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CAPITULO | ORALIDADE E LETRAMENTO' 1. Oralidade e letramento como praticas sociais Hoje, é impossivel investigar oralidade ¢ letramento® sem uma referéncia direta ao papel dessas duas priticas na civilizagio contemporinea. De igual modo, ja nao se podem observar satisfatoriamente as semelhangas e diferengas entre fala e escrita (0 contraponto formal das duas praticas acima nomeadas) sem considerar a distribuigio de seus usos na vida cotidiana. Assim, fica dificil, se nao impossivel, o tratamento das relagGes entre estas tiltimas, centrando-se exclusivamente no cédigo. Mais do que uma simples mudanga de perspectiva, isto representa a construgiio de um novo objeto de andlise e uma nova concep- gio de lingua e de texto, agora vistos como um conjunto de praticas sociais. 1. Originalmente, o texto deste primeiro capitulo foi apresentado como conferéncia de abertura no It Encontro Franco-Brasileiro de Ensino de Lingua, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Na~ tal, em outubro de 1995, sob o titulo de Oralidade e Escrita. Posteriormente, em versio ligei ficada, apareceu na revista Signdtica 8 (1997) do Curso de Pés-Graduagio em Letras € versidade Federal de Goids. Aqui, ele surge em versio revista © ampliada em varios pontos centrais, 2. Brian V. Strect (1995: 2) sugere que se use essa expressio no plural, jé que © que temos sao diferentes priticas de letramentos € nao 0 letramento no singular. O proprio titulo do livro de Street, Letramentos Sociais (Social Literacies), € uma tentativa do autor de frisar a “natureza social do letramento’ €“o cariter miiltiplo das priticas de letramento”. De fato, Street defende a posigao de que nao se pode confundir as diversas manifestagdes sociais do letramento com escrita como tal, pois esta no passaria de uuma das formas de letramento, ou seja, 0 letramento pedagdgico. Quanto aos letramentos, eles se manifes- tam come eventos em que a escrita, a campreensio ¢ a interagio se acham integralmente imbricadas ustrativo para estas questdes € o proveitoso trabalho de Angela Kleiman (1995a) com uma abordagem das efinigdes e perspectivas de ansilise da nogio de learamento. 16 DA FALA PARA A ESCRITA Esta mudanga de visio operou-se a partir dos anos 80, em reagao aos estu- dos das trés décadas anteriores em que se examinavam a oralidade e a escrita como opostas, predominando a nogao da supremacia cognitiva da escrita dentro do que Street (1984) chamou de “paradigma da autonomia”’ Considerava-se a relagao oralidade e letramento como dicotémica, atribuindo-se 4 escrita valores coghitivos intrinsecos no uso da lingua, nfo se vendo nelas duas praticas so- ciais. Hoje, como se verd adiante, predomina a posigao de que se pode conceber oralidade e letramento como atividades interativas e complementares no con- texto das praticas sociais e culturais. Uma vez adotada a posicao de que lidamos com praticas de letramentos e oralidade, serd fundamental considerar que as Iinguas se fundam em usos € niio ocontrario. Assim, nao serao primeiramente as regras da lingua nema morfologia os merecedores de nossa atengdo, mas os usos da lingua, pois o que determina a variagio lingiiistica em todas as suas manifestagées siio os usos que fazemos da lingua. Sao as formas que se adequam aos usos ¢ nao o inverso, Pouco importa que a faculdade da linguagem seja um fendmeno inaio, universal e igual para todos, & moda de um érgio como 0 coragiio, o figado e as amigdalas, o que importa é 0 que nds fazemos com esta capacidade. E isto que nés fazemos sera 0 objeto central de nossa investigagio neste momento. Trata-se de uma andlise de usos e praticas sociais e niio de formas abstratas. Estas, as formas, estario sendo analisadas a servigo daqueles, os usos, ¢ nao 0 contrario. O letramento (literacy), enquanto pratica social formalmente ligada ao uso da escrita, tem uma histéria rica e multifacetada (nao-linear e cheia de con- tradigdes), ainda por ser esclarecida, como lembra Graff (1995). Numa socieda- de como a nossa, a escrita, enquanto manifestagiio formal dos diversos tipos de fetramento, é mais do que uma tecnologia, Ela se tornou um bem social indis- _pensdyel para enfrentar o dia-a-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode ser vista como essencial & propria sobrevivéncia no mundo moderno. Nao por virtudes que lhe sio imanentes, mas pela forma como se impés ¢ a violéncia com que penetrou nas sociedades modernas ¢ impregnou as 3. 0 outro paradigma identificado por Street (1984) é 0 “ideoldgico”, que busca idemtficar as rela- ‘gBes de poder ¢ assimetrias sociais bascadas no dominio/predominio da cultura escrita. Este paradigma nao supera a dicotomia, mas analisa-a dentro de uma perspectiva mais complexa, dando a ideologia um papel importante. Sobre a questo, veja-se a exposigao de A. Kleiman (1995a). 4, Neste caso poderiamos usar com propriedade a expressio “alfabetizacdo”, mas ao mesmo tempo em que seria mais correto, seria redutor pelo fato de aqui estarmos considerando mais aspectos do que apenas a alfabetizagao formal e pedagogicamente realizada, Para uma excelente exposigaio sobre as mais Variadas questoes envolvidas no estudo e na caracterizagio dos fendmenos do letramento e da sua relagao com a alfabetizagao, aconselho a leitura do livro de Magda B. Soares (1998), Letramiento. Um Tema em Tres Géneros. Igualmente interessantes, neste caso, so 0s trabalhos editados por Kleiman (1995) na obra Os Significados do Letramento: Uma Nova Perspeetiva sobre a Pratica Social da Escrita ORALIDADE E LETRAMENTO 7 a : ‘ ; culturas de um modo geral. Por isso, friso que ela se tornow indispensavel, ou / seja, sua pritica e avaliagdo social a elevaram a um status mais alto, chegando a | simbolizar educagao, desenvolvimento e poder. Nao obstante isso, sob 0 ponto de vista mais central da realidade humana, seria possivel definir 0 homem como um ser que fala ¢ ndo como um ser que escreve. Entretanto, isto nao significa que a oralidade seja superior a escrita, nem traduz a convicgiio, hoje tao generalizada quanto equivocada, de que a escrita é derivada e a fala é primaria. A escrita nao pode ser tida como uma representagao da fala, como se verd adiante. Em parte, porque a escrita nao consegue reproduzir muitos dos fenémenos da oralidade, tais como a prosédia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos olhos, entre outros. Em contrapartida, a escrita apresenta elementos significativos proprios, ausentes na fala, tais como o tamanho e tipo de letras, cores e formatos, elementos pictor cos, que operam como gestos, mimica e prosédia graficamente representados. Oralidade e escrita sao praticas e usos da lingua com caracteristicas proprias, mas nao suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas lingiiisticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construgio de textos coesos e coeren- tes, ambas permitem a elaboragio de raciocinios abstratos e exposigdes formais e informais, variagGes estilisticas, sociais, dialetais e assim por diante. As limi- tages e os alcances de cada uma estio dados pelo potencial do meio basico de sua realizagao: som de um lado e grafia de outro, embora elas nao se limitem a som e grafia, como acabamos de ver. Em suma, eficécia comunicativa e poten- cial cognitivo nao so vetores relevantes para distinguir oralidade e escrita, de modo que a tese da grande virada’ cognitiva que a escrita, de modo especial a escrita alfabética, representaria com seu surgimento na humanidade, ndo passa de um mito jé superado. Se é bem verdade que todos os povos, indistintamente, tém ou tiveram uma tradicio oral, mas relativamente poucos tiveram ou tém uma tradigio escri- ta, isto ndo torna a oralidade mais importante ou prestigiosa que a escrita. Trata- se apenas de perceber que a oralidade tem uma “primazia cronolégica” indis- cutivel sobre a escrita (cf. Stubbs, 1980). Os usos da escrita, no entanto, quando arraigados numa dada sociedade, impdem-se com uma violéncia inusitada ¢ adquirem um valor social até superior & oralidade. 5. Tese postulada especialmente por Walter Ong [1982), cuja obra se acha agora em portugués sob 0 titulo Oralidade e Cultura Escrita. A Tecnologizagdo da Palavra (1998), ¢ também Jack Goody [1977] traduzido para 0 portugues sob o titulo Domesticagao do Pensamento Selvagem (1988), ambos tidos como tipicos representantes da tese da “grande virada’ cognitiva representada pela introdugiio da escrita. Para esses autores, nosso grau de desenvolvimento tecnol6gico ¢ nossa eapacidade de raciocinio formal seriam impensdveis sem a escrita. Evidentemente, essas teses ndo so mais sustentiveis hoje. Os prdprios autores deixaram-nas de lado, Aostpe doe 18 DA FALA PARA A ESCRITA Contudo, mais urgente (e relevante) do que identificar primazias ou supre- macias entre oralidade e letramentos, e até mesmo mais importante do que ob- servar oralidade e letramentos como simples modos de uso da lingua, € a tarefa de esclarecer a natureza das priticas sociais que envolvem o uso da lingua (es- crita e falada) de um modo geral. Essas praticas determinam o lugar, o papel e 0 grau de relevancia da oralidade e das praticas do letramento numa sociedade e justificam que a questo da relagao entre ambos seja posta no eixo de um conti- nuo sécio-histérico de praticas. Este continuo poderia ser traduzido em outras imagens, por exemplo, na forma de uma gradagio ou de uma mesclagem.