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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI, DD.

RELATOR DA RECLAMAÇÃO N.° 43.007/PR NO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL.

Síntese: Arquivo oficial da Operação Spoofing compartilhado,


atualmente sob custódia do Estado (Inquérito 002/2019-
7/DICINT/GGI/DIP/PF). Material que foi periciado pela Polícia
Federal, que atestou a sua integridade e, ainda, informou que
“qualquer alteração do conteúdo em anexo aos Laudos (remoção,
acréscimo, alteração de arquivos ou parte de arquivos), bem como
sua substituição por outro com teor diferente, pode ser detectada”.
14º Relatório de Análise Complementar elaborado pelo Perito
CLÁUDIO WAGNER, demonstrando, de forma amostral e
complementar, a preservação dos arquivos, porquanto se
permite identificar através das propriedades eletrônicas
registradas (metadados), a data e horário de criação, última
alteração, autor, tipo de documento, dentre outros detalhes, no
material recebido e/ou coletado junto a Polícia Federal.
Necessária concessão da ordem de habeas corpus incidental.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, por seus advogados, vem,


respeitosamente, à ilustre presença de Vossa Excelência, em atenção às notícias
divulgadas pela imprensa fazendo alusão à integridade do material oficial apreendido
no âmbito da Operação Spoofing, expor e requerer o que se segue:

1. Conforme é cediço, em irretorquível decisão proferida aos


29.12.2020, esse e. Min. Relator RICARDO LEWANDOWSKI, sem prejuízo de
providências ulteriores, autorizou o compartilhamento das mensagens que estão na
posse do Estado e que foram apreendidas no âmbito da Operação Spoofing (Inquérito
002/2019-7/DICINT/GGI/DIP/PF).
2. Referido material oficial compartilhado, como é público e notório,
deu origem a 13 petições que foram instruídas com relatórios de análise preliminar,
confeccionados por Perito constituído, cujo conteúdo desnudou toda sorte de
ilegalidades no âmbito da “operação lava jato”: (i) um “plano” para promover seguidas
acusações frívolas e sem materialidade contra o Reclamante — denominado pela “lava
jato” de “plano do Lula” e que na verdade é um detalhado roteiro de lawfare contra o
ex-presidente LULA; (ii) ataques à Defesa Técnica do Reclamante; (iii) cooptação de
delatores para a construção de hipóteses acusatórias contra o Reclamante; (iv) processos
de gaveta; (v) ocultação de provas de inocência do Reclamante; (vi) investigações
clandestinas, especialmente contra Ministros de Cortes Superiores, visando aplicar a
técnica de “emparedamento”; (vii) dentre outras coisas.

3. Como já pontuado anteriormente, os referidos elementos coligidos


no âmbito da Operação Spoofing tiveram a integridade do material periciado pela
Polícia Federal, sobretudo a inteireza da respectiva cadeia de custódia. Com efeito, o
relatório final do citado inquérito policial, ancorado em laudos técnicos produzidos a
partir do exame dos diversos equipamentos apreendidos em poder dos alegados
“hackers”, corrobora a informação de que todos os dados eletrônicos neles contidos
foram preservados, quer dizer, encontram-se íntegros:

Com a deflagração das duas fases da Operação Spoofing, fora coletado vasto
material de interesse para as investigações, com destaque para os diversos
dispositivos eletrônicos contendo dados armazenados. Ao todo, foram reunidos
cerca de 7 TB de dados eletrônicos, que se encontravam em dispositivos
diversos, tais como smartphones, notebooks, hard disks (HD), pen drives,
tablets e outros dispositivos de mídia de armazenamento de dados.

Todos os dispositivos arrecadados foram submetidos a exames pelo Serviço


de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística da
Polícia Federal, que objetivaram a extração e análise do conteúdo do
material, com a elaboração de Laudo Pericial de Informática específico

2
para cada item apreendido. Os arquivos das mídias passaram por um
processo de garantia de integridade baseado no algorítimo Secure Hash
Algorithm (SHA) de 256 bits, cujos resultados foram registrados em
arquivos denominados “hashes.txt” e anexados em mídia ótica a cada um
dos Laudos. Dessa forma, qualquer alteração do conteúdo em anexo aos
Laudos (remoção, acréscimo, alteração de arquivos ou parte de arquivos),
bem como sua substituição por outro com teor diferente, pode ser
detectada. (destacou-se)

4. Destarte, o exame pericial dos meios eletrônicos já realizado pela


Polícia Federal confere pleno valor probatório às conversas mantidas pelo ex-juiz
SÉRGIO MORO com os Procuradores da República, às conversas mantidas entre estes
últimos (conversas entre os Procuradores da República) e, ainda, às conversas mantidas
entre os Procuradores da República e terceiros. Essa situação é, ainda, confirmada: (a)
pelo cruzamento dos diversos chats sem qualquer conflito de data, horário e
interlocutores; (b) pelo cruzamento das conversas mantidas com atos processuais e
outros atos do mundo fenomênico — inclusive pela conferência realizada por veículos
de imprensa1, por perícia2, por terceiros referidos3 e até mesmo por alguns dos
procuradores da República envolvidos4; e, ainda, pelos (c) áudios que integram o
material.

1
“As provas de que os chats são autênticos agora vêm de diversos veículos de comunicação – são
definitivas e esmagadoras”. The Intercept. Disponível em:
<https://theintercept.com/2019/07/15/vazajato-as-provas-de-que-os-chats-sao-autenticos-agora-vem-
de-diversos-veiculos-de-comunicacao-sao-definitivas-e-esmagadoras/>. Acesso em: 13.04.2021.
2
“Perícia aponta série de elementos de autenticidade em áudio de Deltan”. Folha de S. Paulo.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/pericia-aponta-serie-de-elementos-de-
autenticidade-em-audio-de-deltan.shtml>. Acesso em: 13.04.2021.
3
“Lava Jato: Faustão confirma troca de mensagem com o ex-juiz Sérgio Moro”. Carta Capital.
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/lava-jato-faustao-confirma-troca-de-
mensagem-com-o-ex-juiz-sergio-moro/>. Acesso em: 13.04.2021.
4
“Procurador confirma veracidade de mensagens com críticas a Moro”. Conjur. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2019-jun-30/procurador-confirma-veracidade-mensagens-criticas-moro>.
Acesso em: 13.04.2021; “Com desculpa a Lula, procuradora confirma veracidade de chat da Lava
Jato”. UOL. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/08/27/com-
desculpa-a-lula-procuradora-confirma-veracidade-de-chats-da-lava-jato.htm>. Acesso em: 13.04.2021.

3
5. Pois bem, com vistas a espancar os rumores disseminados
maliciosamente com o objetivo de colocar em dúvida, sem nenhuma tecnicidade, a
integridade dos arquivos analisados – em que pese os experts oficiais já tenham
consignado textualmente em laudo apresentado à Justiça que “Todos os dispositivos
arrecadados foram submetidos a exames pelo Serviço de Perícias em Informática do
Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal”, sendo que “Os arquivos das
mídias passaram por um processo de garantia de integridade” de modo que “qualquer
alteração do conteúdo em anexo aos Laudos (remoção, acréscimo, alteração de
arquivos ou parte de arquivos), bem como sua substituição por outro com teor
diferente, pode ser detectada” -, o Perito CLÁUDIO WAGNER apresentou o 14º Relatório
de Análise Complementar5, demonstrando, de forma amostral, a preservação dos
arquivos em sua maioria, porquanto se permite identificar através das propriedades
eletrônicas registradas (metadados), a data e horário de criação, última alteração, autor,
tipo de documento, dentre outros detalhes, no material recebido e/ou coletado junto à
Polícia Federal. Ou seja, para além das mensagens e áudios já trazidos aos autos, agora
é possível também conferir documentos que integram os arquivos oficiais —
devidamente conferidos.

6. Com efeito, de acordo com os esclarecimentos técnicos prestados


Perito CLÁUDIO WAGNER, os metadados apurados são informações estruturadas que
auxiliam na descrição, identificação, gerenciamento, localização, compreensão e
preservação de documentos digitais, o que apenas sufraga, em tudo e no todo, a
integridade do material analisado, tal como já foi afirmado pela Polícia Federal.

7. Note-se, ainda, que um dos documentos identificados pelo Perito


consiste em um “recibo” de entrega de um pen drive ao DOJ pela “lava jato”6, sem

5
Doc. 01.
6
Anexo 3.

4
qualquer especificação de conteúdo. Oportuno indagar: o que terá a “lava jato”
apresentado ao DOJ - com o qual já havia negociado o pagamento de “percentuais sobre
multas pecuniárias aplicadas contra brasileiros e empresas brasileiras”? A entrega de
pen drives à agência norte-americana aparece, insista-se, em diversos diálogos já
trazidos a lume. A prática, porém, é ilegal e incompatível com o MLTAT firmado pelo
Brasil com os EUA, como também foi amplamente demonstrado. Seja como for, trata-
se de mais uma prova (1) de que a relação entre a “lava jato” e autoridades norte-
americanas está documentada, ao contrário do que foi afirmado neste Supremo Tribunal
Federal; (2) os mestrados desses documentos levam à extinta “força tarefa da lava jato”,
mostrando a higidez dos arquivos; (3) a “lava jato” descumpriu o MLAT.

8. Registre-se, ademais, que algumas reportagens jornalísticas


enfatizaram — sem qualquer base — que o novo documento policial teria afirmado que
os arquivos teriam sido obtidos em um cenário em que “se reúnem indícios de que o
invasor agiu com dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os
dados”. Ora, quais seriam esses indícios? Qual seria a base factual para essa afirmação
— formulada às vésperas de relevantes análises que serão realizadas pelo Poder
Judiciário? Tais questões não encontram resposta nesse material.

9. Ao contrário, o 14º Relatório de Análise Complementar trazido a


lume apenas reforça a higidez de todo o material acostado aos autos — e a procedência
dos requerimentos formulados pela Defesa Técnica do Reclamante.

10. Registre-se, adicionalmente, que na lógica do novo material


apresentado pela Polícia Federal, marcado pelos adjetivos e não pela análise técnica -
ao contrário do trabalho anterior realizado pelos peritos da instituição - seria necessário
exigir do suposto hacker uma certificação digital e um registro profissional. Também
sob essa perceptiva, com o devido respeito, esse novo relatório da Polícia Federal não

5
merece qualquer credibilidade e, ao que parece, foi elaborado de forma vinculada a
julgamentos que estão em curso nesta Suprema Corte.

11. Desta feita, requer-se a (i) juntada do anexo 14º Relatório de


Análise Complementar, (ii) sem prejuízo da apresentação do Relatório Final do Perito
CLAUDIO WAGNER, (iii), reiterando-se, ainda, respeitosamente, seja oportunamente
concedida ordem habeas corpus de ofício (incidental), nos termos dos arts. 647, 648, I
e VI, 649 e 654, §2º., todos do CPP c/c art. 193, II, do RISTF, a fim de que seja
determinando o imediato trancamento da Ação Penal de origem, em vista da flagrante e
escancarada violação à garantia da Brady rule que decorre da Súmula Vinculante n.º
14/STF.
Termos em que,
Pede deferimento.
De São Paulo (SP) para Brasília (DF), 14 de abril de 2021.
Assinado de forma digital por
CRISTIANO CRISTIANO ZANIN MARTINS
ZANIN MARTINS Dados:
-03'00'
2021.04.14 09:51:29

CRISTIANO ZANIN MARTINS VALESKA TEIXEIRA MARTINS


OAB/SP 172.730 OAB/SP 153.720

MARIA DE LOURDES LOPES ELIAKIN TATSUO Y. P. DOS SANTOS


OAB/SP 77.513 OAB/SP 386.266

6
DOC. 01
Cláudio Wagner
SIGILOSO Perito Contador CNPC nº 3.738
Contador CRC nº 1RS 048.422/O
Auditor Independente CNAI nº 0604

São Paulo, 12 de Abril de 2021.

A
Teixeira, Zanin Martins Advogados
Dr. Cristiano Zanin Martins e
Dra. Valeska Teixeira Zanin Martins
São Paulo, SP.

Prezados Senhores,

Conforme pôde-se observar, existem vários documentos


inseridos nas mensagens que foram reproduzidas nos Relatórios Preliminares
apresentados anteriormente (Relatório 1 a 13), muitos dos quais que não puderam
ser acessados diretamente no texto das mensagens.

No entanto, esses e outros documentos podem ser


perfeitamente visualizados em caminhos eletrônicos distintos daqueles das
mensagens, ou seja, em pastas de documentos onde encontram-se milhares de
registros relacionados a operação lava jato do Paraná.

Como exemplo, podemos citar os seguintes:

• Acordos de confidencialidade;
• Acordos de leniência;
• Acordos de colaboração premiada;
• Minuta e acordo final entre o MPF – Lava Jato Curitiba e
a Petrobrás, destinando valores à fundação a ser
constituída;
• Diversos anexos de Acordos realizados;

1
Cláudio Wagner
SIGILOSO Perito Contador CNPC nº 3.738
Contador CRC nº 1RS 048.422/O
Auditor Independente CNAI nº 0604

• Acordos complementares;
• Atas de Reuniões realizadas;
• Notas a imprensa;
• Correspondências com órgãos Nacionais e do Exterior;
• Planilhas de controles dos atos processuais;
• Outros.

Ainda, importante ressaltar, que referidos arquivos em sua


maioria, permitem identificar através das propriedades eletrônicas registradas
(metadados), a data e horário de criação, última alteração, autor, tipo de
documento, dentre outros detalhes, como é o caso exemplificativo dos seguintes
documentos a seguir relacionados e anexados:

EXEMPLO 1

Documento:
Relatorio para defesa pela AGU_acao Lula10
Localização do arquivo:

Tipo de documento:
.docx
Referência neste relatório:
Anexo 1

Metadados resumido:
File Name Relatorio para defesa pela AGU_acao Lula10.docx
File Size 94 KiB
File Type DOCX
File Type Extension docx

2
Cláudio Wagner
SIGILOSO Perito Contador CNPC nº 3.738
Contador CRC nº 1RS 048.422/O
Auditor Independente CNAI nº 0604

Mime Type
application/vnd.openxmlformats-officedocument.wordprocessingml.document
Creator Edilza Galiano
Last Modified By deltan
Create Date 2017:02:25 04:38:00Z
Modify Date 2017:02:25 05:25:00Z

EXEMPLO 2

Documento:
nota ODE
Localização do arquivo:

Tipo de documento:
docx
Referência neste relatório:
Anexo 2
Metadados resumido:
File Name nota ODE.docx
File Size 65 KiB
File Type DOCX
File Type Extension docx
Mime Type
application/vnd.openxmlformats-officedocument.wordprocessingml.document

Create Date 2015:09:21 04:10:00Z


Modify Date 2016:03:21 16:14:35Z
Creator Athayde Costa

3
Cláudio Wagner
SIGILOSO Perito Contador CNPC nº 3.738
Contador CRC nº 1RS 048.422/O
Auditor Independente CNAI nº 0604

EXEMPLO 3

Documento:
Oficio n° 14661/2017 MPF/PR/RJ)
Assunto:
Entrega pendrive ao Departamento de Justiça Americano – DoJ
Localização do arquivo:
Eq01_Item01\Arquivos/Users/walterneto/Downloads/NEWS/FUDEU/Orlando/cestaro.pdf
Tipo de documento:
Digitalizado (escaneado)
Referência no relatório:
ANEXO 3
Metadados resumido:
File Size 363 KiB
File Type PDF
File Type Extension pdf
Mime Type application/pdf
Pdf Version1.6
Create Date 2017:10:30 09:46:14+05:30
Creator ScanPDFMaker 1.0
Creator Tool ScanPDFMaker 1.0
Producer Samsung-M4080FX
Observações:
O documento por ser uma reprodução (ScanPDFMaker), tem data de criação
posterior a data do documento.

Ainda, cumpre-nos destacar de forma simples que,


Metadados são informações estruturadas que auxiliam na descrição,
identificação, gerenciamento, localização, compreensão e preservação de
documentos digitais.

4
Cláudio Wagner
SIGILOSO Perito Contador CNPC nº 3.738
Contador CRC nº 1RS 048.422/O
Auditor Independente CNAI nº 0604

Portanto, entendemos que a apuração dos metadados


dos arquivos contidos no material recebido e/ou coletado junto a Polícia Federal,
permite a identificação do autor, da existência de modificações e respectivas
datas nos documentos, conforme exemplos trazidos no presente trará
indiscutivelmente a comprovação do autor, da existência de modificações e
respectivas datas nos documentos, conforme exemplos trazidos no presente
relatório. Tais dados ainda complementam a integridade do material analisado,
tal como já foi afirmado pela Polícia Federal.

Por derradeiro, ressaltamos que referido trabalho de


forma amostral, está em andamento e, ainda, neste momento não é possível
estimar a data de conclusão.

Sendo o que tínhamos para o momento, permanecemos


a sua disposição para quaisquer informações adicionais que se fizerem
necessárias.

