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Universidade de Ca HISTORIA ILUSTRADA DA CIENCIA Colin A Ronan IV ACIENCIA NOS SECULOS XIX EXX Fisica Durante o século XIX, a fisica avancou a uma velocidade cada vez mais acelerada, e assuntos que antes eram matérias distintas co- megaram a convergir. Mesmo assim, seré mais conveniente que come- cemos por analisar separadamente as secdes — calor, eletricidade e luz —, e vejamos como suas relagdes se desenvolveram historicamente. Calor No fim do século anterior, quando defendia uma teoria vibra- t6ria para explicar o calor gerado quando se perfurava um canhio, 0 conde Rumford realizou uma série de experiéncias para tentar ob- ter alguma espécie de resultado quantitativo em apoio A sua idéia. Usando um cilindro de metal e um perfurador sem corte, colocou dois cavalos arreados em condicdes de fazer o cilindro, girar 34 vezes por minuto. Em algumas experiéncias, o cilindro foi envolto em flanela para conservar o calor; em outras, Rumford imergiu o cilindro em um tonel e descobriu que se gerava calor suficiente para derreter blocos de gelo que estavam boiando no tonel ou fazer ferver a Agua. Em cada caso, 0 suprimento de calor parecia inexauri- vel, e se tornou claro que o calor nfo poderia, simplesmente, ser um fluido imponderdvel. Depois da pesquisa de Rumford, coube ao francés Sadi Carnot levar 0 assunto adiante. Filho mais velho de uma das principais figu- ras da Primeira Reptblica francesa, Carnot fez uma anélise perma- nente e particularmente penetrante de maquinas.que produziam forca mecanica com o calor, concentrando-se especialmente na energia e no calor perdidos por um motor a vapor. Foi um estudo cuidadoso que permitiu a Carnot provar que cada motor, de qualquer espécie, podia ser dividido em trés partes constituintes; cada uma possuia uma fonte de calor (no motor a vapor, era a fornalha), uma subs- tancia que conduzia o calor (a 4gua e o vapor no motor a vapor) e um recipiente para o calor (no motor a vapor, o condensador). Ao passar da fonte para o recipiente, o calor passava de uma tempera- tura muito alta para uma mais baixa, e o trabalho era realizado, A 45 partir dos resultados dessa andlise, Carnot declarou que, em uma maquina perfeita, onde nenhum calor se perdesse em seu ambiente nem houvesse perda por fricg&o, nenhum calor ou calérico escaparia (ele ainda adotava a teoria do fluido imponderavel). O motor realiza 0 trabalho. mecAnico devido 4 queda de temperatura e nao 4 perda de calor. Em suma, a idéia de Carnot era que nenhum calor jamais é criado ou destruido; ele apenas muda de um corpo para outro (num motor, da fonte para o recipiente). Em um motor ideal, entio, seria possivel — ao menos teoricamente — levar o calor de volta do reci- piente para a fonte, e tudo se daria como no principio do processo. Em outras palavras, na teoria, o ciclo do calor é reversivel, embora, na pratica, nunca seja assim. Carnot publicou esses resul- tados em 1824 e depois continuou suas pesquisas, mas infelizmente morreu de uma epidemia de célera no ano de 1832, com a idade de apenas 36 anos. Suas pesquisas estavam incompletas e, por dupla infelicidade, seus textos pdstumos permaneceram dispersos e iné- ditos por cerca de meio século, Pois Carnot finalmente chegara A conclusaéo de que “o calor nada mais € que uma forca motriz, ou antes, uma forga que mudou de forma”, e tinha comecado a trabalhar nos fundamentos de uma teoria cinética (vibratéria) do calor. Tam- bém afirmou que a forga motriz total no universo era constante; na verdade, suas notas guardavam a maior parte do trabalho fundamen- tal daquela que viria a ser chamada de “primeira lei da termodina- mica”, como se tornard evidente em seguida. O estdgio seguinte na histéria do desenvolvimento de uma teoria moderna do calor deveu-se 4 pesquisa de trés homens: James Joule, Lorde Kelvin