° Tudo dependerd do ponto de vista observado e das realidades comparadas. Veja-se hoje a questio tio discutida das comunicagées escritas ditas “sincronas”, ou seja, em tempo real pela Internet, produzidas nos famosos bate- papos.’ Temos aqui um modo de comunicagio com caracteristicas tipicas da oralidade e da escrita, constituindo-se, esse género comunicativo, como um tex- to misto situado no entrecruzamento de fala e escrita. Assim, algumas das pro- priedades até ha pouco atribuidas com exclusividade d fala, tal como a simult neidade temporal, j4 sio tecnologicamente possiveis na pratica da escrita a dis- tincia, com 0 uso do computador. Este “escrever” tem até uma designagao pro- pria: “teclar”; tal é a consciéncia da “novidade”. No meu entender, a mudanga mais notavel aqui nao diz respeito as formas textuais em si, mas sim A nossa relagdo com a escrita. Escrever pelo computador no contexto da produgdo discursiva dos bate-papos sincronos (on-line) é uma nova forma de nos relacio- narmos com a escrita, mas ndo propriamente uma nova forma de escrita. A fala (enquanto manifestagao da pratica oral) é adquirida naturalmente em contextos informais do dia-a-dia e nas relagdes sociais e dialégicas que se instauram desde 0 momento em que a mae da seu primeiro sorriso ao bebé. Mais do que a decorréncia de uma disposicao biogenética, 0 aprendizado e 0 uso de uma lingua natural é uma forma de insergao cultural e de socializagao. Por outro lado, a escrita (enquanto manifestagao formal do letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na escola. Daf também seu ca- réter mais prestigioso como bem cultural desejével. Daf também o fato de uma certa identificagao entre alfabetizagao e escolarizagado, o que nao passa de um 6, Heath (1983) mostrou, no estudo sobre eventos de letramento, que havia situagdes em que se mesclavam agdes orais com atividades escritas, como nas leituras e respostas coletivas de cartas pessoais em familia. As cartas eram lidas em voz alta, discutidas em grupo ¢ respondidias eoletivamente. A escrita tornava-se aqui um evento mesclado pela oralidade ¢ produzido em autoria coletiva. B das priticas de letramento mostra a inviabilidade de imaginar a escrita como um fer suas formas de manifestagio. 7. Sobre o tema, lembraria aqui o recente trabalho de José Gaston Hilgest (2000), trugiio do texto “fatado' por eserito: a conversacao na internet”. ORALIDADE E LETRAMENTO 19 equivoco (cf. Graff, 1995 ¢ Frago, 1993), pois houve situagées histéricas, tal como 0 caso da Suécia, em que a alfabetizacio se deu desvinculada da escolarizagio. 2. Presenga da oralidade e da escrita na sociedade Quanto a presenga da escrita, pode-se dizer que, mesmo criada pelo enge- nho humano tardiamente em relagio ao surgimento da oralidade, ela permeia hoje quase todas as praticas sociais dos povos em que penetrou. Até mesmo os analfabetos, em sociedades com escrita, estio sob a influéncia do que contemporaneamente se convencionou chamar de prdticas de letramento, isto um tipo de processo hist6rico ¢ social que no se confunde com a realidade representada pela alfabetizacdo regular e institucional lembrada ha pouco. Fri- sando mais uma vez 0 que dizia Street (1995), deve-se ter imenso cuidado dian- te da tendéncia A escolarizagao do letramento, que sofre de um mal crdnico ao supor que $6 existe um letramento. O letramento nao é 0 equivalente 4 aquisigao da escrita. Existem “letramentos sociais” que surgem e se desenvolvem a mar- gem da escola, no precisando por isso serem depreciados. Aescrita € usada em contextos sociais basicos da vida cotidiana, em para- lelo direto com a oralidade. Estes contextos sao, entre outros: * otrabalho * aescola * odia-a-dia * a familia * a vida burocrética * a atividade intelectual Em cada um desses contextos, as énfases e os objetivos do uso da escrita 10 variados e diversos. Inevitaveis relagdes entre escrita e contexto devem existir, fazendo surgir géneros textuais e formas comunicativas, bem como terminolo- gias e express6es tipicas. Seria interessante que a escola soubesse algo mais sobre essa questao para enfrentar sua tarefa com maior preparo e maleabilidade, servindo até mesmo de orientagio na selegio de textos e definig&o de niveis de linguagem a trabalhar.s 8. Quanto a isso, remeto ao meu trabalho (veja Marcuschi, 2000, em preparagzio) a sair sob o titulo eros textuais: O que Sao ¢ como se Constituem, em que S80 analisados os mais diversos aspectos relatives a constituigao c ao uso dos géneros textuais em todos os dominios discursivos. 20 DA FALA PARA A ESCRITA Ha, portanto, uma distingio bastante nitida entre a apropriagao/distri- bui¢o da escrita & leitura (padrées de alfabetizagdo) do ponto de vista formal e institucional e os usos/papéis da escrita & leitura (processos de letramento) enquanto praticas sociais mais amplas. Sabemos muito sobre métodos de alfa- betizacao, mas sabemos pouco sobre processos de letramento, ou seja, sabemos. pouco sobre a influéncia e penetragio da escrita na sociedade. Mesmo pessoas ditas “iletradas”, ou seja, analfabetas, nao deixam de estar sob a influéncia de estratégias da escrita em seu desempenho lingiifstico, o que torna o uso do ter- mo “iletrado” muito problematico em sociedades com escrita (veja mais sobre 0 assunto em Tfouni, 1988; e Soares, 1998). Além disso, ainda nao sabemos com precisio que géneros de textos (orais e escritos) so os mais correntes em cada um dos contextos e dom{nios discursivos acima apontados e quem é que faz uso mais intenso da escrita dentro deles.” Tome-se 0 caso do contexto do trabalho. Ali, nem todos fazem uso da escrita na mesma intensidade ou em condigGes idénticas. Nao é apenas uma questao de distribuicdo de tarefas. E também uma questio de delegagao de tarefas, um fato muito comum na pratica da escrita em contextos de trabalho. Em quase todos os ambientes de trabalho hé alguém (uma determinada pessoa, a “secretéria”) que sabe escrever, alguém que tem um desempenho escrito considerado “ideal” para aquele contexto.'? Se partimos para o ambiente familiar, podemos indagar: que uso da leitura e da escrita é feito em casa? Para que se usa a escrita e a leitura em casa? Nao resta dtivida de que /eitura & escrita é uma pratica comunicativa interessante e 9, Pesquisa financiada pelo CNPq num projeto integrado sob o titulo geral de “Fala e Escrita: Usos € Caracterfsticas” acha-se em andamento no Programa de P6s-Graduagio em Lingiiistica da Universidade Federal de Pernambuco, desde margo de 1995 (CNPq, proc. n° 523612/96-6). Do projeto, participam Luiz Anténio Marcuschi (coordenador), Judith Hoffnagel, Doris Carneiro da Cunha ¢ Kazue Saito Monteiro de arros. Bolsistas de Iniciagao Cientifica colaboram na investigagao. Em junho de 1995, foram feitos le- vantamentos de pouco mais de 500 informantes sobre os usos da fala ¢ da escrita nos diversos contextos da vida didria. Um dos resultados mais surpreendentes foi a constatagao de que poemas e cartas so os textos mais frequentes, na escrita, sobretudo por parte das mulheres, mas também dos homens. O tempo didrio ‘empregado com a escrita nao passa de 5% do total do tempo em vigilia, quando atinge 0 maximo, sendo que com a leitura, usa-se um pouco mais. A grande parte do tempo € utilizada com a comunicagao oral, 0 que caracteriza nossa sociedade, indistintamente da classe social, idade, formagdo ¢ profisso, como pro- funda e essencialmente oralista. A escrita é quase sempre um recurso com caracteristicas de especiali pois, em cada sctor, ha formulas mais ou menos consagradas ¢ individuos responséveis pela reda lextos. Mesmo universitérios usam pouco a eserita e se nio tivessem que fazer deveres esco nada escreveriam, 10. Esta foi uma outra descoberta surpreendente feita nas investigagbes do projeto citado na nota 9. Em todas as direas de trabalho ha alguém que se especializa nas atividades de produgio textual especitica Até mesmo os chefes e diretores de empresa recorrem a essa pessoa, Nao € por nada que as secretirias (com redagio prépria) so muito valorizadas e prezadas, ganhando saldrios superiores as colegas de outras tare- fas, Este é um fato interessante que atinge todas as esferas e éreas do trabalho, ORALIDADE E LETRAMENTO. 21 proveitosa em muitos sentidos. HA 0 jornal e a revista para serem lidos. H& cartées e cartas pessoais para serem escritos. Hd cheques para assinar, contas a fazer, recados a transmitir e listas de compras a organizar, radio e miisicas a escutar.'' Ha as ocorréncias a registrar (os famosos livros de registro de todos os condominios). Hd historinhas a contar antes de dormir. As fofocas do dia a pér em ordem etc. etc. Nao sabemos, no entanto, como tudo isso interage com outros meios co- municativos, por exemplo, o telefone, o rédio, a TV ¢ assim por diante. Em suma, pouco sabemos a respeito das relagGes entre os diversos tipos de ativida- des comunicativas. Continua aberta a indagagao: que tipo de valorizagao se dé a escrita e 4 oralidade na vida didria? Seja qual for a resposta, ela deve partir de dois pressupostos: primeiro, fala e escrita sio atividades comunicativas e prati cas sociais situadas; segundo, em ambos os casos temos um uso real da lingua. Retornemos, por um momento, a algumas questdes relativas a alfabetiza- Gao, pois seré importante constatar que a escrita, apds se tornar um fendmeno de massa e desejavel a todos os seres humanos, passou a receber um status bastan- te singular no contexto das atividades cognitivas de um modo geral. Para mui- tos, 0 seu dominio se tornou um passaporte para a civilizagao e para o conheci- mento.'