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APRESENTAGAO Este volume é resultado de inimeros cursos que demos, ha alguns anos, na VASP e no Aerocluke de Sao Paulo, e, mais recentemente, na EWM ~ Aviation Ground School. Esses cursos visavam preparar candidatos para diversas areas de atuagao na aerondutica: piloto de linha aérea, piloto comercial, despachante operacional de véo e flight engineer, bem como apresentar a Aerodinadmica de Alta Velocidade para os comandantes promovidos aos avides One Eleven e Boeing 737-200. Assim, este livro procura atender aos programas de aerodinamica de alta velocidade nos cursos mencionados, e também introduzir nogdes basicas necessarias a um piloto de avido trans6nico. Acrescenta, ainda, informes sobre o unico avido de transporte supersénico atual - 0 Concorde —, bem como adianta alguns problemas que cercam os futuros avides supersénicos e hipersénicos. Esperamos que esta obra possa, efetivamente corres- ponder as necessidades dos leitores e que consiga despertar a curiosidade daqueles que se interessam por esse assunto. 1 COMPRESSIBILIDADE 1.1) Substancias compressiveis e incompressiveis 1.2)0 som . ate lL 3)Impulsos Ag pressdio:, 1.4)Ntimero de Mach... 2 CONSEQUENCIAS DAS ONDAS DE CHOQUE 2.1) Estol de compressibilidade (ou de Mach) 2.2) Aumento de Arrasto .. 2.3) Variagdo da posigao ain: ‘denitio: aa pressao odo avido ..27 2.4) Redugdo do downwash 2.5) Rolloff ... . 2. 6) Tendéncia. de picar ar (tuck under) 2.7) Vibragées na cauda ou em todo avido 2.8) Comandos inoperantes ... 2.9)Problemas de mergulho... 3 VOO TRANSONICO 3.1) Enflechamento ... 3.2) Aerofélios de pequena espessura e curvatura.. 3.3) Outros processos empregados no véo transénic 3.3.1) Regra da area (area rule) 3.3.2) Geradores de vértices (vortex generators) 3.3.3) Estabilizador horizontal com incidéncia va- TiAVel 3.3.4) Mach trimmer 4 CONSEQUENCIAS DO ENFLECHAMENTO . 4,1) Redugdo da Sustentagao ........: 4,2) Tendéncia de “passeio” dow: filetes ae ar 4.3) Tendéncia de estol na ponta da asa . 5 EFEITOS AEROELASTICOS 5.1)Inversdo do aileron 5.2) Spoiler 6 PROPULSAO 6.1) Motores a turbin: 6.2) Pés combust4o (queimador posterior). 6.3)Regimes dos motores turbo fan/turbo jato de avia- Gao .. i a 69 6.4) Outre innate areagdo, que néo a ‘a tana: 6.4.1) Estatorreator (ram jet) .. 61 6.4.2) Foguete (rocket) ....cesecsesseeeeee 6.5) Motores mistos — Turbo-estatorreato: 6.6) Tragdo ou poténcia? 6.7) Motores do futuro.. 7 ALCANCE DOS JATOS PUROS 7.1) Diferengas entre motores a jato e a hélice 7.2) Alcance maximo dos jatos .. a ” 7.3) Cruzeiro de maximo slate e 6 longo alcance .......69 8 VOO SUPERSONICO 8.1) Deslocamento supersOnico e subs6nito ...........2.2..71 8.2) Tipos de ondas supersénicas .. anit 8.2.1) Ondas de choque: obliquas x x normais 8.3) Perfis supers6nicos .... 8.4) Arrasto na fuselagem = 8.5) Avides supersOnicos .....cecccecceesscecescereseseeereeeeseeeeeeaseeee 9 CONCORDE - TRANSPORTE SUPERSONICO . 9.1)Fuselagem 9.2) Asas..... 9,3) Motores 9.4) Aquecimento da estrutura 9.5) Elevado arrasto de onda .. 9,6) Deslocamento do centro de pressao .. ti 9.7)Deterioragéo da estabilidade nas Gandise veloc! dades.. 9.8) Estrondo sénico 10 VOO HIPERSONICO . CONCLUSAO ....cosessecesereesseerssesncssttenteeeneones QUESTIONARIO oo.esseesssessssssesteeenteseee INTRODUGAO . Na década de 40, os avides mais velozes apresentavam fendmenos nao bem compreendidos entao, classificados, genericamente, de “problemas de compressibilidade”. Tais como: 1) Nas grandes velocidades, sem causa aparente, o equilibrio do aviao se modificava, e ele se tornava extremamente “pesado de nariz”, isto é, com tendén- cia de picar (tuck under). 2) Eram freqtientemente observadas vibragées na cauda ou mesmo em todo 0 aviao. 3) Em alguns casos, o piloto comandava os profundores eo leme de diregao, os quais se moviam sem produzir resposta. Outras vezes, os comandos ficavam extrema- mente duros, e 0 piloto tinha muita dificuldade para mové-los. Por vezes, esses fendmenos ocorriam no comego de um mergulho a grande altitude e desapareciam alguns milhares de pés abaixo, sem que se soubesse os motivos. Outras vezes eles permaneciam, causando, inclusive, acidentes fatais. Entre esses, o mais comentado foi a morte de Geoffrey de Havilland — RQ Newton Soler Saintive filho do famoso projetista britanico de avides — quando pilotava © aviao experimental DH108, em 27 de setembro de 1946. Provavelmente, o primeiro avido a apresentar aqueles problemas em véo real foi o Lockeed P-38 (em 1941), que atingia 70% da velocidade do som em véo picado, Durante os mergulhos ele ficava pesado de nariz, e vibragées originadas na empenagem atingiam todo o aviéo com muita violéncia. A Lockeed convocou os maiores especialistas da época para estudar essa "doencga”. Alguns cientistas pensavam tratar-se de flutter, Outros especialistas, porém, diagnosticaram problemas de compressibilidade, o que foi depois confirmado e corrigido (ref. 1 e 6). ‘Mas, 0 que vem a ser compressibilidade? E o que tema ver compressibilidade com o som? E o que veremos no Capitulo 1. Estes problemas de compressibilidade surgiram com o inicio dos véos transénicos, da ultrapassagem da “barreira do om" € dos véos supersénicos e hipersdénicos, os quais estao descritos nos capitulos seguintes. Na realidade, a compressibilidade é a primeira parte da Aerodindmica de Alta Velocidade. E como o rompimento da “barreira do som”, s6 foi possivel devido aos motores 4 reag&o, um dos capitulos trata dos atuais propulsores dos avides de Alta Velocidade. (1) Flutter é uma vibragao ciclica, de alta freqéncia, causada pela interacao das forgas aerodindmicas ¢ das forgas eldsticas que agem sobre as asas ou sobre as superficies de controle. . 1 COMPRESSIBILIDADE 1.1) Substancias compressiveis e incompressiveis Uma substancia é compressivel se seu volume variar de acordo com a presséo por ele suportada; quando a pressao aumenta, o volume diminui, e vice-versa. Caso contrario, isto é, se o volume 'da substancia nao se modificar com a press&o, ela é incompressivel. 7 A variagao do volume da substancia compressivel corresponde uma modificagao da densidade, pois a mesma massa ocupara volume diferente. A figura 1.1 exemplifica essas substancias. Na natureza nado existem, realmente, substancias 100% incompressiveis, pois todas elas, quando suficientemente comprimidas, reduzem seu volume. Para todos os fins praticos, no entanto, os liquidos e os sélidos s4o incompressiveis, pois necessitam pressées elevadissimas para reduzir diminuta parcela de seu volume. A agua, por exemplo, contrai-se em 50 milionésimos do volume original para cada aumento de uma atmosfera de pressao. Portanto, se a pressdo sobre um litro de agua passar de uma para duas atmosfera, seu volume sera 4 Newton Soler Saintive Y ti AU = aumento co pressso 2) substanca compressive «= V, = volume inciat v V, = volume final EZ i wy m= massa eo Yj p, = densidade inicial Ae 5 P, = densidade final b) substancia incompressivel Figura 1-1. Substancia compressive! e incompressivel. reduzide em apenas 0,00000002 litros. Esta mesma pressao aplicada sobre um litro de ar, mantendo-se a mesma temperatura, o reduzira a cerca de meio litro. Conclui-se, pois, que 0 ar, como todos os gases e vapores, é compressivel. Vejamos outro exemplo, bem conhecido dos pilotos: suponhamos que os cilindros inferiores de um motor radial, ap6s muito tempo sem funcionar, estaéo com muito éleo na camara Ge combustao. Se for dada a partida nesse motor, sem prévia rotagao a mo pela hélice, o impacto do pistao com este dleo provocara o chamado “arfete hidraulico”, que danificar4 o pistéo, acabega do cilindro, a biela etc. No entanto, se o cilindro contiver apenas ar, o pistao nao encontrara resisténcia, e a partida sera normal. A diferenga entre essas duas situagées é que 0 dleo é incompressivel, e o ar compressivel. O aumento de press&o provocado pela ida do pistao para o ponto morto alto reduz o volume do ar, mas nao o do éleo, dai o impacto. Apesar da evidente compressibilidade do ar, o estudo da Aerodinamica nas baixas velocidades, é bastante simplificado, porque as pressdes nesse regime s4o muito baixas, produzindo variagdes despreziveis de volume e densidade. Nesse caso, o ar pode ser considerado incompressivel. Aerodindmica de Alta Velocidade ——————- 15 Analisemos, como exemplo do que foi dito acima, a asa de um avido que voa a 91 mph nas condigées ISA, nivel do mar (pressdo 1 013,2 hPa e densidade de 1,225 kg/m‘). No ponto de estagnagao A, a velocidade € zero, eapressao é maxi- ma. Todos os filetes de ar acima e abai- AS a velocidades maio- res que zero, @, Figura 1-2. Ponto de estagnagao, portanto, pressdes menores que A. No ponto de estagnagao, a pressao aumenta 1% em relagao 4 pressao atmosférica, ou seja, passa para 1023,3 hPa, e a densidade aumenta apenas 0,7% devido ao aumento de temperatura, passando a 1,2335 kg/m*. Tal variagao de densidade é desprezivel, e o ar pode ser considerado incom- pressivel. Mas se o mesmo aviao voar a 380 mph, a pressao no ponto de estagnagao aumentara 18% (1 195,6 hPa), ea densidade 13% (1,384 kg/m?). Estas variagdes sao muito grandes, ¢ portanto nao podem mais ser ignoradas. Nas grandes velocidades o ar tem que ser considerado compressivel. -Deste modo, a partir de que valor devemos considerar 0 inicio da “Alta Velocidade", quando nao podemos mais considerar o ar incompress{vel? A rigor, nao existe uma fronteira nitida, podendo-se encontrar valores diferentes na literatura técnica: 250 kt (ref. 2) ou M < 0,4 (ref. 12). Ponto de estagnagiio 1.2) Osom Um fater de grande importancia no estudo de compressibilidade é a velocidade do som. O que é0 som? O som 6 uma série de impulsos de pressao que atingem nossos . ouvides numa freqiiéncia que podemos ouvir. Ele nada tem a ver com a compressibilidade; o que importa é a velocidade com 16 Newton Soler Saintive que se propagam os pequenos impulsos de pressdo, e o som é o mais conhecido deles. Para que as ondas sonoras se transmitam, deve haver uma substancia ou meio que seja comprimido, pois o som nao pode se propagar através do vacuo. No ar, a velocidade do som sé depende da temperatura, de acordo com a férmula: a=a,V6 (1.1) a = velocidade do som na temperatura absoluta T a, = velocidade do som na temperatura absoluta 7, 6=T, Exemplificando: a velocidade do som nas condigées ISA —nivel do mar (t=15° C), 6 340,29 m/s. Nas condigées ISA 30.000 pés (t = - 44,4°C), a velocidade do som sera: a7. 