e Rudolf Clausius. Joule (1818-1889) comecou sua vida profissional na cervejaria do pai, em Salford, perto de Manchester; mais tarde, porém, estudou com Dalton, e depois comecgou a fazer experiéncias sobre a consti- tuigéo dos gases. Estudou o trabalho realizado por um gds quando se expande e o calor gerado quando se comprime — duas instancias da relagéo entre agéo mecanica e calor —, e em 1847 descreveu 0 que agora se tornou uma experiéncia famosa. Consistia em uma roda de pas mergulhada na dgua, e na mensuragdo do trabalho realizado para girar a roda e das mudancas de temperatura do banho de 4gua. A experiéncia forneceu uma determinagao precisa da quantidade de tra- balho necessdria para gerar uma quantidade estabelecida de calor ou, como é usualmente chamado, o equivalente mecnico do calor. Os resultados de Joule foram aproveitados por William Thom- son, depois Lorde Kelvin, que nascera em Belfast, na Irlanda do Norte, em 1824. Sua familia mudou-se para Glasgow quando Kelvin tinha cinco anos de idade, devido a designacdo de seu pai para uma cadeira de matemdtica naquela cidade. O prdéprio Kelvin estudou fisica e matematica em Glasgow e Cambridge e, em 1846, com a idade de 22 anos, foi designado professor de fisica em Glasgow — para o que contribuiu significativamente a influéncia de seu pai. L4, Kelvin permaneceu durante o meio século seguinté. Bri- lhante matemitico e fisico, tinha também grande talento pratico e 46 financeiro; envolveu-se no lancamento do primeiro cabo telegrafico no Atlantico, em 1866, e fez grandes melhoramentos no desenho ¢ na precisao da bissola. Por esse trabalho foi feito, primeiro, cava- leiro e depois subiu 4 categoria de par do reino, tomando o nome de Kelvin, que é o rio em cujas margens se situa a Universidade de Glasgow. F Kelvin tentou determinar as leis matematicas apropriadas para expressar o trabalho de Joule, e logo verificou que, para formulé-las, precisava de alguma escala de temperatura absoluta, em vez de uma escala arbitraria, baseada apenas nos pontos de congelamento e ebuli- c&o da Agua ou de outro liquido conveniente. Kelvin voltou-se para o trabalho publicado por Carnot sobre o ciclo do calor e verificou que o trabalho mecdnico realizado por um motor perfeito, sem fricco, de- pendia apenas da quantidade de calor (nessa fase, Kelvin ainda pensa- va no calor como um fluido imponderdvel), bem como das tempera- turas da fonte e do recipiente de calor. Em conseqiiéncia, tentou en- contrar uma escala de temperatura em que a unidade de calor e de trabalho. mecanico desenvolvido fosse sempre a mesma, em qualquer parte da escala em que a diferenga-de temperatura se encontrasse; em outras palavras, de tal forma que os resultados fossem os mesmos quaisquer que fossem as temperaturas reais envolvidas. Tal escala deveria ser independente da substancia utilizada — Agua, Alcool, merctirio ou qualquer outra — ou do corpo em que a mudanca de calor estivesse ocorrendo. Para conseguir isso, Kelvin teve de escla- recer a relagao precisa entre o calor gerado na experiéncia de Joule e aquele sobre o qual falara Carnot. E nesse ponto que o fisico alemao Rudolf Clausius entra em cena. Nascido em Késlin, na Priissia, em 1822, filho de um pastor e professor, Clausius estudou na Universidade de Berlim e, em 1850, tornou-se conhecido por um artigo sobre a teoria do calor. Revivendo o trabalho publicado por Carnot sobre o motor a vapor, Clausius veri- ficou que Carnot havia se enganado quando pensara em um motor que trabalharia somente porque seu calérico diminufa de tempera- tura. Clausius concordava em que o calérico nao podia ser destruido, mas afirmava que ele poderia ser convertido em outra coisa; por exemplo, em um motor, seria convertido em trabalho mecdnico. Isso o levou a formular duas leis para expressar a relaciio entre o fluxo de calor e o trabalho mecanico — as duas primeiras leis da termodinamica. A primeira declara que, em qualquer sistema fechado (um motor a vapor, por exemplo), o total de energia é constante. A segunda diz que o calor nao pode passar de um corpo mais frio pata outro mais quente espontaneamente; para que isso acontega, alguma causa externa deve entrar em operacdo. Essa tiltima lei é muitas vezes expressa dizendo-se que a entropia sempre aumenta, sendo a entropia (do grego “trope”, “transformagdo”) a medida da ‘indispo- nibilidade de energia. O trabalho de Clausius contribuiu para provar que o calérico de Carnot e 0 calor de Joule eram os mesmos, e Kelvin tinha-agora a pista de que necessitavd, A quantidade de calor tirada de uma fonte 47 e a absorvida pelo recipiente ou “escorredouro de calor” dependem da diferenca de temperatura entre a fonte e 0 escorredouro. Isso nao leva em consideraco onde ambas se situam na escala de temperatura. O que o escorredouro de calor nao absorve é convertido em trabalho mecanico. Além disso, se o escorredouro estiver 4 “temperatura zero” e assim permanecer, nao esta tirando calor da fonte. Toda a energia est4, entao, disponivel para se converter em trabalho meca- nico. A entropia é zero porque nenhuma energia est4 indisponivel. Por conveniéncia, Kelvin considerou 0 0 grau em sua escala “absolu- ta” como o ponto de congelamento da Agua, e 100 graus como o de ebulicdo; isso Ihe deu um “zero absoluto” de —273,1 graus centi- grados. O ponto zero absoluto da escala de Kelvin nao é, de fato, atingi- vel, devido ao modo pelo qual os dtomos sao construidos, embora Kelvin nao soubesse disso. Mas esse nao é 0 problema. O que im- porta € que o trabalho de Clausius e de Kelvin tornou claro que o calor nao era nenhum misterioso fluido sem peso, mas sim uma forma de energia. Assim também acontecia com o trabalho mecanico. Também se tornou evidente que nenhuma forma de energia podia ser destruida, embora uma pudesse ser convertida em outra. Dessa constatacfio, chegou-se ao principio que se tornaria conhecido como da conservacio de energia, principio esse que j4 fora formulado em 1847 pelo fisico alemaéo Hermann von Helmholtz, mas ao qual Clausius e Kelvin deram um significado mais profundo. Eletricidade Se o calor.era concebido como um fluido imponderavel no prin- cipio do século XIX, nao era a tinica entidade fisica a ser considerada dessa maneira. A eletricidade também o era; de fato, em 1800, a ques- tao principal dizia respeito a estabeleter se seria um fluido ou dois. No entanto, novamente nesse ponto o quadro deveria mudar, devido a uma pesquisa mais extensa e profunda. Algumas pistas foram dadas por Davy e outros, em seus trabalhos sobre.as reagdes quimicas que ocorriam dentro das baterias, e evidéncias posteriores foram obtidas gracas a estudos sobre a passagem da eletricidade ao longo dos fios. Henry Cavendish tinha feito experiéncias sobre a condugdo, embora nao tivesse publicado seu trabalho, mas Davy tornou conhecidas suas investigagdes e mostrou que, quando se usava um fio de metal (nao a seda ou o barbante, como no caso das experiéncias do século an- terior), as propriedades de conducao dependiam de seu diametro e da espécie do metal usado. Isso ocorreu em 1821, mas sé quatro anos depois é que foi obtida a relacdo exata entre a forga e a quantidade de eletricidade que passava em um condutor. Entéo, um professor ale- mao, Georg Ohm, realizou experiéncias usando fios de espessuras idénticas, mas de diferentes comprimentos, e fez suas medig6es usan- do uma balanca de torg&o de Coulomb. Verificou que a resisténcia de um fio nao dependia da quantidade de eletricidade que passava por ele (isto é, da corrente), mas fez mais do ‘que isso. Ohm continuou suas pesquisas e, em 1826 e 1827, formulou uma teoria 48 para explicar seus resultados. Afirmou que a eletricidade ‘se movia por um fio passando de