Foucault para Historiadores

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22 AS MARCAS DA PANTERA: FOUCAULT PARA HISTORIADORES Margareth Rago Departamento de Histériainicamp. Em uma oélebre polémica com Jacques Léonard, Michel Foucault distingue duas maneiras de se fazer histéria: a primeira, & maneira dos “historiadore's”, consiste em atri- buir-se um objeto e tentar resolver sucessi- vamente os problemas que este coloca; a segunda, a que ele prefere, consiste em se colocar um problema e determinar a partir dele 0 ambito do objeto que é necessério percorrer para resolwé-lo.' Propondo uma histéria-problema, sob inspiraco dos funda- dores dos Annales, Foucault afirma-se nao ‘como um historiador dos costumes, des com portamentes e das priticas saciais, mas das problematizaoées, isto é, das formas pelas quais determinados temas foram problema- tizados em diferentes épocas. Em Vigiar ¢ punir, por exempla, nao procurou fazer a histéria da instituicdo-prisfio, mas se pergun- fou come 9 pensamente da punicao teve uma certa historia entre 0 final do século 18 @ inicio do 19. Jé na Mistéria da loueura, sua atengao sé dirigiu & maneira pela qual dife- rentes épocas perceberam a loucura, tendo em vista estabelecer os limites entre 0 nor mal ¢ © desvio. * As relagdes entre o pensa- mento @ a verdade constituiram seu campo privilegiade de investigagao. A problematizagiio, portanto, se tora um conceito-chave em seu pensamento, € por tal nogdo ndo se deve entender a repre- sentac’o de um objeto pré-existente, nem a criago_pelo discurso de um objeto inexis- tente. Tratase, diz ele, do “conjunto de préticas discursivas e nao-discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo da verda- deiro & do falso © a constitui come objeto loo pera cantar Mi. fouczal para o pensamento (seja sob a forma de reflexZo moral, do conhecimento cientifico, a andlise politica etc)". Mesmo que se tenha reconhecido expli- sitamente como filésofe, nde ha divida de que Foucault realizou varias obras de histo- riadar, € que tanto suas problematizages e ‘os caminhos que desbravou para resolve las, quanto suas concepgées mais gerais causaram profundo impacto nos meios aca- démicas €, em especial, entre os historia- dores. A enorme quantidade de livros, teses, artigos, comunicagSes, palestras e debates produzidos. no Brasil © internacionalmente sob sua inspirac3o atesta uma penetracio que, polémica.¢ tumultuada, deve ser discu- lida. * Pela menos dois coléquios signitica- 08 em tome de Foucault foram realizados na USP, em 1985, e na Unicamp, em 1986.* Ampliou-se também campa da investiga- cdo histérica e das fontes documentais para temas come a higienizagéio das cidades, a medicalizagae dos corpos, a disciplina fabril, politicas do corpo, sexualidade e outros. Nesta direcdo, este texto pretende ser uma contribuigho para se pensar a impor- tdincia que esse fildsefo exerceu entre os historiadores, iembrando sempre que toda reflexao sé enraiza ém uma pratica histérica particular. A partir de suas problematizagoes, definiu-se um novo campo conceitual e alte- rou-se radicalmente a maneira pela qual o historiador trabalha sua matéria, levando @ nao menos importante Paul Veyne a afirmar enfaticamente qué "Foucault revoluciona a Histéria"® Proponha, entio, situar trés momentos em que © pensamento desse filésofo cau- SoU impacto na produc historiograifica brasi- leira, embora entenda que nao foi muito diferente 0 perourse seguide pela historio- gratia francesa, da qual somos tributaries. 0 Primsiro caracteriza-se pelo privilegiamento da concepgao de poder como positividade; 9 segunda remete & questo da eliminagio do sujeito como agente histérico tundamen- tal, produter central des acontecimentos Socials: 0 tercsiro vé entrar em cena ref xBe5 Sobre 05 modos de subjetivagao e seus processos diferenciados. Essa divisio nao obedece necessariamente a uma ordem ero- nolégica, jd que parece, a primeira vista, que fizemos um caminho inverso em relagao & Produgio do autor: enquanto este passou da andlise arqueciégica das formagoes. dis- cursivas para a genealogia das relagdes do poder, nés 9 encontrames inicialmente em seu principal estuda histérice propriamente dito, Vigiar e punir, para mais tarde procu- rarmos suas formulagées anteriores. E