273 + 15 a = 340,29 = 303,15 m/s 1.3) Impulsos de pressdo Quando um avido se desloca na atmosfera, provoca mudangas de pressao e velocidade que afetam o ar que 0 envolve. Estas mudangas de press4o, isto é, estes impulsos de press&o se propa- gam na velocida- de do som. Se o ‘Upensh Doin heed avido esta voando em baixa veloci- dade, os impulsos de pressdo vao a frente do mesmo, influenciando o ar que ainda nao en- trou em contato Figura 1-3. Escoamento subsonica, com ele. Aerodinamica de Alta Velocidade ————_—______—_____»-_ 17 A evidéncia deste “aviso” pode ser visto num escoamento caracteristico subsénico (figura 1-3), que mostra os filetes 4 frente do aerofélio com uma inclinagéo para cima (up wash). . Se um aviao voa mais rapido que o som, o ar nao 6 “avisado" de sua chegada. Nesse caso, seu ajustamento é essencialmente instantaneo, provocando uma onda de “distarbio” chamada , onda de choque. Ao passar pela onda de choque, o ar expe- yimenta subitas mu- dangas de velocidade, pressdo, temperatura e densidade, neces- sarias para permitir que ele escoe tan- gente 4s partes do aviao (figura 1-4). ‘Osfiletes nda modificam a diregZo a frente do bordo de ataque Onde, de chooue U = eda, di puna, Rawat Esoomerto supesnico, 1.4) Ndmero de Mach Neste ponto, j4 se tormou evidente que os efeitos de compressibilidade dependem, basicamente, da relag&o entre as velocidades do corpo em movimento e a do som na mesma condigao, isto é, na mesma temperatura. Esta relagéo tem o nome de ntimero de Mach, e vale: Ms (1.2) V=velocidade aerodinamica do aviao (TAS) v M= ndmero de Mach £ a= velocidade do som O ntimero de Mach 1 significa que a velocidade aerodi- namica é 100% da velocidade do som, isto 6, igual a esta velocidade. Da mesma forma, Mach = 0,8 significa que a 18 =< Newton Soler Saintive velocidade aerodindmica (verdadeira) é 80% da velocidade do som, na mesma temperatura. E muito importante notar que os efeitos de compres- sibilidade no estao limitados as velocidades de véo iguais ou superiores 4 velocidade do som. Para produzir Sustentagdo, os aerofélios aceleram os filetes de ar no extradorso; logo, nessa regido, as velocidades locais sao sempre maiores que a velocidade do avwiao (ver figura 1-5-A, onde os filetes de ar no extradorso atingem Machs de 0,74, 0,78 e 0,82, enquanto o aviao voa a Mach 0,70). Se aumentarmos a velocidade do aviao, chegaremos a um valor no qual, pela primeira vez, um ponto do avido (normalmente na asa, préxi- 0.73 O82 0.78 mo & fusela- 0.74 O74 gem), atinge a velocidade do 4°” oy som. Esta velo- cidade é deno- ® o9s 10 o95 minada Mach a0 090 critico. No nos- so avido ficti- 8 =" cio, M_,, = 0,85 {ver figura 1-5- Figuras 1-5 -Ae 1.5 -B. Vatiacao do nimero de Mach sobre o zerofolio, B). {A) Para va- floxo supersénico- onda de cheque lores superiores. ao M,,,, teremos regides da asa onde a veloci- dade dos filetes > é inferior 4 velo- cidade do som Figura 1-5-C. Regime transOnico. (subsénicas) e outras onde ela é superior 4 velocidade do som (supersénicas). A coexisténcia dos escoamentos subsénicos e supersénicos caracteriza 0 regime transénico. Aerodinamica de Alta Velocidade 19 No regime transénico, a passagem do fluxo subsénico para supersénico é suave, porém a transigdo do fluxo super- sénico para subsénico é sempre acompanhada por uma onda de choque. De acordo com o nimero de Mach, os regimes de véo podem ser classificados em: Subsénico — M < 0,75 (filetes com velocidades inferiores a do som) Transénico ~ 0,75 < M< 1,2 (filetes supersénicos e subsénicos) SupersOnico-1,2 < M< & (somente filetes supersonicos) Hipersonico—M > 5 Nos regimes supersénico e hipersénico, todos os filetes de ar em contato com 0 avido estéo com velocidades superiores & do som, exceto, naturalmente, os filetes dentro da camada limite. Os valores acima sAo aproximados, dependendo das formas aerodinamicas do avido;um aviao poderd voar subsénicamente com Mach 0,76 (todos os filetes com velocidades subsénicas) ¢€ um outro poderd voar transénicamente com Mach 0,74 (filetes supersénicos e subsénicos). Todo avido que voa em regime transénico ultrapassou o Mach critico, que é a fronteira entre os véos subsénicos e transénicos,’e um ponto de referéncia para todos os problemas de compressibilidade encontrados no véo. Pode-se ver, da relagao acima, que grande parte dos avides de transporte atuais tem capacidade de ultrapassar o Mach critico, sem nenhum problema, isto é, para a maioria dos avides a jato, a velocidade maxima: M,,? > M,, Como vimos nas figuras 1-5-A e 1-5-B, a velocidade dos filetes de ar no bordo de fuga deve igualar a velocidade do ar nao influenciado pelo aviao, ou seja, a mesma velocidade do aviao. Se esta for menor que M = 1, como no nosso exemplo, os filetes devem desacelerar para velocidades subsénicas Amedida que se aproximam do bordo de fuga. . (2)M,,, (Maximum operating speed) é 0 maior ntimero dé Mach permitido para operagies normais. 20 <_—<$ — Newton Soler Saintive fluxo supersénico onda de choque normal subsénica possivel descolamento M=0.77 an onda de choque normal a descolamento onda de choque normal Vejamos a figura 1-6, com outros aerofélios. Quando a velocidade do avido aumenta de M = 0,77 para M = 0,82, nota- se que a onda de choque se move na diregdo do bordo de fuga, © que significa que a area supersénica aumenta. Nessa velocidade j4 aparece uma onda de choque no intradorso. Com M = 0,95, quase todo 0 aerofélio estara sujeito ao escoamento supersénico. Ao ultrapassar Mach 1, como o aviao nao pode “telegrafar" para avisar de sua préxima chegada, as particulas de ar devem se ajustar instantaneamente 4 forma da asa e da fuselagem, produzindo uma nova onda de choque a frente dos mesmos, denominada onda de proa. Quando 0 bordo de ataque é arredondado, como na figura 4-6, entre o mesmo e a onda de choque existe ainda uma regiao. Aerodin4mica de Alta Velocidade ———> > 21 subsénica, enquanto todo o resto do aerofélio ja esta no escoamento supersénico. Portanto, o avido continua no regime transénico, apesar de ter ultrapassado Mach 1. Vejamos como se formaram as ondas de cheque normais. Suponhamos um aerofélio se deslocando com M = 0,89, acima do Mach critico, no qual as velocidades locais sao mostradas na figura 1-7. : Regidio supersdnica Figura 1-7 - Formagdo de Ondas de Choque Analisemos os impulsos de pressao gerados no bordo de fuga (ponto B), onde o n&mero de Mach dos filetes é 0,89. Estes impulsos tendem a influenciar o ar 4 frente do aviao e, portanto, sobem na diregaéo do bordo de ataque, com a velocidade do som. No entanto, os filetes de ar descem com M = 0,89. Logo, a velocidade resultante sera 1 - 0,89 = 0,11. Ao chegar ao ponto onde a velocidade é 0,90, os impulsos produzidos em B se juntam aqueles onde M = 0,90, e ambos sobem com M = 0,1, juntando-se com os impulsos de outros pontos, até chegarem ao ponto E. Neste ponto, todos os impulsos produzidos por todos os pontos da regiao subs6nica, que vai do bordo da fuga até o ponto E (exclusive), ficam acumulados, pois a velocidade dos impulsos para cima é igual a velocidade para baixo dos filetes de ar, isto 6é, M = 1. O mesmo ocorre com impulsos produzidos na regiao supersénica, compreendida entre os pontos E e F Eles tentam influenciar o ar a frente do aerofélio, porém a velocidade de subida dos mesmos é¢ inferior 4 velocidade dos filetes de ar, e portanto sAo arrastados até o ponto E, onde novamente as velocidades dos impulsos de pressdo na diregao do bordo de 22 Newton Soler Saintive ataque s&o iguais & velocidade dos filetes em direg&o ao bordo de fuga, M = 1. Assim, todos os impulsos de press4o gerados na regiao supersénicas bem como aqueles gerados na regiao traseira subsdénica do extradorso da asa ficam acumulados na onda de choque, e isto produz aumento de pressao, temperatura e densidade. A onda de choque normal, prépria do regime transénico tem as seguintes caracteristicas: 1) S36 ocorre quando um escoamento passa de super- sénico para subsénico. O ntimero de Mach apés esta onda é aproxima- damente o inverso do namero de Mach antes da onda. Assim, se esta valer 1,25, apés a onda, o Mach sera de aproximadamente 1/1,25 ou seja, 0,8. 2) Adiregao dos filetes de ar nao 6 modificada ao passar por esta onda de choque. Nesta onda ocorre um aumento de pressao, tem- peratura ¢ densidade do ar, e redugao da veloci- dade e do ntimero de Mach dos filetes. Ela provoca também uma grande redugao da energia dos filetes de ar, isto 6, a soma das press6es estatica e dindmica é diminuida. = 4 Nota: “A proxima vez que vocé tiver uma oportunidade de voar num avido ajato, e o sol estiverem cima (cerca de meio dia ou comeco da tarde), olhe na diregaéo da envergadura da asa. Devido a refragdo da luz =) na onda de choque, vocé as #| vezes poderd ver aoclho nu as ondas de choque dangando na superficie da asa. (ref. tf pag. 209). Algo como a figura acima. 2 CONSEQUENCIAS DAS ONDAS DE CHOQUE 2.1) Estol de compressibilidade (ou de Mach) O estol de um aerofélio ocorre porque os filetes de ar, na camada limite, perdem energia cinética devido a viscosidade. Com menos energia, eles nfo podem vencer o gradiente desfavoravel de press4o, causado pelo grande angulo de ataque e, descolam muito antes do bordo de fuga, reduzindo a Sustentag&o e aumentando o Arrasto. Quanto maior o 4ngulo de ataque acima do Angulo de estol, maior 0 coeficiente de Arrasto e menor o coeficiente de Sustentagéo. Efeite semelhante ocorre com a onda de choque. Existe uma interagao entre ela e a camada limite, de forma que esta aumenta substancialmente sua espessura ao passar pela onda, Quando a onda de choque for de grande intensidade, muito acima do Mach critico, o aumento da espessura da camada limite mais o gradiente adverso (um stibito aumento de press€o numa onda apenas 1/100.000 de polegada de espessura) provocam um descolamento de filetes, que afeta tanto a Sustentagao como o Arrasto (figuras 2-1 e 2-2). 