particula em particula (também se julgava que o fluido de calor se movia exatamente desse modo) ¢ calculou que esse movimento devia ser causado por um potencial ou uma tens&o elétrica, do mesmo modo como uma diferenca de tempe- ratura causava um fluxo de calor. Esse tiltimo conceito veio a ser conhecido como forga eletromotriz e introduziu a unidade chamada volt, em homenagem a Volta. O nome de Ohm ficou associado a unidade de resisténcia. Ao mesmo tempo em que Ohm realizava suas experiéncias, dois outros cientistas faziam importantes pesquisas na 4rea — 0 fisico dina- marqués Hans Christian Oersted, entéo “professor extraordindrio” da Universidade de Copenhague, e o fisico, matematico e quimico francés André-Marie Ampére. Oersted, que por motivos filosdficos acreditava que devia existir uma relag&o entre eletricidade e magne- tismo, conseguiu provar, experimentalmente, que, quando uma corren- te elétrica passava ao longo de um fio, havia um campo magnético associado a ela. Isso ocorreu em 1820 e, pouco depois, entre 1821 1825, Ampére esclareceu os efeitos de correntes sobre imas, assim como o efeito oposto, a aco de fmas sobre correntes elétricas. Tal pesquisa, entao, levou-o a afirmar que um ima era composto por “moléculas” magnéticas, em cada uma das quais uma corrente cit- culava permanentemente, ponto de vista que estava de acordo com varios resultados experimentais entao conhecidos, e que foi de imensa importancia. Estava montado o cendrio para uma nova série de desen- volvimentos na area do eletromagnetismo e, por sorte, exatamente nessa época a Royal Institution contava com um fisico de grande inclinagao experimental, que péde dar continuidade as pesquisas. Era o assistente de Humphry Davy, Michael Faraday, de quem fala- mos tapidamente quando discutimos a eletroquimica. Nascido em i791, em Newington (agora parte de Londres), Faraday recebeu educagaéo apenas rudimentar. Com a idade de treze anos, tinha de contribuir para a manutengdo da familia e foi trabalhar na livraria de um certo sr. Riebau, distribuindo jornais e levando recados. Um ano depois era aprendiz do sr. Riebau, que o ensinava a encadernar livros, e durante os sete anos seguintes desenvolyeu uma destreza de que viria a servir-se mais tarde, como cientista experimental. Foi durante seu trabalho na livraria que Faraday tomou contato com livros cientificos; eles o fascinaram e, por sorte, esse interesse pela ciéncia foi observado por um dos clientes de Riebau, que lhe deu entradas para uma série de conferéncias de Davy na Royal Institution. Faraday gostou bastante das conferéncias, tomou notas de tudo e depois redigiu-as com o maior cuidado, Em outubro daquele ano, Davy ficou temporariamente cego devido a uma explosao no laboratd- tio, e Faraday foi indicado como amanuense. Mais tarde, quando Davy jé tecuperava a visao, Faraday enviou-lhe o conjunto de suas notas da conferéncia; como resultado, em fevereiro do ano seguinte, quando um assistente do laboratério foi demitido, Davy ofereceu o posto a 49 Faraday. Os dois, obviamente, deram-se muito bem e, quando viajou ao continente com a esposa, no fim do verao, Davy levou Faraday. Em 1825, Faraday foi designado superintendente de equipamento, diretor de laboratério e, em 1835, professor de quimica. Foi durante o perfodo em que trabalhou como diretor do labo- ratério que Faraday teve toda a sua atengéo voltada, pela primeira vez, para a quest&o do eletromagnetismo, e suas pesquisas comeca- ram a produzir resultados que viriam a ter efeitos de longo alcance tanto na indtistria como na ciéncia. Para comecar, argumentava que, sé a eletricidade que corria por ‘um fio produzia efeitos magnéticos, como Ampére tinha demonstrado, o inverso deveria ser verdadeiro — um efeito magnético deveria produzir uma corrente elétrica. Para testar isso experimentalmente, ele enrolou duas espirais