Atenciosamente,

Cláudio Wagner

5
ANEXO 01
AO SENHOR PROCURADOR-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO, DR.
LUIZ CARLOS DE FREITAS

Ref. Defesa em Ação de Indenização

“O ataque a um membro do Ministério Público no exercício


da função é um ataque a todo o Ministério Público. O
processo contra Deltan Dallagnol é uma retaliação e mais
uma tentativa de intimidação contra procuradores que têm
agido de modo profissional, impessoal, equilibrado e
responsável (...) Num Estado de Direito, aquele que exerce
a função de persecução criminal, em favor do interesse
público, precisa ser protegido da retaliação dos acusados. Só
assim teremos o império da lei. Ou é isso, ou se inviabilizará
a atividade de responsabilizar os criminosos do círculo do
poder.”
Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República

Deltan Martinazzo Dallagnol vem, respeitosamente, apresentar


subsídios para sua representação judicial nos autos da Ação de Ação Cível de
Indenização por Dano Moral nº 1031504-08.2016.8.26.0564, proposta por Luiz Inácio
Lula da Silva perante o Juízo na 5ª Vara Cível do Foro de São Bernardo do Campo,
São Paulo. Faço isso na condição de procurador da República, prestando contas de sua
atuação funcional, para fins de defesa na referida ação.
Índice
1. A entrevista coletiva e seus objetivos: informar, dar transparência, prestar contas
2. Breve retrospecto da apuração: quase um ano de apurações regulares colhendo evidências,
ao longo do que o próprio STF reconheceu a competência da Justiça Federal de Curitiba
3. A ação de indenização deve ser compreendida no contexto de várias iniciativas
intimidatórias
4. A regularidade da atuação e insubsistência dos fundamentos da ação em seus diversos
pontos
4.1. Vocabulário da entrevista coletiva teve conteúdo explanatório e pertinência lógica
com o conteúdo da denúncia
4.2. A descrição do esquema criminoso e da liderança do ex-presidente se deu dentro da
competência/atribuição, reproduzindo a denúncia subscrita por 13 procuradores,
inexistindo abuso de autoridade, que é o cerne da ação
4.3. O esquema gráfico apresentado reproduz fielmente o teor da denúncia e tem
fundamento técnico na doutrina jurídica da convergência (unidirecionalidade) das
provas indiciárias
4.4. O emprego de powerpoint seguiu diretriz oficial de comunicação lícita, admissível
e empregada em outros casos e para além do Brasil
4.5. A referência legítima ao Mensalão a título probatório
4.6. A obediência à Recomendação 39/2016 do CNMP
5. A Corregedoria do Ministério Público Federal reconheceu a regularidade da atuação na
coletiva (DOC 20)
6. A Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público também reconheceu a
regularidade da atuação (DOCs 23 a 25)
7. Eventual impacto na imagem do ex-presidente decorreu não da entrevista coletiva, mas dos
crimes imputados e de uma série de outras notícias não relacionadas à coletiva (DOCs 23 a
25)
8. Descabimento da demanda debaixo do rule of law
9. Absoluta desproporcionalidade do valor pedido
10. Conclusão
1. A entrevista coletiva e seus objetivos: informar, dar
transparência, prestar contas

No dia 14 de setembro de 2016, no contexto das investigações do caso


Lava Jato, o subscritor e outros 12 procuradores da República apresentaram denúncia
criminal em desfavor de Luiz Inácio Lula da Silva e de outras sete pessoas. Como em
diversas outras ocasiões em que foram apresentadas acusações relevantes (conforme
comprovam os DOCs 1, 2 e 15), a Força-Tarefa de procuradores realizou entrevista
coletiva, em que buscou explicar didaticamente as acusações oferecidas contra o ex-
presidente. A convocação da imprensa seguiu o padrão da assessoria de comunicação,
utilizado de modo idêntico nas outras oportunidades e sem mencionar o assunto ou os
nomes das pessoas denunciadas (cf. DOC 14). Isso tudo seguiu recomendação oficial
da Secretaria de Comunicação (da Procuradoria-Geral) e da Assessoria de
Comunicação (da Procuradoria no Paraná) do Ministério Público Federal, que
orientaram oficialmente a implementação de entrevistas coletivas em situações da
espécie – na primeira de várias da Lava Jato que tiveram idêntico formato, aliás,
participou o próprio procurador-geral da República (cf. DOCs 1, 2 e 15).
O objetivo da entrevista coletiva foi de informar a sociedade, dar
transparência à atividade do Ministério Público e prestar contas à população.
Na ocasião, coube ao subscritor, na função de porta-voz, explicar a
ligação do ex-presidente com parte dos crimes que eram objeto da acusação, dentre
eles o de corrupção de mais de 80 milhões de reais e o de lavagem de dinheiro de valor
superior a 3 milhões de reais. De início, o subscritor frisou que não se estava julgando
o ex-presidente como pessoa, e sim se estava a “imputar a ele a responsabilidade por
crimes”, “com base nas evidências”. Dito isso, o subscritor passou a descrever as
acusações e o conjunto de provas que as embasavam e apontavam para a
responsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva. Mais tarde, seguindo a mesma ordem
da denúncia, dois procuradores deram continuidade às explicações: Roberson Henrique
Pozzobon e Júlio Carlos Motta Noronha, os quais trataram dos crimes de lavagem
relacionados ao tríplex e à armazenagem de produtos pela empreiteira OAS.
A explicação tinha duas peculiaridades. A primeira é o ambiente
politicamente polarizado em que a Lava Jato se desenvolveu. Embora técnica,
imparcial e apartidária, a Lava Jato enfrentou uma campanha difamatória que a acusou,
em diversos momentos, de modo injusto, de suposta parcialidade. Isso levou a uma
política de ampla transparência e publicidade da Lava Jato, criando-se o primeiro site
de um caso criminal da história brasileira – www.lavajato.mpf.mp.br1 – e adotando-se
uma sistemática de entrevistas coletivas, para buscar fazer com que fatos e provas
prevaleçam sobre versões. Em razão desse contexto, dos contornos que o dever de
informar assumiu em concreto, ainda mais acentuado em relação à acusação contra um
ex-presidente da República, político de significativa expressão, recaía sobre os
procuradores um ônus maior, uma explicação detalhada dos fatos e provas.
A segunda peculiaridade é que, em relação à corrupção praticada no
âmbito da Petrobras, como é comum em relação a líderes de esquemas criminosos, o
acusado Luiz Inácio Lula da Silva não tinha deixado sua explícita digital nos crimes –
diferentemente do que ocorria em relação à lavagem dos recursos que o beneficiaram
diretamente, segundo a denúncia. De fato, segundo a inicial acusatória, a
responsabilidade do ex-presidente, no caso da corrupção nos contratos da Petrobras,
decorria do fato de tê-la comandado como líder do esquema. As provas, como em
muitos casos dessa espécie, são em grande parte indiciárias. Era necessário mostrar,
como em muitos casos é, a existência de “convergência dos indícios” - expressão
utilizada, no estudo da prova, para fazer referência a indícios que apontam numa
mesma direção – voltaremos nesse tema a seguir.
Diante disso, e como foi feito em outras entrevistas coletivas, na Lava
Jato (cf. DOCs 1 e 2) e em outros casos de repercussão em outras unidades do
Ministério Público Federal (cf. DOC 15), foram feitos gráficos para expor as acusações

1 O site contém um amplo conjunto de informações, como equipe, sumário do caso, resultados alcançados e
toda a gama de mais de 50 acusações criminais, incluindo cópia das denúncias, das sentenças já proferidas e
códigos de acesso aos processos públicos. A análise das dezenas de denúncias e sentenças demonstra o trabalho
profundo, consistente e sério que vem sendo feito ao longo de mais de 2 anos até a 49ª denúncia, que teve
como um dos denunciados o ex-presidente.
e as provas existentes. Os gráficos, como das vezes anteriores, objetivaram tornar
didática a explicação dos fatos e provas. A linguagem utilizada na entrevista coletiva
derivou e espelhou a linguagem utilizada na acusação criminal formalmente oferecida,
a qual foi, em seguida, recebida pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

2. Breve retrospecto da apuração: quase um ano de apurações


regulares colhendo evidências, ao longo do que o próprio STF
reconheceu a competência da Justiça Federal de Curitiba

Cumpre neste ponto fazer um breve retrospecto das investigações que


culminaram na denúncia.
Em 06/11/2015 foi instaurado perante a Força-Tarefa Lava Jato do
Ministério Público Federal, em Curitiba/PR, o Procedimento Investigatório Criminal
(PIC) nº 1.25.000.003350/2015-98, com o seguinte objeto: “apurar possível crime de
corrupção passiva e de ocultação de bens, direitos e valores com pagamento de
vantagens indevidas por meio de transmissão e custeio de reforma de imóvel pelo
Grupo OAS”. O referido PIC teve origem em uma notícia de fato encaminhada pelo
próprio procurador-geral da República para a Força-Tarefa. Foi nesse procedimento
que o Ministério Público Federal passou a apurar os indícios de que Luiz Inácio Lula
da Silva teria sido beneficiado pela OAS com reformas de um sítio em Atibaia/SP e de
um triplex em Guarujá/SP.
No avançar das investigações, foram ouvidas dezenas de testemunhas e
réus colaboradores, apreendido um vasto número de documentos físicos e eletrônicos
e interrogados os suspeitos. Além disso, foi postulado e deferido pelo Juízo da 13ª Vara
Federal de Curitiba o afastamento dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático
de uma série de investigados, assim como a realização de buscas e apreensões em
endereços residenciais e profissionais desses.
Com o aprofundamento das apurações, foi identificada uma nova frente
investigativa de crimes praticados por executivos da OAS no intuito de favorecer o
denunciado Luiz Inácio Lula da Silva: o custeio da armazenagem de bens pessoais
deste, com lastro em contrato ideologicamente falso (que apontava como objeto
supostos itens de escritório da empresa), em depósito em São Paulo.
Em decorrência do teor de algumas conversas telefônicas interceptadas
por ordem judicial no curso das investigações, em que se verificaram interlocutores
com prerrogativa de foro, o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba decidiu por remeter
os autos judiciais relacionados com a investigação para o Supremo Tribunal Federal,
em 17/03/2016. Da mesma forma procedeu a Força-Tarefa em Curitiba, remetendo os
autos de investigação ministerial para o procurador-geral da República em 29/03/2016.
Após apreciar os fatos, o Exmo. Min. Relator Teori Zavaski decidiu,
em 13/06/2016, que os fatos atinentes ao PIC nº 1.25.000.003350/2015-98 deveriam
continuar sendo investigados no 1º grau, perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, e
restituiu os autos para este Juízo, reconhecendo implicitamente (pelo menos em exame
de cognição não exauriente) sua competência. No mesmo sentido foi o entendimento
do procurador-geral da República, que decidiu restituir os autos do PIC nº
1.25.000.003350/2015-98 e relacionados para a Força-Tarefa em Curitiba.
Reafirmada a competência da Justiça Federal em Curitiba, foram
restabelecidas as investigações sobre os indícios de que o denunciado teria sido
beneficiado pela OAS com reformas de um sítio em Atibaia/SP (A) e um triplex em
Guarujá/SP (B), além do custeio da armazenagem de bens pessoais (C).
Em meados de setembro do último ano, o Ministério Público Federal
concluiu as investigações nas frentes (B) e (C), formando sua opinio delicti com base
em robusto conjunto probatório. Diante disso, às 15h:26min do dia 14/09/2016 (cf.
DOC 3), o Ministério Público Federal imputou ao denunciado Luiz Inácio Lula da Silva
e a outros denunciados os crimes de corrupção (R$ 87 milhões em três contratos da
OAS com a Petrobras), lavagem de dinheiro referente a upgrade em apartamento e
reformas (pagos pela OAS, em montante superior a R$ 2,3 milhões) e lavagem de
dinheiro relativa à armazenagem de bens (pela OAS, mediante contrato falso, no valor
de R$ 1,3 milhão de reais).
Assim, por volta das 16h do dia 14/09/2016, logo após, portanto, a
propositura dessa denúncia perante a 13ª Vara Federal de Curitiba (autos nº 5046512-
94.2016.4.04.7000), a Força-Tarefa passou a apresentar a acusação para a sociedade,
em entrevista coletiva, nos estritos termos da regulamentação do Egrégio Conselho
Nacional do Ministério Público, que será analisada adiante.

3. A ação de indenização deve ser compreendida no contexto de


várias iniciativas intimidatórias

No decorrer das investigações, a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva


passou a adotar estratégias de cunho intimidatório, protocolando representações e
ações contra os agentes públicos que atuam no caso perante órgãos correicionais e o
Judiciário, assim como atacando a credibilidade dos investigadores e das investigações,
numa verdadeira campanha difamatória.
Entre abril e setembro de 2016, foram protocoladas três representações
perante o Egrégio Conselho Nacional do Ministério Público contra procuradores da
Lava Jato, por diversos fatos, alegando supostas ilegalidades praticadas com o “claro
objetivo” de “macular sua honra e imagem”, assim como a existência de
“espetacularização”. Duas já foram julgadas totalmente improcedentes (cf. DOCs 5, 6,
7 e 8). A terceira, com fundamentos similares aos desta ação, está ainda pendente de
avaliação quanto ao prosseguimento, tendo sido negada liminar (cf. DOC 9).
Em 16 de novembro de 2016, Luiz Inácio Lula da Silva e outros
protocolaram queixa-crime subsidiária contra o juiz federal Sérgio Moro, por supostos
crimes de abuso de autoridade e de divulgação indevida de interceptações telefônicas,
relacionados aos episódios da Lava Jato da condução coercitiva, busca e apreensão e
interceptações do ex-presidente e familiares (cf. DOC 112). Em fevereiro de 2017, foi
pedida a apuração do alegado crime de abuso de autoridade por outro delegado da
Polícia Federal, Igor Romário de Paula3.

2 Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-


content/uploads/sites/41/2016/11/Queixa-Crime-Subsidia%CC%81ria-Versa%CC%83o-protocolo-1.pdf.
3 Conforme divulgado na página dos defensores de Luiz Inácio Lula da Silva:
http://www.averdadedelula.com.br/pt/2017/02/13/defesa-de-lula-pede-apuracao-sobre-abuso-de-autoridade-
de-delegado/.
Já há também três ações de indenização protocoladas contra agentes
públicos, desde outubro de 2016. A primeira contra o delegado de Polícia Federal
Filipe Hille Pace, que atua na Lava Jato, pleiteando indenização por danos morais no
montante de 100 mil reais (cf. DOC 10). A alegação foi de que o delegado, nos autos
de investigação, vinculou o ex-presidente à “genérica alcunha ‘AMIGO’”, mencionada
numa planilha que continha registros do que as provas apontam ser pagamentos de
propinas pela Odebrecht. Novamente, viu “evidente” intuito de “promover ataque à
reputação” e de “causar prejuízo à imagem e à reputação do autor”. Argumentou, ainda,
que o delegado não teria atribuição sobre a investigação relacionada ao ex-presidente.
Contudo, não só o delegado se expressou dentro de sua função investigativa, mas sobre
aquilo que estava na sua atribuição, isto é, a apuração de prováveis crimes praticados
no âmbito da Odebrecht. A segunda é esta ação. A terceira foi proposta contra o
promotor de justiça Cassio Roberto Conserino4, que atuou no caso Bancoop e formulou
acusações criminais contra o ex-presidente.
Em paralelo às iniciativas no âmbito jurídico, é notório que o ex-
presidente buscou erodir a credibilidade do subscritor e dos procuradores da Força-
Tarefa, por meio de diversas declarações em que os classificou de “meninos”,
“moleques” e “crianças” – conotando imaturidade, inexperiência e falta de seriedade –
, sugerindo perseguição política, afirmando que os procuradores falam muitas
“bobagens” e os chamando ironicamente de “bando de ungidos” “para salvar o
mundo”, existindo uma “euforia da insanidade judicial5. Em entrevistas e declarações,
o ex-presidente alegou existir uma espécie de complô entre imprensa nacional e os
procuradores, contra ele, e que está sendo perseguido pelo que fez de bom no país,

4 Disponível em: http://www.averdadedelula.com.br/pt/2017/01/12/cassiorobertoconserino_danos_morais/


5 V., p. ex., https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/15/O-discurso-de-Lula-contra-a-
den%C3%BAncia-da-Lava-Jato-em-3-pontos-centrais; http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-
09/provem-uma-corrupcao-minha-e-eu-irei-pe-para-ser-preso-diz-lula;
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-09/provem-uma-corrupcao-minha-e-eu-irei-pe-para-ser-
preso-diz-lula; http://www.pt.org.br/diretorio-nacional-do-pt-repudia-denuncia-do-mpf-contra-lula/;
https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/lula-chama-procuradores-de-criancas-e-insinua-possivel-
candidatura,89fd34cb069ce9d835a39e9cf903f9dd54egwml9.html;
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-nao-posso-aceitar-que-um-menino-procurador-diga-que-
montei-uma-quadrilha,10000078407; http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lula-diz-que-so-ele-
pode-enfrentar-essa-euforia-da-insanidade-judicial/; https://www.youtube.com/watch?v=9fXyUFZ-BA4.
alegando ainda que o objetivo definido é criminalizar o PT6.
Na mesma data em que foi oferecida segunda acusação criminal da
Força-Tarefa do caso Lava Jato contra Luiz Inácio Lula da Silva, em 15 de dezembro
de 2016, a defesa deste anunciou o ajuizamento de ação cível de indenização por danos
morais contra o signatário, cobrando 1 milhão de reais a título de danos morais, mais
200 mil reais referentes a honorários advocatícios. A referida ação tem nítido caráter
intimidatório e retaliatório contra o regular exercício das funções, pelo subscritor e
demais colegas, no caso Lava Jato.
Cumpre também observar, a título meramente de informação, que um
dos advogados que subscreve a ação vinha sendo investigado pela Força-Tarefa. No
mesmo dia em que foi proposta denúncia na qual ele veio a se tornar corréu do ex-
presidente por lavagem de dinheiro, foi anunciada, em seguida, o protocolo da presente
ação de indenização.
As reiteradas acusações do ex-presidente de supostos abusos que se
repetiriam nos trabalhos da Lava Jato é incoerente com o alto índice de confirmação
dos atos e decisões praticados no âmbito da investigação. Mais de 95% dos atos e
decisões foram confirmados nas três instâncias superiores do Judiciário, sem que se
tenha acusado nenhuma irregularidade grave7 - observando que reformas são naturais
em decorrência de diferenças na interpretação de fatos e na lei. Isso também aponta no
sentido de que as sucessivas medidas e ações adotadas por Luiz Inácio Lula da Silva
fora dos autos em que responde às acusações ocorrem dentro de um contexto de
propósito intimidatório.