24 Newton Soler Saintive 0.30 Verifica-se assim que a onda de cheque muito intensa produz descolamento dos filetes, semelhante ao velho estol subsénico, ¢ é por isto chamado estol de compressibilidade, estol de choque ou de Mach. Apesar do desco- lamento dos filetes, o coeficiente de Susten- tagao maximo n&o se Figura 2:1. C, x @ para diferentes reduz continuamente, ou. niimeros de Mach, seja, o estol de compres- sibilidade é menos oritico que o estol subsénico. Desse modo, os avides que voam no regime transénico estao sujeitos aquelas vibragdes tipicas do pré-estol (buffet) nao s6 nas baixas, mas também nas altas velocidades. Para elimina- las, o piloto deverd, nas baixas velocidades, reduzir o Angulo de ataque e aumentar a velo- cidade, e, nas altas velocidades reduzir o nimero de Mach. i A figura 2-3 mostra os - buffet limits de um bimotor de tecnologia dos anos 60 e peso aproximado de 110.000 libras. Figura 2.2. C, x C, para diferentes Este grdfico permite determi- nameros de Mach. nar a velocidade e a altitude onde ocorrem vibragées severas do pré-estol de baixa e alta velocidade, com diversos fatores de carga. Observa-se que as velocidades dos buffet variam com a altitude. A velocidade indicada do pré-estol de baixa velocidade aumenta com a altitude por duas razées principais: onda de choque -com efgito da onda de choque Aerodinaémica de Alta Velocidade 25 © Altitude pressdo (1 000 ft) 100 200 300 400 Velocidade indicada (Ht) Figura 2-3, Limite de buffet. a) Erros de instrumento devido a compressibilidade. Em outras palavras, o velocimetro indica uma velocidade superior a real. b) Nas grandes altitudes a compressibilidade do ar afeta a distribuigao das pressées em torno do aerofolio, e, portanto, afeta também a velocidade do estol. Por outro lado, a velocidade indicada do pré-estol de alta decresce com a altitude; como o pré-estol ocorre com um numero de Mach praticamente constante, quanto maior a altitude, menor sera a velocidade indicada correspondente a esse numero de Mach. A conseqiiéncia dessas variages de pré-estol com a altitude é que ¢las se encontraréo num ponto sugestivamente denominado “canto do caix&o" (coffin corner). Nesse ponto, o avido estarA sujeito aos dois buffets, o de alta e o de baixa. E possivel sair desse “canto” simplesmente mantendo a altitude, para consumir combustivel. Apés algum tempo, com menor peso, ser reduzida a velocidade do buffet de baixa e aumentada a de alta, saindo pois do coffin corner. Newton Soler Saintive 26 OB-47, bombardeiro americano fabricado em 1950, podia alcangar o coffin corner em véo nivelado, porém nos jatos atuais esse problema é evitado colocando o teto de servigo abaixo do coffin corner. No entanto, eles poderao alcangar esse “canto” com um fator de carga elevado (figura 2-3). Voando nos maiores niveis de vo, devem ser evitadas curvas de grande inclinagao, que poderdo levar 0 aviao ao coffin comer (teto aerodinamico), ou pelo menos reduzir as velocidades disponiveis na regiao livre do buffet. 2.2) Aumento de Arrasto Vimos, anteriormente, que as primeiras ondas de choque, de pequena intensidade, causam aumento de espessura da camada limite. Com a elevagaéo do nimero de Mach, elas provocam descolamento dos filetes. Estes dois efeitos produzem uma nova parcela de Arrasto denominado Arrasto de Onda ou de Compressibilidade. Seu crescimento é lento apéds o Mach critico, inicialmente devido apenas ao aumento da espessura da camada limite. Mas quando as ondas de choque produzem descolamento de filetes, o aumento é mais rapido, até chegar ao Mach de Divergéncia de Arrasto (Drag divergence Mach number) - M,,,, a partir do qual ocrescimento do coeficiente de Arrasto é muito mais acentuado. Na pratica, a velo- cidade de cruzeiro de um avido nao pode superar de combustivel. Nota-se, na figura 2-4 que o coeficiente de 2 iO 10 Arrasto, para enflechamen- M, Namero de Mach . to nulo, atinge seu valor ma- Figura 2-4, Aumento de Arrasto, ximo no Mach = 1. e i muito este nimero de Mach, 2 lah de dvergncia pois o grande aumento de 5 Arrasto provocaria elevado 3 bi ican aumento de consumo de e Aerodindmica de Alta Velocidade 27 Nas décadas de 30 e 40, essa velocidade era chamada de “barreira do som”, e sé foi superada em 14 de outubro de 1947, quando o cap. Charles E. Yeager alcangou Mach 1,05, pilotando o Bell XS-1. 2.3) | Wariagao da posigao do centro de pressdo do aviao As ondas de choque provocam uma variagao na distribuig&o de pressao nos aerofélios, deslocando o centro de press&o da asa para tras (figura 2-5), Centro de press&o Deslocamento do centro de pressao (a) Angulo de alaque 2.6° Mach 0.75 {b) Angulo de ataque 4.6° Mach 0.875 Figura 2-5. Variagao do centro de pressao. 2.4) Redugiio do downwash Quando um aerofélio produz Sustentag4o, como conseqiiéncia do principio de ago e reag4o, os filetes de ar passam pelo bordo de fuga sao desviados para baixo (downwash). Devido ao downwash, o angulo de ataque da superficie horizontal é negativo, e portanto, a Sustentac&o nela produzida 6 negativa (para baixo). Com velocidades superiores ao Mach critico, a onda de choque reduz o downwash da asa, e, como conseqiiéncia, o Angulo de ataque da superficie horizontal torna-se menos negativo, reduzindo, pois, o valor da resultante (figura 2-6). 28. Newton Soler Saintive S Figura 2-6. Redugao do dowmwash. 2.5) Rolloff Suponhamos um avido com M,,, = 0,80 voando com M = 0,75. Se o piloto aplicar pedal direito, a asa esquerda sera acelerada em relag&o a direita, aumentaré a Sustentagao e se elevard. Portanto, pé direito, levantamento da asa esquerda. Porém, se a mesma operagao for repetida com M > 0,80, a asa esquerda sera acelerada para M > M,,,@ podera provocar a reducdo do coeficiente de Sustentagao (figura 2-1). Como conseqiiéncia, ela perder Sustentag4o, ¢ abaixara, isto é, o rolamento ocorrera para o lado errado. Este fendmeno é denominado roiloff. Assim, por seguranga, nos véos com velocidades préximas de M,,,, nao é aconselhavel o emprego do leme de airegao, sé dos ailerons. As conseqiiéncias vistas até agora, nos fornecem as ferramentas para analisarmos os problemas de com- pressibilidade ocorridos na década de 40, a saber: Aerodinamica de Alta Velocidade 29 2.6) Tendéncia de picar (tuck under) Sao duas as causas: o deslocamento do centro de pressao para tras, e a redugdo do downwash da asa. Consideremos 0 aviao da figura 2-7 em duas situagdes diferentes: em baixa velocidade, portanto sem problemas de compressibilidade, e em alta velocidade, acima do Mach critico. Analisemos a primeira situagao. Suponhamos que o avido voe a 200 nés em véo reto horizontal. Como o centro da presséo (cp) esta atras do centro de gravidade (cg), a Sustentagao da asa produzira um momento, tendendo a “picar” 0 aviao, o qual é equilibrado pelo momento da resultante do aerofélio estabi- lizador horizontal-profundor. Lxa=Fxb Figura 2-7. Tuck under, Nas grandes velocidades, o (ep) se desloca para tras, aumentando o brago a e, consequentemente, o momento de picagem do aviao, enquanto a redugaéo da componente traseira, devido 4 diminuigao do downwash, reduz F e o momento de cabragem, ocorrendo pois um desequilibrio: Lxa > Fx b. Este desequilibrio provoca a tendéncia de picar. 2.7) Vibragdes na cauda ou em todo o aviao Eram causados pelo descolamento dos filetes provocado pelas ondas de choque. 30 <<$$ A A$ Newton Soler Saintive 2.8) Comandos inoperantes Superficies de comando que se moviam sem produzir resposta, ou comandos que se tornavam excepcionalmente duros. Varias eram as causas destes problemas. Quando no existem ondas de choque, a movimentagao de uma superficie de comando modifica o escoamento & frente do aerofélio, aumentando ou reduzindo a forga aerodinamica produzida pelo mesmo. Acima do Mach critico, todos os sinais produzidos por estas superficies de comando ficam acumuladas na onda de choque, diminuindo drasticamente sua influéncia. Por outro lado, a onda de choque produz descolamento de filetes, e a agao das superficies de comando é mais eficaz atuando sobre o ar nao descolado, com maior energia cinética. Por Ultimo, a mudanga do centro de pressdo das superficies de comando também causada pelas ondas de choque, produz grande aumento do momento na linha de articulagaéo, tornando, pois, mais dificil sua movimentagao. 2.9) Problemas de mergulho Por que alguns avides apresentavam problemas nos mergulhos em grandes altitudes, os quais desapareciam nas baixas altitudes? = A razdo @ que, ao perder altitude, a velocidade do som aumentava, e eventualmente a redugao do nimero de Mach era suficiente para tira-lo dos problemas de compressibilidade. 3 v6OO TRANSONICO Na década de 40, os problemas de compressibilidade ocorriam, com Mach = 0,6. Hoje, os avides de transporte atingem Mach acima de 0,92, voam em altitudes superiores a 40.000 pés e€ sao muito maiores e mais pesados. Nas atuais velocidades de cruzeiro, o Arrasto induzido representa de 25% a 40% do total, sendo os Arrastos parasita e de compressibilidade responsaveis pelo restante. No cruzeiro dos DC-7, Super Constellation, etc, o Arrasto induzido representava cerca de 50% do total, e por isso eles empregavam de asas com maiores alongamentos. Os transportes atuais sAo mais “limpos aerodina- micamente” e tém recursos pata reduzir os Arrastos de com- pressibilidade e parasita, que sAo predominantes. Um exemplo do progresso na redug&o do Arrasto para- sita pode ser visto na diminuig&o das 4reas planas equivalentes do DC-3 (23,7 pés quadrados) para o DC-9-30 (20,6 pés quadrados). O DC-9-30, apesar de tranportar 105 passageizos contra os 21 do DC-3, tem menos 13% de Arrasto parasita. 32, Newton Soler Saintive Como os problemas de compressibilidade sé ocorrem acima do Mach critico, e o Arrasto torna-se muito elevado apés o Mach Divergent Drag, os projetistas empregaram meios de aumentar esses Machs. Os processos foram: 3.1) Enflechamento Consideramos uma asa retangular, cujo aerofélio tem o M,,, = 0,70, Se a asa tiver um enflechamento de, por exemplo, 30°, o aerofélio continuara com o mesmo M_,,, mas s6 “sera sensivel” 4 componente dos filetes de ar perpendicular ao bordo de ataque. Vo | Mee sem enflechamento M,, para asa = 0.7 © aerofolio 36 ve esta componente de velocidade enflechamento com 30° M,, para asa=0.7 Figura 3-1. Enflechamento, Assim, conservando o mesmo aerofélio, o novo M_,, sera 0,7 dividido por cos 30° = 0,808. Conseqtientemente, o aviao encontraré problemas de compressibilidade acima de Mach 0,808 e n&o acima de 0,7. Na vida real, o escoamento sobre as asas é tridimensional, mais complexo que a figura 3-1 e o M,, estaré compreendido entre 0,7 e 0,808 ou seja: 0,7 < M_,, < 0,808. Aerodinamica de Alta Velocidade ——_——___——_—________>_ 33 © emprego de uma asa enflechada 6 um compromisso, com pontos positivos e negativos, pois se ela aumenta o Mase por outro lado traz inimeras desvantagens. Entre outras: menor capacidade de produg&o de Sustentacdo, tendéncia de estolar de ponta de asa e produzir pitch up, possibilidade de agravar o tuck under nas grandes velocidades etc. 3.2) Aerofélios de pequena espessura e curvatura E razoavel esperar que o M_,, possa ser aumentado se as velocidades locais nas superficies dos aerofélios forem mantidas