? Trata-se de uma tendéncia a reconhecer valores imanentes a propria tecnologia como tal. Este é um dos mitos a ser combatido aqui. As confus6es nesse campo sao imensas. Primeiro, devemos distinguir en- tre letramento, alfabetizagao e escolarizagdo. O letramento é um processo de aprendizagem social e histérica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitarios, por isso é um conjunto de praticas, ou seja, /etramentos, como bem disse Street (1995). Distribui-se em graus de dominio que vaio de um patamar minimo a um maximo. A alfabetizagéo pode dar-se, como de fato se deu historicamente, 4 margem da instituigdo escolar, mas é sempre um aprendi- zado mediante ensino, e compreende 0 dominio ativo e sistematico das habili- 11, Outro fato curioso observado na investigagao citada na nota 9 € que um dos usos mais sisteméti- cos € intensos da escrita em desempenhos que nao exigem estruturas textuais é a confeegio de listas. As listas sio de todo tipo e para todo momento. E s6 entrar num supermercado e quase toda mie ou todo pai de familia esté com uma lista de compras na mao. Isto inclusive em camadas sociais populares. 12. Nao serao feitas aqui muitas alusoes a autores, mas dois deles podem ser citados como os que em certa época se empenharam na defesa da tese da supremacia cognitiva da escrita. Sdo eles David Olson ¢ Jack Goody. Nao se pode ignorar também Walter Ong, Sylvia cribner, Michael Cole, entre outros. Algu- mas observagOes sobre estes autores aparecem mais adiante. Nao obstante sua posigo as vezes radical, D. Olson faz afirmagoes que poem a fala e a escrita no contexto da linguagem como faculdade humana. “A faculdade da linguagem situa-se no centro de nossa concepgao de género humano; a fala nos torna humanos ¢ a ita nos torna civilizados. Assim, € interessante ¢ importante considerar 0 que ¢ distintivo acerca da lingua eserita e considerar as consegiléncias do letramento para os preconceitos que isso impor ta tanto para nossa cultura como para os processas psicolégicas” (1977: 257).. 22 DA FALA PARA A ESCRITA dades de ler e escrever. A Suécia alfabetizou 100% de sua populacio ja no final do século XVIII no ambiente familiar e para objetivos que nada tinham a ver com o desenvolvimento, e sim com praticas religiosas e atitudes de cidadania. A escolarizagao, por sua vez, 6 uma pratica formal e institucional de ensino que visa a uma formacio integral do individuo, sendo que a alfabetizagao é apenas uma das atribuigdes/atividades da escola. A escola tem projetos educacionais amplos, ao passo que a alfabetizagdo é uma habilidade restrita. Retomando o tema geral, podemos indagar o seguinte: em que contextos € condi¢des so usadas a oralidade e a escrita, isto é, quais séo os usos da oralidade e da escrita em nossa sociedade? Por exemplo, quais so as demandas bdsicas da escrita em nossa socieda- de, relativamente ao trabalho? Em que condigdes e para que fins a escrita é usada? Em que condigGes e para que fins a oralidade é usada? Qual a interface entre a escola e a vida didria no que respeita & alfabetizagdio? Como se compor- tam Os nossos manuais escolares neste particular? Que habilidades sdo ensina- das na escola e com que tipo de visio se passa a escrita? O que é que 0 individuo aprende quando aprende a ler e escrever? Que tipo de conhecimento é 0 conhe- cimento da escrita? Seguramente, estas questdes devem ser tratadas em varias diregdes. Pare- ce que homens e mulheres nio fazem uso da escrita do mesmo modo. Parece que a escrita tem uma perspectiva na escola e outra fora dela. Também ha o problema do acesso a escrita, que é diferenciado. Além do mais, nao é necessa- rio ir muito longe (veja Street, 1984) para perceber o quanto a escrita foi tratada como algo superior, aut6nomo, com valores intrinsecos etc., tornando-se fonte de preconceitos. Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita sdo imprescindi- veis. Trata-se, pois, de ndo confundir seus papéis e seus contextos de uso, e de nao discriminar seus usudrios. Por exemplo, hd quem equipare a alfabetizagio (dominio ativo da escrita e da leitura) com desenvolvimento. Outros sugerem que a entrada da escrita representa a entrada do raciocinio légico e abstrato. Ambas as teses esto cheias de equivocos e nao passam de mitos. Mas ¢ eviden- te que a alfabetizagiio continua fundamental. Eric Havelock" (citado por Graff, 1995: 38) comenta a tardia entrada da escrita na humanidade e sua repentina supervalorizagdo com estas palavras: O fato biolégico-histérico € que o homo sapiens € uma espécie que usa o discurso oral, manufaturado pela boca, para se comunicar. Esta € sua definigdo. Ele nao 6, 13. Bric Havelock. Origins of Western Literacy. Toronto, Ontario Institute for Studies in Education, 1976, p. 12. Citado a partir de Graff, 1995. ORALIDADE € LETRAMENTO 23 por definigdo, um escritor ou um leitor. Seu uso da fala, repito, foi adquirido por processos de sclecao natural operando ao longo de um milhao de anos. O habito de usar os simbolos escritos para representar essa fala é apenas um dispositivo util que tem existido ha pouco tempo para poder ter sido inscrito em nossos genes, possa isso ocorrer ou nao meio milhao de anos a frente. Segue-se que qualquer lingua pode ser transposta para qualquer sistema de simbolos escritos que 0 usud- rio da lingua possa escolher sem que isso afete a estrutura basica da lingua. Em suma, o homem que Ié, em contraste com o homem que fala, nao é biologicamente determinado. Ele traz a aparéncia de um acidente histrico recente... Refletindo sobre essas observagées, Graff (1995) lembra que a “cronolo- gia é devastadoramente simples”: enquanto espécie, 0 homo sapiens data de cerca de um milhao de anos. A escrita surgiu pouco mais de 3.000 anos antes de Cristo, ou seja, hd 5.000 anos. No Ocidente, ela entrou por volta de 600 A.C., chegando a pouco mais de 2.500 anos hoje. E a imprensa surgiu em 1450, tendo pouco mais de 500 anos. Para a maioria dos estudiosos, a alfabetizagio, como fendmeno cultural de massa, pode ser quase ignorada nos primeiros 2.000 anos de sua hist6ria ocidental, pois ficou restrita a uns poucos focos. Contudo, observa Graff (1995: 39) que essa histéria nao é tao linear assim e oferece muitos truncamentos. A histéria do uso da escrita e da alfabetizagio no Ocidente é uma historia descontinua. Para 0 autor, a historia da alfabetizagao no Ocidente é “uma histéria de contradigdes ¢ que um reconhecimento explicito disso é um pré-requisito para uma compreensio plena daquela historia” (p. 43). E muito interessante a breve andlise de Graff (pp. 43-52) sobre as relagdes entre a alfabetizacio e os processos de industrializagdo. Ele mostra que essa relagao nao foi constante, nem sequer se deu numa ordem de concomitincia. Tanto assim que a primeira revolucao industrial da Inglaterra mostrou indices regres- sivos de alfabetizagao. Também nao se da que os povos ou grupos mais alfabe- tizados tenham sido sempre os mais présperos. Veja-se 0 sempre lembrado caso antoldgico da Suécia, plenamente alfabetizada jd no século XVIII e economica- mente marginalizada. Os préprios planos desenvolvimentistas sugeridos pela UNESCO ba- seiam-se na crenga de que “a alfabetizagao é uma coisa boa” e que “‘a pobreza, a doenga ¢ 0 atraso geral estiio vinculados com 0 analfabetismo”, sendo que, por sua vez, “o progresso, a satide e o bem-estar econdmico esto igualmente de forma auto-evidente vinculados com a alfabetizagdo". Parece que 0 progresso estd de tal modo ligado a alfabetizacao, que esta teria um valor intrinseco dese- javel ao individuo. Contudo, a histéria da alfabetizagao nao comprova as expec- tativas da UNESCO. Por outro lado, é forgoso conceder que vivemos hoje tem- pos diversos que os da Idade Média ou dos primérdios da industrializagdo. Mas nao deixa de ser falacioso usar isto como argumento a favor da supremacia da 24 DA FALA PARA A ESCRITA escrita. A escrita é um fato histérico e deve ser tratado como tal e ndo como um bem natural. E forgoso admitir que a escrita tem hoje um papel muito diferente do que aquele que ela tinha em outros tempos e culturas. Portanto, a hist6ria do papel da escrita na sociedade ¢ da propria relevancia da alfabetizacio nfo é linear. Nem sempre ela teve os mesmos objetivos e efeitos. A este respeito, chega a ser surpreendente a posigao de Graff (1995: 47) quando conclui qu no minimo, os dados do passado sugerem fortemente que modelos de alfabetiza- ¢40 simplistas, lineares, do tipo “teoria da modernizacao”, como um pré-requisito para o desenvolvimento como um estimulante de niveis crescentes de escolarizagiio, ndo so modelos apropriados. A alfabetizagdo tem alguns aspectos contraditérios. Pode ser util ou preocupante aos governantes. Por isso, os que detém o poder pensam que ela deveria dar-se de preferéncia sob 0 controle do Estado e nas escolas formalmen- te instituidas. Neste caso, 0 controle e a supervisio do Estado orientariam 0 da escrita é um fend- ensino para seus objetivos. Isto sugere que a apropri meno “ideologizavel”. Nao obstante a imensa penetraciio da escrita e as profecias de absoluto predominio da escrita, a fala continua na ordem do dia. Nas palavras de Graff (1995: 37), poderiamos dizer que: A despeito das décadas nas quais os estudiosos vém proclamando uma queda na difusio da cultura oral “tradicional”, a partir do advento da imprensa tipografica mével, continua igualmente possivel ¢ significativo situar o poder persistente de modos orais de comunicacao. O certo € que a oralidade continua na moda. Parece que hoje redescobrimos que somos seres eminentemente orais, mesmo em culturas tidas como ampla- mente alfabetizadas. E, no entanto, bastante interessante refletir melhor sobre 0 lugar da oralidade hoje, seja nos contextos de uso da vida didria ou nos contex- tos de formagio escolar formal. O tema nao € novo ¢ tem longa tradi¢ao."