4. A regularidade da atuação e insubsistência dos fundamentos da


ação em seus diversos pontos

6 V., p. ex.: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1804772-lula-diz-a-bbc-que-dilma-vai-se-expor-a-judas-no-


senado.shtml; http://lula.com.br/lula-tenho-conviccao-de-que-quem-mentiu-esta-numa-enrascada;
http://lula.com.br/lula-no-recife-espero-que-pecam-desculpas-mim-e-minha-familia; http://lula.com.br/fazer-pirotecnia-
nao-e-investigar; http://lula.com.br/lula-eu-sou-responsavel-pela-maior-politica-de-inclusao-da-historia-da-america-
latina; http://lula.com.br/melhor-solucao-e-recuperar-o-direito-do-povo-escolher-o-presidente-pelo-voto-direto;
https://www.youtube.com/watch?v=TCSjqnSSYmU e vários outros vídeos disponíveis online.
7 V., p. ex., http://www.mpf.mp.br/pr/sala-de-imprensa/noticias-pr/dados-comprovam-que-uso-de-prisao-
preventiva-na-lava-jato-e-excepcional.
4.1. Vocabulário da entrevista coletiva teve conteúdo explanatório
e pertinência lógica com o conteúdo da denúncia

Na ação de indenização, Luiz Inácio Lula da Silva alega que foram


utilizadas, na entrevista coletiva, pelo porta-voz da Força Tarefa, palavras de cunho
pejorativo. Isso não é verdade. As palavras apontadas pelo ex-presidente como
supostos “adjetivos” “ofensivos” são substantivos neutros, utilizados na forma de
analogias de conteúdo explicativo, sem qualquer teor difamatório, grosseiro ou
desdenhoso.
As palavras e expressões são meras variações das palavras e
explicações feitas nela, retratando fielmente as acusações e derivando diretamente da
denúncia oferecida. Veja-se que o termo “comandante”, substantivo usado em
referência ao ex-presidente, foi usado cinco vezes na denúncia (cf. DOC 4, páginas 7,
21, 27, 84 e 92). A expressão “principal comandante”, uma variação de líder maior e
comandante máximo, já foi usada em outras manifestações escritas oficiais também
(cf. DOC 12).
O termo “maestro”, também substantivo, tem nítido conteúdo
esclarecedor, na medida em que a denúncia descreve o esquema como algo que só
poderia funcionar de modo harmônico com a intervenção de Luiz Inácio Lula da Silva
como líder. De fato, sem um elo comum entre as estruturas partidária e governamental,
o esquema descrito na acusação não poderia funcionar. A arrecadação das propinas se
dava por João Vaccari Neto, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, sem que ele
tivesse ascensão sobre os Diretores da Petrobras, que eram escolhidos e mantidos em
seus cargos diretamente pelo ex-presidente e não se curvariam a terceiro alheio à
estrutura estatal se não houvesse esse elo comum, um organizador e harmonizador das
atividades, com ascendência sobre ambos.
Assim também foi usada a menção a “general”, outro substantivo, que
é uma referência explicativa ao domínio do fato pelo líder da organização. É uma
alusão a alguém que, mesmo sem estar no campo de batalha, deu as ordens e comandou
o esquema criminoso. Essa analogia, como as demais, objetivava facilitar a
compreensão do teor da acusação, sem de qualquer modo inserir conteúdo ofensivo.
Segundo a Recomendação 39/2016 do CNMP (DOC 22), fatos
relacionados à atuação ministerial que sejam relevantes socialmente devem ser
comunicados à sociedade. Só há comunicação se o ouvinte entender a linguagem. A
linguagem utilizada está relacionada com o público. Por óbvio, considerando o amplo
espectro de público que se interessaria por uma denúncia contra um ex-presidente, a
linguagem não poderia ser exclusivamente técnica e as figuras de linguagem visaram
atingir o objetivo da entrevista coletiva: comunicar, explicando acusações de crimes
complexos e o modo de atuação que se imputa aos denunciados de modo
compreensível para a população.
Prova de que tais analogias, por meio de substantivos – e não
adjetivações –, não têm em si conteúdo pejorativo, é o fato de que podem ser
igualmente empregadas em contexto elogioso. Assim, por exemplo, o técnico da
seleção brasileira de futebol pode ser chamado de comandante máximo, maestro ou
general de uma vitória sobre uma seleção adversária.
O que tem potencialmente um impacto na imagem do ex-presidente
(sendo “pejorativo” ou “ofensivo”) é, no fundo, o objeto da atuação imputada a Luiz
Inácio Lula da Silva: os crimes em tese praticados por ele, a atividade exercida por ele
segundo a acusação, os quais são o núcleo mais essencial da denúncia. Esse é o único
“conteúdo depreciativo”: os crimes imputados, que a denúncia não cria, mas
meramente retrata por razões de interesse público e em cumprimento à lei. Toda
denúncia é uma opinio delicti, é uma opinião oficial sobre crimes, que devem ser
atribuídos com base em indícios e provas, cuja existência foi reconhecida pelo Poder
Judiciário no recebimento da acusação, para fins de início do processo penal. É
evidente que imputar crimes, quando o Ministério Público conclui que há prova de
materialidade e indícios de autoria, não constitui ato ilícito, mas sim é algo próprio da
natureza da atuação do Estado. O desconforto causado é um efeito colateral imanente
às denúncias criminais, inerente ao sistema. Por isso que a denúncia deve ser oferecida
por órgãos imparciais e constitucionalmente legitimados, no exercício regular de
funções e quando presente justa causa – e tudo isso foi reconhecido como presente na
respeitável decisão que admitiu a acusação.

4.2. A descrição do esquema criminoso e da liderança do ex-


presidente se deu dentro da competência/atribuição,
reproduzindo a denúncia subscrita por 13 procuradores,
inexistindo abuso de autoridade, que é o cerne da ação

Aqui está o cerne da ação de indenização protocolada: reclama Luiz


Inácio Lula da Silva que teria sido descrito o crime de organização criminosa na
denúncia e na coletiva, embora fosse de competência do Supremo Tribunal Federal e
não da 13ª Vara Federal. Ao descrever esse crime, o subscritor, na função de porta-voz
da Força-Tarefa, teria supostamente abusado de autoridade, pois teria sujeitado Luiz
Inácio Lula da Silva a uma situação constrangedora sem que tenha competência legal
para fazê-lo.
Após a apresentação da coletiva, a crença nesse falso pressuposto – de
que a descrição da organização criminosa era desnecessária – ensejou algumas críticas.
Afinal de contas, se não era necessário descrever a organização criminosa, especulou-
se que a entrevista coletiva poderia ter-se revestido de um discurso de cunho político
ou ainda poderia ter-se caracterizado como uma “espetacularização”8, a qual, nesse
contexto, pode ser compreendida como uma superexposição de acusações descabidas
naquele momento. Contudo, essas críticas todas partiram de falso pressuposto. A
descrição do papel do denunciado como líder do esquema, tal como feita, era

8 A avaliação do saudoso Exmo. Ministro Teori Zavascki, feita de passagem, em obiter dictum, segundo a
qual na coletiva se deu “a impressão, sim, de que se estaria investigando essa organização criminosa, mas o
objeto da denúncia não foi nada disso”, havendo uma “espetacularização do episódio” incompatível com o
conteúdo da denúncia, só pode ser compreendida nesse contexto. De fato, ele supôs que o conteúdo da coletiva
não era o mesmo da denúncia, o que é um falso pressuposto, conforme se demonstra cabalmente no texto.
Observe-se, aliás, que o Ministro Dias Toffoli, de modo distinto, afirmou: “Eu não me impressiono com esse
tipo de declaração do Ministério Público. É muito melhor um Estado democrático de direito em que o órgão
acusador vai lá, e publicamente divulga a sua opinião, do que nós termos um regime de exceção, em que
ninguém pode falar. Aqueles que se sentirem prejudicados com algum tipo de excesso vão ter a Justiça para se
socorrer. A mim, não causa espécie” (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lava-jato-nao-e-golpe-ou-
excecao-afirma-toffoli,10000081072).
absolutamente essencial para a imputação dos crimes, como demonstrarei, e estava
embasada na denúncia oferecida. Além disso, a entrevista coletiva nada mais fez do
que reproduzir a denúncia. Derrubado o pressuposto das críticas, elas não se sustentam.
A análise detida da denúncia revela que a alegação de Luiz Inácio Lula
da Silva, com o devido respeito, é manifestamente improcedente, o que foi reconhecido
no próprio despacho judicial que recebeu a denúncia e deu início à ação criminal, que
será adiante parcialmente transcrito.
Embora Luiz Inácio Lula da Silva esteja sendo investigado por
organização criminosa nos autos do Inquérito nº 3989 que tramita perante o E.
Supremo Tribunal Federal, não há dúvidas quanto à atribuição da Força-Tarefa para o
oferecimento de acusação por corrupção na primeira instância. A chave para entender
a razão da explicação abrangente do esquema criminoso feita na denúncia e,
consequentemente, na entrevista coletiva, é a compreensão de que a descrição e a
comprovação do esquema e do papel do ex-presidente nesse esquema foram
necessárias para a análise da responsabilidade dele pelos crimes de corrupção
imputados. Lembre-se que a apreciação dos crimes de corrupção, aliás, ocorreu em
PIC decorrente de notícia de fato encaminhada pelo próprio procurador-geral da
República à Força-Tarefa.
Para se compreender essa questão, é pertinente apresentar uma visão
panorâmica das condutas criminosas atribuídas ao ex-presidente na denúncia. Foram
imputados a ele os seguintes delitos:
i. Corrupção de R$ 87 milhões em três contratos da OAS com a Petrobras
(capítulo 2 da denúncia anexa – DOC 3);
ii. Lavagem de dinheiro referente ao recebimento de um upgrade, no valor
de R$ 1,1 milhão, de uma unidade habitacional para um tríplex e o recebimento
de reforma e de decoração do mesmo apartamento nos valores, respectivamente,
de R$ 926 mil e R$ 350 mil, tudo pago pela construtora OAS (capítulos 3.2 e 3.3
da denúncia – DOC 3);
iii. Lavagem de dinheiro referente ao serviço de armazenagem de bens
pessoais, paga pela OAS mediante um contrato falso, no valor de R$ 1,3 milhão
(capítulo 3.4 da denúncia – DOC 3).

No tocante à lavagem de dinheiro, a conclusão sobre a autoria do crime


pelo ex-presidente decorre das provas que o apontam como beneficiário direto dos
valores. Numa leitura da acusação, pode-se dizer que é como se suas digitais
estivessem diretamente nos crimes. Por outro lado, no caso do crime de corrupção, este
foi praticado por meio de subalternos, sem que o líder do esquema tenha, diretamente,
“sujado as mãos”. Por isso, a descrição da autoria do crime, assim como o detalhamento
da justa causa imprescindível para o oferecimento e recebimento da denúncia, passou
necessariamente pela descrição do papel de Luiz Inácio Lula da Silva no esquema
delituoso.
Aqui está o ponto fulcral para compreender a denúncia: é exatamente o
comando, por parte do ex-presidente, do esquema como um todo, na qualidade de líder
máximo, que faz ele responsável pela corrupção da Petrobras nos contratos específicos
da empresa OAS. Esses contratos são apenas parte de um contexto maior.
Cabe aqui uma analogia. Caso se pretendesse avaliar, por exemplo, a
responsabilidade do diretor-presidente de uma grande organização por um crime de
corrupção praticado por um funcionário, muito provavelmente será inútil analisar os
atos praticados por esse funcionário ou identificar quem colocou suas assinaturas nos
atos necessários para a prática da ilegalidade. Quando os crimes são praticados na
“ponta de baixo” da organização, esse método não funcionará mesmo se os crimes
tiverem sido praticados sistematicamente. Afinal de contas, o Diretor ou grande líder
não “suja as mãos”.
Ainda no contexto do referido exemplo é possível concluir que, para
imputação de crimes ao referido diretor-presidente, os quais tenham sido por ele
praticados a partir de sua alta posição (de seu “escritório” ou “gabinete”), seria
necessário ir além do exame dos atos concretos dos funcionários do “chão da fábrica”
ou da “frente de batalha”. Na medida em que a atuação desse agente é de direção e
coordenação, e não se se confunde com os atos materiais praticados por seus
subalternos, mostra-se necessário analisar uma série de circunstâncias: descrever quem
os nomeou e quem é capaz de lhes dar ordens; analisar como funciona o processo de
produção e aquela organização; verificar a quem interessa a prática dos crimes e quem
deles se beneficiou; checar toda a cadeia de comando; descobrir quem tem o poder de
gestão e qual o papel de cada um, inclusive do diretor-presidente etc.
É inconteste, no exemplo dado, que a descrição das condutas criminosas
praticadas pelo diretor-presidente, detentor de grande poder de decisão e efetivo
responsável por dar ordens para a prática dos crimes, exigiria a descrição de seu papel
e funções nos negócios da empresa. Do mesmo modo, fez-se necessário, para a
individualização e contextualização da responsabilidade do líder do esquema
criminoso, pelos atos corruptos específicos praticados por subalternos na Petrobras, a
descrição do papel e funções desse líder (no caso, segundo a denúncia, o ex-presidente).
Agrave-se que, num caso de corrupção, tudo é feito no mundo das
sombras, sem digitais ou recibos de recebimento de propina, o que torna muito
relevantes não só as provas diretas, mas também as provas indiciárias ou
circunstanciais. Nesse contexto, a descrição das peculiaridades do funcionamento da
organização na prática sistemática dos crimes, como um todo, assim como o
detalhamento do comando consciente e voluntário dessas ações criminosas em geral
por seu líder, é essencial. Com efeito, a responsabilidade do líder sobre a prática
sistemática dos crimes na organização pode revelar a sua autoria e responsabilidade
sobre atos particulares que entram dentro do escopo da atuação geral daquela
organização.
Foi por essa razão que foi necessário descrever fatos, circunstâncias,
provas diretas e indiretas que apontam para a centralidade do denunciado Luiz Inácio
Lula da Silva no esquema criminoso da Petrobras. De fato, segundo a denúncia, é o
domínio do ex-presidente sobre a implementação e manutenção do esquema geral de
corrupção que leva a concluir que ele é responsável pelos crimes de corrupção
particulares, em contratos específicos da estatal, que são objeto da peça acusatória (os
quais são de atribuição dos procuradores e de competência da Justiça Federal do
Paraná). Sem a descrição do papel do acusado na organização, seria inviável
contextualizar e delimitar a conduta e o dolo, na denúncia apresentada e integralmente
recebida pelo do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, cuja competência já foi
inclusive reconhecida pelo próprio Supremo. A simples leitura da peça acusatória deixa
isso bastante claro.
Além disso, pelo prisma da própria existência da corrupção (prova de
materialidade), a contextualização sobre o modo como funcionava o esquema
criminoso era essencial. É a análise das vantagens obtidas pela empreiteira e o exame
dos indícios de influência do acusado Luiz Inácio Lula da Silva na concessão daquelas
vantagens que permite compreender que os benefícios econômicos recebidos, mais
tarde, pelo acusado, não eram graciosos.
Nesse sentido, veja-se o teor da r. decisão emanada do Juiz Federal da
13ª Vara Criminal em Curitiba, ao receber a denúncia (cf. DOC 13):

Questão diferenciada diz respeito ao envolvimento consciente ou não do


ex-Presidente no esquema criminoso.
Na primeira parte da denúncia, argumenta o MPF que o ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tinha conhecimento e participação direta no esquema
criminoso.
Descreve os arranjos partidários realizados durante o mandato presidencial,
aponta os fatos similares apurados na Ação Penal 470 e destaca a
magnitude do presente esquema criminoso, a responsabilidade do ex-
Presidente na indicação dos diretores da Petrobrás, a proximidade do ex-
Presidente com alguns dos dirigentes das empreiteiras envolvidas, bem
como os benefícios advindos ao ex-Presidente em decorrência do esquema
criminoso, especificamente o suporte político obtido através dele e o
financiamento ilegal da agremiação partidária da qual fazia parte, bem
como das eleições nas quais concorreu.
Cita ainda o MPF os depoimentos de criminosos colaboradores,
especificamente dos ex-parlamentares federais Pedro da Silva Correa de
Oliveira Andrade Neto e Delício Gomez do Amaral, no sentido de que o ex-
Presidente tinha conhecimento e participação dolosa no esquema
criminoso.
Certamente, tais elementos probatórios são questionáveis, mas, nessa fase
preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade
criminal, mas apenas justa causa
Apesar da argumentação constante na primeira parte da denúncia, o
MPF não imputou, ao contrário do que se esperaria da narrativa, ao ex-
Presidente o crime de associação criminosa.
A omissão encontra justificativa plausível, pois esse fato está em
apuração perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal (Inquérito
3989), pois a suposta associação também envolveria agentes que
detêm foro por prerrogativa de função e em relação ao ex-Presidente
não teria havido desmembramento quanto a este crime.
Os fatos, porém, não foram descritos gratuitamente, sendo necessários
para a caracterização das vantagens materiais supostamente
concedidas pelo Grupo OAS ao ex-Presidente como propinas em crimes
de corrupção e não meros presentes.

Ora, se é de atribuição da Força-Tarefa a apuração da autoria e da


materialidade da corrupção e se para demonstrá-las o meio necessário é descrever todo
o esquema criminoso e o papel do denunciado Luiz Inácio Lula da Silva nele, é
evidente que é um ônus dos procuradores da Força-Tarefa adentrar nesse mérito. Isso
de modo algum implica processar ou julgar o crime de organização criminosa, o que
não é objeto do pedido da ação penal, mas sim de entender e comprovar como ela
funcionava para que a responsabilidade de cada membro possa ser aferida em relação
aos crimes por ela praticados.
Isso tudo foi feito, evidentemente, sem prejuízo das relevantes
atribuições do Exmo. procurador-geral e do C. Supremo Tribunal Federal em relação
ao crime de organização criminosa, que tem um contexto de apuração próprio, já que
lá se investigam, conjuntamente, diversas outras pessoas, algumas das quais detentoras
de foro por prerrogativa de função. É claro que a cisão ou desmembramento de fatos
pela E. Corte, uma prática adotada pós-Mensalão, gera uma certa interconexão. Um
mesmo e único fato passa a ser investigado e processado simultaneamente em duas
instâncias: na primeira em relação a pessoas sem foro e no Supremo em relação a
pessoas com foro. Contudo, essa inter-relação não prejudica as atribuições para o
exame, em cada instância, de modo amplo, dos crimes e da responsabilidade das
pessoas sujeitas à sua jurisdição9.