tao pequenas quanto possivel. Por isto, os aerofélios projetados para grandes velocidades tém menor curvatura 6 menor espessura do que aqueles convencionais, usados nas baixas velocidades, O prego a ser pago é uma redugao do coeficiente de sustentagéo maximo e do volume para armazenar combustivel e trens principais nas asas. Os primeiros aerofélios estudados com esta finalidade foram os chamados aerofdlios laminares (NACA série 6), cuja idéia bdsica era que a transigéo do escoamento laminar para turbulento ocorresse o mais atras possivel (40, 50 ou 60% da corda), com aumento de velocidade bastante suave no extradorso. Posteriormente verificou-se que estes nao eram, realmente, os melhores aerofélios para as altas velocidades, porque o escoamento laminar nado depende apenas da forma do aerofélio, mas também do nimero de Reynolds®), da turbuléncia inicial dos filetes de ar, da rugosidade da superficie das vibragées etc., fatores muito dificeis de controlar numa situagao real. (3) 0 numero de Reynolds é um nimero adimensionel, que representa o quociente entre as forcas de inércia @ as forgas de viscosidade. Quando ele é suficientemente grande, 0 escoamento passa de laminar para turbulento. onde: Re = nimero de Reynolds velocidade da masga de ar (m/s) caracteristica (corda - m) massa especifica do ar (kg/rn*) coeficiente de viscosidade (kg/ms) ® Bt 34 << Neowin Soler Saintive Atualmente os perfis mais promissores so os superx- criticos, que apresentam as seguintes diferengas em relagao aos aerofélios convencionais: a) maior raio do bordo de ataque; b) curvatura superior reduzida; c) curvatura em S préxima ao bordo de fuga. ‘onda de choque forte maior descolamento da camada limite a- Convencional ‘onda de choque fraca enor descolamento da camada limite SS —— b - Supercritico Figura 3-2. Aerofélios convencianas @ supercrftices. 3.3) Outros processos empregados no véo transénico 3.3.1) Regra da area (area rule) Este conceito foi desenvolvido pelo Dr. Richard T. Whitcomb, que também desenvolveu o perfil supercritico. Basicamente a area rule constata que o menor Arrasto. nos regimes trans6nicos e supersénicos é obtido quando as areas das segées retas do aviao ao longo do eixo longitudinal podem ser projetadas num corpo de revolugao que nao apresenta mudanga abruptas de seg&o ao longo do seu comprimento. Ou se for tragado um grafico de area da segao reta ao longo do comprimento, a curva resultante é continua, com variagoes suaves. A figura 3-3 mostra o exemplo classico da aplicagao desse conceito: o aviéo Convair F-102A. Aerodinamica de Alta Velocidade 35 protuberancia nas extremidades: acinturamento da fuselagem na asa 3 - < at z deg a - é ideals, = al B) 7 ; ‘\ g 4 iL \ nariz empenagem nanz empenagem corpo da fuselagem corpo da fuselage a- YF 402A antes da regra b- YF 102A depois da regra Figura 3-3. Regra da area. Os testes iniciais de F-102A indicavam que ele nao poderia voar supersonicamente, devido ao grande Arrasto no regime transénico. O projeto esteve para ser cancelado. Porém, a aplicagao da “regra de area” salvou 0 avido. A figura 3-3a mostra a forma original do F-102A, e as areas das segdes retas plotadas em fungéo da estagao. Nota-se um grande aumento de 4rea quando se atinge as asas. A figura 3-3b mostra o F-102A com forma semelhante a uma garrafa de Coca-Cola, e a adigao de protuberancias apds as asas para melhorar a distribuigao das dreas. O F-102A conseguiu, com essas modificagées, atingir o regime supersénico, ¢ foi fabricade em grande quantidade para as forgas armadas americanas. Posteriormente, a aplicagao da “regra de area” ao aviao Boeing 747 permitiu que ele superasse a velocidade de Mach 0,92. Pode-se observar (figura 3-4) que a curva nao possui nenhuma variagao abrupta, e é préxima do ideal. 36 Newton Soler Saintive 7 (cnn es , \ / \ @rea frontal nariz copoda empenagem fuselagem Figura 3-4. Regra de area para avibes de trenspone com velocidades proximas 2 do som. 3.3.2) Geradores de vértices (vortex generators) O gerador de vértices é um dispositive feito de uma asa de pequeno alongamento colocada num local que se beneficiara com os vértices por ele produzidos. Os geradores de vértices sao empregados em diferentes avides e localizagées, como se vé na tabela de avides Boeing a seguir: 2 Extradorso da asa e deriva 727 |Deriva, entrada do motor central e bordo de ataque da asa 737-200|Extradorso da asa e fuselagem préxima do estabilizador horizontal 737-300) Extradorso da asa ¢ naceles do motor 757 |Extradorso da asa Extradorso da asa e naceles do motor Estes dispositivos variam em dimensées e combinagées, e podem ser montados em varias partes do avido. O que tém em comum é o fato de agirem como asas em miniatura, produzindo Sustentacdo perpendicular as suas superficies. Como subproduto da Sustentagaéo, sao criados vértices que influenciam os filetes de ar de duas maneiras diferentes: Aerodindmica de Alta Velocidade 37 a) Os vértices captam ar fora da camada limite, portanto com muita energia, e o misturam com o ar da camada limite que esta “cansado”, isto é, perdeu energia cinética devido 4 viscosidade do ar. Assim, a camada limite é energizada, e o gerador de vértices podera adiar, controlar ou prevenir o descolamento da camada limite. Seja este descolamento causado por grandes Angulos de ataque, seja por ondas de choque. Esta é a fumgao dos geradores instalados nas asas dos 737-300, 757 e 767 (figura 3.5). Espessura da. camade limite sem gerador de vortices Gerador de vortices. Com gerador ‘Vortices de vortices: Descolamento da camada limite sem gerador de vértices Figura 3-5. © gerador de wOrtices diminui a espessura da camrada limite e o descolamento, b) Geradores de vértices sAo posicionados para redi- yecionar os filetes de ar de modo a prevenir ou adiar interagées adversas, desse modo aumentando a Sus- tentagao nos grandes A4ngulos de ataque, reduzindo Arrasto, etc. Nesse caso, eles agem como defletores de ar. Os geradores de vértices instalados nas naceles do 737- 300 e 767 sao exemplos dessas aplicagées (figura 3.6). 38 _ Newton Soller Saintive Figura 3-6, Geradores de vortices. Concluséo: Os geradores de vortices sao empregados para aumentar a velocidade dos avides, reduzir o Arrasto, aumentar a Sustentagao, melhorar o controle ¢ reduzir os buffet de alta e de baixa. 3.3.3) Estabilizador horizontal com incidéncia variavel Suponhamos © aerofélio do estabilizador horizontal- profundor de um avido voando aMach 0,85, Se ocorrer uma onda de choque, a movimentagao do profundor nado influenciaré os filetes A frente das ondas de choque, 0 que limitara drasti- camente sua eficiéncia (figura 3-7). A situacao fica mais critica quando o centro de pressao se desloca para tras, no regime transénico, pois isso aumenta a estabilidade do aviao e assim maiores momentos serao exigidos para modificar sua atitude. Vejamos outra situagao: um aviao voa abaixo do M,,, (nao existindo, pois, ondas de choque) e precisa aumentar a forga no aerofélio estabilizador horizontal-profundor. E evidente que movendo apenas o profundor, o Arrasto produzido é maior. O problema é ampliado porque os transportes atuais sao muito mais pesados e maiores que os antigos DC-7, e, portanto, as forgas requeridas para mudangas de atitudes sao muito maiores. Aerodinémica de Alta Velocidade 39 Para tornar mais efetivo o co- mando de arfagem nas grandes velo- cidades, bem como para reduzir o arras- : to produzido pela . foes ee ine mae deflex4o do profun- dor, 0s avides de transporte atuais empregam estabilizadores horizontais méveis. Normalmente, nao sé tais superficies, mas também o aileron e o leme de diregao sao servo assistidos, pois de outra forma, mesmo com compensadores, o esforgo fisico do piloto seria extremo, por causa da velocidade e do peso dos avides transénicos atuais. 3.3.4) Mach trimmer Vimos, no capitulo 2, as causas da tendéncia a picar dos avides que ultrapassavam o M_, na década de 40. Tal tendéncia, denominada de tuck under, é agravada com a asa enflechada. Oefeito dessa ocorréncia pode ser visualizada no grafico 1: forga no manche x nimero de Mach num aviao ficticio (figura 3-8). Verifica-se que em M = 0,79 0 aviao esta perfeitamente equilibrado, e nao 6 necesséria nenhuma forga no manche. A Forga no manche (ibras) 40. --—$A i_o_eii~@~@ ——— Newton Soler Saintive medida que 0 avido é acelerado de Mach 0,79 para Mach 0,86, é necessario “empurrar” o manche & frente, com forga crescente, até atingir 25 libras em Mach 0,86; isto 6, existe estabilidade até Mach 0,86, porém, acima desse valor, o “empurrao” neces- sArio decresce, atingindo o valor zero préximo a Mach 0,88. A partir dai, o aviao tende a picar, e é necessario “puxar” omanche com forga crescente até atingir 60 libras aproximada- mente com Mach 0,92, quando a forga necessaria volta a decres- cer, atingindo novamente zero na velocidade M = 0,95. £ evidente que esta instabilidade longitudinal naéo pode ser aceita em nenhum avido, particularmente de transporte. Para elimina-la, os primeiros aviGes a jato, contam com um dispositivo denominado Mach trimmer. Ele é sensivel ao nimero de Mach, e é programado para atuar sobre o estabilizador horizontal de incidéncia variavel ou sobre o profundor, enviando um sinal proporcional ao namero de Mach, de forma a tornar positiva a estabilidade do aviao em qualquer velocidade do envelope do mesmo. Adicionando o input do Mach trimmer na figura 3-9, temos 0 grafico 2 seguinte. MGCOnams ee aS re empurrar a : on 3 no manche (jibras) 28 g-25 S ° puxar 0.82 0.90 0.94 nde Mach Figura 3-9, Grafica 2. E interessante notar que os modernos avioes de transporte (A-319, A-320, A-330, A-340, MD-11, B-747, B-767, B-777), conseguem evitar o tuck under sem Mach trimmer. 4 CONSEQUENCIAS DO ENFLECHAMENTO 4.1) Redug&o da Sustentacao Vimos, no Capitulo 3, que a asa enflechada sé é sensivel & componente de vento relativo perpendicular ao bordo de ataque. Por isso, ela produzira menos Sustentagao que uma asa nao enflechada, ainda mais que os aerofélios empregados nessas asas possuem Menor curvatura e espessura que aqueles empregados nas asas nao enflechadas. Para compensar, é preciso aumentar o Angulo de ataque. Pode-se observar, nas aproximagées para pouso e em outras situagdes, que os avides com asas enflechadas voam com angulos de ataque maiores que os dos outros avides. Comparando as asas enflechadas e as nao enflechadas, teremos © grafico da figura 4-1. O coeficiente de Sustentagao ma4ximo da asa enflechada n&o sé é menor que o da asa convencional, como também ocorre num Angulo de ataque maior, com evidentes desvantagens: a menor visibilidade do piloto e a necessidade de empregar trens de pouso maiores. 