dezembro de
2004 que o grupo percebe o quanto o desnivelamento na produção resultou na insatisfação
do cliente na hora da compra. Neste momento, fica claro para o grupo, que o produto de baixa
qualidade não tem boa vendagem qualquer que seja o ponto de venda. Com as vendas o Grupo
Pitangaporã começa a se preocupar mais com os seus aspectos administrativos – quem vai
administrar o dinheiro, de que maneira, como o grupo vai se formalizar, dentre outros. Neste
momento a GEINP inicia os treinamentos voltados para estes aspectos.
O projeto de design gráfico foi novamente elaborado, agora com o nome e a marca
Pitangaporã. Foram confeccionados cartões de visita, tag, selos e camisetas. O objetivo
aqui continua sendo o de contribuir para uma apresentação satisfatória e profissional dos
produtos e do grupo, e para firmar a identidade de procedência construída.
199 PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Estatísticas & Informações. Disponível em: http://portal4.
pbh.gov.br/pbh. Acesso em: jan. 2006.
104 Design e Artesanato
Nesta segunda etapa foram realizados alguns eventos que iniciaram o processo de
apresentação do Projeto Pitangaporã também para o meio acadêmico. Através da UEMG,
em setembro de 2004, foi realizada a gravação de um programa de televisão denominado
“Unidiversidade”. Esta foi uma iniciativa do Canal Saúde junto com a FIOCRUZ (RJ). Em
outubro a equipe do Centro IDE realiza uma palestra apresentando a metodologia de tra-
balho adotada neste projeto no evento denominado “Minastec”, promovido pelo SEBRAE-
MG, direcionado para profissionais e estudantes das áreas de desenvolvimento de produtos.
Neste mesmo período, a administração do Shopping Minascasa convida o Grupo Pitanga-
porã para participar do Concurso “Árvore de Natal”. A proposta confeccionada ficou em
exposição até o início do mês de janeiro.
Um aspecto interessante e importante para a nossa avaliação é o fato do Grupo Pitan-
gaporã decorrer em um sub-grupo de produção. Trata-se do envolvimento de integrantes
106 Design e Artesanato
da família de uma artesã, sendo que cada membro desempenha uma função mais específica
e todos estão integrados. Enquanto um se preocupa em desenvolver uma maneira de pre-
parar mais massa de papel de uma vez, o outro tem facilidade de elaborar desenhos, outro
se aprimora na pintura, e assim por diante, mas todos têm o domínio de todo o processo.
A artesã, neste caso, além de produzir, assume o controle destas atividades. É visível a sua
preocupação em repassar as informações e os conhecimentos gerados no grupo principal
do Projeto. A diferença principal entre os dois grupos está no processo de formação. O sub-
grupo foi formado de maneira mais espontânea, ou seja, além da proximidade física de seus
integrantes, é maior o número de afinidades entre eles.
201 GUÉRIN, F. [et al.]. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São
Paulo: Ed. Edgard Blucher / Fundação Vanzolini. 2004.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 107
202 VAZ, Ceres Ribeiro. Produção industrial e produção artesanal: semelhanças na metodologia de pro-
jeto de produto. Projeto de Iniciação Científica: PIBIC/CNPQ. Belo Horizonte: Departamento de Enge-
nharia de Produção / UFMG. Período de realização: março de 2005 a fevereiro de 2006.
108 Design e Artesanato
a um dos membros do Grupo. Quanto à avaliação da qualidade do produto, esta ainda é feita
pela mesma coordenação, mas os próprios artesãos começam a desenvolver uma capacida-
de crítica referente à qualidade necessária às peças.
Os artesãos apresentam diferentes disponibilidades de tempo para a produção em
casa, e esta disponibilidade pode variar de semana a semana para cada um deles de acordo
com o estado de saúde dos filhos. O turno de trabalho também é variável, podendo aconte-
cer durante o dia ou durante a noite. A execução do trabalho durante o dia é constantemen-
te interrompida pelos filhos devido à necessidade que eles têm de um tratamento especial.