possivel afirmar que grande parte da Produce histeriogrdifica inspirada nesse fil6- sofo, ao menos durante a década de 1980, caracterizou-se por uma apropriagao parti- cular da nocSo de poder disciplinar, que jd no assumia todos os dardes que eram lan- ‘gados contra os baluartes do manxisma. Criti- ‘sande a concep¢ao juridica do poder, Foucault no apenas chamavaa atencao para a dimen- sSo imagindria do poder, ou seja, para a idéia de que este se apresenta através do ndmeras figuras, de qué ha mais de uma representagao do poder. Desmontava uma série de concepgées estreitamente articula- das, como ade que o pader, além de negative, 0 wn estatia localizade num ponto fixo —o Estade € 95 instdncias politico-institucionais. Mos- trava a asticia da dominagao e a ficgio de sua negatividade, Relembro alguns pontos da concepgaio positiva de poder: Foucault questiona uma tepresentacdo essencialmente juridica do poder, considerado come “coisa”, mestranda suas limitagSes para se pensar a domina- ‘G80 na Sociedade modema. Segundo ele, se pensarmos 0 poder apenas negativamente, isto é, came forga repressiva, que cala, silen- cia e abafa, ficamos com uma dimensao reduzida de suas multiplas manifestagées. ‘Trata-se, pois, de percebé-lo em sua dimen- sao relacional e em suas indmeras formas de manifestagao estratégica, nos varios momentos da vida social. Contra 0 mita liber- lario da “sociedade sem Estado", Foucault revela que semes todos capturadas por uma imensa rede de relagoes, que paulatinamente recobriu e conformou a sociedade discipli- nar, a partir de meados do séeulo 18, rede esta necessdria, por sua vez, para a propria sustentagdo da representagao da Estado como forga repressiva ¢ maquina exclusiva dadominacao burguesa. Propés, entao, para o estuda das formas de dominagao nao ape- nas a andlise dos regimes politicos, mas uma “analitica do poder”, uma microfisica do pader”, Essasnogdes causarar grande impacto, principalmente num pais recém-eqresso do abafamente da ditadura militar e no auge da eclosdio dos mavimentos socials, muitos dos quais nascidos & revelia de partidos e gru- pos politicos da esquerda organizada. O potencial anti-autoritario se evidencia tento 1. Michelle Perrot (org.). L"impossibye arison, Paris, Seuil, 1978, 2 Miche! Foucault. Vigiar @ punir, Petropolis, Wozos, 1977; Histénia aa loueura, Jo Paulo, Perspoctiva, 1978. 8. Carlos Hennque Escobar (org.|. Micho! Foucaut: dosser. Uitinas entrevistas, FU, Tauris, 1984, p. 76. 4. Voja-se a respetto Ricardo Falcon. La presencia de Foueauit on la historiogratia contempocines de kas selores populares, mimeo, 1989, 5. Duas importantes publicages rocultam desses encontias, respectivamente, Recordar Foucault organizado por Renato J. Ribeiro, SP. Brasilien, 1865 ¢/-oucsull vivo, organizado por Halo ene, Campinas, Pontes, 1906, 6. Paul Vayne, Camo se escreve a Hisiéria. Foucauttrevoluciona a Histéria, Brasilia, UnB, 1982. 7. Michel Foucault. Aéicratisica eo poser, Fl, Graal, 1979, 23 24 nas criticas internas e externas dos grupos ditos minoritdrios, quanto no comportamento questionador de jovens, mulheres & grupos étnicos. Cada um a seu modo tomava. con tato com a nopde de direito e cidadania. Nesse contexto, a redescoberta do anar- quismo € a aproximagaa de Foucault néo foram mero acaso: participavam ambos de um momento de intensa contestagao social edo descortinar de novos possiveis, na virada da década de 1970 para os anos 1980. Questionando a nogae de poder come repressao, cara tanto ao marxismo quanto. & psicandlise, Foucault atentava para sua inci- Géncia sobre © corpo do individuo como bio- poder. Descartando a “hipdtese repressiva”, segundo a qual teriames uma natureza essen- cial primeira que o poder viria reprimir — € nesse sentido, o desejo e a sexualidade varia- riam historicamente apenas em fungao da maior eu menor fora da repressio civiliza- dora —, ele afirma que nada temos de natural, que nem mesmo.0 ato de comer poderia ser assim pensado, pois nde hd uma esséncia humana situada no campo da natureza sobre a qual a cultura investiria. Tudo é histérico € cultural ne ser humano; os sujeitos nao pré- existem para entrar posteriormente em rela- Ges confiituosas ou harmoniosas. Eles aluam num campo de batalha, onde ndo hd basti dores. Portanto, num