9 Não é a primeira vez que, na Lava Jato, ocorreu essa interconexão. No caso envolvendo Eduardo Cunha,
enquanto ainda ostentava a condição parlamentar, fatos foram cindidos para que a Justiça de Curitiba apurasse
e processasse a participação de Cláudia Cruz, sua esposa, em crimes praticados em conjunto com ele. Sem
abordar a atuação de Eduardo Cunha nos crimes seria impossível imputar os delitos à cônjuge, pois era ele que
as provas apontavam ter vendido a função pública. Só existiriam crimes de lavagem de dinheiro a ser
imputados a Cruz se ele também, Cunha, tivesse praticado crimes. Esse foi mais um caso em que a abordagem
Veja-se, ainda, que, ao fazer a descrição das circunstâncias do crime,
no tocante à materialidade e autoria delitivas, a acusação cumpriu o disposto no Código
de Processo Penal, que em seu artigo 41 determina: “A denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (...)”.
Resta, assim, demonstrada a necessidade de expor o papel do ex-
presidente no esquema criminoso, na denúncia e consequentemente na coletiva (em
que o subscritor foi porta-voz), o que foi feito no exercício da atividade finalística dos
procuradores, dentro de sua independência funcional. Tudo foi feito dentro da
atribuição do signatário e demais integrantes da Força-Tarefa do caso Lava Jato e,
passados 5 meses da acusação, nenhuma corte afastou tal atribuição.
Não há que se falar, portanto, de abuso de autoridade por atuação fora
das competências ou atribuições previstas em lei. Isso é estapafúrdio. Com isso, cai o
fundamento central dessa ação de indenização, o suposto abuso.
A adequação da acusação e das provas apresentadas pelo Ministério
Público, segundo as exigências desse momento processual, aliás, foi confirmada pelo
recebimento integral da denúncia pelo Poder Judiciário (cf. DOC 13), como referido,
que reconheceu, portanto, haver justa causa para a imputação dos crimes aos acusados.
Destaque-se que, na hipótese de a defesa vislumbrar suposta ilegalidade, poderá,
sempre, questionar tal ato perante as instâncias recursais.
Por conseguinte, não há que se falar que a explicação do papel do ex-
presidente no esquema foi feita para o constranger publicamente. O que se fez, na
verdade, foi simplesmente explicar, de modo detalhado e fiel ao conteúdo da denúncia,
o objeto da acusação. A realização de entrevistas coletivas foi implementada para
garantir transparência e cumprir o dever de informar a sociedade em situações em que
há grande interesse público envolvido, o que foi feito a partir de recomendações oficiais
da Assessoria e da Secretaria de Comunicação do Ministério Público Federal (cf. DOCs

de fatos sujeitos à jurisdição do Supremo foi um meio necessário para que a Justiça de primeira instância
pudesse desempenhar seu papel, cumprindo o propósito da própria Suprema Corte ao desmembrar a análise
dos fatos. O desmembramento da apuração em relação ao crime de organização criminosa, que é um crime-
meio para crimes-fim, gerou o mesmo tipo de situação, particularmente em relação a pessoas com função de
chefia do esquema.
1 e 2).
Por fim, demonstrada a necessidade de descrever o papel do ex-
presidente no esquema e que isso era parte integrante da denúncia, oferecida pelos treze
procuradores, a irresignação de Luiz Inácio Lula da Silva denota na realidade uma
insatisfação com a própria denúncia, e não com a entrevista coletiva10. Se é assim, trata-
se de matéria que recai dentro do âmbito do exercício independente da função
constitucional de membro do Ministério Público. Nesse contexto, só se pode adentrar
o mérito de tal decisão caso tenha havido má-fé ou fraude, nos termos do art. 181 do
Código de Processo Civil (aplicável ao processo penal – art. 3º, do Código de Processo
Penal).
Adentrar, em ação cível, o mérito da opinio delicti, exercida sem má-fé
ou dolo, seria como adentrar, em ação cível, o mérito da decisão judicial emitida por
outro magistrado, para impor-lhe o dever de ressarcir quando o tribunal reverter seu
entendimento ou simplesmente quando o novo juiz da ação indenizatória discordar
daquele. Isso subverteria a funcionalidade de nosso sistema, feriria de morte a
independência judicial e, pelo alto risco imposto, tornaria inexequíveis as funções de
acusar e julgar.

4.3. O esquema gráfico apresentado reproduz fielmente o teor da


denúncia e tem fundamento técnico na doutrina jurídica da
convergência (unidirecionalidade) das provas indiciárias

O esquema gráfico de círculos com setas convergentes contra o qual se


insurge o ex-presidente é um retrato fiel, embora didático e sumário, de parte do
conteúdo da denúncia apresentada pela Força-Tarefa, conforme demonstraremos aqui.
Nada mas fez do que representar a convergência de indícios, fenômeno tratado
inclusive pela doutrina jurídica sobre provas. Além disso, no próximo item,
mostraremos que o uso de slides em situações da espécie segue uma prática lícita e

10 O diferencial é que a insatisfação é manifestada, embora contra a denúncia, fora dos autos e numa tentativa
de constranger os procuradores do caso por meio de uma série de iniciativas como representação no Conselho
Nacional do Ministério Público e esta ação judicial.
admissível, no Brasil e nos Estados Unidos (local do suposto precedente que apontaria
em contrário, invocado por Luiz Inácio Lula da Silva).
A denúncia contra o ex-presidente se ampara em provas diretas e
também em provas indiretas ou indiciárias. A descrição e comprovação do esquema
mais abrangente, com as suas peculiaridades, mostrou-se absolutamente necessária
para comprovar a autoria da corrupção, isto é, para a compreensão da responsabilidade
do denunciado pelos crimes de corrupção que foram objeto de imputação. Foi
necessário descrever os fatos, circunstâncias, provas diretas e provas indiretas que
apontam para a centralidade de Luiz Inácio Lula da Silva no esquema criminoso, a fim
de revelar as razões que levam a concluir que é responsável pelos crimes de corrupção
que lhe foram imputados.
Trata-se de um conjunto de indícios e provas convergentes, que
apontam na mesma direção. Assim, por exemplo, a evidência de ter sido o maior
beneficiário do esquema que, de modo similar ao Mensalão, servia para gerenciar o
presidencialismo de coalizão e manter a governabilidade, algo em que o gabinete do
presidente se envolvia diretamente, é um indício. As provas de que enriqueceu por
meio de pagamentos de empreiteiras do esquema são outro indício. Outro indício é o
fato de que a Diretoria de Serviços da Petrobras destinava mais de metade das propinas
para o Partido dos Trabalhadores, sem que um partido pudesse ter ascendência sobre a
Diretoria. Só faz sentido o esquema de pagamentos caso se compreenda que Luiz
Inácio Lula da Silva tinha ascendência sobre o Diretor de Serviços – era o ex-presidente
quem diretamente determinou sua nomeação e tinha poderes para mantê-lo no cargo –
e, ao mesmo tempo, interessavam-lhe os pagamentos a seu partido. Outro indício é o
fato de que o esquema político-partidário prosseguiu a despeito de quem era o Ministro
Chefe da Casa Civil. E assim por diante, uma série de evidências de caráter fático e
lógico, em boa parte indiciárias, apontam para o ex-presidente.
Não raro, há uma incompreensão em relação ao caráter probatório das
provas indiciárias. A título esclarecedor, veja-se o que a Ministra Rosa Weber, na Ação
Penal 470, discorreu sobre a prova por indícios:
Não há justificativa de ordem lógica ou racional a amparar a pretensão de
se impingir, à prova indiciária, a pecha de subprova ou prova menor. “A
eficácia do indício”, ensina Luchinni, citado por Espíndola Filho,“não é menor
do que a da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à
histórica e física”.11
(…)
A lógica autorizada pelo senso comum faz concluir que, em tal espécie de
criminalidade [crimes contra os costumes], a consumação sempre se dá
longe do sistema de vigilância. No estupro, em regra, é quase impossível
uma prova testemunhal. Isso determina que se atenue a rigidez da
valoração, possibilitando-se a condenação do acusado com base na versão
da vítima sobre os fatos confrontada com os indícios e circunstâncias que
venham a confortá-la. Nos delitos de poder não pode ser diferente. Quanto
maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o
ilícito, pela elaboração de esquemas velados, destruição de documentos,
aliciamento de testemunhas etc. Também aqui a clareza que inspira o senso
comum autoriza a conclusão (presunções, indícios e lógica na interpretação
dos fatos). (…) A potencialidade do acusado de crime para falsear a verdade
implica o maior valor das presunções contra ele erigidas. Delitos no âmbito
reduzido do poder são, por sua natureza, em vista da posição dos autores,
de difícil comprovação pelas chamadas provas diretas. (…). A essa
consideração, agrego que, em determinadas circunstâncias, pela própria
natureza do crime, a prova indireta é a única disponível e a sua
desconsideração, prima facie, além de contrária ao Direito positivo e à
prática moderna, implicaria deixar sem resposta graves atentados criminais
à ordem jurídica e à sociedade.12

No caso, mais do que simplesmente a concorrência de indícios, havia o


que a doutrina chama de “indícios convergentes”. A doutrina brasileira trata do
relacionamento entre diversos indícios em um caso por meio dos conceitos de
concurso, concordância e convergência. Nesse sentido, Walter Coelho leciona:
'Concurso' pode ter um aspecto puramente aritmético de adição, enquanto
'convergência', mais do que um dado numérico, implica em uma óbvia
unidirecionalidade. Isto é, os indícios convergentes jamais se resumem a
uma simples soma, mas sim, levam a um produto ou resultante. É certo que
vários indícios, em concurso, também apontam em determinados sentidos,
mas não, necessariamente, no mesmo sentido. Um indício pode referir-se à
autoria, outro à co-autoria, outro à existência do fato (…). Já na convergência

11 Supremo Tribunal Federal, Plenário, AP 470, 2012, fls. 52.706-52.707 (no voto da Exma. Ministra Rosa
Weber).
12 Supremo Tribunal Federal, Plenário, AP 470, 2012, fls. 52.709-52.711 (no voto da Ministra
ROSA WEBER).
a característica marcante é a unidirecionalidade, tudo apontando para um
mesmo ponto específico.13

Essa foi a razão – que é de cunho técnico-jurídico, diga-se


expressamente – que levou à elaboração do gráfico com círculos apontando em direção
convergente, contra o qual se insurgiu o ex-presidente. Dentro de um ambiente social
polarizado e para prestar contas à sociedade sobre as razões que embasam as acusações,
fulcradas em boa medida na convergência de provas indiciárias, ilustrou-se a narrativa
com conjuntos de provas convergentes que apontavam para a conclusão apresentada
na denúncia, que consiste na responsabilidade do ex-presidente.
O conteúdo dos círculos, do mesmo modo que a narrativa feita pelo
porta-voz, simplesmente reproduziu o teor da acusação de modo explicativo e mais
didático, conforme passo a explicitar. Ressalte-se mais uma vez que toda a exposição
foi feita sobre a denúncia, seus fatos e provas. Até mesmo a ordem geral da
apresentação seguiu, na estrutura maior, a ordem da denúncia: de início se falou sobre
a contextualização dos fatos, as circunstâncias do crime e a corrupção; depois se
abordou a lavagem relacionada ao tríplex; e por fim se tratou da lavagem vinculada à
armazenagem dos bens pela empreiteira OAS, mediante contrato simulado.
Assim, abaixo se observa a correspondência entre a abordagem feita na
entrevista coletiva e, de modo exemplificativo, trechos da denúncia, sem prejuízo da
existência de outros textos da própria acusação e provas que ampararam a explicação.
Embora não fosse necessária essa correspondência estreita, porque o procurador ou o
promotor pode conceder entrevista e tratar de modo mais amplo sobre o caso, desde
que embasado nas provas, raciocinando a partir delas e não ultrapassando limites
legais, a entrevista coletiva foi firmada diretamente no conteúdo da acusação.
Ao tratar do primeiro círculo do gráfico, o porta-voz explicou, em linhas
gerais, a parte da denúncia que trata do esquema de corrupção instaurado no seio da
Petrobras, para em seguida mostrar que as investigações se alastraram para outros
setores (Caixa, Ministério do Planejamento, Eletronuclear, Ministério da Saúde e