A visita à residência do artesão era agendada com antecedência de acordo com a dis-
ponibilidade dos artesãos e dos estudantes. Foram feitas cinco visitas a estes locais de pro-
dução, além das visitas frequentes ao local de encontro do Grupo, durante as quais foram
feitas observações sistemáticas com o intuito de conhecer melhor o processo produtivo.
Foram registrados o sequenciamento das atividades realizadas por cada um dos artesãos
e as características do ambiente e dos postos de trabalho por meio de entrevistas semi-
-diretivas e fotografias.
Foram feitas verbalizações simultâneas e consecutivas com os artesãos. A verbalização
simultânea é caracterizada como aquela em que o operário descreve o processo de trabalho
durante a sua execução, enquanto a verbalização consecutiva consiste em uma entrevista
em um momento diferente daquele em que a produção é realizada, sendo preciso para tal
que o pesquisador já tenha em mente alguns pontos a serem questionados, dando um dire-
cionamento ao artesão (o operador) quanto à descrição do seu trabalho203. O inconveniente
da verbalização simultânea decorreu do fato de a tarefa realizada ser interrompida várias
vezes, tendo-se, portanto, um prejuízo no registro do trabalho real. A medição do tempo de
produção não foi possível devido a estas interrupções.
Os ambientes de trabalho possuem grande variabilidade. São bem organizados em al-
guns casos e desorganizados em outros. Em alguns casos, o material de trabalho fica junto
de objetos diversos, inclusive alimentos. A maior parte dos locais de produção apresenta
iluminação insuficiente ao trabalho de confecção das peças. Mesmo quando a residência
recebe radiação solar, o problema de iluminação está presente, já que com frequência o tra-
balho é realizado durante a noite e a as lâmpadas utilizadas são insuficientes em relação à
exigência visual do trabalho. A iluminação precária, além de causar fadiga visual, influencia
diretamente na produtividade, demandando mais tempo de produção, e na qualidade da
produção. Foi verificado que o tempo de produção é maior quando o trabalho é realizado
à noite. A frequência de ocorrência de erros também é maior nesse período, contribuin-
do para o aumento do retrabalho. A umidade presente em muitos dos ambientes também
constitui um fator prejudicial à qualidade das peças, isso sem mencionar a saúde do próprio
artesão. Problemas com mofo são mencionados frequentemente.
203 GUÉRIN, F. [et al.]. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São
Paulo: Ed. Edgard Blucher / Fundação Vanzolini. 2004.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 109
204 VAZ, Ceres Ribeiro. Produção industrial e produção artesanal: semelhanças na metodologia de pro-
jeto de produto. Projeto de Iniciação Científica: PIBIC/CNPQ. Belo Horizonte: Departamento de Enge-
nharia de Produção / UFMG. Período de realização: março de 2005 a fevereiro de 2006.
205 MARTINS, João da Silva. 5S – O ambiente da qualidade. Belo Horizonte: Fundação Crisitiano
Otoni. 1994.
112 Design e Artesanato
A criação de novos motivos para serem aplicados na decoração dos produtos conti-
nuou a surpreender no que diz respeito à originalidade dos desenhos e no uso de cores de
forma harmônica. Estas são, sem dúvida, as suas principais características diferenciais. No
entanto, um ponto importante a ser observado é que a proposta inicial, na fase de concei-
tuação dos produtos, era a de trabalhar na categoria de peças utilitárias. Ou seja, planejar
um produto que tenha uma função, e que funcione, mas não de qualquer maneira. Podemos
citar o exemplo dos vários modelos de porta-lápis, todos superdimensionados. O grupo foi
orientado a rever estas medidas com as devidas justificativas, mas não houve uma atitude
dos artesãos neste sentido. O uso do papel machê como matéria-prima contribuiu para os
questionamentos referentes à durabilidade e manutenção, feitos por muitos consumidores
no ato da compra. Esta era uma informação programada para acompanhar o produto atra-
vés de etiqueta, mas que também nunca foi feita.