42a. $A Newton Soler Saintive A re- dugéo do Ci nox AUMENn- ta a veloci- dade de estol e torna impe- rioso Oo em- prego de dis- positivos hi- persustenta- dores muito Figura 4-1. Efeito do enflechamento na curva sofisticados: de Sustentagao (baixa velocidade). flapes fow- ler, eslates, flapes de bordo de ataque etc. Sem tais recursos, estes avides necessitariam de pistas de maiores comprimentos. A menor inclinag&o da curva de Sustentagao torna a asa enflechada menos susceptivel a mudanga de angulos de ataque. Assim, aoreceber rajadas, a variagao da Sustentagao sera menor nesse tipo de asa, causando, pois menores esforgos a estrutura do avido e menor desconforto aos passageiros. —~convencienal com = enflechamento Coeficiente de Sustentagao angulo de ataque 4.2) Tendéncia de ‘‘passeio” dos filetes de ar Outra caracteristica desfavordvel da asa enflechada é a tendéncia dos filetes de ar de “passearem” pela asa (figura 4-2) Figura 4-2, Sucgao na asa enflechada. Asrodinamica de Alta Velocidade ———_-—____________ 43 Consideremos as posigées transversais A, B e C, ¢ as segées 1 e 2. Na posigao A, a press4o na segao 1 é maior que na seco 2, como se constata pelas curvas de sucgao no extradorso dos dois aerofélios, e por isso os filetes de ar nessa segdo tendem. ase dirigir na direg&o 2. Na posig4o B, as pressées se igualam, eos filetes seguem na diregao do bordo de fuga, para logo depois voltarem na diregdo de 1, onde a pressdo ficou menor. Esse passeio provoca reducaéo da Sustentagéo e aumento do Arrasto, @ para reduzi-lo sao empregados os wing fences (cercas da asa), ou entao os pildes do motor com esta finalidade. 4.3) Tendéncia de estol na ponta da asa Devido a diversos motivos, entre os quais a componente do vento relativo paralelo ao bordo de ataque e ao afilamento da asa, a asa enflechada tende a estolar de ponta de asa. Ora, se esse tipo de estol 6 indesej4vel para qualquer asa, para a enflechada ainda é pior, pois provoca a tendéncia do pitch up, que 6 oposto ao tuck under. Se o aviao estola na ponta da asa, o c, se deslocara para a frente, reduzindo o momento de picar do avido, provocando, pois, uma tendéncia de levantar o nariz (ver figura 2-7). Nesse caso, ao contrario do tuck under, teremos Fxb>Lxa. Assim, ao invés de corrigir 0 estol, abaixando o nariz, tendéncia de todo avido estavel, o aviado entrara mais a fundo no estol, o que é inaceitavel para qualquer avido. Para eliminar essa tendéncia, sao usados todos os re- médios "clAssicos", a saber: torgado da asa, com menor 4n- gulo de incidéncia nas pontas (wash- ing out), uso de aero- félios com maior curvatura na ponta Figura 4-3. Estol na ponta da asa. <_< Newton Soler Saintive da asa, emprego de “eslo- tes" préximos as pontas etc. —_ da envergadi O escoamento transénico também deve ser cuida- dosamente estudado, para evitar a ocorréncia do estol de choque nessa regiao, para que o pitch up nao ocorra nas grandes veloci- dades. to da projegao a pvoeedo aumento da projet jura da envergadura 4.8) _Dutes roll Quando um aviao com asa reta sofre uma guinada para a direita, aasa esquerda levanta, porque adquire maior velocidade que aasa direita e, portanto, maior Sustentagao. No caso Figura 4-4. Mudanca de enflechamento de uma asa enflechada, essa etethocin Quet. tendéncia da asa subir seré maior, pois além do efeito descrito, aasa esquerda tera seu enflechamento “diminuido”, enquanto oda asa direita sera “aumentado”. Esta modificagao do enflechamento “efetivo” provocaré um rolamento muito mais intenso. Este rolamento, tornado mais jntenso com a guinada, é muito importante em termos de qualidade de vGo e provoca uma instabilidade denominada dutch roll, que veremos a seguir. O rolamento das asas de um aviao provoca uma “glissada” devido & inclinagao do vetor de Sustentagdo. Esta glissada, num avido com angulo diedro, causa um rolamento tendente a levantar a asa baixa, porque a Sustentagao sera maior nessa asa que na asa levantada. O efeito naempenagem vertical @ produzir uma guinada, apontando o nariz para a asa baixada. Se os efeitos da deriva/leme de diregao sao grandes em comparag&o com as do Giedro, o avido passa para um mergulho Aerodinamica de Alta Velocidade ———————> 45, em espiral, e o avido sera instavel em espiral. Se o efeito diedro prevalecer, 0 avido rola sentido contraério, produzindo uma glissada no sentido oposto para comegar o ciclo novamente. Como o enflechamento da asa aumenta muito mais a estabilidade lateral que a direcional, ele temo efeito equivalente a um aumento do Angulo diedro, de forma que os avides com este tipo de asa sao sujeitos ao D. R. Pode-se eliminar o dutch roll aumentando a 4rea da deriva/leme de direcao, aumentando a distancia dessas superficies ao Cg, ou ambas solugdes. Porém, qualquer uma delas implicaré em aumentar o peso e/ou o Arrasto do aviao. A solugao mais barata é o yaw damper, que aumenta o efeito da deriva sem aumentar o peso ou Arrasto. O yaw damper é um dispositivo giroscépico sensivel a mudangas de angulo de guinada. Ao mandar um sinal ao leme de diregao, faz com que ele seja aplicade em oposigao a guinada. Estando o yaw damper inoperante, o piloto podera amortecer um eventual D. R. A palavra de ordem é: nfo usar 0 leme de diregao, pois o efeito mais provavel seria aumentar a instabilidade. O piloto devera empregar os ailerons para abaixar a asa que esta subindo. Para instrugées especificas, consultar o Operations Manual do aviao. 5 EFEITOS AEROELASTICOS A interag4o entre forcas aerodinamicas e deformagées elasticas é estudada pela Aeroelasticidade, e seus efeitos mais importantes s&o 0 flutter, a divergéncia e a inversdo dos ailerons. Oestudo do flutter e da divergéncia é extremamente complexo, e sua abordagem exige profundos conhecimentos de Matematica, Mec4nica etc., e portanto nao sera aqui tratado. 5.1) Inversdo do aileron O abaixamento de um aileron aumenta a curvatura e o angulo de ataque da asa correspondente e, consequentemiente, a Sustentagao. Ao mesmo tempo, o aileron é submetido a pressao dinamica, que provoca uma torgao na asa (figura 5-1). E é a estrutura de asa que devera resistir a essa torgao. A medida que sobe a velocidade do avido, eleva-se também a pressdo dindmica do ar (proporcional ao quadrado da velocidade), porém a resisténcia da asa nao varia, o que acarreta um aumento na torgao produzida na asa. Assim, a rotagéo da asa produzida pelo torque vai diminuindo a eficiéncia dos ailerons, até um momento em que ele perde totalmente o 48 Newton Soler Saintive pequena tor¢ao efeito, na chamada f™ “velocidade de inver- presi sao do aileron”. Para inde | Sa on: velocidades maiores ww haverd invers4o de co- grande torgao sustentagdo mandos: volantes para pressfo noaileron a esquerda, e curva i Duas sao as possi- veis solugoes para esse aileron extern - asa rigida (ideal) problema. Uma delas, é dotar a asa de uma estrutura suficiente- mente forte, para suportar a torgao dos ailerons nas maiores velocidades sem apre- cidvel rotagao. Foi a inverséo do aileron? 9 solugdo adotada no Figura $-1. inverstie do aileron, bombardeiro B-47. No entanto, esta solugao exige uma estrutura pesada, com evidente prejuizo para o projeto. Outra solucao, adotada nos modernos avides que voam em regimes transénicos, folio emprego de dois pares de ailerons, um externo e outro interno. O aileron critico naturalmente €0 extemo, pois as segdes da asa no local possuem menor area e estao mais afastadas da fuselagem, possuindo, portanto, menor yesisténcia. Assim, nesses aviGes, o aileron externo s6 funciona nas baixas velocidades, sendo bloqueado quando do recolhi- mento do flape, ou seja, em baixas velocidades. 5.2) Spoiler Como 0 aileron externo é mais eficiente para o comando lateral, devido ao maior brago de alavanca, é necess ério uma complementagao, o que é feito pelo spoiler. Trata-se de superficie que se projeta na asa a ser abaixada, e que destréi a Sustentacgao (figura 5-2). Aerodinémica de Alta Velocidade 49 Os spoilers podem ser usados como freios em v6o; nesse caso, eles sao levantados aos pares, e recebem o nome de speed brakes. Eles também s&o usados no solo; quando a roda toca o solo, os spoilers de véo mais os de solo (ground spoilers), se Jevantam, provocando um rapido decréscimo da Sustentagéo (o que permite uma eficiente aplicagao do freio), e um aumento do Arrasto, elementos muito importantes na redugao da corrida de aterragem. Na aterragem, 0 speed brake aumenta em cerca de 60% © arrasto e, mais importante, em até 200% a carga sobre o trem de pouso principal, isto 6, multiplica por 3 a carga sobre o trem de pouso. Isto permite igual aumento no freio do avido. 6 PROPULSAO De Santos Dumont até meados da década de 40, os motores alternativos foram os imicos propulsores dos avides. No entanto, & medida que a velocidade e o peso dos avides crescia, eles foram se tornando muito pesados e volumosos, enquanto as hélices por eles acionadas perdiam sua eficiéncia. Com o aparecimento dos motores A reag&o, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, era uma questao de tempo que aqueles motores fossem substituidos por estes, mais simples e mais eficientes nas grandes velocidades. No fim da Segunda Guerra Mundial os alemaes chegaram a empregar avi6es de caga e bombardeiros com motores 4 reagao: Messerschmitt 163 e 262. Os primeiros motores a reagao foram os motores a turbina: turbojato, turboélice e, pos- teriormente, o turbofan (turbo ventilador). O primeiro aviao de transporte a jato foi o Cometa, produzido pela fabrica inglesa De Havilland em 1952. Foi inicialmente um sucesso, pois era cerca de 150 kt mais rapido que o DC-6, o mais veloz aviao de transporte de época. No entanto, trés graves acidentes fizeram com que eles fossem interditados até a determinagdo das suas causas. $2 <—<—<$<— — ————————— Newton Soler Saintive Em meados da década de 50, safram os Ultimos avides de transporte movidos a pistao, 0 DC-7 e o Super-Constellation. Logo depois, em 1959, foram langados os Boeing 707 e os DC-8, encerrando 0 ciclo dos avides de transporte com motores alternativos. 