de fio em um anel de ferro. Uma das espirais ia até uma bateria, e a outra, até um “galvanémetro” (sensivel detector de corrente elétrica), e Faraday verificou que, quando ligava e desligava a bateria, uma corrente elétrica passava, temporariamente, no outro fio. Eviden- temente, isso era gerado por efeitos magnéticos da primeira corrente. Uma segunda experiéncia, usando uma espiral de fio enroscada em uma haste de ferro e dois imas em forma de barra, demonstrou claramente que os im&s por si s6s podiam induzir uma corrente, “uma conversao direta de magnetismo em eletricidade”, como disse Faraday. Sua hipétese provara ser correta. Seguiram-se outras expe- riéncias, e, a partir delas, ele verificou que uma espiral de fio induzi- tia uma corrente elétrica em si mesma nos momentos em que uma corrente fosse ligada ou desligada — o fendmeno da “auto-indugao”. Essas experiéncias conduziram a toda espécie de. resultados praticos — ao desenvolvimento dos motores e geradores elétricos, e dai aos trens e bondes elétricos, e ao suprimento de eletricidade ptiblica, bem como ao telégrafo elétrico e, nas mos de um inventor como Alexander Graham Bell, ao telefone. Levantaram também um problema tedrico, que n&o era novo, embora, @ sua luz, tenha se tornado um sério desafio,.Era a questao relativa ao modo como a eletricidade e o magnetismo podiam afetar um ao outro no espaco vazio: o problema da aco & disténcia. Faraday propés a util e produtiva idéia de um campo. Imaginou que existiam linhas de forga magnética, e que estas ficavam tanto mais préximas quanto mais forte fosse 0 campo magnético. Imaginou também. que essas linhas tendiam a se encurtar quando podiam e a se repelir mutuamente. Essas explicacdes eram compativeis com o resultado de suas expe- riéncias. Em 1837, Faraday introduziu 0 conceito paralelo de linhas de forga elétrica e, no ano seguinte, estava em condigGes de elaborar uma- teoria da eletricidade. As particulas de matéria eram compostas de forgas arranjadas segundo padrdes complexos; esses padrdes davam- Ihes suas caracteristicas. Entretanto, os padrdes se distorciam sob tensZo, como a imposta pelas forcas elétricas. Entéo Faraday usou essa idéia para explicar o fendmeno do relaémpago, bem como a eletrostatica ¢ a eletroquimica. Nao era uma teoria que se recomen- 50 dasse particularmente 4 comunidade cientifica, e o prdéprio Faraday a propés com grande desconfianga, mas, juntamente com seu soberbo trabalho experimental, ela o capacitou a reunir em uma grande uni- dade todos os elementos do estudo sobre a eletricidade, até entio dispersos. As correntes voltaicas, a eletricidade de maquinas de fricgaio e de relampagos, a eletricidade por indugdo, os efeitos eletromagnéti- cos, a eletricidade animal (tal como a apresentada por um peixe- torpedo, por exemplo) e até a termoeletricidade (a eletricidade pro- duzida pelo aquecimento de dois metais diferentes, em contato), todos tinham mostrado ser a mesma espécie de eletricidade. Como declarou o proprio Faraday: “A eletricidade, qualquer que seja, é idéntica em sua natureza”. Ao discutir a eletricidade e 0 conceito de linhas de forca, Fara- day afirmou que o espaco devia estar cheio de tais linhas e que, talvez, a luz e o calor radiante fossem vibragdes que viajavam ao longo ‘delas. Mas essa idéia necessitava de uma andlise matematica completa que lhe desse precisaio, se se pretendesse que ela se tornasse algo mais que uma afirmacdo interessante. O homem que aceitou esse desafio foi um escocés, James Clerk Maxwell (1831-1879). Com a idade de 24 anos, tornou-se professor de filosofia natural no Marischal College, em Aberdeen, e, pouco depois, no King’s College, em Londres. Em 1865, com apenas 34 anos de idade, retirou-se da vida académica regular para a‘ sua propriedade, no sudoeste da Escécia, e foi 14 que escreveu seu célebre Tratado sobre eletricidade