As atividades de design de produto deveriam ter sido repassadas e discutidas mais ve-
zes com o Grupo, principalmente na etapa de conceituação. Apesar dos resultados estéticos
satisfatórios, muitos dos produtos não tinham uma função definida. Nos eventos era comum
ouvir os consumidores questionarem para que servia aquele produto e que, mesmo sem
obter uma resposta precisa, adquiriam-no. As ações previstas para trabalhar com o grupo
estes e outros aspectos determinantes para a qualidade final das peças foram interrompi-
das pela PBH, e os prejuízos, conforme descrito, podem ser observados agora. O objetivo
do projeto, amplamente divulgado, é importante como um valor social agregado, mas não é
determinante no momento da aquisição pelo consumidor, conforme foi verificado.
Outro ponto a ser considerado é a dificuldade de autodisciplina. As reuniões semanais
representam uma forma importante para manter o compromisso e o espírito de equipe do
Grupo. Aliás, este era o único momento em que os artesãos reuniam-se. Elas servem, no
mínimo, para a verificação e o acompanhamento do nível de qualidade pretendido para os
produtos. Principalmente no último trimestre de 2005, estas reuniões aconteceram de for-
ma esporádica, quando muito. A justificativa apresentada por alguns artesãos era a de que
tinham de se dedicar mais à produção em função do aumento das vendas de fim de ano. No
entanto, a oferta apresentava-se sempre reduzida em número e opções de produtos.
O processo de formação e apropriação de uma cultura empreendedora é primordial
para a atividade de design de produto. Para fazer um planejamento é necessário estabelecer
metas e, para isso, são necessários um objetivo e uma convicção. Nos últimos encontros
com alguns dos integrantes do Grupo que estavam participando da Feira de Artesanato do
Ponteio Lar Shopping, em Belo Horizonte, foi possível constatar certa falta de horizontes de
ação e a comodidade dos artesãos. A dependência com a PBH para a tomada de iniciativas
articuladoras de novas oportunidades de negócios ainda prevalece. O Grupo tem consciên-
cia sobre as formas de comercialização do artesanato, mas permanece inerte no sentido de
dar expediente às vendas e, consequentemente, à produção, e ainda se deixa levar pelas
circunstâncias inicialmente estabelecidas pelo parceiro institucional promotor do projeto.
Muitos dos artesãos alegam que os produtos estão sendo vendidos por um preço muito
baixo, no entanto, não solicitam um auxílio da PBH na revisão destes preços, visto que ela é a
responsável por auxiliá-los nesta atividade desde o início do projeto. A etapa de capacitação
Ana Luiza Cerqueira Freitas 117
em formação de preço de venda foi realizada na 2a. etapa do projeto e, notoriamente, não foi
assimilada. A repetição é um recurso importante para a assimilação de novas informações.
Muitas das etapas deveriam ser repassadas mais vezes para promover uma assimilação mais
consistente sobre todos os aspectos referentes ao planejamento de ações de continuidade
no desenvolvimento de produtos.
As observações feitas principalmente a partir da 3a. etapa do projeto, fase em que não
houve interferências diretas no processo produtivo, demonstram o papel assistencialista da
PBH, ao contrário do início das atividades, em que esta instituição assumiu o papel de capa-
citadora para a criação de grupos produtivos autônomos. As vendas do Grupo Pitangaporã
até então não geram renda real para os artesãos. É importante ressaltar que o material uti-
lizado para na produção ainda é fornecido pela instituição, uma situação que merecia mais
cuidado pois será determinante para a continuidade do Grupo no tocante a atingir uma con-
dição de autonomia, uma relação de dependência que vem sendo adiada constantemente.
A experiência de trabalhar com o Projeto Pitangaporã trouxe muitos esclarecimentos
e confirmações sobre a adoção de procedimentos e métodos de desenvolvimento de produ-
tos mais adequados e caracterizados para o sistema produtivo de base artesanal.