mesmo movimento em que sua concepedo positiva do poder polit zava inimeros planos da vida social, pen tindo que muitas disciplinas cientificas repensassem seus procedimentos tedricos metedolégicos, a exemplo da arquitetura ou da geografia,® que passavam a ocupar- se ndo apenas das formas fisicas dos espa- cos materials, mas das relapdes de poder doentrecruzamente de saberes que Ihes eram imanentes, a nagdo de ideologia voava pelos ares. Nao sé a alma, a consciéncia, o inte- lecto, mas muite mais do que isso, © prépria carpe do individuo, © automatisme dos ges- tos, a postura, ocomportamento, a peroepgao eram investigados pelo poder. Ponto funda- mental para os historiadores: a dominac3o ndo se fazia apenas de cima para baixo, do Estade para a “sosiedade civil”, ou ainda da midia para os consumidores passives da escola frankfurtiana, mas incidia pelos espa- G05 fisicas e institucionais, a despeito do controle ¢ da vontade des individues. Sem negar a existéncia da dominagao classista, Foucault alertava para uma forma de percengao segunde a qual 0 exercicio do poder aparecia Goma multe mais profundo, sutil, permanente, produtivo e micrascépico. ‘A hegemonia nao se construia apenas pelo silenciamente, mas pela propria produgdoda subjetividace, Inversie total: a dominagao nao percarria 0 caminho da alma para o corpo, mas poderia vir das coisas para corpo'e para as idéias! Falemos, entiio, de alguns trabalhes fran- ‘sese5 que marcaram fortemente a producdo historiografica brasileira. Embora seja dificil classificar eertos historiadores come fouleaul- tianos nesta nossa época de recusa aos Fétulos, foram varios os autores qué sé apro- ximaram do filésofo. Na Franga, criou-se a revista Recherches e, além dela, foram pro- duzidos trabalhos que abriram miltipios temas de pesquisa. Dentre os ntimeros mais conhe- sidos dessa revista, destaca Le soldat du travail, que aborda a taylorismo, a diseiplina industrial e a militarizagao da fabrica apos a primeira guerra mundial; L’ haleine des fau- bourgs, sobre as formas de gestao publica privada da cidade e de seus habitantes; Dis- ciplines 2 domicile, reuninde estudos sobre @ medicalizagio da familia; Le petit travail- Jour infatigable, abordanda as tormas da submissao do menor ao trabalho fabril e a domesticagao da familia operaria, Michelle Perrot e Alain Corbin, per sua vez, embora sem renunciarem & sua forma- (G0 annaliste mesclada com a wadicao marxista, apropriaram-se desta concepcao do pader que permitia pensar tanto o indivi- duo, quanto a organizaciio espacial da cidade, ‘ou a constituigao de uma neva sensibilidade: fortemente marcada pelas estratégias tec: nakigicas do pader.” De proceso de trabalho 4 vida privada do lar, 08 trabalhos historio. gréficos evidenciaram o exercicio da vigiléncia panética, o deslizamento das disciplinas visi- veis As invisiveis, a dominagSo molecular e suiil incidindo sobre © come, distribuinds os individos no espago, decomponde o temp, serializando, normatizando os compartamen- tos. Q“conforto”, com suas maquinariasins- taladas no lar ao longa do sdculo 19, como estudou Francois Béguin, "’incitando aes com- portamentos privativos ¢ intimos.¢ ae “oulte do eu”, a fabrica “higiénica”, desodorizada @ espacializada, produzindo a subjetividade a do trabalhador, a escola nermativa, contor- mando a corpo dos alunos, néo apenas pela difuséo de ideais & valores conservadores, nao mais ento como “aparelho ideolégica do Estado”, mas pela produce do prépria individuo, em sua maneira de ser, agir e sentir, a segregaedo espacial dos habitan- tes da cidade, classificando as condutas @ identificande os tipos urbanos, rotulanda-os segunda categorias do normal e do patolé- gico, a partir de sinais organicos ou das préprias roupas, assim como as mutagdes nos regimes disciplinares e nas resisténcias sociais foram temas abordades com muita Lembro entre nés de alguns trabalhos que ficaram muito conhecidos, camo Dana- ¢do da norma, (Graal, 1878), de Roberto Machado e outros, ¢ Grdem médica © norma familiar (Graal, 1979), de Jurandir Freire Costa Além desses, vale destacar A estratégia da recusa (Brasilense, 1982), de Amnéris Maron; Ferravia terrovidrios (Cortez, 1982), de Liana Segnini; O espelha do mundo (Paz e Terra, 1986), de Maria Clementina Cunha. Docabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar (Paz Terra, 1985), de Margareth Rago; Sacraliza- cdo 0a politica (Papirus, 1987), de_Aleir Lenharo; Campos da violencia (Paz ¢ Terra, 1988), de Silvia H. Lara, tados produzidos na década de 1980. Certamente, € preciso levar em conta a maneira como esses trabalhos se inscreverm direta ou indiretamente numa perspectiva tes- rica foucaultiana. Contude, foram fortemente marcados pelas nogdes de discialina de micre- politica, € de nermatizagde dos gosto, mostrando cada um a seu modo a produgao do individuo pelas malhas do poder. 