6.1) Motores a turbina Aparte mecanica dos motores a turbina é extremamente simples: duas partes rotativas (compressor e turbina), e uma ou mais camaras de combustao. Toda e qualquer propuls4o 6 sempre baseada na terceira. lei de Newton: a toda agao corresponde uma reagao igual e contraria. Assim, um corredor empurra 0 solo para tras; este, como reagao, joga-o para frente. Na agua, o remador como remo e o nadador com a mao fazem o mesmo. Nos aviées, a hélice joga o ar para tras, e como reagao este a empurra para frente, o mesmo ocorrendo com os motores a reacéo. Uma diferenga entre a tragéo produzida pelos motores a hélice ¢ os turbojatos é que os primeiros produzem pequena aceleragéo numa grande massa de ar (devido ao grande didmetro das hélices), enquanto os turbojatos produzem grande aceleragdo numa pequena massa de ar. Os turbofans ficam entre os dois: provocam uma aceleragao menor de uma massa de ar maior que a dos turbojatos, porém em comparagéo com os motores a hélice, a aceleragéo 6 maior ¢ a massa de ar é menor. Os motores a pistao e a turbina $40 motores de combustao interna que possuem um ciclo semelhante: admiss4o0, compressao, combustao, expans4o e escapamento. Os gases quentes se expandem, criando uma sobra de poténcia acima daquela absorvida pela compress4o, e vo finalmente para 0 escapamento. Nos motores a pistao esta sobra produz poténcia no eixo-manivela, e nos motores ajato acelera os gases para a produgao direta de tragao. Em ambos os casos, 4 eficiéncia térmica do ciclo aumenta com o aumento da taxa de compressao, enquanto a tragéo/poténcia produzida aumenta Aerodinamica de Alta Velocidade ————>- 53 compressdo eet i admissao <] escapamento — | expansto Figura 6-1. Turbo jato (ciclo bésico de aperacdo). com a vazao de ar. O turbojato é o mais simples dos motores a turbina (figura 6-1). Nesse motor, todo o ar admitido passa pelas camaras de combustaéo, enquanto no turbo-ventilador (figura 6-2), apenas parte do ar passa por estas, indo a maior parte por fora das camaras. Figura 6-2. Turbofen. O ar que passa pelo compressor, camara de combustao e turbina é chamado ar primario, e aquele que passa pelos “fans” é 0 ar secundario. A razdo entre as massas de ar secundario e primario é a taxa de derivagdo (bypass ratio); os primeiros turbofans tinham taxa de derivagao de cerca de 0,3:1, porém hoje esta taxa supera 6:1; os motores do Boeing 777 possuem os seguintes bypass ratio: 6,5:1 (RR TRENT 800) 6,8:1 (PW 4084) 9:1 (GE 90). 54 Newton Soler Saintive Isso significa que no motor GE a massa que passa por fora das cAmaras de combustao é 9 vezes aquela que passa pelo interior da mesma. A tragéo de um turbojato pode ser calculada pela formula aproximada: = ww) 1) g Sendo: W/g - massa de ar que passa pelo motor por unidade de tempo; V, - velocidade de saida dos gases de escapamento; V, - velocidade do aviao Esta formula despreza a massa do combustivel (da ordem de 1% da massa de ar) e a press4o dos gases, normalmente 2% acima da pressdo atmosférica. Para emprego desta formula com os turbofans, Wdeveria ser a vazdo total de ar, isto é, ar primdrio e secundario, e V, deveria ser a média ponderada da velocidade dos gases primdrios e secundarios. # evidente que os motores (a turbina ou nao) devem produzir tragAo eficientemente, consumindo a menor quantidade de combustivel e com o menor peso possivel, sem comprometer a durabilidade. Para fazer uma comparacao precisa entre os motores, o consumo de combustivel é reduzido a um “denominador comum", que é aplicdvel a todos os tipos e tamanhos de turbojatos e turbofans. Esse “denominador comum” é 0 consumo especifico de combustivel (sfc), que é obtido dividindo-se o consumo hordrio pela tragaéo produzida pelo motor. Este consumo vem caindo aceleradamente. Basta dizer que um motor construido na década de 70, tem um consumo especifico 35% menor que aqueles construidos em 1960. E os motores projetados na década de 80, sao 10% mais econémicos que os de 70. Outra medida da eficiéncia do motor 6 o seu peso por libra de trag&o, ou peso especifico do motor que se obtém dividindo 0 peso total pela tragao desenvolvida, Avangos no desenvolvimento dos materiais, processos de fabricag&o e Asrodinamica de Alta Velocidade 55 técnicas de projeto permitem que os motores atuais operem, por mais tempo, com maiores temperaturas, pressées e rotagao, e tudo isso com estruturas mais leves. A redugao dos pesos especificos dos motores construidos na década de 80 foi de 45% em relagdo aos motores da década de 60. Os motores dos anos 90 progrediram: além do aumento da tragao (seis vezes a dos motores de 60), redugao de 50% do peso especifico (peso/tragao) em relagao aos motores de 60, redugdo do consumo especifico (cerca de 7% sobre os motores de 80), novas especificagées da decada de 90 exigem que eles mantenham pelo menos 75% da tragaéo apés a ingestao de 4 passaros de 2,5 libras (cerca de 1,1 kg) ou um passaro de 8 libras (3,6 kg). Todas essas marcas foram superadas, com folga, pelos novos motores do 777. © consumo especifico de um motor é fungao de duas efi- ciéncias, a saber: eficiéncia térmica (y,) e eficiéncia propulsiva (77,)- A eficiéncia térmica mede a eficiéncia da conversao da energia quimica do combustivel em energia mec4nica, e depen- de, basicamente, da taxa de compressdo desenvolvida pelo mo- tor. Nos motores a turbina atuais, essa taxa atinge valor superior a 40, contra um maximo de 8 para os motores a pistao. Outro fator importante nessa eficiéncia 6 a temperatura dos gases. A eficiéncia propulsiva mede quao eficientemente o motor move o aviao, e é obtida pela férmula: 2 m= Tey, 62 v, 1 V, deve ser sempre maior que V,,= pois caso contrario, a tragao produzida seria nula ou negativa (Arrasto). No entanto, a diferenca V,- V, deve ser a menor possivel, para produzir uma boa eficiéncia propulsiva. Consideremos, para exemplificar, a eficiéncia propulsiva em duas situagées, uma das quais V, = 2V,, e outra na qual V, = 1,5 V,. 56 <_< A—_<__ Newton Soler Saintive 2 2 Para V, = 2V, %,=-T+a = 3 66,6% 2 Para V, = 1,5V, , = 80% 1+1,5 Ao produto das eficiéncias térmicas @ propulsiva se dao nome de eficiéncia global, e que vale: 7,= 7, *7,- O consumo especifico do motor a turbina é obtido pela férmula abaixo, sendo V, em pé/seg e 0 sfc em ‘b/h/1b tragao: 4.000 x V, sfc = (6.3) Ng Verifica-se pela formula, que quanto maior a eficiéncia global do motor, menor o consumo especifico do mesmo. A eficiéncia global dos motores turboventiladores é maior que a dos motores turbojatos: a eficiéncia térmica é aproximadamente a mesma, porém sua eficiéncia propulsiva é superior, porque ele acelera menos os gases do escapamento (férmula 6.2). Os motores turboventiladores foram desenvolvidos * com o intuito de redugéio do consumo especffico de combus- tivel, o que de fato eles conseguiram. Como subproduto da taxa de derivagdo e conseqiente redugéo da velocidade média dos gases/ar, ocorreu uma redugdo de ruido, pois este é © proporcional a citava poténcia da Sos velocidade relativa, que éa 2 diferenga entre as velocidades dos gases de escapamento e a on tS Oe Te do avido, isto é, V, — V, (ref. 12). taxa de derivacso As figuras 6-3 e 6-4 mostram a influéncia da taxa de Figura 6-2. Taxa de derivacao derivagao ns if F camump spect. ago no consumo especifico 35,000 M=0B Aerodindmica de Aita Velocidade 57 e na produgao de - ruidos. # Outro fator 3 intervalo dos turbojatos que afeta o consu- 3° ‘com pos-combusto. mo especifico de 3 0 intervalo dos turbojatos um motor a turbina 2. ? g é a altitude de véo: Zul 7 intervelo dos turbofans quanto maior a z altitude (até cerca oso too ~~~ de 36.000 pés),, ‘Velocidade relative do jato menor © consumo Figura 6-4, Velocidade relativa x nivel de ruido, especifico. Ajimportancia do consumo especifico de um motor pode ser medida por estes dados: a redugao de 1% do sfc dos motores aumentara o alcance de um Boeing 747 em 70 milhas nauticas (129,7 quilémetros), ou permitira um acréscimo de 2.700 libras de carga numa rota longa. Isto justifica as pesquisas para a redugao do sic, e foi o principal motivo da substituigaéo dos turbojatos pelos turbofans em todos os modernos avides de transporte transénicos. No entanto, para velocidades supersénicas, o motor turbojato é superior, pois produz mais tragao, como se deduz na figura 6-5, Outra ‘desvantagem do motor turbofan no regime supersénico é sua grande drea frontal, e consequentemente elevado Arrasto nas grandes velocidades. drea de superioridade do fan 0.6 1.0 12 14 n’ de Mach Figura 6-5. Formagao entre turbofan e turbojato. 388 <_< $a Newton Soler Saintive Um avido supersénico, mais que um transénico, deve ter a menor 4rea frontal possivel, e nesse aspecto o turbojato leva nitida vantagem sobre o turbofan. 6.2) Pés combustdo (queimador posterior) A pos combustao (after burning) é um método pelo qual a tragdo maxima do motor turbojato ou turbofan pode ser aumentada em 50% ou mais. Existem ocasiées em que & necessdria uma tragéo maior que a tragéo maxima do motor, por periodes limitados, como na decolagem, na subida e, no caso de avides militares, no regime de combate. Nao seria econdmico instalar um motor com maior poténcia e assim penalizar o aviao com 4rea frontal, peso e volume maiores, somente para satisfazer uma necessidade tempordria de poténcia extra. A solugdo, nesse caso, 6 a pés combustao. Tal processo aproveita o fato de que apenas aproxima- damente 25% do ar que passa por um turbojato ou 25% do ar primério de um turbofan é consumido pela combustao. Os 75% restantes sao capazes de suportar uma combustao adicional se for fornecido mais combustivel. A caracteristica fundamental da pés combustao é a sua simplicidade. Ela consiste em quatro partes: duto de pds combustao, queimador, suportes de chama e bocal de drea variavel. Quando o aviao necessita de poténcia extra, liga-se a pés combustao, introduzido-se, assim, 0 combustivel, que é queimado com 0 oxigénio nao consumido na combustao normal. Com o aumento de temperatura ocorre um aumento de velo- cidade dos gases, e, em conseqiiéncia, um aumento de tragao. O aumento de tragdo pela pés combustaéo é fung&o do aumento de temperatura absoluta apés a queima do combustivel extra. A velocidade dos gases é proporcional a raiz quadrada da relagao de temperaturas absolutas apés e antes da pds combustao, e a tragdo produzida varia na mesma propor¢ao. Asrodindmica de Alta Vélocidade 69 Bocal de propulsdo variavel Figura 6-6. Pds combustto, Exemplificando: suponhamos que a temperatura dos gases é 640°C (913 K) e 1 269°C (1 542 K), respectivamente, sem e com pés combustdo. A relagdo de temperaturas serd 1542:913=169 = 1,69 = 1,3 Portanto a pés combustao produziu um aumento de 30% na tragao do motor. 