Durante a parceria com o Centro IDE/UEMG, quando as atividades eram monitoradas
de forma contínua pelos estagiários, o cuidado dos artesãos com a qualidade e a produti-
vidade era muito mais representativo. Dos dois estagiários do curso de design de produto,
um formou-se e foi contratado pela PBH, e o outro se tornou seu estagiário. A PBH lida com
vários grupos produtivos, de públicos, técnicas e produtos muito diferenciados. Isto fez
com que houvesse um acúmulo das atividades para a então formada equipe de design de
produto da GEINP/PBH, minimizando as ações de capacitação junto ao Grupo Pitangaporã.
A interrupção deste trabalho com o Programa de Design e Produção Artesanal do Centro
IDE/UEMG foi um fato negativo para o projeto pois interrompeu um processo didático e de
trabalho com objetivos e metas específicas estabelecidas. O treinamento no desenvolvimen-
to de produtos tornou-se superficial, as etapas foram interrompidas, muitos dos problemas
que envolviam a qualidade e produtividade não foram mais discutidos com o devido empe-
nho de solução.
O Grupo estava composto, em novembro de 2005, por cinco integrantes, um número
considerado como ideal para a caracterização do artesanato206. A formação no início da 2a.
etapa era de 12 artesãos. Alguns dos motivos expostos para esta evasão foram os problemas
familiares decorrentes de problemas financeiros. A formação do Grupo se deu mais em fun-
ção de características familiares comuns do que por afinidades207, e à necessidade de gerar
renda, pois se trata de famílias de baixo poder aquisitivo. Os artesãos moram muito distantes
uns dos outros, e este é um aspecto que prejudica o caráter social de um grupo produtivo
de base artesanal, com valores e objetivos do ofício compartilhados no dia a dia. A produção
individualizada é um aspecto inerente à atividade, mas geralmente está distribuída numa
206 MARTINS, Saul. Contribuição ao estudo científico do artesanato. Belo Horizonte: Imprensa Oficial
do Estado de Minas Gerais. 1973.
207 VAZ, Ceres Ribeiro. Produção industrial e produção artesanal: semelhanças na metodologia de pro-
jeto de produto. Projeto de Iniciação Científica: PIBIC/CNPQ. Belo Horizonte: Departamento de Enge-
nharia de Produção / UFMG. Período de realização: março de 2005 a fevereiro de 2006.
118 Design e Artesanato
mesma região ou grupo social. Neste estudo de caso, os artesãos encontram-se domiciliados
em diversas regiões de Belo Horizonte, um centro urbano de grandes dimensões.
O Grupo Pitangaporã foi formatado para tornar-se um sistema de produção coopera-
da, mas tem apresentado um fenômeno que tem prejudicado a criação de uma produção
estável e colaborativa: o Grupo concorre consigo mesmo, através da formação do sub-grupo
mencionado anteriormente no capítulo 5, e concorre com o projeto, no tocante a tornar-se
uma referência metodológica para ser aplicada aos outros grupos produtivos acompanhados
pela GEINP. Tanto a PBH quanto alguns dos artesãos parecem ser portadores de agendas
ocultas208, fato que tem trazido prejuízo para o estabelecimento do grupo e promovendo a
descontinuidade do projeto.
Por fim, quanto à metodologia de trabalho desenvolvida para o Grupo, foi possível cons-
tatar a importância de um planejamento específico para as várias etapas que envolvem as ações
de desenvolvimento de produto, e da avaliação intermitente deste trabalho. A resposta aos
objetivos dos métodos adotados foi positiva, principalmente no sentido de fazer com que os
principais atores, os artesãos, fossem de fato os principais autores das conquistas realizadas.