13 Id., p. 66.
outros órgãos), dando margem à identificação de um verdadeiro esquema de governo
calcado na arrecadação de propinas (a “propinocracia”). Explicou-se que, consoante a
acusação, os subornos tinham três finalidades básicas: criar uma governabilidade
corrompida, promover a perpetuação criminosa no poder e enriquecer ilicitamente. Isso
está descrito de modo explícito na denúncia, já no item "Breve Resumo do Esquema
Criminoso" (fls. 05/07) e depois no tópico “Caixa Geral de propina” (fls. 24/28). O
esquema específico instaurado em face da Petrobras foi detalhado nos tópicos “A
estruturação de um grande esquema criminoso na PETROBRAS” e “O grande cartel
de empreiteiras” (fls. 40/49), sendo que um dos slides apresentados, inclusive, reproduz
integralmente gráfico constante da denúncia (fls. 41). A deturpação do chamado
"presidencialismo de coalização" por mecanismo calcado na indicação de cargos
políticos para angariamento de propinas foi detalhado, por sua vez, no tópico
"Presidencialismo de coalizão deturpado" (fls. 10/14).
Ao tratar do segundo círculo do gráfico (“governabilidade
corrompida”), o porta-voz narrou, na esteira da denúncia, como a distribuição de cargos
para que os partidos pudessem angariar propinas, pelo então presidente, se dava com a
intenção de obter apoio político, explicando como o apoio parlamentar evoluiu com
base nessa sistemática. Esse assunto foi descrito em toda a contextualização inicial da
denúncia, em especial no tópico “Presidencialismo de coalizão deturpado” (fls. 10/14).
Ao abordar o terceiro tema do gráfico, o “poder de decisão”, o porta-
voz reportou como a denúncia descreveu que competia ao presidente a nomeação dos
mais altos cargos da administração federal e como seu poder de decisão era essencial
para o funcionamento do esquema de governabilidade corrompida antes referido.
Nesse sentido, nomeou diretores da Petrobras para anteder aos interesses do PT, PP e
PMDB. Isso é descrito em toda a contextualização inicial da denúncia, em especial nos
tópicos "Breve resumo do esquema criminoso" (fls. 05/07) e “Presidencialismo de
coalizão deturpado” (fls. 10/14). O papel desempenhado pelo ex-presidente na
nomeação dos diretores da Petrobras de Serviços, Abastecimento e Internacional para
atendimento a interesses arrecadatórios de partidos (PT, PP e PMDB) é descrito
minuciosamente na denúncia, nos tópicos "Lula, José Dirceu e a estruturação do
governo" (fls. 29/30), "Nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de
Abastecimento" (fls. 30/33), "Nomeação de Renato Duque para a Diretoria de
Serviços" (fls. 33/34), "Nomeação de Nestor Cerveró para a Diretoria Intercional" (fls.
35/36), "Mensalão e influência do PMDB na PETROBRAS" (fls. 36/38) e "Nomeação
de Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da PETROBRAS" (fls. 39/40).
Ao tratar do quarto círculo do gráfico (“perpetuação criminosa no
poder”), o porta-voz reproduziu que a denúncia, crimes e provas nela descritos mostra
que o esquema de corrupção na Petrobras era um esquema partidário de perpetuação
no poder gerenciado, primordialmente, pelo Partido dos Trabalhadores. Expôs-se com
base na denúncia que o papel de destaque de Lula como líder partidário e como
simultaneamente líder de governo é mais um indicativo, junto com os demais, de que
tinha ciência e decisão sobre um esquema que, também segundo a denúncia, envolveu
pessoas dos dois âmbitos que cooperaram entre si para fins ilícitos. Na petição inicial
acusatória, a distribuição de cargos para fins de arrecadação de propina em troca de
apoio político no governo foi descrita em toda a contextualização dos fatos,
destacando-se sobretudo o capítulo “Breve resumo do esquema criminoso” (fls. 05/08)
e os tópicos “Presidencialismo de coalizão deturpado” (fls. 10/14), “Lula no vértice de
diversos esquemas criminosos” (fls. 18/21) e “Uma complexa engrenagem criminosa
a favor de Lula” (fls. 28/29). Ainda, a divisão das propinas por partido nas diretorias
da Petrobras consta do tópico “Caixa Geral de propina” (fls. 21/26).
No quinto tópico do gráfico (“pessoas próximas na Lava Jato”), o porta-
voz explicitou, com esteio na acusação, que várias pessoas próximas a Lula, incluindo
pessoas de fora da estrutura partidária do PT, estão envolvidas na Lava Jato, o que é
mais um indicativo de que Lula era elo de ligação do esquema. O relacionamento
próximo de Lula com diversos dos investigados na Lava Jato, de fato, é mencionado já
no primeiro tópico da denúncia (“Breve Resumo do esquema criminoso” - fls. 05/08),
reafirmado no tópico “A ação criminosa de Lula” (fls. 75/150). Além disso, há menções
específicas e detalhadas quanto a relacionamentos específicos, como é o caso de José
Dirceu e Bumlai em outros trechos, exemplificativamente, no tópico “Nomeação de
Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobras” (fls. 39/40).
Ao tratar do sexto assunto do gráfico (“Mensalão”), o porta-voz narrou,
com embasamento na denúncia, como funcionou o esquema comprovado no Mensalão,
mostrando que Mensalão o esquema na Petrobras são ambos esquemas de corrupção
com os mesmos objetivos, desenvolvidos por um mesmo governo e partido, no qual
apoio político era obtido em troca de “mesadas” (mensalão) e “cargos” (esquema da
Petrobras). A apresentação nada mais fez, de novo, do que sintetizar a denúncia,
particularmente o que foi exposto no tópico "Mensalão e Lava Jato: faces de uma
mesma moeda" e no início do tópico “Lula no vértice de diversos esquemas
criminosos” (fls. 14/18 e 18/21 respectivamente, em especial os itens/parágrafos 30).
Quando da abordagem do sétimo círculo (“pessoas próximas no
Mensalão”), o subscritor tratou de parte da denúncia que explicita que também no
mensalão foram acusadas e condenadas pessoas muito próximas ao ex-presidente. A
proximidade de Luiz Inácio Lula da Silva de todas as pessoas destacadas na
apresentação é expressamente referida no mesmo tópico "Mensalão e Lava Jato: faces
de uma mesma moeda" da denúncia (fls. 16 e 17), em especial no item/parágrafo 28.
No tocante à oitava questão trazida pelo gráfico (“José Dirceu”), o
porta-voz, na esteira da acusação, apontou que a continuidade do esquema de corrupção
após a saída de José Dirceu do governo Lula em 2005, com o esquema na Petrobras
seguindo o Mensalão, indica que a gerência da atividade criminosa estava acima do
“homem forte” do governo Lula, apontando para o próprio ex-presidente, que, em
última análise, tinha o poder de indicação para os cargos da alta administração. Na
denúncia, a relação entre o ex-presidente e José Dirceu, como “homem forte” do novo
governo, é exposta sobretudo no tópico “Relação entre Lula e José Dirceu” (fls. 08 a
10). No tópico “Lula no vértice de diversos esquemas criminosos” (fls. 18/21), destaca-
se que o ex-presidente comandou a arquitetura corrupta verificada em seu governo,
mesmo após a saída de José Dirceu (parágrafo/item 37). Ainda, a relação entre Lula e
José Dirceu quanto à atuação para distribuição de cargos em favor de agremiações
políticas foi detalhada no tópico “Lula, José Dirceu e a estruturação do governo” e
subtópicos, nos quais se abordou inclusive a continuidade da atuação do ex-presidente
após a saída de José Dirceu do governo (fls. 29 a 40).
Ao abordar o nono círculo (“vértice comum”), o porta-voz explicou
que, além de ser ponto comum entre governo e partido, a denúncia apontava Luiz
Inácio Lula da Silva como o único vértice comum dos vários órgãos públicos em que
o esquema de propinas se disseminou. Esse esquema, além de difuso, se mantinha
mesmo com a substituição das pessoas que nele desempenhavam funções menores que
as de Lula, como José Dirceu, Nestor Cerveró e os tesoureiros do PT que se sucederam.
O exposto na apresentação reflete o tópico “LULA no vértice de diversos esquemas
criminosos” (fls. 18/21). Há menções, ainda, a trechos constantes em outros pontos da
denúncia, como, por exemplo, o depoimento de Roberto Jefferson na Ação Penal 470,
constante do parágrafo/item 27 da denúncia, o papel de destaque da Petrobras nos
investimentos federais, constante do parágrafo/item 42, e a continuidade do esquema
apesar da saída de pessoas que nele desempenhavam papéis inferiores ao de Lula, o
que se encontra no parágrafo/item 151 (fls. 84).
O décimo tópico (“enriquecimento ilícito”) foi analisado, pelo porta-
voz, que explicou, com base na acusação, que o fato de que o ex-presidente enriqueceu
ilicitamente, segundo a denúncia, é outra peça do quebra-cabeça que aponta para sua
responsabilidade. Em inúmeros momentos da denúncia se referiu que um dos objetivos
do esquema criminoso era o enriquecimento ilícito. Além disso, o recebimento de
valores espúrios pelo ex-presidente é objeto expresso da denúncia, por exemplo, no
item “Caixa geral de propina” (fls. 21/28), na imputação de corrupção e
particularmente na de lavagem (capítulos 3 e 4).
Em décimo-primeiro lugar (“maior beneficiado”), a entrevista coletiva
abordou a explicação da denúncia de que Lula foi o maior beneficiado com o esquema
criminoso, tornando-se forte politicamente com a governabilidade corrompida, forte
economicamente para financiar suas campanhas e ainda teve acréscimos patrimoniais
ilícitos, como denunciado. Os slides reproduzem fielmente o que a acusação imputou
no tópico “Uma complexa engrenagem criminosa a favor de LULA” (fls. 28/29).
A “expressividade” do esquema – décimo-segundo círculo – também
foi analisada, na esteira da exordial acusatória, como mais um indicativo que se soma
aos demais para apontar o comando do esquema pelo ex-presidente, seu principal
beneficiário. Na denúncia, exemplificativamente, no tópico “Lula no vértice de
diversos esquemas criminosos”, e particularmente no parágrafo/item 37, isso foi
explicitamente colocado (fls. 18/21).
A “reação de Lula” ao Mensalão e à Lava Jato foi o décimo terceiro
tópico tratado na entrevista coletiva. Com base na acusação, apontou-se como o fato
de desqualificar ou mesmo obstruir as investigações, em vez de fazer cessar os
esquemas e buscar a punição dos responsáveis sob sua ascendência, é mais um
indicativo de sua responsabilidade pelos fatos criminosos. Na denúncia, isso foi foco
do tópico "Mensalão e Lava Jato: faces da mesma moeda" (fls. 14 a 18, mais
especificamente no parágrafo/item 28, valendo destacar a nota de rodapé 47). A
entrevista do ano de 2005 na qual Lula afirma ter conhecimento de caixa 2 é
referenciada no parágrafo/item 145, a fls. 81. A tentativa de calar Nestor Cerveró é
expressamente mencionada a fls. 150.
Por último (“Depoimentos”), o porta-voz apresentou, na linha da
acusação formal, a existência de vários depoimentos de colaboradores que igualmente
apontam que o ex-presidente comandou o esquema. As declarações dos colaboradores
se encontram em vários pontos da denúncia, havendo expressa abordagem de todas
aquelas referidas na coletiva: Pedro Correa (notas de rodapé 85 a fls. 29 e 322 a fls. 79,
bem como o item 50 a fls. 28/29); Delcídio do Amaral (nota de rodapé 319 a fls. 78);
Fernando Schahin (fls. 80); Fernando Soares (fls. 40 da denúncia, em especial a nota
de rodapé 140); e Nestor Cerveró (nota de rodapé 325 a fls. 80).
Como antes dito, membros do Ministério Público podem dar entrevista
sobre investigações e denúncias, desde que sejam fiéis em seus relatos ao conteúdo dos
autos e apresentem argumentos calcados nas provas, tudo dentro dos limites da lei. Na
situação específica da entrevista coletiva, contudo, seu conteúdo foi restrito,
circunscrevendo-se aos termos da denúncia apresentada, seus crimes e provas.
Assim, os círculos convergentes são apenas o conteúdo da própria
denúncia, em forma gráfica. Seu conteúdo é técnico-jurídico e não político. O
funcionamento do sistema político é abordado apenas na medida em que ele é o
background dos crimes praticados e é necessário para sua compreensão14. Como a
denúncia é técnica e tem mais de cem páginas, sua tradução para leigos foi feita por
meio de explicações e recursos didáticos. As imagens apresentadas no powerpoint
constituem simplesmente uma ilustração gráfica da acusação oferecida, com o objetivo
de melhor atingir o propósito da coletiva de prestar contas e transmitir conhecimento.
Os círculos convergentes não têm impacto negativo sobre a imagem do
ex-presidente (caráter “pejorativo”) que extravase o teor da própria acusação. E se a
reclamação é com o teor da acusação, diz respeito ao cerne do exercício da atividade
ministerial, submetida ao Judiciário na ação criminal. O que tem conteúdo pejorativo
são os crimes imputados, que são refletidos nos círculos, o que é objeto da denúncia.
Os círculos são, na verdade, uma apertada síntese dos indícios que convergem em torno
de Luiz Inácio Lula da Silva. Nada que está ali deixa de estar na própria denúncia.

4.4. O emprego de powerpoint seguiu diretriz oficial de


comunicação lícita, admissível e empregada em outros casos e
para além do Brasil

O uso de slides, gráficos e imagens, por meio de programas como


powerpoint e similares, seguiu uma recomendação oficial de comunicação,
estabelecida por profissionais de comunicação do Ministério Público Federal. Além
disso, é uma prática comum em entrevistas coletivas sobre as acusações ou atividades
socialmente mais relevantes da instituição, também em outros locais do país. Cumpre
lembrar também que os próprios advogados de Lula, para rebater as acusações do
Ministério Público Federal, fizeram coletivas à imprensa com apresentação de

14 Do mesmo modo, a compreensão do dolo em um homicídio praticado por um médico contra um paciente,
no meio de uma cirurgia, pode exigir a exposição das práticas médicas que são normalmente adotadas no
contexto daquele tipo de cirurgia. Igualmente, a demonstração da responsabilidade e do dolo do presidente de
uma empresa pela corrupção do subalterno pode demandar a explicação sobre como funcionavam os negócios
da companhia ou aquele ramo de atividade empreendedora. A comprovação de homicídios dolosos por meio
do rompimento de uma barragem, para citar um exemplo recente, pode requerer, de modo similar, uma
incursão sobre as melhores práticas de engenharia e as rotinas da empresa de projeto, manutenção e
fiscalização.
powerpoint15. Até mesmo nos Estados Unidos, trata-se de uma prática rotineira a
apresentação de slides e gráficos em casos criminais, ao contrário do que transpareceu
de modo claramente equivocado a petição inicial.
A Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal no Paraná,
localizada em Curitiba, em relatório oficial anexo (DOC 1), por meio de seus
assessores de comunicação, relata que dentre os instrumentos comuns à prática de
assessoria de imprensa na instituição estão as entrevistas coletivas. Em outro relatório,
o mesmo órgão de Assessoria informa que a realização de entrevistas coletivas quando
do oferecimento de denúncias é uma rotina em todo o Ministério Público Federal, em
casos de repercussão (cf. DOC 15).
Em face do grande número de demandas de inúmeros veículos na Lava
Jato, as coletivas constituem um “instrumento consagrado no campo da assessoria de
comunicação pública para o atendimento dessas demandas de forma horizontal, sem
privilegiar qualquer veículo”, segundo os profissionais de comunicação do órgão (cf.
DOC 1). Ainda segundo o eles, além das coletivas feitas em cada uma das mais de 35
fases da investigação, houve pelo menos 12 coletivas realizadas quando do
oferecimento das principais denúncias da operação (cf. DOCs 1 e 15).
Mais da metade dessas coletivas para explicar denúncias no caso Lava
Jato foram realizadas em hotéis, por orientação do órgão de comunicação, e todos os
trâmites de escolha de local e realização ficaram a encargo da área administrativa da
Procuradoria do Paraná e da Procuradoria-Geral da República, sem participação dos
procuradores da Lava Jato, o que é atestado também em documento oficial (cf. DOC
1). A primeira coletiva em hotel, aliás, contou com a participação do Procurador-Geral
da República e o órgão de Brasília participou ativamente da sua preparação.
Do mesmo modo, a Secretaria de Comunicação, órgão central de
comunicação do Ministério Público Federal em Brasília que estabelece as políticas
oficiais na área, reportou que “no âmbito da Lava Jato em Curitiba, pela peculiaridade
do caso, optou-se pela realização de entrevistas coletivas em dois momentos

15 http://lula.com.br/ao-vivo-advogados-de-lula-dao-coletiva-imprensa-internacional-sobre-acao-do-ex-presidente-na-
onu e http://lula.com.br/ao-vivo-coletiva-de-imprensa-com-advogados-de-lula.
específicos que são de interesse público: no dia das operações deflagradas pela Polícia
Federal e pelo Ministério Púbico Federal, para explicação das medidas adotadas, e na
apresentação das denúncias do Ministério Público Federal à Justiça, para detalhamento
das acusações” (DOC 2).
Segundo o órgão, “esse modelo é essencial” para que possam ser
explicados detalhes relevantes e a imprensa possa esclarecer dúvidas, por se tratar de
matéria técnica, assim como promover transparência às ações da operação e propiciar
controle público. “Por tratar-se de um serviço público, a sociedade tem o direito de
conhecer as providências adotadas” (DOC 2).
A convocação das entrevistas coletivas, inclusiva daquela envolvendo
acusações contra Luiz Inácio Lula da Silva, seguiu um mesmo padrão oficial, em que
o objeto da coletiva não era mencionado, conforme comprova relatório oficial da
Assessoria de Comunicação (DOC 14). Ou seja, a convocação da coletiva, mediante
aviso de pauta, seguiu o padrão não só da Assessoria de Comunicação do Paraná em
diversos outros casos, mas também um modelo aplicado de modo rotineiro em outras
unidades do Brasil. Desse modo, não procede a insinuação de que o Ministério Público
Federal buscou dar uma publicidade maior para essa entrevista coletiva em específico.
O tratamento foi padrão. O que aconteceu é que, diante da relevância da figura pública
acusada, o interesse da imprensa foi maior em repercutir o evento.
De forma idêntica, a apresentação de slides é fruto de uma política de
comunicação oficial. O relatório do órgão de comunicação local da Procuradoria
assevera que “em razão da complexidade dos esquemas criminosos que são
denunciados pela força-tarefa, desde a primeira coletiva sobre a operação foi adotado
o uso de apresentações visuais que auxiliam a transmitir as informações de modo mais
claro, didático e organizado” (DOC 1). No mesmo sentido, a informação técnica da
Secretaria de Comunicação de Brasília esclareceu que “desde o começo, as
apresentações projetadas em telão foram usadas como suporte para as informações
disponíveis na denúncia. Como se trata de um assunto jurídico, de difícil assimilação
por pessoas leigas de maneira geral, o objetivo é mostrar, de forma didática, a origem
e o embasamento para as acusações” (DOC 2).
O uso de slides e gráficos em coletivas, aliás, não só é recomendado
pelos profissionais da ciência da comunicação, como se tornou uma prática em outros
casos relevantes do Ministério Público Federal, conforme explicado em outro relatório
oficial (DOC 15): “Mediante consulta, 17 unidades do MPF nos repassaram os dados
de realização/ou não de coletivas. Entre as unidades que responderam à consulta, 70%
confirmaram a realização de coletivas e apenas 30% não a fizeram (...). Entre 2014 e
2016 foi confirmada, em levantamento superficial, a realização de um total de pelo
menos 83 coletivas em 12 unidades do MPF. (...). Entre as coletivas realizadas em 11
estados e no DF no período, constatou-se a utilização de equipamentos de audiovisual
que vão desde simples projeção da denúncia até o desenvolvimento de infográficos e
emprego de software mais avançados de apresentação, a exemplo do ‘Prezi’. O uso dos
equipamentos foi realizado pelas unidades do MPF-RJ, MPF-AM, MPF-PA e MPF-
SE.” (DOC 15).
O emprego de powerpoint e a repercussão da entrevista foram razões
presumíveis para a defesa alegar que houve uma “espetacularização”, mais uma vez –
a suposta superexposição já havia sido aduzida em representações contra colegas que
foram arquivadas. A acusação de “espetacularização”, assim como a de “perseguição
política” é aliás comum a outros réus da Lava Jato, nas diferentes instâncias. Eduardo
Cunha, por exemplo, em nota oficial, acusou o procurador-geral da República de
promover uma “espetacularização”, o que “coloca em xeque a respeitabilidade de um
processo que deveria ser sério – de combate à corrupção –, denigre as instituições e
seus líderes e evidencia a perseguição política” (cf. DOC 19).
Contudo, como demonstramos, o aviso de coletiva para a imprensa
sempre segue um padrão, o conteúdo da entrevista espelhou a denúncia e a realização
da coletiva com suporte em projeções visuais e gráficas obedeceu a diretrizes e práticas
de comunicação estabelecidas no seio da Instituição. O Ministério Público Federal não
tem o condão de ditar para a imprensa a amplitude da repercussão de seus atos, a qual
é guiada pelo interesse de leitores, ouvintes e telespectadores.
O propósito da coletiva foi, na linha da política oficial de comunicação
do Ministério Público, informar, de modo didático, os fatos imputados e o
embasamento, promover transparência e permitir a fiscalização da sociedade sobre os
trabalhos feitos na Lava Jato. A divulgação das informações e o esclarecimento de
dúvidas da imprensa se tornam ainda mais necessárias dentro de um cenário polarizado,
em que a todo momento são divulgadas na internet e em redes sociais “notícias” ou
versões inverídicas de fatos que são objeto da investigação.
Nos Estados Unidos, ao contrário do que querem fazer crer os
advogados do ex-presidente, o emprego dos slides ou apresentações gráficas em
processos criminais é uma prática lícita, admitida e bastante difundida em julgamentos.
Temos várias observações a fazer sobre a decisão do caso Washington vs. Glasmann,
invocado por Luiz Inácio Lula da Silva – a decisão é apresentada como DOC 16. Em
primeiro lugar, quatro dos julgadores seguiram voto que registrou o seguinte: “quando
criados e empregados apropriadamente, ajudas visuais podem ser tanto efetivas como
úteis durante as alegações finais e eu não desencorajaria seu uso. Eu também não leio
o voto condutor como limitador do uso apropriados dos suportes visuais”. Outro voto
também reputou isso óbvio: “certamente, advogados podem e deveriam usar a
tecnologia para modernizar a advocacia e juízes deveriam permitir e mesmo encorajar
novas técnicas”.
Em segundo lugar, a razão pela qual a corte local de Washington anulou
o julgamento não foi o uso de slides via powerpoint, mas sim um grande conjunto de
desvios de conduta do promotor. O mau comportamento da acusação foi considerado
“flagrante”, “de má fé” e “pervasivo”. Note-se, de passagem, aliás, que tal corte não é
a Suprema Corte estadunidense, como se equivocaram os advogados do ex-presidente
ao afirmarem isso, mas um tribunal estadual do noroeste do país. A decisão funciona
como precedente apenas para um dos 50 Estados norte-americanos, não vinculando
nem cortes federais em seu território nem outros Estados. Ela é considerada uma “lower
court”, inferior em abrangência aos circuitos federais, tribunais cuja jurisdição engloba
vários estados e, por isso, têm efeitos mais abrangentes. De todo modo, aquela decisão
não dá qualquer embasamento para o argumento apresentado na petição inicial desta
ação de indenização.
De fato, Washington vs. Glasmann, os 5 votos que venceram as 4
divergências entenderam que houve uma série de ilegalidades praticadas pelo
promotor: inseriu em slides afirmações como evidência que não foi admitida
previamente pela corte, burlando as regras legais próprias do julgamento
estadunidense; modificou provas que tinham sido admitidas, inserindo asserções
impróprias; usou reiteradamente fotos do réu de registro de prisão, com rosto
ensanguentado, assim como textos e imagens “altamente inflamatórios”; gritou diante
do júri que o réu é “culpado, culpado, culpado”16 e fez com que a palavra “culpado”,
em vermelho, cruzasse a imagem do rosto do réu nos slides logo antes das deliberações
– primeiro uma, depois duas e por fim três vezes a mesma palavra tarjou a imagem do
acusado; inverteu ou modificou indevidamente o ônus da prova, confundindo os
jurados ou orientando-os de modo equivocado e prejudicial ao réu, ao dizer que este
deveria ser absolvido somente se os jurados acreditassem no que o réu disse; em vez
de argumentar sobre provas e extrair delas inferências, apelou para a paixão e
preconceito a fim de influir indevidamente na avaliação, pelos jurados leigos, da
sinceridade do réu e de sua culpa.
Já na situação da entrevista coletiva, ocorreu justamente o inverso: no
início se delimitou que se tratava de uma imputação (e não julgamento) circunscrita a
fatos específicos. Não se invocaram paixões, nem mesmo em relação à avaliação
política do ex-presidente. Pelo contrário, deixou-se claro no início que não se estava a
julgar a pessoa do denunciado. Não se usou qualquer tipo de fotografia do ex-
presidente. Não houve deturpação de provas ou emprego de provas inadmissíveis. Não
se pediu aos ouvintes que considerassem o ex-presidente culpado. Não se afirmou que
o denunciado era culpado, mas sim que se fazia imputação de fatos, o que ocorreu com
clareza no contexto de denúncia, e não de julgamento.
O uso de powerpoints nos julgamentos norte-americanos é tão
espalhado e admitido que colegas e amigos consultados disseram que seria difícil