6.3) Regimes dos motores turbo fan/turbo jato de aviagéo Todos os motores empregados em aviagdo séo ope- rados com diferentes regimes, que s4o limitagdes das rota- g6es dos compressores/turbinas de baixa e alta pressao, das temperaturas dos gases de escapamento etc., para assegurar um razoavel vida titil para os mesmos. Os regimes sao os seguintes: 1) Decolagem: E o regime de tragéo m4xima do motor. Ele sé pode ser utilizado durante § minutos. O FAA pode homologar a ampliacaéo desse regime para 10 minutos. Normalmente, o piloto sé ultrapassard os 5 minutos em caso de emergéncia. 2) Arremetida (go around): Como a decolagem, é um regime de tragao maxima, levando em consideragdo a maior velocidade. Tem a mesma limitagao do tempo 5 minutos. 60 ‘Newton Soler Saintive 3) Méximo continuo; Representa a maior tragdo para uso continuo, e sé deve ser usada em emergéncias, no caso da ultrapassagem dos 5 minutos de regime de decolagem ou arremetida, ou na perda de um motor. Os regimes de decolagem, arremetida e maximo continuo devem ser homologados pelas autoridades de aviacao. 4) Maxima subida (maximum climb thrust): A tragao nesse regime normaimente é inferior 4 tragao do regime maximo continuo, e deve ser empregada para subida em rota, para subida em degrau (step climb) ou na aceleracdo para o regime de cruzeiro. 5) Regime de cruzeiro(méximo): E o limite superior para 9 cruzeiro normal em avides modernos. Os fabricantes de avides baseiam os diferentes regimes no limite absolute da resisténcia da turbina, o chamado “limite da temperatura de entrada na turbina TIT”, como é mostrado na figura 6-7. Figura 6-7, ISA+ 15°C Temperatura —> Quanto maior a margem sobre o limite da TIT, maior a expectativa de vida do motor. O regime de decolagem se aproxima da TIT, mas 6 usado por pouce tempo (5 minutos), enquanto o regime de cruzeiro é empregado por longos periodos de tempo. Usualmente no regime de decolagem a trag4o é cons- tante até a temperatura ISA + 15°C, caindoe nas temperaturas Aerodinamica de Alta Velocidade ————________—__+_ 61 superiores. Quando 0 avido esta leve, nem sempre é necess4ria @ aplicagao da tragéo maxima de decolagem. Nesse caso, 6 possivel reduzir a tragao de decolagem em até 25%, o que aumentara a vida util e a confiabilidade do motor, aumentando a seguranga de véo. 6.4) Outros motores a reagaéo, que nao a turbina 6.4.1) Estatorreator (ram jet) E o mais simples dos motores a jato, pois nao possui partes méveis. Essencialmente, um estatorreator é um tubo aberto nas duas extremidades, com segées varidveis, com um queimador e suportes de chama. queimadores. bocal propulsor Figura 6-8. Motor estatorreator. O estatorreator, nao possuindo compressor, necessita atingir uma velocidade minima para transformar a pressao dinamica do ar em pressao estatica. Atualmente este motor é usado em misseis; nesses, para atingir a velocidade minima para seu funcionamento, é empregado ou um motor foguete (rocket) ou a queda de grande altura de um aviao. Uma possivel solugao no futuro seria uma combinagao turbo-estatorreator, até agora sé empregado em avides experimentais. 62 Newton Soler Saintive 6.4.2) Foguete (rocket) A maior diferenga entre o foguete e os outros motores, a reac4o e alternativos, 6 que ele nao utiliza o oxigénio do ar como comburente. A combustéo nesse motor é feita com o combustivel e 0 oxigénio que ele tem armazenado. Isto permite seu uso fora da atmosfera terrestre, e este tipo de motor equipou todas as naves espaciais que atingiram a Lua, bem como planetas de nossa galaxia. Devido ao seu grande consumo de combustivel e oxigé- nio, este tipo de motor sé pode ser usado por periodos breves. 6.5) Motores mistos —- Turbo estatorreator Como o estatorreator sé pode operar em velocidades superiores a Mach 3, uma possivel soluc&o no futuro podera ser a combinagao turbo-estatorreator (figura 6-9). Tubo propulsor de area aberto ‘varidvel - grande Admissao variavel rea grande n’ de Mach - pequeno aletas guia de admissao Tubo propulsor de drea éreapequena fechado varidvel - pequeno nf de Mach - grande Figura 6-9. Motar turbo-estatorreator. Este motor funcionaria como turbojato até cerca de Mach 3. Para velocidades superiores, a entrada dos compressores seria fechada, e o ar teria sua pressao dinamica transformada em press4o estatica, e a pds-combustao funcionaria como um motor estatorreator. Aerodinémica de Alta Velocidade > 63 6.6) Tragdo ou Poténcia? Quando se descreve os motores a pist4o ou turboélice, a unidade para classifica-los 6 a poténcia, normalmente dada em HP No entanto, os motores a reag4o tém sua capacidade medida em unidades de forga: tragao em libras, quilograma forga, Newton, etc. Qual a raz40o? Como trasformar poténcia em tragdo ou vice-versa? Convém aqui recordar algumas nogdes de Fisica: poténcia 6 o trabalho produzido na unidade de tempo, e para haver trabalho é necess4rio existir movimento. Em funcionamento, os motores a pistdo e os turboélices produzem wm trabalho, que é movimentar a hélice num certo torque e numa certa rotagdo, o que produz uma poténcia. Portanto, mesmo com o aviao parado, estes motores produzem poténcia, que é absorvida pela hélice, a qual, por sua vez, produz tragao. J& os termos poténcia e HP nao sao indicados para classificar os turbojatos/turbofans, porque tempo e distancia nem sempre estao envolvidos com os mesmos. Quando um aviado equipado com motor turbojato esta freado, com os motores funcionando, o elemento distancia vale zero: nao ocorre nenhum movimento e, portanto, nenhum trabalho que possa ser dividido por um intervalo de tempo para se obter a poténcia. Apesar de existir torque e rotagaéo dentro do motor, a poténcia é inteiramente usada pelo motor (a turbina absorve poténcia para girar o compressor e acessérios). No entanto, os motores esto produzindo tragao, e tao logo ocorra o brake release, o aviao se deslocara. Assim que 0 aviaéo adquirir velocidade, sera possivel calcular uma poténcia, pois o tempo e a distancia entrardo em cena. Esta poténcia corresponde, no motor a pistao, A potencia util, que 6 o produto da poténcia efetiva do motor pela eficiéncia da hélice, e vale: 6 Newton Soler Saintive T (lb) x V(nés) T(lb)x Vimph) T (kgf) x V (m/s) THR = —————— = ——— =$ 325 375 76 ‘Onde: T= Tragéo V= Velocidade Conclui-se, das f6rmulas acima, que os motores a jato sao produtores de poténcia muito eficientes nas grandes velocidades, porém ineficientes nas baixas. Resumindo, podemos classificar os jatos puros como produtores de tragao, e os motores a pistao e turboélices como produtores de poténcia. 6.7) Motores do futuro A eficiéncia propulsiva das hélices aleanga 80%, enquanto os melhores turbofans chegam, no maximo, a 60% ou 65%. No entanto, nas velocidades superiores a Mach 0,6 as hélices sofrem os efeitos das ondas de choque, que reduzem. substancialmente suas eficiéncias propulsivas, ficando muito abaixo dos turbojatos e turbofans. Um novo tipo de motor, denominado propfan, com suas pas com enflechamento, pretende superar essa limitagao, e trole de passo Aerodindmica de Alta Velocidade 65 atingir as mesmas velocidades atingidas pelos turbofans, com uma redugéo do consumo especifico do combustivel de 20% sobre os mais econémicos turbofans atuais. Os propfans possuem taxas de derivagao de até 90:1, e ja foram testados em véo nos avides Boeing 727 e Douglas MD- 80, com grande redugao do consumo de combustivel. Apesar disso, até agora nao existe previsio de seu emprego em qualquer tipo de aviao. Outro tipo de motores que esta sendo pesquisado pela GE e Pratt & Whitney 6 0 motor de ciclo varidvel (Variable Cycle Engine), que funcionaria como um turbofan de baixa taxa de derivacdo nos regimes subsénicos, e como um turbojato nas velocidades supersénicas. As duas fabricas estao desenvolvendo estudos nesse tipo de motor, mediante contrato com a NASA. Mas ainda nao existem dados disponiveis sobre ele. 7 ALCANCE DOS JATOS PUROS 7.1) Diferengas entre motores a jato e a hélice Os véos de avides como os Boeing 777 e 747, os MD-11, os DC-10 e outros de Sao Paulo para Nova York, Los Angeles, Londres etc., sao efetuados em altitudes que comegam aproximadamente em 30.000 pés e chegam a mais de 40.000 pés. Essas mesmas rotas eram feitas pelos DC-7, Super- Constellation, DC-6 e outros avides a hélice aproximadamente de 12.000 a 15.000 pés. Vejamos o por qué dessa diferenga. No estudo da Aerodinamica de baixa velocidade, verifica- se que no véo horizontal, se forem mantidos o mesmo peso € 0 mesmo Angulo de ataque, ao contr4rio do que se poderia imaginar, o Arrasto de um aviao nao varia com a altitude. E o motivo 6 o seguinte: para manter a Sustentagao igual ao peso, 0 aviao voara mais veloz nas maiores altitudes, para compensar a redug&o da densidade do ar. E por isso, o Arrasto nao varia: a redugdo da densidade é compensada pelo aumento de velocidade. Naturalmente, essa igualdade sé prevalecera enquanto o Arrasto de Compressibilidade for nulo ou de valor desprezivel. 68 Newton Soler Saintive No cruzeiro com velocidade constante, a Tragao é igual ao Arrasto; portanto para os avides a jato, o maior alcance sera obtido nas maiores altitudes, porque a mesma Tracdo permitira maiores velocidades. E o consumo do motor ajato ¢ proporcional a Tragao desenvolvida, se bem que também aumenta com a velocidade (férmula 6.3). Por outro lado, o consumo especifico do motor a jato cai com a altitude até 36,000 pés, devido a redugao da temperatura, o que reforga a vantagem de “cruzar” nas maiores altitudes. Um jato tipico tera seu alcance aumentado em cerca de 65% ao passar do nivel do mar para 40.000 pés de altitude (ref. 4), No entanto, existem pelo menos duas limitagdes quanto 4 maior altitude para a obtengdo do alcance maximo. A mais importante é que aumentado a velocidade & medida que sobe, aumenta também seu nimero de Mach, e ele nao pode ser muito maior que o M,,,, sob pena de elevar substancialmente o Arrasto, e com ele o consumo de combustivel. Outra limitagdo, 6 a queda de Tragé&c do motor com a altitude. Chegar4 uma altitude e que o motor nao tera capacidade de fornecer a tragao necessaria para equilibrar o Arrasto. Os dois fatores citados limitam, praticamente, a altitude maxima dos jatos transénico a pouco mais de 40.000 pés. E quanto aos “velhos" avides subsénicos a pistao, por que eles ndo voavam 4 mesma altitude dos jatos? Como vimos no capitulo sobre propulséo, os motores a pistao sao essencialmente produtores de poténcia. Portanto, o que determinara o consumo horaério desses motores nao sera o Arrasto e sim a poténcia necessdria, que é igual ao produto do Arrasto vezes velocidade. Ao subir, o Arrasto n&o varia, porém a velocidade deve aumentar, e assim a poténcia necessaria crescera na mesma proporgao da velocidade. Concluindo: os avides equipados com motores a pistao néo aumentam substancialmente seu alcance nas grandes altitudes, dai o emprego de menores niveis de v6o dos DC-7 e outros. Aerodinamica de Alta Velocidade —————_______—>- 69 Quanto aos avides equipados com motores turboélices, existe uma situagdo intermediaria. Para o avido, 6 indiferente a altitude, porém o motor turboélice tem menor consumo especifico nas maiores altitudes, devido 4 menor temperatura do ar e & maior rotagao necess4ria para o motor produzir a poténcia necessaria. Assim, os turboélices voam normalmente de 15 a 25.000 pés de altitude. 