Um exemplo simples, mas não menos interessante, observado nos trabalhos de cam-
po, é a necessidade de equalização entre o designer e o artesão no tocante à referência de
tempo. O designer, geralmente oriundo de grandes centros urbanos, é mais dinâmico, mais
apressado em função do ritmo de vida. O artesão, de uma maneira geral, ao contrário, pos-
sui um ritmo próprio, vive em pequenas comunidades no interior dos Estados. Várias vezes,
em encontros promovidos pelas coordenações dos diversos projetos e programas que envol-
viam os consultores da área de design e artesanato, dentre os profissionais de outras áreas,
foram colocadas as dificuldades em estabelecer uma sintonia temporal com o artesão.
Fruto do trabalho manual, o produto artesanato é aquele produzido em pequena es-
cala, e que tem condições de concorrer com o produto industrial, desde que o artesão,
representante de boa parte deste segmento produtivo e socioeconomicamente ativo na so-
ciedade, valorize, aperfeiçoe e socialize o seu ofício. É uma atividade independente o que
não significa que deva receber menos atenção. Ela deve ser cuidadosa e constantemente
examinada e repensada. Dominar todo este processo de trabalho permite ao artesão realizar
ajustes, não só na produção, mas também nas suas formas de organização.
O design é uma atividade integrada que ultrapassa as considerações funcionais e for-
mais. É uma atividade estratégica, de comunicação e de inovação. O profissional que atua
nesta área é preparado para a atividade projetual nos mais diversos sistemas produtivos,
para a análise do comportamento do consumidor e percepções de oportunidades de merca-
do. É, nesse sentido, um profissional que busca permanentemente estar atualizado.
A produção cooperada é uma forma de organização estratégica para ganhar força de mer-
cado e de garantir a capacidade de produção. A parceria, vista como forma de trabalho coope-
rado, pode se dar entre os próprios artesãos, entre artesãos e designers, entre artesãos, desig-
ners e empresários, entre artesãos e produtores rurais, etc.. A articulação entre estas múltiplas
possibilidades de parcerias com agentes da sociedade e do poder público é fundamental para
promover o desenvolvimento dos empreendimentos no setor produtivo artesanal.
De acordo com a colocação feita por Correia209, o artesanato e o design podem ser
associáveis em regime de contratação de serviços, parceria ou co-autoria. Branco210
escreve que a aproximação entre o artesanato e design, independentemente de fórmu-
la exacta, parece poder constituir um pólo inesgotável para parcerias, para actua-
ções interactivas que os mercados sublinham com agrado. O design pode aproximar-se
do artesanato de maneiras diferentes. Além de parceiros, podem atuar como instrutores ou
como consultores. Seja como for, o designer deveria atuar considerando principalmente o
contexto em que o artesão vive, buscando compreender o seu modo de produção. O desafio
é promover produtividade e, ao mesmo tempo, preservar as peculiaridades do processo, é
juntar tradição e modernidade, descobrindo novos usos, compartilhando ideias e experi-
mentando fazer.
A identidade no artesanato, ou seja, as características próprias e exclusivas inerentes ao
produto artesanal, é formada pelos seus aspectos formais e funcionais, pela sua técnica pro-
209 CORREIA, Susana. Design e Artesanato. Cadernos de Design. Lisboa: Centro Português de Design.
A alma do Design. p 9-10. 2003.
210 BRANCO, João. Artesanato e Design: Parcerias com Futuro? Cadernos de Design. Lisboa: Centro
Português de Design. A alma do Design. p 12-15. 2003.
120 Design e Artesanato
resistência ou dificuldade de iniciar uma rotina de produção. Quanto a esta última questão,
deve-se também ter em conta que, quando um sistema de produção consegue ser estabele-
cido, a ausência de um acompanhamento com atenção tanto a aspectos de design como de
engenharia de produção, principalmente no tocante à organização e condições de trabalho,
pode levar à interrupção do processo. (d) Um retorno financeiro estável demanda tempo,
experiência e paciência, e esse é outro ponto determinante visto que a grande maioria dos
artesãos é de baixa renda. Estes são fatos que demonstram que uma coisa é entender o que
é uma cultura empreendedora, e outra, muito diferente, é colocá-la em prática, uma situa-
ção pertinente a qualquer atividade.