16 Está assentado, nos Estados Unidos, que o promotor não pode fazer tal afirmação de culpa, no julgamento,
em razão da peculiaridade do common law consistente na universalidade dos julgamentos por júri. No contexto
dos júris, a opinião do promotor pode ter uma forte influência sobre espírito dos jurados, por serem leigos. No
Brasil, em razão da diferença do sistema para a imensa maioria dos crimes, que são julgados por um juiz
técnico, não existe essa regra.
encontrar julgados abordando isso especificamente. Mais fácil é encontrar alguns
julgamentos que abordaram a adequação do conteúdo, e não do uso em si, dos slides.
Exemplificativamente, porém, apontam-se aqui dois julgados de cortes superiores, que
abarcam vários Estados, nos quais se discutiu a adequação do teor dos slides
apresentados ao Júri e se entendeu que o conteúdo não violou o direito a um julgamento
justo: Strong v. Roper, 737 F.3d 506 (2013), decidido pelo 8º Circuito Federal, e US
v. Ruiz, 710 F.3d. 1077 (2013), julgado pelo 9º Circuito Federal.
O precedente invocado pelo ex-presidente, portanto, nada tem a ver
com a proibição do uso de esquemas visuais e gráficos, mas sim com a existência de
um extenso conjunto de abusos em um caso concreto, vinculados ao apelo para o
preconceito e a paixão contra o réu, em substituição à análise racional das provas. O
emprego de powerpoint foi e continua sendo uma constante em tribunais norte-
americanos para explicar crimes e provas de modo visual e didático.
Já que Luiz Inácio Lula da Silva invocou o direito norte-americano, é
interessante observar que, naquele país, jamais seria admitida esta ação de indenização.
Em primeiro lugar, porque a atuação de um promotor é revestida de imunidade absoluta
contra ações cíveis, conforme decidiu a Suprema Corte norte-americana no caso Imbler
v. Pachtman (424 US 409 (1976)) – DOC 18. Dentre as várias razões que embasaram
a decisão unânime, está o fato de que o risco de ações cíveis “minaria a performance
de seus deveres”, pois o promotor seria constrangido “em cada decisão pelas
consequências em termos de sua potencial responsabilidade pessoal em uma ação por
danos”. Isso inclusive abriria as portas para vinganças por parte de réus ressentidos.
Mais ainda, prosseguiu aquele tribunal, a possibilidade de ações faria com que “sua
energia e atenção fossem desviadas de seu dever premente de aplicar a lei criminal”.
Além disso, ainda que não houvesse uma imunidade absoluta para
promotores, a Suprema Corte norte-americana estabeleceu que ações decorrentes de
suposta difamação contra “figuras públicas” só são cabíveis quando satisfeito um ônus
probatório muito exigente. De fato, balanceando a proteção da imagem com o direito
fundamental à liberdade de expressão, entendeu que só são admissíveis ações de
indenização quando se demonstrar malícia real (“actual malice”), isto é, se houver
prova de que o emitente das declarações sabia serem falsas ou então agiu
desconsiderando de modo negligente sua verdade ou falsidade (New York Times Co.
v. Sullivan, 376 U.S. 254 (1964) – DOC 17).

4.5. A referência legítima ao Mensalão a título probatório

Luiz Inácio Lula da Silva, ainda equivocadamente, alegou que o


subscritor, como porta-voz da Força-Tarefa, imputou a ele crimes do Mensalão,
processo já julgado, o que não é verdade. Na entrevista coletiva, aliás, expressamente
afirmei: “Aqui, fazendo parêntesis, não estamos recuperando o caso MENSALÃO para
apontar se LULA deveria ou não ser acusado em razão desse esquema, mas sim nós
invocamos esse esquema a título de mais uma peça probatória de um grande quebra-
cabeça.” A explicação sobre o Mensalão consta na denúncia oferecida, de
responsabilidade dos treze procuradores. Novamente, aqui, a entrevista apenas
espelhou a acusação formalmente feita por escrito. Isso mostra mais uma vez que a
ação de indenização é uma reação ao conteúdo da denúncia.

4.6. A obediência à Recomendação 39/2016 do CNMP

O autor do pedido de indenização ainda argumentou que o subscritor


violou a Recomendação 39/2016 do Conselho Nacional do Ministério Público. Embora
a recomendação sequer estivesse em vigor na época, o que é importante ressaltar, e
apesar de ter caráter meramente orientativo (e não vinculativo – cf. DOC 2217), tanto o
subscritor como seus colegas estritamente obedeceram o que viria a se tornar norma,
conforme se observa em manifestação do subscritor e colegas protocolada perante
aquele Conselho:

Com efeito, tal regulamentação é clara e taxativa em dispor que:

17 Tal caráter foi expressamente salientado pelo E. CNMP quando da aprovação da Recomendação, conforme
constou no voto condutor do Relator Conselheiro Otavio Brito Lopes (Proposição 1.00192/2015-39).
Art. 13. As informações e o momento de divulgá-las devem ser
responsavelmente avaliados, conforme o interesse público, os direitos
fundamentais, a segurança institucional e o sigilo legal, quando existir, assim
como os riscos de eventual comprometimento da investigação, quando se
tratar do ato investigativo. A divulgação para a imprensa deve considerar,
também os critérios de interesse jornalistico, a atualidade e a universalidade.

Art. 14. O momento adequado à divulgação de informações é aquele em


que se oferece uma denúncia; em que se ajuíza ação com alcance nacional,
regional e local; em que se obtenha liminar ou antecipação da tutela; ou, ainda,
que possui efeito paradigmático ou que funcione pedagogicamente como
exemplo.

Art. 15. Na divulgação de denúncias oferecidas ou ações ajuizadas, o


Ministério Público é parte no processo, acusando ou demandando
fundamentadamente, em defesa do interesse público. Em todos os casos,
deve evitar que a manifestação do Ministério Público seja apresentada como
decisão ou signifique condenação antecipada dos envolvidos.

A entrevista coletiva em que a Força-Tarefa Lava Jato apresentou a ação


penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000, em face de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e outros,
seguiu estritamente, portanto, as recomendações desse Conselho Superior. Com
efeito, veja-se que:
i) a divulgação das informações ocorreu em entrevista coletiva realizada
às 16:00 hrs do dia 14/09/16, após a propositura judicial da denúncia, que foi
protocolada às 15h:26min do dia 14/09/1618;
ii) o Ministério Público Federal somente divulgou as informações
quando as investigações estavam encerradas, ou seja, quando não havia mais
nenhum risco de comprometimento das investigações;
iii) ao tempo da coletiva, os autos da ação penal ajuizada e aqueles que
a instruíram não estavam submetidos a qualquer grau de sigilo e não se pode
olvidar que, por expressa disposição constitucional do art. 5º, LX, vige o princípio da
publicidade dos atos processuais19;
iv) durante a divulgação dos fatos o Ministério Público Federal foi
explícito em esclarecer que naquela oportunidade os fatos estavam sendo objeto de
acusação, sendo que a partir daquele momento a ação penal seria submetida à
instrução e julgamento perante a Justiça Federal, ou seja, a denúncia não foi

18 Assim, equivocaram-se os advogados em sua petição quando apontaram que a denúncia teria sido
apresentada à Justiça apenas no dia seguinte. O lapso decorreu do exame do processo errado. O processo
eletrônico correto, disponível para consulta pública no website da Justiça Federal, é o 5046512-
94.2016.4.04.7000 (chave pública de consulta: 162567218816). Nele se observa que a acusação formal foi
protocolada no próprio dia 14 de setembro, às 15h:26m.
19 Além disso, o próprio art. 8º da Resolução nº 23/2007, desse e. CNMP, apontada por Luiz Inácio Lula da
Silva reitera o princípio constitucional de publicidade das investigações, reconhecendo o direito do membro
do Ministério Público de prestar informações inclusive aos meios de comunicação social a respeito de
providências adotadas para a apuração de fato em tese ilícitos.
apresentada como uma decisão ou como um juízo de condenação antecipada dos
envolvidos;
v) o fato de terem sido imputados nessa denúncia crimes de corrupção e
de lavagem de dinheiro praticados por ex-Presidente da República, os quais
ocasionaram danos superiores a R$ 90 milhões, evidencia o interesse público em sua
divulgação, visto que atende a todos os critérios enunciados na Resolução nº 39/2016
do CNMP: atualidade, universalidade e interesse nacional.
Nesse sentido, impera registrar o senso de responsabilidade da Força
Tarefa, que se empenhou em seguir as orientações do CNMP, antes mesmo da
completa aprovação e entrada em vigor da norma acima citada (provável
Recomendação nº 39).

Veja-se que a coletiva divulgou a denúncia como denúncia, e não como


condenação, ao contrário do que quer fazer crer o ex-presidente. A linguagem usada
espelhou e reproduziu o teor da denúncia, que imputou fatos a Luiz Inácio Lula da
Silva a título de acusação, jamais de veredito. Basta ver que todas as várias matérias
que repercutiram a entrevista apontaram explicitamente que foi oferecida denúncia ou
acusação, sem qualquer referência ou alusão à ideia de condenação ou julgamento.
A obediência à referida Recomendação, aliás, foi reconhecida já pelas
Corregedorias do Ministério Público Federal e Conselho Nacional do Ministério
Público, conforme se exporá.

5. A Corregedoria do Ministério Público Federal reconheceu a


regularidade da atuação na coletiva (DOC 20)

A Corregedoria do Ministério Público Federal analisou representação


contra o subscritor e o procurador Roberson Pozzobon. Forram aduzidas várias
supostas ilegalidades na coletiva, semelhantes àquelas invocadas na presente ação de
indenização. A reclamação: qualificava a entrevista coletiva de “espetáculo midiático”
e “grotesco”, um “show pirotécnico”; apontava suposta antecipação de juízo
condenatório; alegava o uso de “termos vulgares”; aduzia a realização de um discurso
político e a implementação de uma criminalização da política; afirmava que as
declarações e acusações foram feitas sem provas; reclamava do alegado
“enxovalhamento” do ex-presidente e da violação de princípios da Administração
Pública; e argumentava haver descumprimento do dever de urbanidade.
Após o Exmo. Corregedor Nacional fazer uma análise detalhada da
entrevista coletiva e seu conteúdo, assim exprimiu sua conclusão (cf. DOC 20, grifos
nossos):
“35. Sem embargo de possíveis críticas que se possam fazer ao modo
ou forma como se apresentou a Força-Tarefa da Operação Lava Jato na
entrevista coletiva realizada em 14.09.2016, não vejo como reconduzir
a substância de nenhuma das declarações ali prestadas ao alegado
descumprimento, por parte dos Representados, de deveres ou
vedações impostas ao titular do cargo, aí incluídos o de tratar com
urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço,
o do exercício de atividade político-partidária ou de respeitar os
princípios da administração pública.

(...)

43. O que se percebe, na situação em análise, é que as declarações


dos Representados refletem, praticamente na integralidade, os
argumentos e os fatos contidos na denúncia que ensejou a instauração
da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000, já recebida pelo Juízo da
13ª Vara Federal de Curitiba/PR.

44. Na entrevista coletiva, o Procurador da República Deltan


Martinazzo Dallagnol, Coordenador da Força-Tarefa, efetivamente
discorreu sobre aspectos mais amplos do esquema de corrupção
supostamente engendrado com a participação do ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, e o fez de maneira extensiva, apontando-o inclusive
como figura central dos ilícitos, porque assim entendeu conveniente
para a melhor compreensão dos fatos. O que importa, contudo, é
que foi esse também o contexto descrito, em vastas linhas, na peça
acusatória, de forma coerente com as imputações específicas nela
formuladas.

45. Se os fatos correspondem ou não à verdade, se há ou não


excesso na imputação, somente no processo, no qual o acusado exercerá,
de forma ampla, o seu direito de defesa, se poderá saber. A discordância
com a convicção externada pelo Ministério Público e que expressa o
livre exercício de sua atividade funcional, não pode ser confundida
com a intenção gratuita de causar dano à imagem do acusado, ou
algum outro tipo de mal considerado injusto. Tais efeitos são
inerentes à atividade acusatória e não se pode debitá-los à atuação
de quem o Estado encarregou apenas de executá-la. É, por isso, que
também não geram a responsabilidade pessoal desse mesmo agente,
quando atua de forma independente e sem a influência de motivos
incompatíveis com a função que exerce, mesmo que equivocado em
seu posicionamento. Não fosse assim, não se arriscariam, os
membros do Ministério Público, em iniciativas não controláveis
quanto a possíveis punições de ordem disciplinar ou mesmo sanções
de outra natureza.

46. A eliminação do problema poderia se dar, é certo, com a não


divulgação pública do teor da denúncia. Ocorre que não há nenhum
impedimento legal a que se dê conhecimento à sociedade da atuação
do Ministério Público em casos não submetidos a sigilo. Ao
contrário, a orientação é a de que a Instituição deve divulgar sua
atuação em casos e projetos que tenham grande alcance, efeito
paradigmático ou caráter pedagógico […] (inciso II do art. 9º da Portaria
PGR/MPF nº 918/2013, que Institui a Política Nacional de Comunicação
Social do Ministério Público Federal).

47. Destaco, a propósito, a Recomendação do Conselho Nacional


do Ministério Público sobre a política de comunicação social do
Ministério Público. Embora o ato se encontre suspenso em virtude
de embargos de declaração ainda não apreciados, a conduta da
Força-Tarefa da Operação Lava Jato, em relação ao evento, está em
consonância com os critérios nele previstos, inclusive no que se refere
ao momento da divulgação das informações (após a propositura da
denúncia, conforme dispõe seu art. 14).

6. A Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público


também reconheceu a regularidade da atuação (DOCs 23 a 25)

Na esteira da Corregedoria do Ministério Público Federal, a Corregedoria


Nacional, do Conselho Nacional do Ministério Público, analisou e julgou improcedente
a representação similar contra o subscritor e o procurador Roberson Pozzobon.
Na decisão, o Exmo. Corregedor Nacional, primeiro, ressaltou que a
divulgação da denúncia por meio de entrevista coletiva é uma política institucional do
órgão (cf. DOCs 23 a 25):
Com efeito, a divulgação das informações não se deu antes do
oferecimento da denúncia, inexistindo sigilo legal; e o emprego da
entrevista coletiva como técnica de comunicação, no que diz respeito às
medidas adotadas no âmbito da operação denominada “Lava Jato”, não
é, em princípio, imputável aos reclamados. Trata-se, ao que tudo indica,
de política institucional indicada pela SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO
SOCIAL da PGR/MPF e pela Assessoria de Comunicação da Procuradoria
da República no Paraná, conforme se evidencia dos documentos às fls.
261/264.

Em seguida, ressaltou que o conteúdo da entrevista corresponde ao


conteúdo da denúncia, a qual deve descrever o fato e todas as suas circunstâncias, na
linha do disposto no Código de Processo Penal (cf. DOCs 23 a 25):

Quanto à questionada “contextualização” supostamente excessiva


dos fatos descritos na denúncia, o artigo 41 do CPP dispõe que a
denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias …; à vista disso, verifica-se que as
circunstâncias dos fatos criminosos apresentadas na entrevista
coletiva condiz com as (circunstâncias) – referentes aos mesmos
fatos - contidas na denúncia. Há, in casu, similaridade e/ou
correspondência.