8, Voja-ce por exemplo 0 interessante estudo ca arquiteta Fisquel Floinik. Cada um em seu lugar, dissertacéo de mestrado, FAU-USP, 1981 8. Michelle Perret. Os exelvidos da histévia, arg W2ade por Maria Stella Bresciani, Rs, Paz @ Torra, 1988; ALain Corbin. Saberes © odares, SP, Gompanhia das Letras, 1967 ¢ Les files de noce. Misére sexuelle ot prostitution & Pavis au 192 stele, Panis, Flammarion, 1978. 10, Frangais lagu. Las machinesies ange ‘du confor, Recherches, ( haleine des faubourgs, Paris, CERF, 1978, 25 26 Do mesmo modo, ganharam destaque 9s trabalhos historiograficos de Alain Corbin Michelle Perrot, jd citades. Q primeire tarmau como tema de suas pesquisas 0 discurso médico-sanitarista e juridico sobre a prosti- tuigdo na Franga do século 19, em Les filles de noce. Ji em Saberes # odores, analisou aconstituigdo de uma nova sensibilidade olfa- tiva, atento &s formas pelas quais a burguesia instituia seu poder através da difusio das nogies do certe e do errado em relacao aos comportamentos higiénicos e &s percepeoes olfativas, A deminagae offativa, mastrava ele, passava também pela imposigio de uma determinada forma de percepgae dos chei- fos, de uma determinada resisténcia ou aceitagao de sua classificagao e codificago sensorial Ja Michelle Perrot, em inimeros arti gos tecentemente reunidas no livro Os exciuides da histéria, alentava para as pos- sibilidades de exploragao da andlise micro fisica do poder nos campos da organizagao capitalista do processe de trabalho, nas for- mas de distribuicdo dos corpos nas prisbes e asilos na Franca do século 18, na ocupa- ¢odo espaco urbano pelas “mulheres rebel- des” @ grupos marginais jovens do tipo “apaches", fesistindo contra a construgao da sociedade panstica. Os institutos discipli- nares da intancia, as fabricas, hospicios ¢ asilos foram incorporades come dominios fun- damentais para.o conhecimento da sociedade modema por esta historiografia. No Brasil, vale destacar os estudos sobre sistamas de reclusio & medicalizagao de varios grupos sociais, realizados por Sérgio ‘Adomo em suas pesquisas sobre a assis- téncia pibblica no Estado de $30 Paulo, o de alo Tronea, sobre o imagindrio da leprae as instituigées correlatas, 0 de Magali Engel, Sobre 0 discurso meédico-higienista a respeito da prostituigao no Rio de Janeiro no século passado e a coletinea organizada_por Ronaldo Vainfas sobre o tema da sexuali- dade @ 9 contrale social. " No entanto, 0 resultade deste rico con- ‘ato fol a0 mesmo tempo estimulante proble- matics. Mas abstenho-me de considerar cada um dos trabalhos indicados, j4 que se ins- crevem em tendéncias metodolégicasdiferen- cladas, Para os objetives desta discussio, considero pertinente situar as questées num plano mais geral. Voltando, portanto, a ques- a0 do aspecto problematico da apropriagao de alguns conceitos de Foucault, entendo que varios autores trabalharam oom deter- minadas nodes, comeo de poder discipiinar, sem cantudo questionar 0 quadre conceitual ou a réferéncia metodolégica que norteava suas produgSes. Algumas vezes, encontra- mos andlises que tomaram como referéncia inicial obras sociolégicas dos anos 1960 para, num segunde momenta, circunscreverem © estudo a.uma dimensao micro do objeto esco- thido. Por exemplo, a andlise das formas arquiteténicas pansticas do esporte no perioda Vargas foi “contextualizada” a partir de mode- las sconémico-politica-seciais construidos pelos estudos de sacidlagos e politicdlogos, estudos estes absolutamente estranhas & pro- blemdtica foucaultiana. Ao cantratio, portanto do que propés Feucault, a andlise micro foi combinada com modelos macro de interpretacao globalizante da sociedade e da politica. Lembremos