* 14, Imagino que seria interessante pensar aqui na distingio lembrada por Ginsburg (O Queijo e os Vermes, 1987: 17-20) quando ele diz que a dita cultura popular € transmitida essencialmente pela via da oralidade e que isto oferece aos historiadores um enorme problema, jé que cles estio relegados andlise de documentos escrito. Para Ginsburg existe uma “cultura produzida pelas classes populares” ¢ uma “cultura imposta as classes populares”. A primeira seria aquela que Rabelais representou cm suas obras que tanto incomodaram os donos do poder em sua poca, € a segunda seria a representada pelos almanaques € até mesmo por muitos m scolares. Jé outra coisa bem diversa ¢ a “cultura de massa” que se car como produto de uma “indistria cultural” massificada, ORALIDADE E LETRAMENTO 25 3. Oralidade versus letramento ou fala versus escrita? Com base nas andlises feitas anteriormente, parece que se impée uma observagio preliminar de cardter teérico. Falei, até aqui, das relagdes entre oralidade e escrita. Pergunto-me, agora, sobre a necessidade ou oportunidade de distinguir entre duas dimensdes de relacdes no tratamento da lingua falada e lingua escrita: (a) de um lado, oralidade e letramento e (b) de outro lado, fala e escrita. Quanto a (a), tratar-se-ia de uma distingo entre praticas sociais tal como vistas anteriormente, e, quanto a (b), seria uma disting’o entre modalidades de uso da lingua. A oralidade seria uma pritica social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou géneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realizado mais informal 4 mais formal nos mais variados contextos de uso. Uma sociedade pode ser totalmente oral ou de oralidade secunddria, como se expressou Ong [1982], ao caracterizar a distingao entre povos com e sem escrita. Considerando-se essa posigdo, nds brasileiros, por exemplo, seriamos hoje um povo de oralidade secundaria, tendo em vista 0 intenso uso da escrita neste pafs O letramento, por sua vez, envolve as mais diversas praticas da escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriagdo mini- ma da escrita, tal como 0 individuo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica 0 6nibus que deve tomar, consegue fazer calculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas nio escreve cartas nem Ié jornal regularmente, até uma apropriag%o profunda, como no caso do individuo que desenvolve tratados de Filosofia e Matematica ou escreve romances. Letrado é 0 individuo que participa de forma significativa de eventos de letramento e nfo apenas aquele que faz um uso formal da escrita. A fala seria uma forma de produgao textual-discursiva para fins comuni- cativos na modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponivel pelo proprio ser hu- mano, Caracteriza-se pelo uso da lingua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosédicos, envolvendo, ainda, uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo ¢ a mimica.!* 15. Nao hd diivida de que a linguagem dos sinais constitui um tipo de fala, embora nao se verifique ali o componente sonoro como decisivo. Contudo, temos uma lingua articulada e completamente eficiente no processo comunicativo. Som, grafia e gesto, quando tomados como a matéria bisica dos elementos da Tepresentagdo, constituem apenas és modos diversos de representar a lingua ¢ nao trés Iinguas como tal 26 DA FALA PARA A ESCRITA Aescrita seria um modo de produgio textual-discursiva para fins comuni- cativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua consti- tuigdo grafica, embora envolva também recursos de ordem pictérica e outros (situa-se no plano dos letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escri- ta ideografica) ou unidades iconograficas, sendo que no geral nao temos uma dessas escritas puras.'® Trata-se de uma modalidade de uso da lingua comple- mentar a fala. Em certo sentido, a distingao entre fala e escrita aqui sugerida contempla, de modo particular, aspectos formais, estruturais e semiolégicos, ou seja, os modos de representarmos a lingua em sua condigao de cddigo. So os aspectos sonoro & grafico que contam de modo essencial neste caso. Note-se, no entanto, que 0 aspecto grafico nao esta aqui sendo equiparado a uma de suas formas de realizagio, isto é, a forma alfabética, pois a escrita abrange todos os tipos de escrita, sejam eles alfabéticos ou ideograficos, entre outros. Logo mais vamos ampliar esta primeira visio para englobar na fala todas as manifestgSes textuais-discursivas da modalidade oral, bem como englobar na escrita todas as manifestagGes textuais-discursivas da modalidade escrita, 0 que nos permite estender a reflexdo para aspectos discursivos e comunicativos que exorbitam o plano do meramente oral ou grafemdatico. Neste sentido, os termos fala e escrita passam a ser usados para designar formas e atividades comunicativas, no se restringindo ao plano do cédigo. Trata-se muito mais de processos e eventos do que de produtos. Hoje, sao variadas as tendéncias dos estudos que se ocupam das relagdes entre fala e escrita, sem se colocar de forma explicita a questo que proponho aqui. E relevante indagar-se, com Stubbs (1986), se as relagdes entre fala e escrita sdo uniformes, constantes ¢ universais, ou se elas sao diversificadas na histéria, no espago e nas linguas. A seguir, darei, resumidamente, algumas pistas para fundamentar 0 ponto de vista que viabiliza a distingdo sugerida acima. Veremos varias tendéncias de tratamento da questo, para identificar pro- blemas e sugerir uma linha de tratamento que pode ser mais frutifera, menos comprometida com o preconceito e a desvalorizacio da oralidade de uma ma- 16, Este aspecto jé vem merecendo a atengao dos pesquisadores, pois a nossa escrita alfabética esti se tommando cada vez mais permeada por ideogramas ¢ elementos visuais, tal como demonstra Mare Arabyan (2000) em sua recentissima obra Lire L'Image — Emission, Réception, Interprétation des Messages Visuels. © autor, que passou um semestre na Universidade Federal de Pernambuco cm 1999, analisa inclusive textos de publicidade e politica brasileiros mostrando os elementos graficos como expressivos na escrita. O autor analisa os efeitos da imagem nos textos € mostra como no ficamos imunes a elas. ORALIDADE € LETRAMENTO 27 neira geral. Serd feita uma tentativa de evitar cair na armadilha preparada para todos os que tentam entrar na andlise das relagdes entre oralidade e¢ escrita. Se- gundo Street (1995), é dificil no sucumbir a algum dos mitos presentes nessa armadilha, mesmo quando se postula, como nés, a teoria de que a relagdo se funda num continuum e nao numa dicotomia polarizada, 4. A perspectiva das dicotomias A primeira das tendéncias, a de maior tradi¢ao entre os lingiiistas, é a que se dedica a anilise das relagGes entre as duas modalidades de uso da lingua (fala versus escrita) e percebe sobretudo as diferengas na perspectiva da dicotomia. A rigor, esta perspectiva tem matizes bem diferenciados. De um lado, temos autores lingilistas como Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday (1985, numa. primeira fase), Ochs (1979), representantes das dicotomias mais polarizadas e visdo restrita. De outro lado, temos autores como Chafe (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz (1982), Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989), que percebem as relagdes entre fala e escrita dentro de um continuo, seja tipolégico ou da realidade cognitiva e social. No caso das dicotomias estritas, trata-se, no geral, de uma andlise que se volta para 0 cédigo e permanece na imanéncia do fato lingiiistico. Esta perspec- tiva, na sua forma mais rigorosa e¢ restritiva, tal como vista pelos gramiticos, deu origem ao prescritivismo de uma Gnica norma lingiiistica tida como padrao e que esta representada na denominada norma culta. E dela que conhecemos as dicotomias que dividem a lingua falada e a lingua escrita em dois blocos distin- tos, atribuindo-lhes propriedades tipicas, tais como as que se podem ver no Quadro 1: Quadro 1. Dicotomias estritas fala versus escrita