Daí o motivo pelo qual o órgão disciplinar de origem entendeu que os


reclamados expuseram

recursos visuais de 'PowerPoint' contendo ilustrações, resumos,


tabelas e elementos (ex. Acusados, tipos penais, pelas
relacionadas aos supostos ilícitos etc) que, efetivamente,
refletem dados que constam da peça acusatória protocolada
pela Força-Tarefa da Lava-Jato em 14.09.2016.
(…)
O que se percebe, na situação em análise, é que as declarações
dos Representados refletem, praticamente na integralidade, os
argumentos e os fatos contidos na denúncia que ensejou a
instauração da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000, já
recebida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, fls.
275/277.

De fato, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba recebeu a denúncia,


consignando na respectiva decisão que

Apesar da argumentação constante na primeira parte da


denúncia, o MPF não imputou, ao contrário do que se esperaria
da narrativa, ao ex-Presidente o crime de associação criminosa.
A omissão encontra justificativa plausível, pois esse fato está em
apuração perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal
(inquérito 3989), pois a suposta associação também envolveria
agentes que detêm foro por prerrogativa de função e em
relação ao ex-Presidente da República não teria havido
desmembramento quanto a este crime.
Os fatos, porém, não foram descritos gratuitamente, sendo
necessários para a caracterização das vantagens materiais
supostamente concedidas pelo Grupo OAS ao ex-Presidente da
República como propinas em crimes de corrupção e não meros
presentes, fls. 253.

Torna-se difícil ou até mesmo impraticável, então, para fins estrita e


exclusivamente disciplinares, considerar que houve abuso no
exercício de prerrogativa dos membros do Ministério Público pelo
teor de suas manifestações, quando o órgão do Poder Judiciário,
competente para processar e julgar a respectiva ação penal – pelo
menos até o presente momento -, recebeu a denúncia, reputando as
circunstâncias (dos fatos criminosos) nela expostas - e reproduzidas
na entrevista coletiva – como apropriadas.

Embora o Corregedor Nacional tenha adstrito sua análise à matéria


disciplinar, de sua competência, não há como cogitar a existência de responsabilidade
civil se não há violação disciplinar. Isso porque um pressuposto da responsabilidade
civil é a existência de ato ilícito, quando os órgãos apropriados para examinar a
regularidade funcional da conduta afirmaram textualmente a licitude da conduta e da
atuação, que se deu dentro dos estritos limites funcionais. Aliás, o que o órgão de
controle externo reconheceu é que a questão contra a qual se insurge o ex-presidente
diz respeito ao próprio mérito da demanda proposta contra ele.

7. Eventual impacto na imagem do ex-presidente decorreu não da


entrevista coletiva, mas dos crimes imputados e de uma série de
outras notícias não relacionadas à coletiva (DOCs 23 a 25)

Se a honra do ex-presidente foi abalada, isso não decorreu a entrevista


coletiva realizada – isto é, eventual dano não decorre da prestação de contas e da
informação concedida à sociedade num ambiente em que o dever de informar era ainda
mais relevante –, mas dos crimes a ele imputados, objeto da denúncia oferecida perante
a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, a qual foi apresentada na entrevista coletiva.
Além disso, como veremos, vários outros fatos e notícias, ao longo do tempo, geraram
impacto sobre a imagem do ex-presidente.
Conforme se demonstrou anteriormente e observou o Exmo. Corregedor
Nacional, a entrevista coletiva apenas reproduziu o teor da denúncia oferecida. A
realização da coletiva e o emprego de recursos visuais, ancorados no teor da peça
acusatória, seguiu a política de comunicação oficial do Ministério Público. Se a honra
do ex-presidente foi denegrida, isso foi feito pelo conteúdo da acusação, o que diz
respeito ao núcleo da função estatal do Ministério Público.
Se a entrevista coletiva tivesse por objetivo repassar informações neutras
ou elogiosas sobre o ex-presidente, e tivesse idêntico formato, nada se falaria de abalo
à reputação. Isso torna claro que eventual abalo na reputação decorre diretamente do
próprio conteúdo das acusações que foi espelhado de modo explicativo, didático e fiel
na entrevista coletiva.
Isso mostra que tanto a entrevista como o seu suporte visual constituem
meros veículos do conteúdo da denúncia. Se o ex-presidente reclama do caráter
desabonador desses veículos, na verdade está a se insurgir contra o caráter desabonador
do conteúdo veiculado, que é o conteúdo da peça acusatória.
Não é surpresa que uma denúncia criminal tenha impacto sobre a imagem
e honra do acusado. Contudo, a regra é que tramite de modo público, e não em segredo,
porque a publicidade sobre graves condutas em tese praticadas contra a sociedade é um
princípio que, na ponderação de normas constitucionais, sobrepõe-se. O mesmo
interesse público que justifica a publicidade da denúncia legitima também a realização
da entrevista coletiva, que pode vir acompanhada de suporte visual, o que nada mais
faz do que explicar de modo didático o teor da denúncia.
Em rápido parêntesis, nos termos do artigo 181 do Novo Código de
Processo Civil, aplicável ao processo penal (art. 3º do Código de Processo Penal), “o
membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir
com dolo ou fraude no exercício de suas funções”, o que evidentemente não ocorreu
nem no oferecimento da denúncia, nem na realização da entrevista coletiva20.

20 Trata-se, em última análise da proteção dos mesmos valores que são tutelados pela imunidade parlamentar
Convém, contudo, fazer outro raciocínio hipotético. Suponha-se que a
denúncia tivesse sido ofertada e na entrevista coletiva ocorresse simplesmente a sua
leitura na íntegra. A entrevista teria, nesse caso, um potencial idêntico de afetar a
imagem do ex-presidente, porque, no fundo, o impacto é causado pela própria
denúncia. Realmente, ela imputa o cometimento de crimes gravíssimos praticados,
segundo a acusação, em detrimento da sociedade brasileira. Isso, mais uma vez, revela
que, se há impacto à imagem do ex-presidente, ele não decorre da atuação do subscritor
na entrevista coletiva, como porta-voz da Força-Tarefa, e sim dos fatos praticados pelo
autor segundo a denúncia protocolada e em seguida recebida pela Justiça.
Em suma, se houve qualquer impacto à imagem do autor, ele decorreu dos
atos por ele praticados e não do regular exercício das funções pelo porta-voz e demais
integrantes da Força-Tarefa.
Admitir que o réu da ação criminal se valha da ação cível para “sancionar”
e “retaliar” o acusador, que exerce função e serviço públicos, abriria espaço para um
efeito cascata intimidatório nada desejável, que viria a inviabilizar a atividade do
Ministério Público em casos contra pessoas poderosas econômica e politicamente,
como a Lava Jato.
A manifestação do porta-voz na entrevista coletiva, na realidade, teve o
cuidado de buscar preservar, na medida do possível, a imagem do ex-presidente e de
seus correligionários, restringindo verbalmente a abrangência da acusação àquilo que
é, de fato, seu objeto. Nesse sentido, ressalvei expressamente no início daquele ato:

A corrupção no Brasil não é um problema de um partido A ou de um


partido B. A corrupção no Brasil não é problema de um governo A ou de um governo
B. Quando nós olhamos a história nós observamos que a corrupção é enraizada
historicamente e quando nós olhamos o momento presente nós vemos que ela é
sistêmica, ela é espalhada em vários níveis de governo federal, estadual e municipal.
Uma expressão dessa corrupção enraizada e sistêmica foi descoberta e comprovada
no caso Lava Jato (...).
O Ministério Público Federal não está julgando, aqui, quem Lula foi ou é
como pessoa. Não estamos julgando o quanto seu governo foi ou não foi bom ou o
quanto ele fez ou não fez pelo povo brasileiro. Não. O que o Ministério Público faz é

material, que é absoluta quando relacionada ao mandato. Tal imunidade pode e deve ser considerada um vetor
orientativo da interpretação da proteção dada a promotores e juízes.
imputar a ele a responsabilidade por crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro,
em um contexto específico, afirmando qual é a medida de sua responsabilidade com
base em evidências. A mesma ressalva se aplica em relação ao Partido dos
Trabalhadores: não se julga aqui a adequação de sua visão de mundo ou ideologia,
mas se avalia, sim, se a agremiação se envolveu, por meio de seus diversos prepostos,
em crimes específicos.

Agora, o que se deve notar, para além do fato de que eventual dano decorre
do conteúdo da denúncia e não da coletiva, é que inúmeros fatos, provas e denúncias
relacionados a crimes, ao longo de 2015 e 2016, impactaram negativamente a imagem
do ex-presidente – sem que eles tenham relação imediata com a execução da
questionada entrevista coletiva. A revelação de muitos fatos desabonadores decorreu
da própria atividade investigativa da imprensa, nem sempre com vínculo direto e
imediato com a atuação de agentes públicos. Isso foi objeto de uma análise sumária
pela Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República, consubstanciada no
DOC 26, que apontou alguns deles e sua repercussão. Essa análise objetiva revela que,
quanto à possível prática de crimes, não procede a alegação de que o ex-presidente
goza de imaculada reputação.
Observe-se que a Assessoria de Comunicação arrolou pelo menos 9 fatos
que impactaram negativamente a imagem do ex-presidente, no Brasil e no exterior,
sem relação direta com a entrevista coletiva – vários anteriores à coletiva ou sem
relação com a Lava Jato. Esses 9 fatos foram objeto de 205 notícias da imprensa,
arroladas de modo meramente exemplificativo no relatório, que destacou ainda 78
notícias internacionais, tudo sem relação com a entrevista coletiva. São eles:
 Notícias, desde 2010 e que se intensificaram em 2014, sobre a propriedade
oculta de Triplex no Guarujá, com reformas bancadas por empreiteira
investigada na Lava Jato (38 notícias)
 Investigações do Ministério Público do Estado de São Paulo sobre a compra da
cobertura tríplex (18 notícias)
 Propriedade de sítio em Atibaia que foi objeto de reformas pagas por empreiteira
investigada na Lava Jato (39 notícias)
 Investigação da Receita Federal apontando irregularidades em empresas
vinculadas ao ex-presidente, ou levantando suspeitas sobre a regularidade da
atuação do Instituto Lula e da empresa LILS Palestras (21 notícias)
 Operação Janus (sem relação com Lava Jato), da Polícia e Ministério Público
Federal em Brasília, e acusações relacionadas a vantagens indevidas recebidas
pelo ex-presidente para influenciar agentes públicos estrangeiros e agilizar
financiamentos no BNDES (15 notícias)
 Tentativa de nomeação do ex-presidente como ministro após a divulgação de
grampos que apontavam intuito de “blindar” o investigado, o que ganhou
destaque inclusive no noticiário internacional (21 notícias)
 Operação Zelotes (não derivada da Lava Jato), da Polícia e Ministério Público
Federal em Brasília, levantou suspeitas de tráfico de influência, lavagem de
dinheiro e organização criminosa em que o ex-presidente teria atuado para
favorecer empresa sueca que produz caças Gripen. Isso foi objeto de denúncia
criminal contra Luiz Inácio Lula da Silva, gerando ampla e continuada
repercussão. (22 notícias)
 Outras notícias sobre relação do ex-presidente com empresas e empreiteiras com
impacto negativo sobre imagem (7 notícias)
 Criação e aparição de boneco inflável “pixuleco” a partir de agosto de 2015, com
impacto negativo em imagem (24 notícias)
 Repercussão internacional das investigações contra o ex-presidente não
relacionadas diretamente à entrevista coletiva (78 notícias)
Diante de todo esse quadro, vê-se que o impacto sobre a imagem do ex-
presidente foi causado por uma série de fatos e investigações (da Justiça Federal de
Curitiba e de Brasília, da Justiça Estadual de São Paulo, do Supremo Tribunal Federal
e da própria imprensa), que revelaram fatos e provas desabonadores. Dentro de dezenas
de atos públicos de uma dessas investigações, está a denúncia apresentada. Deve-se
ressaltar que a ação penal ajuizada contra o ex-presidente tem natureza pública, sendo
a publicidade a regra nesse tipo de situação. Já a realização da entrevista coletiva, por
sua vez, foi apenas um veículo de divulgação do teor da denúncia, a qual é parte dos
atos públicos da investigação de Curitiba, investigação essa que por sua vez é uma
pequena parte do conjunto de apurações que tramitam em Curitiba e em várias outras
instâncias judiciais e de controle social, e que integra o exercício regular das funções
de agentes públicos incumbidos de oferecer acusações penais quando formada a opinio
delicti.

8. Descabimento da demanda debaixo do rule of law

É parte da própria ideia do Estado de Direito, em que a lei impera, a


existência de um a estrutura que busca a aplicação das sanções lei, de law enforcement.
Assim, a acusação de crimes faz parte da implementação do rule of law, o governo da
lei. A função de acusar rotineiramente pessoas pela prática de violações, contudo,
ficaria inviabilizada se o acusador estivesse exposto pessoalmente a sanções por parte
dos acusados. Não há, portanto, Estado de Direito sem que o Estado proteja o acusador
contra retaliações, intimidações e ações judiciais dos seus acusados.
Essa foi uma das importantes razões que levou a Suprema Corte norte-
americana, no caso Imbler v. Pachtman (424 US 409 (1976)) – DOC 18, a garantir
imunidade absoluta para promotores contra ações cíveis, conforme mencionado acima.
Sem a imunidade, o tribunal entendeu que o promotor não ficaria livre para agir, seria
objeto de retaliações e ainda se veria obrigado a direcionar seus esforços para a própria
defesa, em detrimento do serviço público a prestar.
Foi pelo mesmo motivo que o artigo 181 do Novo Código de Processo
Civil, aplicável ao processo penal (art. 3º do Código de Processo Penal), estipula que
o membro do Ministério Público só responde civilmente de modo regressivo e se agir
com dolo ou fraude. A denúncia não fez, note-se, nenhuma afirmação sem amparo em
provas, mendaz ou que distorcesse a realidade, tanto que foi admitida integralmente
pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
Em representação oferecida pelo ex-presidente contra procuradores da
Lava Jato, insurgindo-se contra a divulgação pela imprensa de manifestações em autos
públicos e contra suposta antecipação de juízos de valor, o Conselho Nacional do
Ministério Público reconheceu que se trata, “em última análise, de reconhecer aqui o
livre exercício da atividade-fim, para a qual não há controle disciplinar, a menos que
praticada com intuito claramente abusivo, do que não se tem indícios” (cf. DOC 7).
A proteção do rule of law moveu também o procurador-geral da República
Rodrigo Janot a se manifestar como segue, quando tomou conhecimento da propositura
pelo ex-presidente desta ação de indenização (DOC 21, grifos nossos):
A ação de reparação por danos morais contra um único procurador,
quando a apresentação da denúncia foi feita por um grupo de 13 integrantes da força-
tarefa, revela uma tentativa de isolar um dos procuradores do grupo, para facilitar o
ataque e enfraquecer a defesa. Contudo, o ataque a um membro do Ministério
Público no exercício da função é um ataque a todo o Ministério Público.
O processo contra Deltan Dallagnol é uma retaliação e mais uma
tentativa de intimidação contra procuradores que têm agido de modo
profissional, impessoal, equilibrado e responsável. Tenho plena confiança que o
Judiciário não dará guarida a atitudes infundadas contra membros do Ministério
Público em virtude de seu trabalho.
A força-tarefa Lava Jato se colocou corajosamente diante de pessoas com
grande poder econômico e político, expondo o maior esquema já montado para
desviar dinheiro público da história de nosso país. Ela foi constituída pelo procurador-
geral da República, tem o meu apoio e atua em cooperação com o grupo de trabalho
formado aqui.
Num Estado de Direito, aquele que exerce a função da persecução
criminal, em favor do interesse público, precisa ser protegido da retaliação dos
acusados. Só assim teremos o império da lei. Ou é isso, ou se inviabilizará a
atividade de responsabilizar os criminosos do círculo do poder.

De fato, deixar desprotegidos os agentes púbicos tornaria a tarefa de


processar criminosos do colarinho branco uma aventura ingrata. O medo estimularia,
de modo avesso ao desejo republicano, um tratamento mais cauteloso e benéfico a
mandatários, políticos, grandes empresários e outras pessoas poderosas econômica ou
politicamente.