7.2) Alcance maximo dos jatos Vejamos as varidveis que afetam o alcance ds aviées com motores turbofan/turbojatos. O equivalente dos “quilémetros por litro” dos auto- méveis, para os avides é o alcance especifico, que é o nimero de milhas voadas por libra de combustivel, isto é: mi mi/h alcance especifico = —- = —— (7.1) b Ib/h onde: moi/h (milhas por horas) é a velocidade aerodinamica (V), € Ibfh & © consumo hordrio sendo: consumo horario = tracéo x consumo especifico = T x sfc. ‘Como, no véo de cruzeiro, com velocidade constante, T = D, podemos escrever: consumo horario = Dx sfc Podemos pois modificar a igualdade (7.1): Vv alcance especifico = —— (7.2) sicD Como V =a, vom (formula 1.1), ¢ no véo cruzeiro vale a igualdade 70 Newton Soler Saintive w = — podemos modificar (7.2): L/D avOM Lb 1 ave c, 1 alcance especifico = x—x—= xMx— x— sic DW sfc C, Ww D Se considerarmos que sfc é constante, o que é aceitavel em cruzeiro, conclui-se que, para um determinado peso e temperatura constantes, o alcance maximo sera obtido quando maximizarmos Cc, 1 Mx o, Portanto, um avido a jato deve ser veloz; um jato lento sera ineficiente. Para os avides com motores a pist4o, o alcance maximo 6 obtido para o angulo de ataque correspondente a (C,/C),),...0 independente da velocidade. Numa viagem longa, um avido a jato podera usar um step climb semelhante a figura 7.1. 39.000' Figura 7.1. Step climb, Aerodinémica de Alta Velocidade 71 Por que empregar o step climb? A varidvel mais importante para obtengdo do alcance especifico maximo dos avides a jato é a altitude. Assim, 0 aviao deve iniciar a etapa na maior altitude compativel com seu peso e sua tragao. Porém,a altitude étima, onde o alcance especffico é maximo, aumenta com a redug&o do peso. O ideal seria que o jato efetuasse uma subida constante (climb cruise), onde estaria sempre na altitude étima. Mas o controle de trafego nao pode controlar todos os avides, o que impossibilita esta solugao. Entao é empregado o step climb: o aviao inicialmente sobe até uma altitude de 2.000 pés acima da altitude étima, e a mantém até que, com o consumo de combustivel, ela fique 2.000 pés abaixo da étima, quando o aviao sobe mais 4.000 pés, ficando 2.000 pés acima da dtima, e assim sucessivamente. O climb cruise foi empregado no passado pelo Cometa, quando ele era o tinico aviao de transporte a jato, € posteriormente pelos Concordes, que, voando a 50 e 60 mil pés de altitude, e sendo em nimero reduzido, nao apresentam problemas de controle de trafego. 7.3) Cruzeiro de maximo alcance e de longo alcance As figuras 7.2. e 7.3 mostram as curvas de Arrasto, alcance especifico e consumo horaério de um jato do porte e tecnologia do Boeing 727-200. O Arrasto de compressibilidade é causado pelas ondas de choque que ocorrem apés 0 Mach critico, ou seja, este Arrasto sé ocorre apés 0 Mach critico. Pode-se ver que os regimes de cruzeiro de maximo alcance MRC (alcance especifico maximo) e de longo alcance LRC ocorrem acima do Mach critico, onde o Arrasto de compressibilidade representa cerca de 2% do total. Newton Soler Saintive Arrasto minimo Consumo horario minimo Mach NP 08 O7 Os 09 0.6 O7 08 0.8 Figura 7-2. Efeto da velocidade no Arasto. Figura 7.3. Efeto da velocidade no alcance especifico e no consumo hordrid de combustivel. Outra constatagao do grafico é que, ao contrario dos avides a pistao, o alcance especifico maximo nao ocorre na velocidade de Arrasto minimo, ou L/D maximo, e sim com velocidades muito maiores, confirmando o cAlculo feito anteriormente. 8 VOO SUPERSONICO 8.1) Deslocamento supersénico e subsénico Um avido em véo afeta o ar em sua volta, e as pertur- bagées de pressao por ele produzidas se movem em todas as diregdes, na forma de esferas com a velocidade do som. Nas velocidades subsénicas nao existem problemas, porque estes impulsos atingem as particulas de ar antes da chegada do aviao, € estas particulas podem se preparar para recebé-lo (ver figura 1-3). Nesse caso, a aceleragao das particulas e a forga para movimentdé-las sAo menores do que o seriam sem este aviso. Quando o avido se aproxima de Mach 1, a antecipagao é cada vez menor, e ao chegar 4 velocidade do som ocorre um acimulo de pressées, que provocam uma onda de choque perpendicular a trajetéria, que estar colada ou ligeiramente a frente do nariz, de acordo com a forma deste. Quando a velocidade ultrapassa Mach 1, a onda de choque vai dobrando para tras, formando o cone de Mach; quanto mais veloz, mais inclinada estaré a onda de choque, ou seja, menor o Angulo do cone de Mach. Ao passar pela onda de choque, a pressao, a temperatura e a densidade dos filetes sao aumentadas, reduzindo-se a velocidade. 4 Newton Soler Saintive - QO -©6« Figura 8-1. Formacao de ondas de presséo. A frente da onda de choque sempre existira uma zona de siléncio, enquanto atr4s da mesma estaré uma zona de agao. Entre as duas, uma onda de choque causada pelos impulsos de pressao acumulados. A figura 8-1 mostra a diferenga fundamental entre os escoamentos subsénicos e o supersénico. No primeiro, os efeitos produzidos pelo deslocamento, se bem que decrescendo com a distancia, alcangam todos os pontos do espago que envolve o avido, enquanto no deslocamento supersénico os efeitos ficam concentrados dentro do cone. Vejamos outra caracteristica do regime supersénico: a diferenga no escoamento dentro de um bocal convergente- divergente, quando ele passa de subsénico (incompressivel) para supersénico (compressivel). Observa-se que no regime subsénico, um bocal convergente reduz a pressao e aumenta a velocidade dos filetes, ocorrendo o oposto quando o escoamento é supersénico: a Aerodinamica de Alta Velocidade wid Figura 8-2. Comparacdo dos escoamentos subsonico e supersonic. pressd4o aumenta, enquanto a velocidade dos filetes diminui. Qual a razdo dessa diferenga? Como foi visto no capitulo 1, em baixas velocidades, devido as diminutas pressées envolvidas, o ar é praticamente incompress{vel, isto é, seu volume nao varia com a modificagao da pressao. No regime supersénico, ao contrdrio, o ar é compressivel. Quando esta num tubo convergente, seu volume é progressivamente reduzido e, conseqiientemente, aumenta sua pressao (lei de Boyle-Mariote). E, a um aumento de pressao corresponde uma redugao de velocidade (Bernoulli). No bocal divergente, pelo mesmo motivo, a pressio cai e a velocidade aumenta. 8.2) Tipos de ondas supersdnicas Quando o escoamento é supersénico, todas as mudangas em velocidade, press4o, densidade, diregdo etc., ocorrem quase instantaneamente, e em 4reas relativamente confinadas. As 76 ‘Newton Soler Saintive areas onde ocorrem mudangas de diregao sao geralmente distintas, e os fendmenos s40 chamadas de ondas. As ondas de compresséo ocorrem subitamente, consomem energia - sao ondas de choque. As ondas de expansdo nado sao instantaneas e nao consomem energia como as ondas de choque de compressao. Essencialmente ocorrem trés tipos fundamentais de ondas no regime supersénico: onda de choque obliqua, onda de chaque normal e onda de expansao. As caracteristicas dessas trés ondas podem ser resumidas pela figura 8-3. Onda de Onda de choque obliqua choque normal 8.2.1) Ondas de choque: obliquas x normais Como ja foi visto no capitulo 1, as ondas de choque normais sao caracteristicas dos regimes transénicos. No entanto Asrodindmica de Alta Velocidade 77 elas podem ocorrer nos regimes supersOnicos, quando o mével que se desloca supersonicamente nao é suficientemente pontiagudo, como se vé na figura 8-4. anda do chon | M=2.0 Y ada dgetonve obliqua / Figura 8-4. Ondas de choque obliquas e nomais. Por este motivo, os avides supersénicos empregam prefe- rencialmente nariz e bordos de ataque pontiagudos para evitar ondas de choque normais, que provocam Arrasto superior aos produzidos pela onda de choque obliqua. 8.3) Perfis supersénicos ‘Como a onda de proa, quer obliqua quer normal, sempre aumenta a press4o, esta, na parte dianteira de um aerofdlio, voando supersonicamente, é sempre superior 4 pressdo atmos- férica (figura 8-5). Na parte traseira, 0 fluxo de ar devera novamente mudar de velocidade e presso, por intermédio de uma onda de expans4o, Apés essa onda, a pressao sera diminuida; a diferenga ‘onda de choque obliqua — onda de choque obliqua Figura 8-5. Petfl de aerotsio. 8 $$$ ———_|_—_——_ Newton Soler Saintive da press4o entre a parte dianteira e a traseira produz 0 Axrasto de onda, que, ao contrario do Arrasto subsénico-transénico, nao depende da viscosidade do ar. Apés ultrapassar o bordo de fuga, os filetes voltam a pressao/velocidade dos filetes 4 frente do aerofélio, por intermédio de outra onda de choque. © processo supersénico de produzir Sustentagéo pode ser melhor visualizado pela andlise da Sustentagéo produzida por uma chapa plana com Angulo de ataque positivo, como a figura 8-6. A onda de expansao provoca uma redugaéo da pressao do extradoso, enquanto a onda de choque provoca um aumento de pressao no intradorso. A diferenga de pressao entre as duas faces resulta numa forga resultante perpendicular 4 chapa, e, conseqiientemente, teremos uma componente de Arrasto produzido pela Sustentagdo que independe do alongamento da asa. onda de expansio onda de choque obliqua ‘onda de expansio Figura 8-6. Sustentagao de uma chapa plana em regime supersanico, Analisando 0 aerofélio de uma asa, verifica-se, pois, a existéncia do Arrasto de onda que é fung4o da espessura do aerofélio e independente da viscosidade do ar, e a existéncia de Arrasto proveniente da Sustentag&o e independente do alongamento da asa. Para produzir a mesma Sustentagao, o Arrasto super- sOnico é bem superior ao Arrasto subsénico e transénico. Os resultados teéricos para o escoamento supersénico bi-dimensional de aerofélios finos e com pequenos Angulos de ataque séo muito simples, como pode ser resumido na figura 8-7.

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