que 90 critica © projeto de uma histéria totali- zante, Foucault, na Arqueafogia do saber, defendeu 0 projeto de uma histéria geral, construida a partir das descontinuidades, das Tupturas e do entreeruzamento de séries orga- nizadas pelo historiador. Menos chocante, a aproximagao entre o fildsofo e historiadores marxistas ingleses, como E.P. Thompson, também refletiu as confusées e dificuldades geradas pela rete- fenciagéo por autores situados em campos epistemologices diferenciados. Penso em alguns trabalhos que, nesse sentido, oscila- ram entre uma histéria “genealégica”, em que os agentes sociais aparecem como efei- tes do poder e dos entrecruzamentos de saberes, € a valorizacéo das resisténcias socials, numa atitude militante nitidamente preocupada em realcar aimportncia da agdo do sujeito na histéria, Essa osellacio encon- tra-se em vérios estudes, sobretudonaqueles valtados para a condigdo operdria e os movi- mentos socials: de um lado, busca-se mostrar 4 combatividade histériea des setores opri- midos da sociedade, priorizando sua capacidade organizativa auténoma: de outro, investigam-se a formacio de saberes ¢ a genealogia das relagdes de poder inscritas as instituigdes de “seqiestro” , que consti- tuem a seciedade burguesa. ‘Ou seja, se de um lado a historiagrafia brasileira cresceu com a descoberta dos "ven- cidos”, operarios e “minorias”, buscando desfazer seus “silancios” e colocd-las como protagonistas centrais da histéria — vide a Tespeito os trabalhos sobre a condigéo dos escravos, negras, louses, prastitutas, crian- $85, ét6—, par outro, aperspectiva delineada pelo “pensamento diferencia!” (no qual se inclui Foucault) apontava para a eliminagéo do sujeito na histéria, minimizando a impor- tncia de sua atengao racional € cansciente Pelo lado dos estudes feministas, a con- fusdo aparece claramente nas dificuldades suscitadas pelo deslocamento dos estudos sobre-a" mulher” para asrelacées de género, Falando brevemente, é visivel 0 mal-estar partihade por uma historiadora do porte de Joan W. Scot quande, provinda de uma for- fmagao marxista ¢ de estudos marcadamente militantes, isto €, preccupados em pravar a combatividade das mulheres, especialmente, de condigao social inferior, passa a defen- der a andlise das relacdes de género, ‘apoiando-se no coneoito de “deconsirugio" de J. Derrida, 11. Voja-co a respeito 0 artigo de Italo Tionca, Histécia de doenga: 2 parttura acult Muito mais do que um deslecamento de objeto, trata-se, creio eu, de uma enonme mudanga de campo epistemolégico, de refe- réncias tedricas dificiimente compativeis entre si, Fazendo a critica ao marxismo, os “fild- sofos da diferenga”, entre as quais Foucault € Deleuze, se nao postulam uma metedalo- gia e uma filosofia da Histéria, no podem Ser apropriados sem mais no interior de um sistema conceitual to acabado quanta o mar- xismo. Nogdes com sentide da Histdria, neces- sidade do processe histérico, para nd falar em leis imanentes ao desenvalvimento social, realidade objetiva ou concreta, desvelamento das aparéncias ou do “véu" da ideologia para se chegar & verdadeira esséncia, his~ tora totalizante, “sintese das miltiplas deter- minages”, infra-estrutura econémicae super- estrutura cultural, refiexo do nivel ideolégica, entre outras, s40 absolutamente descarta- das pelo pensamento diterencial. Impossivel, portanto, utilizar apenas © conceito de poder disciplinar no interior daquele pensamento, Jd qUe e88e préprio concsito supse a critica de outros como o de ideologia, esséncia, verdade objetiva, real ete Vale ainda ressaltar que ndo se tata, na case de Foucault, de negar a combativi- dade histérica do proletariado ¢ dos-oprimides em geral. Sua questao € bem outra. Seu problema é dissolver uma representagao do hemem como sujeito unitario consciente, que possibilta e informa aquele tipo de andlise ¢ © humanismo em geral. Remetendo a Marx, Freud e Nietzsche, o filésofo indica que nem tudo pode ser explicado pela atuacao cons- ciente dos individuos, e, nesse sentide, uma histéria que se pée a privilegiar a entrada em cena de quaisquer setores sociais, como agentes fundamentais do movimento histé- ‘em Recordar Foucaut, op. ‘et. O autor realizou ainda dois videos dacumentérins sobre a lara ¢ 0 regime aailar em em Sdo Paulo 2 no Amazonas (Centra de Cemunieneas da Unicamp @ Arquivo Edgar Louenroth): Sérgio Adomo. & Arto de -administtar a pobreza: assisténcia social institucionalizaga em Sia Paulo no século 18, Foucault vivo op. it; Magali Engel. Meretnzes © doutores, SP, Bracilionse, 1987; Renaide Vainias, Historias ¢ sexualigade no- Brasil, RJ, Graal, 1996 12. Michel Foucault. A arquealogia do saber. 