9. Absoluta desproporcionalidade do valor pedido

Além de totalmente descabida a ação, o valor do pedido é absurdamente


desproporcional e absolutamente incompatível com os rendimentos do subscritor e com
as circunstâncias do caso.
De fato, se o subscritor for capaz de economizar 10% de seus subsídios,
descontados imposto de renda e contribuição previdenciária, para pagar virtual
condenação, seriam necessários mais de 50 anos de trabalho para pagar o montante da
indenização e dos honorários pleiteados (1,2 milhão de reais), sem contar correção
monetária e juros – com eles, talvez fosse necessário trabalhar duas vidas. Ainda que
o subscritor fizesse um esforço para destinar 20% dos subsídios líquidos, em
detrimento de sua família e filhos que se encontram na primeira infância, ainda assim
seriam 25 anos de trabalho. Se o subscritor dedicasse todo o subsídio líquido,
integralmente, ao ex-presidente, seriam mais de 5 anos de trabalho exclusivamente para
pagar o que é requerido.
Ainda sob o aspecto punitivo, Luiz Inácio Lula da Silva, na petição inicial,
buscou tomar como referência para a ação de ressarcimento casos de ações de
indenização contra veículos jornalísticos. Contudo, o montante das condenações,
naquelas hipóteses, toma em conta que um jornal lucra com suas notícias, inclusive
difamatórias. Além disso, na situação de veículos de imprensa, leva-se em
consideração a necessidade de afastar preventivamente, mediante a fixação de uma
indenização significativa, a tentação de lucro jornalístico às custas da honra alheia.
Nada disso se aplica à situação do signatário.
Pelo prisma compensatório, como explicitado anteriormente, o aspecto da
honra de Luiz Inácio Lula da Silva que diz respeito à (in)existência de investigações e
processos criminais foi, desde 2015, objeto de intensa depreciação, em razão da
publicidade de várias apurações relacionadas a diferentes foros judiciais e até da
imprensa – cf. DOC 26. Além disso, inexistente a coletiva, mas sim a denúncia, ou
ainda caso a coletiva fosse realizada de modo diferente, mediante simples leitura da
peça acusatória, haveria idêntico dano à imagem do ex-presidente, o que é uma
decorrência do princípio da publicidade. Assim, também não se vê sentido no montante
pedido de indenização para fins compensatórios.
Atuar num caso como a Lava Jato, ao longo dos seus três anos de
existência, implica uma série de ônus, de caráter pessoal decorrente do acúmulo de
trabalho, de segurança em função dos riscos do caso e ainda financeiros. A Lava Jato
se revelou um caso totalmente peculiar e diferente de tudo que se viu até então. Muitas
decisões tomadas não tinham situações similares precedentes que pudessem guiar
comportamentos.
Expor a ações cíveis os agentes públicos, que atuaram na fronteira do que
é novidade, os quais seguiram recomendações institucionais de profissionais
habilitados de comunicação, dentro dessas circunstâncias, seria injusto no caso
concreto e uma péssima política pública, passando uma clara mensagem negativa a
promotores e juízes no sentido de que devem evitar novos desafios e enfrentar grandes
interesses.

10. Conclusão

Em resumo, este relatório informou (nos itens desta peça de números


correspondentes aos itens abaixo) que:
1. O objetivo da entrevista coletiva foi de informar a sociedade, dar transparência
à atividade do MP e prestar contas à população, dentro de um contexto social e
do caso Lava Jato que demandava uma explicação mais detalhada das acusações
contra o ex-presidente, adotando-se o modelo de entrevista coletiva com apoio
visual conforme feito em diversas outras ocasiões na operação e recomendado
pelos órgãos de comunicação do MPF;
2. A investigação que resultou na denúncia contra o ex-presidente se desenvolveu
de modo regular, ao longo de quase um ano, período em que o próprio STF
assentou a competência da Justiça Federal de Curitiba e em que foram colhidas
inúmeras provas, resultando em denúncia pelos crimes de corrupção (R$ 87
milhões) e lavagem de dinheiro (R$ 3,6 milhões);
3. A ação de indenização do ex-presidente deve ser compreendida no contexto de
iniciativas intimidatórias contra agentes públicos da Justiça, o Ministério
Público e a Polícia Federal, que incluíram várias representações, ação criminal
e ações de indenização;
4. A ação é insubsistente em seus diversos pontos, pois:
4.1. Não foram usados vocábulos pejorativos, difamatórios, grosseiros ou
ofensivos, mas sim figuras de linguagem (analogias) de conteúdo
explanatório que guarda relação de pertinência lógica com os fatos imputados
e provas apresentadas. O que tem impacto negativo na imagem do ex-
presidente são os crimes imputados, os quais o foram na presença de justa
causa reconhecida pelo Judiciário;
4.2. Apesar de o crime de organização criminosa estar sob jurisdição do
Supremo, a descrição do papel do ex-presidente no esquema criminoso foi
necessária e pertinente no contexto da imputação da autoria da corrupção e
para a própria demonstração que os valores que lhe foram destinados não
eram presentes, mas sim propinas, o que caracteriza crimes sob a jurisdição
da Justiça Federal de Curitiba. A apresentação das circunstâncias que
envolveram os crimes se deu nesse contexto e reproduziu de modo fiel o teor
da denúncia. A necessidade da explicação feita é ditada pelo art. 41 do
Código de Processo Penal e foi reconhecida na própria decisão que recebeu
a denúncia. Isso mostra que a exposição feita tinha por objetivo informar o
conteúdo da denúncia, e não prejudicar a imagem do ex-presidente. Assim,
não houve atuação sem atribuição/competência e, consequentemente, não há
que se cogitar do invocado abuso de autoridade, caindo o fundamento central
da ação de indenização. A irresignação do ex-presidente, mais uma vez,
parece uma reclamação contra o teor da denúncia subscrita por 13
procuradores e recebida pela Justiça. De qualquer modo, só se poderia cogitar
de responsabilidade de membro do MP se houvesse dolo ou fraude (art. 181
do CPC c/c art. 3º do CPP), o que não se cogita.
4.3. O esquema gráfico apresentado é retrato fiel, embora didático e sumário,
do conteúdo da denúncia, e tem amparo técnico no conceito de convergência
de provas indiciárias e diretas, reconhecido pela doutrina jurídica, que a
distingue de indícios concorrentes em virtude da unidirecionalidade. É tal
conceito que embasou a ideia dos círculos com setas convergentes,
mostrando a força do conjunto de provas indiciárias e diretas. Foi
apresentada, ainda, a correspondência entre o tema/conteúdo de cada círculo
e itens da denúncia relacionados, demonstrando que os círculos traduzem
apenas o conteúdo da própria denúncia, de forma gráfica. Por isso, os círculos
não têm impacto negativo sobre a imagem do ex-presidente que extravase o
teor da própria acusação.
4.4. O emprego de slides, imagens e gráficos por meio de powerpoint seguiu
diretriz oficial dos órgãos de comunicação do MPF para a Lava Jato e outros
casos de repercussão no país, assim como uma prática comum nas diversas
procuradorias, conforme comprovam relatórios produzidos pela Assessoria
local e Secretaria Nacional de Comunicação (DOCs 1, 2 e 15, cuja leitura é
importante para compreensão do contexto). O anúncio da entrevista coletiva
seguiu o padrão de outras e não mencionou o objeto (DOC 14). Nos EUA,
diferentemente do que quis fazer crer o ex-presidente, o emprego de
powerpoint é uma prática rotineira. O precedente invocado pelo ex-
presidente não trata disso e não é da Suprema Corte norte-americana, ao
contrário do que buscou dar a entender o ex-presidente. Foram colacionados
outros precedentes que mostram isso. Nos EUA, aliás, seria inadmissível esta
ação de indenização, porque se entende que a imunidade cível absoluta dos
promotores é essencial para o bom desempenho de sua função e porque só se
admite difamação de pessoas públicas quando comprovada verdadeira
malícia.
4.5. A referência ao Mensalão se deu a título probatório, e não a título de
imputação, conforme dito de modo expresso na coletiva. Além disso, no
ponto, mais uma vez, a coletiva apenas reproduziu o teor da denúncia.
4.6. A entrevista coletiva atendeu a Recomendação 39/2016 do CNMP,
embora ainda não estivesse vigente, porque: a divulgação se deu sobre fatos
públicos e só após o encerramento das apurações e a propositura da denúncia;
a denúncia não foi apresentada como decisão ou julgamento, ressaltando-se
em diversos momentos que os fatos estavam sendo “imputados” e eram
objeto de “acusação” ou “denúncia, jamais de “sentença”, “condenação” ou
“julgamento”; e era de interesse público a divulgação;
5. Apreciando representação com fundamentos similares, a E. Corregedoria Geral
do MPF concluiu não haver descumprimento dos deveres do cargo, ressaltando
que “as declarações dos Representados refletem, praticamente na integralidade,
os argumentos e os fatos contidos na denúncia”. Observou também que a
realização de coletivas para casos paradigmáticos é uma orientação institucional.
O Exmo. Corregedor bem ressaltou ainda que em nosso Direito não caberia a
responsabilização dos procuradores, sob pena de se ferir a independência da
atuação do MP, de modo similar ao que ocorreria com magistrados: “a
discordância com a convicção externada pelo Ministério Público e que expressa
o livre exercício de sua atividade funcional, não pode ser confundida com a
intenção gratuita de causar dano à imagem do acusado, ou algum outro tipo de
mal considerado injusto. Tais efeitos são inerentes à atividade acusatória e não
se pode debitá-los à atuação de quem o Estado encarregou apenas de executá-la.
É, por isso, que também não geram a responsabilidade pessoal desse mesmo
agente, quando atua de forma independente e sem a influência de motivos
incompatíveis com a função que exerce, mesmo que equivocado em seu
posicionamento. Não fosse assim, não se arriscariam, os membros do Ministério
Público, em iniciativas não controláveis quanto a possíveis punições de ordem
disciplinar ou mesmo sanções de outra natureza.”
6. A Corregedoria Nacional do CNMP, na esteira da Corregedoria Geral do MPF,
rejeitou representação similar, entendendo que a atuação atendeu às normas que
regulam os deveres do cargo e que houve “similaridade e/ou correspondência”
entre as afirmações da coletiva e o conteúdo da denúncia. Para o Exmo.
Corregedor Nacional, se o próprio juiz do caso entendeu apropriada a descrição
da denúncia, é “impraticável” apontar qualquer “abuso”.
7. Eventual impacto à imagem do ex-presidente não decorreu da entrevista coletiva
realizada, mas sim dos crimes a ele imputados e que foram objeto da denúncia.
A coletiva e seu apoio visual apenas reproduziu a denúncia de modo didático e
explicativo. Não houve qualquer dolo ou fraude a ensejar responsabilização (art.
181 do CPC c/c 3º do CPP). Além disso, a título exemplificativo, a Assessoria
de Comunicação arrolou, em relatório, 205 notícias relativas a 9 outros fatos
desabonadores da imagem do ex-presidente, os quais não tinham relação direta
com a realização da coletiva, destacando ainda 78 notícias no âmbito
internacional. Tais fatos estão relacionados a outras linhas de investigação
desenvolvidas na Justiça Federal de Curitiba e de Brasília (nesta última, nas
operações Zelotes e Janus), na Justiça do Estado de São Paulo, no Supremo
Tribunal Federal, assim como a outros fatos sociais e investigações da imprensa.
8. Sem aplicação da lei e acusações criminais, não há Estado de Direito, o rule of
law. Contudo, a função de acusar ficaria inviabilizada se aquele que tem por
função profissional rotineiramente acusar crimes ficar exposto a retaliações,
intimidações e ações judiciais de acusados. Nesse sentido está a legislação
brasileira (art. 181 do CPC c/c art. 3º CPP), o precedente vinculante da Suprema
Corte norte-americana Imbler v. Pachtman e alertou o Exmo. procurador-geral
da República Rodrigo Janot: “o ataque a um membro do Ministério Público no
exercício da função é um ataque a todo o Ministério Público. O processo contra
Deltan Dallagnol é uma retaliação e mais uma tentativa de intimidação”.
Prosseguiu afirmando que “num Estado de Direito, aquele que exerce a função
de persecução criminal, em favor do interesse público, precisa ser protegido da
retaliação dos acusados. Só assim teremos o império da lei. Ou é isso, ou se
inviabilizará a atividade de responsabilizar os criminosos do círculo do poder”.
9. Por fim, além de totalmente descabida a ação, o pedido é absolutamente
desproporcional. Os R$ 1,2 milhão pedidos a título de ressarcimento e
honorários, sem correção, exigiriam 10% do subsídio líquido do subscritor por
50 anos, 20% por 25 anos ou ainda a integralidade do que ganha de subsídios
por mais de 5 anos. Precedentes relativos à imprensa não se aplicam porque
situação é distinta, buscando-se por meio de sanção monetária retirar o estímulo
à obtenção de lucro às custas da reputação alheia. No caso, o subscritor não só
nada lucrou, mas teve uma série de ônus pessoais na Lava Jato. Sancionar quem
atua na fronteira da novidade, seguindo recomendações institucionais de
profissionais de comunicação, seria não só injusto, mas também desestimularia
promotores e juízes a enfrentar desafios e interesses de poderosos.

Dito tudo isso, ação de indenização apresentada por Luiz Inácio Lula da
Silva ataca diretamente atos praticados pelo subscritor no estrito exercício das
atribuições constitucionais e legais, inserindo-se no mérito da atividade finalística do
Ministério Público. Mais ainda, trata-se de tentativa de interferir na atividade-fim, que
já foi inclusive judicializada. Não se pode admitir que, num Estado de Direito, o
acusador fique sujeito a intimidação ou retaliação dos próprios acusados, sob pena de
se inibir o próprio “rule of law”.

Ressalto que me coloco à disposição para qualquer esclarecimento


adicional que se faça necessário.

Curitiba-PR, 25 de fevereiro de 2017.

________________________________
Deltan Martinazzo Dallagnol
Procurador da República
ANEXO 02
Força Tarefa Lava Jato deflagra 26ª fase, com a execução de novos mandados de
prisão, busca e apreensão e condução coercitiva

A pedido do MPF e da PF, a 13ª Vara de Curitiba determinou prisões, buscas e


conduções coercitivas para apurar a existência de estrutura paralela no Grupo Odebrecht
implementada especificamente para o pagamento de propina

Estão sendo cumpridos, nesta terça feira, 22 de março, mandados de busca e apreensão
e de condução coercitiva para aprofundar a investigação de possíveis crimes de
organização criminosa, corrupção e lavagem de ativos oriundos de desvios da Petrobras,
cometidos por empresários e profissionais ligados ao Grupo Odebrecht.

Em decorrência das buscas e apreensões e de outras diligências realizadas após a


deflagração da 23ª fase da Operação Lava Jato, colheram-se indícios de que foi
implementado dentro da estrutura do Grupo Odebrecht um setor especificamente
estruturado para o pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos em razão de
contratos firmados pela Odebrecht. Apurou-se que as tratativas acerca dos pagamentos
de vantagens indevidas se estenderam até, pelo menos, novembro de 2015, conforme
comprovado por troca de e-mails entre os investigados.

De acordo com as evidências surgidas, este setor se destinava exclusivamente a


atividades ilícitas realizadas em favor da empresa. Para operacionalizar o esquema ilícito,
foi instalado dentro do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht um sistema
informatizado próprio e exclusivamente utilizado para armazenar os dados referentes às
vantagens indevidas e para permitir a comunicação apenas entre os empresários e
funcionários envolvidos nas tarefas ilícitas.

Para operacionalizar a atividade ilícita, tanto os funcionários da Odebrecht quanto os


empresários e doleiros responsáveis por movimentar os recursos espúrios se
comunicavam por meio de codinomes e faziam uso de e-mail e sistema informatizado
instalado especificamente para tal fim: o sistema chamado MyWebDay.

Conforme provas angariadas até o presente momento, faziam parte deste setor
responsável pela operacionalização do pagamento de propina os seguintes investigados:
Hilberto Mascarenhas Alves Silva Filho, Fernando Migliaccio da Silva, Luiz Eduardo da
Rocha Soares, Angela Ferreira Palmeira, Alyne Nasciment Borazo, Isaias Ubiraci Chaves
Santos, Maria Lúcia Tavares, Marcelo Rodrigues, Olívio Rodrigues Junior.

A partir da análise de e-mails e planilhas apreendidas, apurou-se que Diretores de outros


setores do Grupo Odebrecht encaminhavam a estes funcionários as diversas solicitações
de pagamento de vantagens indevidas, de forma que a contabilidade paralela e a entrega
dos valores espúrios ficassem centralizados nesta estrutura específica.

Nesse sentido, foram identificadas, por exemplo, pedidos de pagamento de propina pelos
seguintes Diretores da Odebrecht: i) Roberto Prisco Paraíso Ramos (Chefe da Odebrecht
Óleo e Gás); ii) Paul Elie Altit (chefe da Odebrecht Realizações Imobiliárias); iii) Fernando
Luiz Ayres da Cunha Santos Reis (Chefe da Odebrecht Ambiental); iv) Benedicto Barbosa
Júnior (chefe da Odebrecht Infraestrutura), v) João Alberto Lovera(executivo da Odebrecht
Realizações Imobiliárias); vi) Antônio Carlos Daiha Blando (Diretor Superintendente da

Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010


Fone (41) 3219-8700 – Fax (41) 3219-8843
Odebrecht Infraestrutura - África, Emirados Árabes e Portugal, em Angola); vii) Alexandre
Biselli (Diretor do Contrato do Canal do Sertão pela Odebrecht); vii)Carlos José Vieira
Machado da Cunha (Diretor Superintendente da Supervias, na Odebrecht Transport); ix)
Ricardo Ferraz (Diretor de contrato da Odebrecht Infraestrutura); x) Nilton Coelho de
Andrade Júnior (Diretor de contrato da Odebrecht Infraestrutura, responsável por obras da
extensão do Trensurb, no Rio Grande do Sul); xi) Antônio Roberto Gavioli (Diretor de
contrato da Odebrecht Infraestrutura); xii) Luciano Cruz(Diretor Financeiro da Odebrecht
Estrutura); xiii) Flávio de Bento Faria (ex-Diretor da Odebrecht na Argentina);xiv) Fábio
Andreani Gandolfo (Diretor Superintendente da Odebrecht Infraestrutura no Rio de
Janeiro).

Além disso, a partir das planilhas obtidas e das anotações contidas em seu celular
apreendido, obtiveram-se evidências de que Marcelo Odebrecht, então Presidente da
Organização Odebrecht, não apenas tinha conhecimento e anuía com os pagamentos
ilícitos, mas também comandava diretamente o pagamento de algumas vantagens
indevidas, como, por exemplo, as vantagens indevidas repassadas aos publicitários
também investigados Monica Moura e João Santana.

Outrossim, dentre as planilhas apreendidas, constatou-se a indicação de endereços de


entrega de valores e dos destinatários de tais entregas. Neste contexto, as medidas
investigatórias determinadas nesta fase visam também a promover a completa
identificação dos destinatários e a obter outras provas acerca dos pagamentos ilícitos.

Rua Marechal Deodoro, 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010


Fone (41) 3219-8700 – Fax (41) 3 219-8844
ANEXO 03

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