contextualizada descontextualizada dependente auténoma implicita explicita redundante condensada ndo-planejada planejada imprecisa precisa nao-normatizada normatizada fragmentéria completa 28 DA FALA PARA A ESCRITA Estas dicotomias sao sobretudo fruto de uma observagio fundada na natu- reza das condig6es empiricas de uso da lingua (envolvendo planejamento ¢ verbaliza¢io), ¢ no de caracterfsticas dos textos produzidos. Nao hd preocupa- ¢4o alguma com os usos discursivos nem com a produgao textual. Disto surgem visdes distorcidas do préprio fendmeno textual. A visio chega a ser caricatural na forma como exposta no Quadro 1. Excegiio a este tipo de vis&io encontramos nos trabalhos de Tannen (1982,1985), Gumperz (1982) e em boa parte dos estu- dos de Chafe (1982, 1984, 1985), bem como de Biber (1986, 1988 e 1995). A perspectiva da dicotomia estrita oferece um modelo muito difundido nos manuais escolares, que pode ser caracterizado como a visdo imanentista que deu origem a maioria das gramiticas pedagégicas que se acham hoje em uso. Sugere dicotomias estanques com separagao entre forma e contetido, separagao entre lingua ¢ uso e toma a lingua como sistema de regras, 0 que conduz o ensino de lingua ao ensino de regras gramaticais. Esta visao, de cardter estritamente formal, embora dé bons resultados na descrigdo estritamente empirica, manifesta enorme insensibilidade para os fe- nomenos dialdgicos e discursivos. Sua tendéncia é restritiva e a propria nogio de regra por ela proposta é demasiado rigida. Uma de suas conclusdes mais conhecidas & a que postula para a fala uma menor complexidade e uma maior complexidade para a escrita. De resto, trata-se de uma alternativa que conduz a selegdes aparentemente fundadas em algum valor intrinseco aos signos lingitisticos, mas, na realidade, as decisGes fundam-se em critérios e mecanis- mos sécio-culturais nio-explicitos. A perspectiva da dicotomia estrita tem 0 inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da lingua. Seguramente, trata-se de uma visao a ser rejeitada. 5. A tendéncia fenomenolégica de cardter culturalista Uma segunda tendéncia é a que observa muito mais a natureza das praticas da oralidade versus escrita e faz andlises sobretudo de cunho cognitivo, antro- poldgico ou social e desenvolve uma fenomenologia da escrita e seus efeitos na forma de organizagao e produgio do conhecimento. Nela situam-se algumas das observagées feitas na primeira parte deste ensaio. Denomino este paradigma como visdo culturalista, na sua formulagao for- te. Este tipo de vistio é pouco adequado para a observagio dos fatos da lingua. Na verdade, trata-se de uma perspectiva epistemol6gica desenvolvida sobretu- do por antropdlogos, psicdlogos e socidlogos, tais como Walter Ong [1982], ORALIDADE E LETRAMENTO 29 Jack Goody [1977], Sylvia Scribner (1997), e os primeiros trabalhos de David Olson (1977), interessados em identificar as mudangas operadas nas sociedades em que se introduziu o sistema da escrita. As caracteristicas centrais desta visio poderiam ser resumidas nas oposig6es sugeridas no Quadro 2. Quadro 2. Visio culturalista. cultura oral versus cultura letrada pensamento concreto pensamento abstrato raciocinio pratico raciocinio Iégico atividade artesanal atividade tecnolégic. cultivo da tradigaio inovagdo constante ritualismo analiticidade Esta visdo nao serve para tratar relagdes lingiifsticas, j4 que vé a questio em sua estrutura macro (visio global) e com tendéncia a uma andlise da forma- cao da mentalidade dentro das atividades psico-socioeconémico-culturais de um modo amplo, Para os representantes desta perspectiva, como Olson (1977), Scribner & Cole (1981), Ong (1986, [1982]) e Goody ([1977], 1987), a escrita representa um avango na capacidade cognitiva dos individuos e, como tal, uma evolugiio nos processos noéticos (relativos ao pensamento em geral), que me- deiam entre a fala e a escrita. Esses autores tém uma grande sensibilidade para os fatos hist6ricos e nao deixam de ter raziio em boa parte de suas abordagens, mas isto nao significa que estejam dizendo algo de substantivo sobre as relagdes textuais nas duas modalidades de uso da lingua. E provavel que as relagées de causa e efeito por eles vistas entre a cultura € 0 uso da escrita nao estejam bem situadas, Biber (1988), que vé criticamente esta tendéncia, inicia sua obra sobre as relacdes entre a fala e a escrita frisando, com justeza, que a introdugao da escri- ta no mundo foi um feito notavel e correspondeu A transigio do “mito” para a “histéria” se nos apoiamos na realidade dos documentos. Foi a escrita que per- mitiu tornar a lingua um objeto de estudo sistematico. Com a escrita criaram-se novas formas de expressio e deu-se o surgimento das formas literdrias. Com a escrita surgiu a institucionalizacgio rigorosa do ensino formal da lingua como objetivo basico de toda formacio individual para enfrentar as demandas das sociedades ditas letradas. Nao ha, pois, como negar que a escrita trouxe imensas vantagens e consi- deraveis avancos para as sociedades que a adotaram, mas é forgoso admitir que ela ndo possui algum valor intrinseco absoluto. Trata-se, sobretudo, do lugar 30 DA FALA PARA A ESCRITA especial que as sociedades ditas letradas reservaram a essa forma de expre: que a tornou tao relevante e quase imprescindivel na vida contempordnea. Numa extensa andlise critica 4 perspectiva culturalista de engrandecimen- to da escrita, Gnerre (1985) detecta nos autores ligados a essas correntes de Ppensamento alguns problemas que podem ser resumidos basicamente em trés pontos: * emocentrismo,; so, * supervalorizagao da escrita; * tratamento globalizante. O etnocentrismo diz respeito a uma forma de ver as culturas alienfgenas a partir da prépria cultura ¢ valorizar aspectos dentro de uma perspectiva em que se situa 0 autor. Tal teria sido 0 caso de Olson (1977) que, além de ter proce- dido a “uma esquematizagao extrema da histéria social da escrita” (Gnerre, 1985: 62), também teria agido como se a introdugio da escrita significasse automati- camente a alfabetizagdo da sociedade inteira. O certo € que “a escrita foi contro- lada essencialmente por grupos reduzidos ¢ as ‘culturas orais’ existiram lado a lado comas tradigGes escritas dos grupos de elite”. Acertadamente lembra Tfouni (1988) que as formas de raciocinio das camadas ditas analfabetas no sio com- pletamente diversas das camadas alfabetizadas, j4 que o letramento é um pro- cesso que penetra a sociedade independentemente da prépria escolarizagao for- mal A supervalorizagdo da escrita, sobretudo a escrita alfabética, leva a uma posigao de supremacia das culturas com escrita ou até mesmo dos grupos que dominam a escrita dentro de uma sociedade desigualmente desenvolvida. Se- para as culturas civilizadas das primitivas. Este aspecto deu origem a hipdte- ses muito fortes sobre a escrita, criando “uma visio quase mitica sobre a es- crita”. A escrita seria a responsavel pelo surgimento do raciocinio silogistico, tendo em vista o fato de ela contribuir essencialmente para a descontex- tualizagio dos significados que criariam autonomia ao passarem da “cabega” para o “texto no papel”, fazendo assim surgir a descentralizagdo do pensa- mento que passaria do concreto para o abstrato. Daf a impressio de autonomia da escrita. Essa forma globalizante de ver a escrita ressente-se da desatengdo para 0 fato de que nao existem “sociedades letradas”, mas sim grupos de letrados, 17. Em reli a Olson, ainda seré notado adiante que em seu ultimo livro intitulado O Mundo no Papel — As Inplicacdes Conceituais e Cognitivas da Leitura e da Eserita, de 1997, acha-se uma surpreen- dente revisio de muitas de suas posigdes, em especial aquelas que postulavam a dicotomia mais estrita e a “grande diviso” do ponto de vista cognitivo, ORALIDADE E LETRAMENTO 31 elites que detém o poder social, ja que as sociedades nao so fendmenos homo- géneos, globais, mas apresentam diferengas internas. Nao é necessdria uma ana- lise muito minuciosa; basta dar uma olhada em nosso entorno para constatar que a “sociedade brasileira” nao é homogénea em relagao ao letramento. Por outro lado, varias das postulagdes acima nao passam de crengas j4 desmontadas pela investigagio contempordanea na drea. 6. A perspectiva variacionista Uma terceira tendéncia, talvez intermedidria entre as duas anteriores, mas isenta da maioria dos problemas de ambas, é a que trata do papel da escrita e da fala sob 0 ponto de vista dos processos educacionais ¢ faz propostas especificas a respeito do tratamento da variag&o na relagéo entre padrao e nao-padrao lingitistico nos contextos de ensino formal. Aqui se situam os modelos teéricos preocupados com 0 que se vem denominando curriculo bidialetal, por exem- plo. Sao estudos que se dedicam a detectar as variagGes de usos da lingua sob sua forma dialetal e socioletal. E uma variante da primeira visio, mas com gran- de sensibilidade para os conhecimentos dos individuos que enfrentam o ensino form: Neste paradigma nao se fazem distingGes dicotémicas ou caracterizagdes estanques, verifica-se a preocupacao com regularidades ¢ variagdes. Aqui a lin- gua é observada com rigor metodolégico mais adequado que em ambos os casos anteriores. De certo modo, nessa tendéncia podem-se construir as distingdes vistas no Quadro 3. Quadro 3. A perspectiva variacionista fala e escrita apresentam Iingua padrio variedades ndo-padrao lingua culta . lingua coloquial norma padrao normas nao-padrio Notdvel nessa tendéncia é 0 fato de nao se fazer uma distingdo entre fala escrita, mas sim uma observagao de variedades lingiiisticas distintas. Todas as variedades submetem-se a algum tipo de norma. Mas como nem todas as normas podem ser padrao, uma ou outra delas serd tida como norma padrao. A decisio é muito menos lingiiistica do que ideoldgica, postulam esses ted- ricos. 