O esquema apresentado na figura 39 apresenta as estruturas básicas das metodo-
logias adotadas para a formulação, planejamento e implementação das ações, revistas
passo a passo, e repensadas quando necessário, assumindo, dessa forma, um caráter de
flexibilidade. As terminologias praticadas para a designação das etapas de percursos me-
todológicos são similares, no entanto, a atenção deve estar calcada nos procedimentos e
critérios determinados para a atuação coerente nos diversos contextos que envolvem um
objetivo estabelecido.
6.3 - CONCLUSÃO
No tocante à revisão bibliográfica realizada destaca-se a restrita disponibilidade de
referências mais específicas sobre o tema abordado, principalmente aquelas de cunho
científico. Em muitos dos textos encontrados, o tema é tratado geralmente aliado a
assuntos correlatos, como por exemplo, agricultura familiar, responsabilidade social,
economia solidária, turismo, antropologia e história. Em dezembro de 2005, foi realiza-
da uma busca no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, através do site
da instituição e de visita ao escritório regional de Belo Horizonte, por dados estatísticos
sobre o artesanato no que se refere aos produtores, técnicas, tipologias de produtos,
matérias-primas ou sobre o artesanato desenvolvido para a exportação, mas nenhuma
informação foi encontrada. A coleta e divulgação de dados neste sentido poderia con-
tribuir para estudos e análises do setor artesanal, fundamentais para o planejamento de
políticas locais de desenvolvimento.
Outro ponto importante refere-se ao processo de formação profissional no desen-
volvimento de produtos artesanais. As iniciativas por parte das instituições de ensino
têm se concentrado em promover atividades de extensão e pesquisa com este foco, mas
no que se refere às atividades de ensino, este tema ainda não tem sido abordado de ma-
neira incisiva. Conforme foi dito, durante a realização desta pesquisa, foram realizados
seminários e apresentações para o meio acadêmico, mais especificamente na Escola de
Design da UEMG e na Escola de Engenharia de Produção da UFMG. Neste período foi
possível observar o crescente interesse, por parte de alunos e professores, em participar
de projetos direcionados para o desenvolvimento de produtos artesanais, ou em obter
mais informações sobre este setor produtivo. Considerando a crescente importância de
desenvolvimento socioeconômico que o artesanato vem adquirindo a cada dia, seria con-
veniente estabelecer uma abordagem de cunho didático mais específica.
O artesanato também está em processo de evolução. O consumo aumentou conside-
ravelmente, novas técnicas de produção foram desenvolvidas, e as técnicas tradicionais
foram resgatadas e ganharam novas formas de aplicação. Na linguagem capitalista, o ar-
tesão poderia ser designado como capital humano, ou seja, como o detentor do conheci-
mento do “jeito de fazer” e do “porquê de fazer”. As características que determinam o va-
lor do artesanato contemporâneo continuam focadas na natureza do trabalho, entretanto,
o seu valor de estima vem prevalecendo mais do que o seu valor utilitário.
Esta pesquisa buscou refletir sobre a necessidade de novas metodologias de interven-
ção em Design e Engenharia de Produção nos processos de produção artesanal, que são
por natureza diferentes daqueles da produção industrial. Neste sentido, é fundamental a
criação de procedimentos metodológicos específicos e adequados, para que sejam efetiva-
mente garantidas as melhorias necessárias sem a perda dos valores intrínsecos ao artesana-
to. Trabalhar com desenvolvimento de produtos e artesanato pode ser um ato de desbravar
contextos desconhecidos, inusitados e cheio de surpresas. O objetivo deveria concentrar-se
na contribuição para a formação de parcerias justas e claras.
Ana Luiza Cerqueira Freitas 123
KOTLER. Philip e KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. São Paulo: Pear-
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