12" ed: SP, Forense-Universitiria, 1986 1, Joan Seoit, Gander and pallies om fristory, Nowa lorque, Columbia Unworsity Pross, 1988, 27 28 rico corre o risco de mistifiear 8 capacidade de construgdo da Histéria pelo homem. Evi- dentemente, adiscusséo em torn do aconite- cimento da estrutura é bastante complexa 2, no campo da historiogratia, é possivel afir- mar que 0 peso maior ou menor atribuide a eada um desses elementos define duas impar- tantes tendéncias de produgae historiogratica, asccial history € 03 Annales, respectivamente. Seja como for, para Foucault, somos produzidos por relagdes de poder, somos feito mais do que produtores. Estamos enval- vidos por formas de agenciamento atraves- sadas pelo poder e pela formacaode saberes que nos instituem, codificando, classificando ¢ supostamente explicande. Para o historia dor, trata-se entao de perceber essas redes 05 mecanismas de funcionamento do poder, menos do que acreditar que existimos antes da sociedade © da cultura, ou por detris dela, numa suposia natureza que a razdo burguesa imaginou ¢ onde nos alojou. Gostaria de lembrar aqui as freqliéntes criticas langadas pelos historiadores marxis- jas a Foucault, segundo as quais este negli- genciaria as resisténcias populares. Carlo Ginsburg, por exemple, identificado com a “Historia vista de baixo" © preocupado com a andlise da cultura popular, acusa-o de esquecer os excluidos, ao tratar das formas da exciusdo na Histéria da loucura. J& em Eu, Pierre Riviére..., 0 filésofo teria deixado a figura do assassino em segundo plano, caindo numa relagdo estetizante e irraciona- lista diante de sua fala, negando-se pois & interpretagao. Como bem observou Durval Muniz de Albuquerque Junior, em artigo recente, tam- bém Ginsburg incorre numa incompreensao da proposta metodolégica de Foucault. Sua preocupacao central nao é explicar os alos © palavras de Riviére, como fizera 0 historiador italiane em relagdo a9 seu perso- Ragem Menocchio, mas a de mostrar como esses atos ¢ palavras foram apropriados pela produgde de uma tela discursiva que conec- tou 0 discurse psiquiatrico e o juridico. Trata- 86, para Foucault, de mostrar que o crime de Riviére © seu relate sobre 0 crime cons- tituem dois acomtecimentos diterenciades, que ngo podem ser reduzidos um ae outro. Fou- cault revela como o jogo de poder se vale desta homologia entre o real € o discurso para sustentar suas definigdes sobre a iden- tidade do camponés, seja como louco para 05 médicos, seja como assassino para os juristas, e encontrar os elementos de sua condenagao Outra grande discussio foi gerada pela ineompreensdo de conceite foueauitiana de discurso. Recusanda a concepeao do dis- curse como reflexo do real, 0 fldsoio explicava que 0 discurso € prética, e que as praticas discursivas instituem figuras seciais, cons- troem identidades ¢ abjetivam o fate histérieo, dando-lhe visibilidade @ imprimindo-Ihe um sentido determinado. Contrariava, nesse sen- lido, a cristalizada representacdo de que o fato existe por si $6 independentemente do discurso, Em um livro bastante conhecido, Edgar de Decca trabalhou com essa concepeie das formagdes discursivas come acenteci- mento, descartando a dicotomia represen- tagdio-real, embora Ihe tenha sido atribuida uma fore influéneia dé outta notavel fil sofo, Walter Benjamin. Em @ siléncio dos vencidos, trabalhando num plano arqueoié- gico com a ordem de discurse dos vence- deres da movimentagae politico-social do final das anos 1920 pata os anos 1930, mostrou como Se institui um sentido determinado dos acontecimentos histéricos e como se produz a memdria do passado, silencianda © discurso dos vencidos, ou mesmo elimi- nando do cendrio histérice a configuragia de conflitos, num determinado momento, questiongu fundamentaimente os rumos da Histéria. ® Ja em 1987, privilegiando a nogo de discurso como acontecimento, Durval Muniz o o Albuquerque Junior, mostrava como @ seca do Nordeste fora construida discursivamente pelas effles como problema social, a partir de meados do século passado. Nao se tra- tava para esse historiador de explicar empiri- camente 0 fenémeno da seca no Nordeste brasileiro, a exemplo de um gedgrafo, mas de explicitar que teias discursivas possibil- taram a emergéncia da seca come problema, a partir da configuragéo de um campo de: forgas em conflito. 