32 DA FALA PARA A ESCRITA No Brasil, temos seguidores desta linha, entre os quais se situam Bortoni (1992, 1995), Kleiman (1995) e, numa perspectiva um pouco diversa, mas dentro do mesmo espirito, acha-se Soares (1986). Simpatizo grandemente com esta perspectiva, mas nio me parece que a questio esteja resolvida. Sociolingiiistas como Trudgill (1975) e Labov (1972)'§ ja apontavam para a impossibilidade de um desempenho bidialetal. O que se pode fazer, sem pos- tular as posigdes de Bernstein (1971), é imaginar a possibilidade de um domi- nio do dialeto padrao na atividade de escrita ¢ continuar no dialeto nio-pa- dro no desempenho oral Stubbs (1986) também sugere que poderiamos ver as relacées entre fala e escrita, em contextos educacionais, como um problema de variacao lingiifstica Na verdade, trata-se de um aspecto amplamente admitido hoje, ja que as linguas niio sfio homogéneas nem uniformes sob o ponto de vista de seu uso (veja Milroy, 1992). Eas relacoes fala e escrita dizem respeito a questdes de uso da lingua. O interessante nesta perspectiva € que a variagao se daria tanto na fala como na escrita, 0 que evitaria 0 equivoco de identificar a lingua escrita com a padro- nizagdo da lingua, ou seja, impediria identificar a escrita como equivalente lingua padrao, como fazem os autores situados na perspectiva da dicotomia estrita. Minha posigao é a de que fala ¢ escrita nao so propriamente dois diale- tos, mas sim duas modalidades de uso da Iingua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal."? Fluente em dois modos de uso e nao simplesmente em dois dialetos. Mas esta questio é demasiado complexa para ser tratada neste espaco. 7. A perspectiva sociointeracionista Uma quarta perspectiva, que a rigor nao forma um conjunto teérico siste- mitico e coerente, mas representa uma série de postulados um tanto desconexos e difusos, seria a que trata das relagdes entre fala e escrita dentro da perspectiva dialdgica. Caracterizo-a como visdo sociointeracionista e seus fundamentos centrais baseiam-se na percepao oferecida no Quadro 4. 18. E bom nao esquecer, numa abordagem mais técnica, que Labov é um sociolinguista variacionista que pouco tem a ver com a sociolingiifstica tal como postulada por Bernstein, por exemplo. Laboy nao tem. interesse direto no ensino nem na questio da norma dialetal. O problema dele é identificar as raz6es e os fatores que contribuem para a variagdo € pouco the inmteressa qual a variedade a ser adotada no ensino, 19, Observagdes sistematicas a este respeito fiz em livro que deverd sair brevemente com o titulo: © Tratamento da Oralidade no Ensino de Lingua. ORALIDADE E LETRAMENTO 33 Quadro 4. Perspectiva sociointeracionista. fala e escrita apresentam dialogicidade usos estratégicos fungoes interacionais envolvimento negociagao situacionalidade coeréneia dinamicidade Este modelo tem a vantagem de perceber com maior clareza a lingua como fenédmeno interativo e dinamico, voltado para as atividades dialégicas que mar- cam as caracteristicas mais salientes da fala, tais como as estratégias de formu- lagiio em tempo real.|Para Street (1995: 162), essa tendéncia em diregao a and- lise (critica) do discurso unida a investigagdo etnografica poderia ser uma das melhores saidas para a observagao do letramento e da oralidade como praticas sociais. Contudo, pode-se dizer que esta perspectiva, mesmo que livre dos proble- mas ideoldgicos e preconceitos das anteriores, padece de um baixo potencial explicativo e descritivo dos fendmenos sintiticos e fonolégicos da lingua, bem como das estratégias de produgio e compreensao textual. A rigor, esses fend- menos fogem aos interesses de tais teorias. Por isso, a proposta geral, se conce- bida na fuséo com a visdo variacionista e com os postulados da Anilise da Conversagdo etnografica aliados a Lingtiistica de Texto, poderia dar resultados mais seguros e com maior adequacio empirica e teorica. Talvez seja esse 0 caminho mais sensato no tratamento das correlagdes entre formas lingilfsticas (dimensao lingitistica), contextualidade (dimensao funcional), interagao (dimen- sao interpessoal) e cognigdo no tratamento das semelhangas e diferengas entre fala e escrita nas atividades de formulagiio textual-discursiva. Nesta visdo interacionista cabem andlises de grande relevancia que se de- dicam a perceber as diversidades das formas textuais produzidas em co-autoria (conversagdes) e formas textuais em monoautoria (mondlogos), que até certo ponto determinam as preferéncias biisicas numa das perspectivas da relagéo fala e escrita. Além disso, tem-se, aqui, a possibilidade de tratar os fendmenos de compreensao na interagiio face a face e na interagio entre leitor e texto escri- to, de maneira a detectar especificidades na propria atividade de construgao dos sentidos. Como se observa, esta perspectiva orienta-se numa linha discursiva e interpretativa. 34 DA FALA PARA A ESCRITA Muito fortemente representada no Brasil, esta linha tem entre seus segui- dores mais representativos Preti (1991, 1993), Koch (1992), Marcuschi (1986, 1992, 1995), Kleiman (1995a), Urbano (2000) e muitos outros presentes nas obras editadas por Preti (1993, 1994, 1998 e 2000). Esta perspectiva tem grande sensibilidade para as estratégias de organizaciio textual-discursiva preferencial na modalidade falada e escrita.”” A perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produgio de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sécio-historicamente marcados por atividades de negociagao ou por processes inferenciais, Nao toma as categorias lingiifsticas como dadas a priori, mas como construfdas interativamente e sensiveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a andlise dos géneros textuais ¢ seus usos em sociedade. Tem muita sensibilidade para fend- menos cognitivos e processos de textualizag4o na oralidade e na escrita, que permitem a produgio de coeréncia como uma atividade do leitor/ouvinte sobre 0 texto recebido. Uma visio de algumas das preocupagdes desta linha de trabalho pode ser obtida do proveitoso trabalho de Koch (1992) que trata da interagao realizada na fala e na escrita, bem como nos estudos de Koch (1997) sobre a consirucio de sentidos na atividade textual-discursiva. Além disso, exemplo tipico desta ten- déncia € o que se acha no meu ensaio sobre a retextualizagdo na segunda parte deste livro. Em conclusio a estas observacdes, pode-se dizer que discorrer sobre as relagdes entre oralidade/letramento e fala/escrita nao é referir-se a algo consensual nem mesmo como objeto de andlise. Trata-se de fenédmenos de fala e escrita enquanto relagao entre fatos lingiiisticos (relagao fala-escrita) e enquanto rela- cdo entre praticas sociais (oralidade versus letramento). As relagGes entre fala escrita nao sao 6bvias nem lineares, pois elas refletem um constante dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de uso da lingua. Também no se pode postular polaridades estritas ¢ dicotomias estan- ques. O curioso € que, no geral, quem se dedica aos estudos da relagao entre lingua falada e lingua escrita, sempre trabalha o texto falado e raramente analisa a lingua escrita. No entanto, suas observagées so muitas vezes sob a ética da escrita. Por outro lado, as afirmagées feitas sobre a escrita fundam-se na grama- tica codificada e ndo na Ifngua escrita enquanto texto e discurso. Em suma, 0 20. Trabalho sistemético na andlise da lingua falada vem sendo desenvolvido pelo grupo dedicado aos estudos da organizag4o textual-discursiva na fala (coordenado por Ingedore V. Koch), no contexto do projeto da “Gramética do Portugués Falado”, dirigido por A. de Castitho (ef. Castilho, 1990, 1993; Hari, 1992; Castilho & Basilio, 1996; Koch, 1996; Kato, 1996; Neves, 1999). ORALIDADE E LETRAMENTO 35 que conhecemos nao s4o nem as caracterfsticas da fala como tal nem as caracte- risticas da escrita; 0 que conhecemos sdo as caracter{sticas de um sistema normativo da lingua. 