e magnetismo. Esse importante texto surgiu em 1873, quando Maxwell tinha voltado para o mundo académico, tendo sido designado, em 1871, o primeiro professor de fisica experimental de Cambridge, onde planejou e desenvolveu o famoso Laboratério Ca- vendish. Em sua curta vida colecionou notaveis realizagdes em mate- matica — provando, entre outras coisas, que os anéis do planeta Saturno nao podiam ser sélidos, mas compostos de mirfades de mintsculas particulas —, em dptica (inventou a lente olho-de-peixe) e em visao colorida, e também ajudou a desenvolver a compreensio teérica dos gases rarefeitos. Mas sua maior contribuic&o foi no estudo da eletricidade e do magnetismo. O interesse de Maxwell pelo assunto surgiu tanto nos encontros como na correspondéncia com Faraday, e também por causa de um trabalho que Kelvin tinha realizado em 1842, quando estudante em Cambridge. Kelvin comparara a carga em um corpo, gerada por uma maquina elétrica, com o modo como o calor se alastra em um corpo quente, grande o bastante para que detalhes do seu contorno possam ser desprezados (j4 que estes iriam complicar demais o estu- do). Kelvin usou essa comparacao porque a técnica matematica apro- priada ja estava disponivel. Surpreendentemente, seus resultados mos- traram que as respostas matemdticas .ao problema elétrico eram semelhantes. Como o colocou Maxwell, o trabalho de Kelvin “intro- duziu na ciéncia matemdtica a idéia da agdo elétrica conduzida atra- vés de um meio continuo”; era uma‘ idéia proposta por Faraday, mas 51 nunca antes trabalhada com detalhes matematicos. Em 1846, Kelvin escreveu novamente sobre o assunto, dessa vez levando-o mais adiante e adotando a idéia entao prevalecente de que todo o espago era per- meado por um éter que, embora nao pudesse ser pesado nem medido, agia como transportador dos feixes de luz. Kelvin comparava os efeitos elétricos em um éter que transmitia os efeitos elétricos e magnéticos com as variagdes a serem encontradas em um corpo sdlido que estivesse sofrendo tensdes. Era uma idéia que prometia esclarecer como tal éter podia transmitir efeitos de um lugar para outro. Nas maos de Maxwell, ela foi desenvolvida com grande imaginagao e notavel habilidade matematica. Maxwell comecgou sua anélise em 1855 e, inicialmente, tentou encontrar uma explicacio matematicamente correta das linhas de forca que circundam um ima, isto é, o campo magnético de Faraday. Um ano depois, estava pronto para publicar um documento em que tentava correlacionar todos os resultados experimentais sobre eletro- magnetismo de Faraday usando métodos semelhantes aqueles com os quais Kelvin tinha sido tao bem sucedido. Esse, porém, era apenas um primeiro passo; mais ainda devia ser feito, e foi somente cinco anos mais tarde que Maxwell conseguiu seu objetivo. Por fim, em 1861, ele estava em condigdes de colocar correntes elétricas, cargas elétricas e magnetismo em um esquema abrangente, pressupondo um éter para explicar como as correntes elétricas e seus variados campos magnéticos estavam sempre intera- gindo. Publicado com todos os detalhes matematicos, em 1864, o trabalho marcou um imenso avanco no entendimento dos efeitos magnéticos e da eletricidade. No entanto, era mais do que isso, pois as implicagdes de seus resultados matematicos eram impressionantes. As equacdes a que Maxwell tinha chegado para expressar 0 compor- tamento de uma cortrente elétrica e de seu campo magnético associado eram semelhantes, em todos os aspectos, as j4 determinadas para expressar 0 comportamento das ondas de luz (uma teoria ondulatéria da luz j4 fora aceita por essa época). Assim, o que Maxwell mostrou foi que a luz devia ser uma onda eletromagnética de alguma espécie e, inversamente, que as ondas eletromagnéticas deviam ser passiveis de reflexfo, refracfo e todos os efeitos que as ondas de luz sofrem. Mais ainda, seus