7 Destas colocagdes, vale ressaltara"des- naturalizagao” do objeto proposta pela histéria arqueo-genealégica. Seu métedo epera um deslocamento “copemicana”, cama diz Paul Veyne, no que seria o trabalho do historia- dor, pois deixa de trabalhar com o objeto dado, para pensar as praticas sociais que 0 engendram. Sé 03 abjetos néo sia dados como naturais, Foucault nos alerta para sua “taridade’, para a_maneira como as prati- cas discursivas ou nfio-diseursivas produzem ‘ou objetivam-nos, Navamente recorrendo a Veyne:"Oque ¢ feito, 0 objeto. nao seexplica pelo que foi o fazer em cada momento da histérda; enganamo-nos quando pensamos que © fazer, a pratica se explica a partir do aque € feito.” Alids, Foucault diré, através de sua Iei- tura de Nietzsche, ao comentar a “historia dos historiaderes", que a histéria genealo- gica nda busca reencontrar as raizes de nossa identidade, encontrar os fios da continuidade histérica que permite nos explicarmos anés mesmes no presente, mas “ela pretende fazer aparecer todas-as descontinuidades que nos atravessam. "? Num conhecide trecho, afirm: A histéria serd “efetiva” na medida em que ela reintroduzir 0 descontinua em nosso proprio ser. Ela dividiré nossos senlimentos; dramatizard nossos instin- tos; multiplicard nossa carpo e 0 opord asimesmo. Ele nao deixard ada abaixo de si que teria trangiilidade assegu- radora da vida ou da natureza; ela nao se deixard Jevar por nenhuma obstina- gao muda em airegao 2 um fim milena. Ela aprofundard aquilo sabre o que sé gosta de fazé-la repousar € se obsti- nard contra sua pretensa continuidade. E que 0 saber nio felto para com- preender, ele é feito para cortar,” Acredito que aqui se encontra uma das. maiores contribuigses desse pensador para ‘@ produgdio do conhecimento historico, Ja ndo Se tata de interpretar os objetos histé- rics, entendidos coma naturais, imprimindo- Ihes um sentido ao longo de um proceso. No mais um trabalho que permita estabe~ lecer nossas origens “nobres”, a partir da construgao de fios de continuidade temporal que assegurem a ilusda de nosso progress: mas uma histéria que mostre aquilo que nos separa de outras épocas, o que ja nd somos. Portanto, ndo uma historia da cidade, por exemplo, a0 longo das épocas antiga, medie- val, moderna e contemporanea, come propoe Lewis Muntord.® Nao uma historia dos domi- nados ou da sexualidade, no curso da evolugdio da humanidade. O proprio Foucault mostrar-nos~a que os objetos histéricos $80 constituides, objetivados por praticas sociais discursivas e néo-discursivas, recortades pelo historiador ¢ subsumidas em eonoeitos tam- bém construides historicamente. Nao uma 74. M, Foueaull, Histéria da Joucura, op. eit; Eu, Pier Riviére, que degolel minha mie, minha ima ¢ mau indo, Fi, Graal, 1977. Garlo Ginsburg. 0 quale © os vermas, SP, Campania das letras, 1987. 15. Durval M. dé Altiuquarque Junior. Menoechio e Rivioro: crimincsos da palavra e poetas do siléncio, Resgato n# 2, Campinas, Papirus, 1951 16, Edgar de Devoa 0 5i Unicarnp. 1987. 18, Paul Vayne. Op. cit, p. 164. fncio das veneides, SP, Brasiiense, 17. Durval M, de Albuquerque Junior, Fatas d@ angdsiia e de soca, dissertago de mestrado, Campin 1981 38. M. Foucault. Nietesche, a genealogia a Histéria. Micratisica do poder, op. cil. p. 38, 20, Idem, 9.28. 