8. Aspectos relevantes para a observacao da relagao fala e escrita A lingua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, @ organizagao da sociedade. Isso porque a prépria lingua mantém complexas relagdes com as representagdes e as formagGes sociais. Nao se trata de um// _espelhamento, mas de uma funcionalidade em geral mais visivel na fala. E por isso que podemos encontrar muitos correlatos entre variagdo sociolingiiistica ¢ variagao sociocultural. Andlises interessantes sob este aspecto sao as oferecidas por Duranti (1997)/em sua obra sobre antropologia lingiiistica, ao frisar que a lingua é uma parte da cultura, mas uma parte tio decisiva que a cultura se molda na lingua. No entanto, seria equivocado ver uma homologia entre lingua ¢ cultu- ra, pois conhecer uma nao equivale a conhecer a outra. Na tradigdo filoséfica ocidental, nos acostumamos a distinguir entre natu- reza e cultura, atribuindo a cultura tudo aquilo que nao se da naturalmente. No entanto, hoje, esta distingio esté cada vez mais dificil de ser mantida, como, de resto, acontece com todas as dicotomias. O certo é que, como lembra Duranti (1997), a cultura é um dado que torna o ser humano especial no contexto dos seres vivos. Mas, o que 0 torna ainda mais especial é 0 fato de ele dispor de uma linguagem simbélica articulada que é muito mais do que um sistema de classifi- cagao, pois 6 também uma pratica que permite que estabelegamos crengas ¢ pontos de vista diversos ou coincidentes sobre as mesmas coisas. Dai ser a lin- gua um ponto de apoio e de emergéncia de consenso e dissenso, de harmonia e \duta. Ndo importa se na modalidade escrita ou falada. Podemos observar que a construgao de categorias para a reflexdo teorica ou para a classificagdo sao tan- to um reflexo da linguagem como se refletem na linguagem e sio sempre construidas interativamente dentro de uma sociedade. Na perspectiva aqui defendida, seria Util ter presente que, assim como a fala nao apresenta propriedades intrinsecas negativas, também a escrita nao tem, propriedades intrinsecas privilegiadas. Sd0 modos de representagio cognitiva e social que se revelam em praticas especificas. Postular algum tipo de suprema- cia ou superioridade de alguma das duas modalidades seria uma visio equivo- cada, pois nao se pode afirmar que a fala é superior a escrita ou vice-versa. Em primeiro lugar, deve-se considerar 0 aspecto que se est4 comparando e, em se- gundo, deve-se considerar que esta relacao nao é homogénea nem constante. Do ponto de vista cronoldgico, como ja observou detidamente Stubbs (1980), a fala tem uma grande precedéncia sobre a escrita, mas do ponto de ‘36 DA FALA PARA A ESCRITA vista do prestigio social, a escrita é vista como mais prestigiosa que a fala. Nao se trata, porém, de algum critério intrinseco nem, nde pi metros snebiat i Osa que a escrita. Mesmo considerando a enorme e¢ inegdvel importancia que a escrita tem nos povos é nas civilizagées “letradas”, continuamos, como bem observou Ong [1982], povos orais. A oralidade jamais desaparecerd e sempre sera, ao lado da escrita, 0 grande meio de expressio e de atividade comunicativa. A oralidade — enquanto pratica social é inerente ao ser humano e nao sera substituida por nenhuma outra tecnologia. Ela sera sempre a porta de nossa iniciagao a Tacionalidade e fator de identidade social, regional, grupal dos individuos. Isto se dé de modo particular porque a lingua é socialmente moldada e desenvolvi- da, ndo obstante seu provavel carter filogeneticamente universal, como postu- lam muitos lingitistas ¢ psicdlogos. A escrita, por sua vez, pelo fato de ser pautada pelo padrio, nao é estigmatizadora e nao serve como fator de identidade individual ou grupal. Isso, a menos que se sirva, como na literatura regional, de tragos da realidade lingiifs- tica regional?! ou apresente caracteristicas estilisticas tao peculiares que permi- tem a identificagado de autoria. Mas isto nao ocorre com todos os géneros tex- tuais. Por exemplo, nao se pode chegar a identificagées individuais de autoria na maioria dos textos de um jornal diario. Enquanto a fala pode facilmente levar & estigmatizacio do individuo, com a escrita isso acontece bem menos. Parece que a fala, por atestar a variagdo e em geral pautar-se por algum desvio da norma, tem cardter identificador. E_possivel_que-identidade-seja.um tipo de_— Ponha-se um grupo de individuos letrados a escrever um texto sobre 0 mesmo tema, por exemplo, “a inflagdo na vida do brasileiro”, ¢ entiio observem- se seus textos. E provavel que suas opinides sejam objeto de discussao, mas eles nao serdo estigmatizados ou categorizados pela linguagem como tal, a menos que violem normas muito especificas. No entanto, se pedirmos aos mesmos individuos que “falem” seus textos, ou os produzam oralmente, teremos dife- rengas ¢ até avaliagdes que nfio se devero ao contetido ¢ sim a uma particular forma de “falar” 0 contetido. Do ponto de vista dos usos quotidianos da lingua, constatamos que a oralidade € aescrita nao sao responsdveis por dominios estanques ¢ dicot6micos. Ha prati— 21. Valeria a pena perguntar-se porque a literatura de corde! identifica de modo tao nitido o nordesti- no. Também ¢ interessante indagar-se em que partes de suas obras Graciliano Ramos ¢ José Américo de Almeida ou José Lins do Rego sio identificados como literatura nordestina, Com certeza nao sio seus temas, mas sim os didlogos de suas personagens, ORALIDADE E LETRAMENTO. a7 cas sociais mediadas preferencialmente pela-escrita ¢ outras pela tradigfio oral Tomemos 0 caso tipic: da area juridicaJAli é € intenso ¢ rigido o uso da escrita, ja que a Lei deve ser tomada ao pé da letra. Contudo, precisamente a area juridica faz um uso intenso ¢ extenso das praticas orais nos tribunais, 0 que comprova que numa mesma area discursiva e numa mesma comunidade de praticas convivem duas tradigdes diversas, ambas fortemente marcadas. Isso sugere ser inadequado distinguir entre sociedades letradas e iletradas de forma dicot6mica. Oralidade e escrita sdo-duas praticas sociais e ndo duas propriedades de sociedades diversas.! Ocerne das confusées na identificagao e avaliagdo de semelhangas e dife- rengas entre a fala e a escrita acha-se, em parte, no enfoque enviesado e até preconceituoso a que a quest’o foi geralmente submetida e, em parte, na metodologia inadequada que resultou em visdes bastante contraditérias. A fala tem sido vista na perspectiva da escrita e num quadro de dicotomias estritas porque predominou 0 paradigma teérico da andlise imanente ao cédigo. En- quanto a escrita foi tomada pela maioria dos estudiosos como estruturalmente elaborada, complexa, formal e abstrata, a fala era tida como concreta, contextual e estruturalmente simples (cf. Chafe, 1982; Ochs, 1979; Kroll & Vann, 1981). Contudo, ha os que julgam que a fala é mais complexa que a escrita (cf. Halliday, 1979 e Poole & Field, 1976). Biber (1986, 1988, 1997) mostrou com clareza que nada é claro e conclusivo nesse terreno Uma primeira observagio a ser feita é a que diz respeito A propria visio comparativa da relagio entre fala e escrita. Quando se olha para.aescrita tem-se a impressio de que se esté-contemplando algo naturalmente-claro.c definidod Tudo se passa como se ao nos referirmos a escrita estivéssemos apontando para um fendmeno se nio homogéneo, pelo menos bastante estivel e com pouca variagdo. O contrério acorre com a consciéncia espontinea que se desenvolveu a respeito da fala. Esta se apresenta como variada e, curiosamente, nZio nos vem 4 mente em primeira mao a fala padrao. E 0 caso de dizer que fala e escrita sao intuitivamente construidas como tipos ideais concebidos com princfpios opos- tos ¢ que no correspondem a realidade alguma, a menos que identifiquemos um fendmeno que as realize. A hipétese que defendemos supde que: as diferencas entre fala e escrita se dao dentro do continuum tipoldgico das praticas sociais de produgdo textual _ endo na relagao dicotémica de dois pélos opostos. Em consequéncia, temos a ver com correlagées em varios planos, surgindo daf um conjunto de variagdes € nao uma simples variacao linear. O grafico 1 d4 uma nogiio esquematica dessa postura.”? 22. Para algumas das observagdes a seguir € mesmo para a montagem deste grifico, baseei-me em Koch & Osterreicher (1990). 38 DA FALA PARA A ESCRITA Grafico 1. Fala e escrita no continuo dos géneros textuais. Géneros da Eserita GE1, GE2... GEn ‘a ESCRITA FALA x Géneros da Fala GF1, GF2... GEn Neste grafico, temos dois dominios lingitisticos (fala e escrita) em que se encontram os géneros textuais (G), observando-se que tanto a fala como a escri- ta se dio em dois continuos: * na linha dos géneros textuais (GF1, GF2... GFn e GEI, GE2... GEn); ‘as especificas de cada modalidade. * na linha das caracteris Assim, um determinado género da fala (GF), por exemplo, uma conversa- cao espontinea, seria o GF1 ¢ representaria uma espécie de protétipo da moda- lidade, nio sendo aconselhdvel compard-lo com um género escrito (GE), tal como 6 GE1 que seria 0 protétipo da escrita, por exemplo, uma conferéncia _académiea num congresso. Na realidade, temos uma série de textos produzidos em condigdes naturais e espontineas nos mais diversos dominios discursivos das duas modalidades. Os textos se entrecruzam sob muitos aspectos ¢ por vezes cons- tituem dominios mistos. Observe-se 0 caso dos textos de um noticidrio televisivo. Trata-se de textos originalmente escritos que o leitor s6 recebe oralmente. A ques- tio é: o noticidrio de televisio é um evento de oralidade ou letramento? Por outro lado, temos certos eventos muito comuns, tais como uma aula expositiva, que em parte se compée de leituras que o professor faz e de comen- térios que Ihes acrescenta e, em parte, sio exposigSes originais sem um texto escrito prévio base. No entanto, tratamos uma aula como um evento tipicamente oral. Ha géneros que se aproximam da oralidade pelo