resultados demonstravam que deviam existir radia- des de menores ou maiores comprimentos de onda do que a luz. Em 1888, nove anos depois da morte de Maxwell, foram realmente des- cobertas ondas eletromagnéticas longas; nessa época, Heinrich Hertz, professor de fisica em Karlsruhe, gerou ondas desse tipo. Embora nao pudessem ser observadas visualmente, elas eram detectadas eletri- camente e também podiam ser transmitidas e refletidas. Hertz tinha descoberto as ondas de radio; como se acabou constatando, porém, isso foi apenas uma das conseqiiéncias do trabalho de Maxwell. Luz A teoria de Newton sobre a luz, que a considerava como um fluxo de corptisculos, manteve-se inalterada até o principio do século 52 XIX, quando uma nova concepgao foi adotada por Thomas Young. Nascido em Milverton, Somerset, em 1773, filho de um banqueiro e negociante de tecidos, Young manifestou desde cedo interesse pela ciéncia ¢ também inclinagao pelo estudo de linguas, o que mais tarde © capacitou a ser um dos primeiros a traduzir hierdglifos egfpcios. Na década de 1790, Young foi a Edimburgo, Londres e Gdttingen para estudar medicina. Depois de conseguir o diploma de médico, foi para Cambridge a fim de obter uma educacio mais avangada, mas em 1800 se estabeleceu em Londres, apés herdar de um tio materno uma boa casa e uma pequena fortuna. Young tentou, entdo, dedicar-se & pratica médica, mas obteve pouco sucesso, e, quando o conde Rumford comegou a procurar um professor de filosofia natural para a Royal Institution, ele parecia um candidato ideal, tanto social quanto cientificamente, com seus amplos interesses. Foi designado em 1801, mas suas aulas, ao contr4- tio das exposig6es claras e populares de seu colega Humphry Davy, eram obscuras e demasiado técnicas para a espécie de audiéncia que a Royal Institution visava e, em 1803, Young foi obrigado a se demitir. Dessa época em diante, passou seu tempo escrevendo, pes- quisando e exercendo funcGes ptiblicas sem remuneracao; atuou tam- bém como secretdrio estrangeiro da Royal Society, outro posto hono- rario. © trabalho de Young sobre a natureza da luz surgiu de seu interesse pelo problema da visio e, de 1793 em diante, ele escreveu uma série de artigos sobre o que se tornou conhecido como dptica fisiolégica; descobriu como o olho enfoca as imagens e discutiu a viséo colorida. Suas idéias sobre a prépria natureza da luz aparece- ram, a partir de 1800, nos Negécios Filosdficos. Para comegar, Young mostrou que, considerando-se a luz como um disttrbio de onda, seria possivel sobrepujar algumas das dificuldades que tinham surgido com a teoria corpuscular. Young perguntava, por exemplo: se a luz se devia a corptisculos langados de um corpo, por que eles deviam viajar sempre a uma mesma velocidade, quer viessem de uma centelha produzida por uma pederneira, quer dos intensos raios do Sol? Nesse caso, a velocidade nao dependeria das condigdes que tinham dado origem a luz? E, se a luz era uma fieira de corptisculos, por que apenas alguns eram refratados através de uma lente e outros, refletidos? Certamente Newton tinha proposto sua teoria de “ajusta- mentos faceis” de reflexdo e refracéio, dependendo do modo como os corptisculos estivessem vibrando quando tinham sido emitidos, mas, como Young mostrou, isso estava muito perto de uma teoria vibratéria da luz. Young nfo se limitou, naturalmente, a critica da teoria dos cor- pusculos; tinha uma contribuigdo positiva e muito definida a apresen- tar. Supondo que o espaco estava cheio de um éter luminoso e que a luz era um disttirbio de onda em tal éter,- Young tornou possivel explicar todos os efeitos usuais de reflexdio e refracdo. Mas sua teoria fez mais do que isso. Deu uma explicacdo simples ao fendmeno dos “anéis de Newton” (os anéis coloridos vistos quando uma lente 65

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