tipo de linguagem e pela natureza da relagao entre os individuos, por exemplo, as cartas intimas e pes- soais. Isso jd nao ocorre no caso das cartas comerciais ou cartas abertas Um dos aspectos centrais nesta questao é a impossibilidade de situar a oralidade e aescrita em sistemas lingiifsticos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da lingua. Sao, portanto, realizagdes de uma gramatica.tinica, mas. que do.ponto de vista semiolégico podem ter peculiaridades com diferengas-acen— ORALIDADE E LETRAMENTO 39 iuadas, de tal modo que a escrita no representa a fala. Além disso,.os textos orais _tém uma realizag’o multissistémica (palavras, gestos, mimica etc.) ¢ os textos escri- tos também nao se circunscrevem apenas ao alfabeto (envolyem fotos, ideogramas, ‘por exemplo, os icones do computador, ¢ grafismos de todo tipo){ Fique, pois, claro que nao postulamos uma simetria de representacdo e sim uma simetria sistémica no aspecto central das articulacées estritamente lingiiisticas. Nio mais do que isso. O Grafico 2 di uma idéia das relagdes mistas dos géneros a partir de alguns postulados, tais como: meio e concepedo, tendo em vista que a fala é de concep- Go oral e meio sonoro, ao passo que a escrita € de concepgao escrita e meio grafico, Na apresentacio do grafico, temos que “a” é 0 dominio do tipicamente falado (oralidade), seja quanto ao meio e quanto a concepgao. Jé a sua contraparte seria, por exemplo, 0 dominio “d” correspondente ao tipicamente escrito. Por outro lado, tanto “b” como “c” constituem os dominios mistos em que se dariam as mesclagens de modalidades. Considerando as duas perspectivas e suas formas de realizacio, temos: a) meio de produgdo: sonoro versus grafico b) concepeiio discur Com base nisto, podemos ter a seguinte distribuigao: ‘a: oral versus Grifico 2. Representaco da oralidade e escrita pelo meio de produgao ¢ concepgao discursiva Concepcao a Meio >> Meio (sonoro) p> (grafico) ereuers (escrita) 40 DA FALA PARA A ESCRITA Se tomarmos quatro géneros diversos, tais como: * conversa¢io espontinea * artigo cientifico noticia de TV * entrevista publicada na Revista Veja e considerarmos os aspectos sugeridos no Gréfico 2, veremos que eles se situam em pontos bastante diferentes, tendo em vista o que esta representado na grade do Quadro 5, pois eles nao tém a mesma relagio com esses parametros. Quadro 5. Distribuigdo de quatro géneros textuais de acordo com o meio de produgio e a concepgio discursiva Género textual Meio de produgao | Concepcao discursiva | Dominio Sonoro | Grifieo | Oral | Escrita Conversagio espontanea x X a Artigo cientifico x x a Noticia de TV x x c Entrevista publicada na Veja x x b lominios “a” e “d” s&o prototipicos, ao passo que os dominios “b”c_ io mistos ¢ neles a produgao e o meio so de modalidades diversas-Nem por isso vamos deixar de identificar os dois tltimos géneros. Contudo, uma série de caracterfsticas neles presentes podem ter sua origem explicada de modo diverso que nos outros dois. Isto pode ser visto no Grdfico 3, que apresenta o continuo dos géneros no contexto da Fala e da Escrita, sublinhando 0 “baldo” intermediadrio que repre- senta géneros tidos como “mistos” sob os aspectos analisados no Quadro 5. SituagGes deste tipo sdo muitas e o assunto nao é tratado pelos manuais de lit gua portuguesa. Uma primeira explicitaciio da hipétese aqui postulada e que contempla a relagio fala e escrita numa visio ndo-dicotémica sob o ponto de vista sdcio- interacional poderia ser assim formulada: | Grifico 3. Representagio do continuo dos géneros textuais na fala e na escrita. pPrept COMUNICACOES PESSOAIS + bithete’ + outdoors, + conversas piblicas + conversa telefOnica + conversa espontines CONVERSACOE! 1 1 1 1 1 ' ' ' ' ' ' ' 1 Cartas pessqpis + ifquéritos + rgportagens ao vivo + entrevistas pessoais + entrevistas no rédioTV + inquéritos 1 + debates f 1 1 1 ' ' 1 1 1 1 1 1 Hl + discussdes no comunicacoes ! PUBLICAS t 1 1 1 1 noticias de jornal + cartas do leitor + forrulérios + entrevistas = volantes de rua _ + discursos festivos| ridioe TV CONSTELAGAO DE 1 ' 1 1 ' ENTREVISTAS ---h- *Gonvocgcoes 5 face ft noticidrio de TV a0 vivo PF noticidrio de ridio a0 vivo * narratives bexposigdes informais + piadas | 1 TEXTOS 7 INSTRUCIONAIS + textos prdfissionai + editoriais!de jornais stexospbicition Teme! de wo wentseumraas “poet + narrativas + receitas emn geral *telegramas t + atas de reunides - Y se a7 saulas t + relatos APRESENTACOES E REPORTAGENS + divulgagile ciemifica + discursos offciais ACADEMICOS + textos académicos + artigos cientificos is + leis + documentos oficiais + relat6rios técnicos + pareceres em processos rPa-WDONnM exposiclo académica feréncia EXPOSICOES ACADEMICAS OLNaWy4131 3 3GVaN¥HO iy 42 DA FALA PARA A ESCRITA © continuo dos géneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto as estratégias de formulagao que determi- nam 0 continuo das caracterfsticas que produzem as variagbes das estruturas textuais-discursivas, selegdes lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dio num continuo de variacdes, surgindo dai semelhangas e diferencas ao longo de continuos sobrepostos. Com isto, descobrimos que, comparando uma carta pessoal em estilo descontrafdo com uma narrativa oral espontdnea, haveré menos diferengas do que entre a narrativa oral ¢ um texto académico escrito. Por outro lado, uma conferéncia universitaria preparada com cuidado teré maior semelhanga com textos escritos do que com uma conversagao espontinea. Veja-se, por exemplo, como no Grifico 3 fica claro 6 equivoco de muitos autores que consideram a fala como dialogada e a escrita como monologada, confundindo uma das formas de textualizagiio da fala com a prépria modalida de. Basta observar 0 agrupamento e a distribuigdo dos géneros textuais repre- sentados no grafico para perceber como a distribuigdo das modalidades é muito mais complexa do que se poderia imaginar. Também a idéia de planejamento nao pode ser tida como uma caractertsti- ca de uma das duas modalidades. Biber (1988) referiu-se a essas impropriedades analiticas como equivocos metodoldgicos que levaram os autores a posigdes contrarias a propdsito dos mesmos problemas. Isto equivale a dizer que tanto a fala como a escrita apresentam um continuun de variagdes, ou seja, a fala varia ea escrita varia. Assim, a compa- rago deve tomar como critério basico de andlise uma relacdo fundada no continuum dos géneros textuais para evitar as dicotomias estritas. Certamente, 0 sucesso da anlise dependera também da concepgao de lin- gua que fundamentard a perspectiva teérica, bem como da idéia de funciona- mento da lingua. No presente caso, parte-se da nogdo de funcionamento da lin- gua como fruto também das condigdes de produgdo, ou seja, da atividade de produtores/receptores de textos situados em contextos reais e submetidos a de- cisdes que seguem estratégias nem sempre dependentes apenas do que se convencionou chamar de sistema lingiitstico. Dai a necessidade de se adotar um componente funcional para analisar a relagdo fala versus escrita-enquanto mo-— dalidades. de-uso. 4 A concepgiio de sistema, tal como utilizada aqui, no deveria conter mais do que a nogio basica de estrutura virtual, ou seja, constructo abstrato e teérico desenvolvido como objeto da teoria ¢ nado tomado como fato empirico. A lingua “ usos do cédigo. Central, neste caso, é a elimi ORALIDADE LETRAMENTO 43 se realiza essencialmente como heterogeneidade e variag’o e nio como sistema tinico e abstrato. Com isso, toda vez que emprego a palavra /ingua nao me refiro a um siste- ma de regras determinado, abstrato, regular e homogéneo, nem a relag6es lin- giiisticas imanentes. Ao contrario, minha concepgao de lingua pressupde um fenédmeno heterogénco (com miltiplas formas de mani tagao), variavel | (di- ndmico, suscetivel a mudangas), histérico e social (fruto de praticas sociais e_ histéricas), indeterminado sob o ponto de vista semantico e sintitico (submeti- “do as condigdes de produgio) e que se manifesta em situagdes de uso concretas como texto e discurso. Portanto, heterogeneidade e indeterminagao acham-se nna base da concepgio de lingua aqui pressuposta (cf. obs. a respeito em Franchi, 1977). Os sentidos ¢ as respectivas formas de organizagao lingiiistica dos textos no uso da Fingua co como atividade 3 sitwada Isto: se da na mesma medida, io funcionamento pleno da Tinguad L Literalidade ¢ e nao-li Tingiiisticos e dos enunciados sao aspectos que nao podem ser definidos a priori, mas em contextos de uso. Com base nessa concepgio, fica de antemio climinada uma série de dis- tingdes geralmente feitas entre fala e escrita, tais como a contextualizagdo (na fala) versus descontextualizagdo (na escrita), implicitude (na fala) versus explicitude (na escrita) ¢ assim por diante, 0 que mostra nossa diferenga em relagiio a certos modelos analisados anteriormente. Em suma, partindo da nogo de lingua e funcionamento da lingua tal como concebidos aqui, surge, como hipdtese forte, a suposigdo de que as diferengas torna-se mais congruente levando-se em consideragio nio 0 cédigo, mas os cio da dicotomia estrit _Sugestiio de uma diferenciagio gradual ou ou escalate

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