30 historia das formas punitivas do Ancien Régime @ era moderna, que comprovasse NOSSO progresso em direco a uma niaior humanizagao, a0 passar da forma suplicio para a forma prisdo. Mas, um questiona- mento das foroas qué estiveramn em conflito to. momento em que se produz a “emergét cia” de um acontecimento: a vitdria da prise como forma punitiva exemplar, em fungie de uma determinada idgica ou racionalidade. ‘Se Merquior acusa Faucaut de ndo ter sequer mencionado a grande Revolucso Francesa ‘em Vigiar e punir, descontextualizando sua explicagao do nascimento da prisSo, 6 por- que nao pode reconhecer ai um procedi- mento metodolégico extremamente sofisticade que prescindé de recorrer aos tradicionais “panos-de-fundo” explicativas — ‘equadro econémico, polition e social da época — para revelar, por outro lado, 0 nascimento da prisda no mesmo momento e lugar em ‘que os historiadores vo buscar a “invengao da liberdade”, Do mesmo modo, quando 0 filésofo- historiador mestra que o amor entre os homens na Grécia antiga nao remete ao con- esite de homessexualismo, inexistente ento, adverte-nos. sobre a importancia de se des- fazer de noges e referéneias que anacro- nizam @ pesquisa e que, alids, impedirian de captarmas a historicidade e a singulari- dade de determinadas praticas sociais, tidas como existentes em todas as sociedades e épacas, Em relacdo a histéria das cidades poderiamos dizer que se a pdlis grega nao configura a cidade moderna, as implicagSes de uma projecdo retroativa de coneeite para outros periodos © campos, para além dos quais foi formulado, signiticara incorrer em graves erros. E, lembrando Lucien Febvre, © anacronismo € 0 perigo capital de historia. dor. Ha quem considere que desacreditar do sentido teoldgico da Historia signifique uma enorme perda. Entretanto, poderiamos apontar os ganhos. Se 6 possivel historici- zar cada pratica social e perceber que 0 conceita que a nomeia nao é intrinseco & coisa, © que per tras da unidade que este produz se encontra uma multiplicidade de acontecimentos, 0 historiador ganha ainda pela possibilidade de recortar livremente séries documentais e explicativas do passado muita mais amplas. N&o se trata, assim, de buscar uma suposta finalidade histérica na ordena- 40 dos fatos operada pelo historiador, mas de desconstruir a histéria e de perceber a que representaco de histdria estivemos pre- sos desde o séoulo passado, impedindo-nos de abrir novos temas e de criar novas refe- réncias conceituais Portanto, nfo mais desvendar um suposte encadeamento natural que ligaria ‘osacontecimentas entre si numa grande linha de continuidade, ndo mais acreditar poder chegar 4 verdade objetiva ou a esséncia ori- gindria, no mais a busca da totalidade, mas \rabalhar as descontinuidades, perceber a historicidade dos instintos, sentimentos, ges- tes, praticas sociaise culturais, das formagées discursivas: captar a singularidade e a posi tividade dos. acontecimentos, © historiador “genealégico” se od conta, enliio, de que a histria ¢ a sua histéria, sua maneira espe- cifica de construir o passado, de trabalhar a relagiomeméria-esquecimento, sem que este procedimento se identifique & ficgdo. Atinal, lidamos com matérias empiricas e néio com meras invengSes do pensamento., Nesta concepeo do trabalho histerio- grafico, a utlizagio do documenta muda radicalmente. Este deixa de ser percebido como signo de alguma coisa real, como expresso da “realidade objetiva”, como ‘re- flexo” que traduz imediatamente aquilo de -que fala, para tomar-se monumento, devendo coma tal ser decodificado em suas camadas sedimentares. Afinal, os enunciados nao se reportam a algo nem exprimem um sujeito, remetendo apenas para uma linguagem, come ‘explicard Deleuze, lendo Foucault. A prosti tuta de que fala © discurso médico-higie- nista. néo remete ¢ explica a prostituta que realmente existiu: no $40 necessariamente figuras coincidentes, como tenderiamos acrer. E, alids, como poderiamos saber quem era realmente esta identidade constuida sobre- tudo no século 19 por uma referéncia médico- policial? As identidades so mascaras sobrepos- as a outras mascaras, codificagdes elassifi- catérias que esquadrinham os individuos no espago social, principalmente num momento em que a preocu- pagdo em decifrar © outro assume importéncia funda: mental. Desenvol- vinento dos pro- cesses fotografi 008, do conheci mento da antro- pologia criminal, dos sistemas de identificagie do individuo na mas- 3a, dos criminosos e anarquistas, de- linqGentes possiveis, de que identidade fala- mos? Como acreditar, entéo, nessa construg&o que faz com que a identidade pessoal ou grupal coincida com sua verdade primeira, com a prépria esséncia originaria que brota do funde do ser? Nada que natu- ralize 0 homem ou 0 objeta histérica ¢ aeeito pelo pensamento da diferenga. Finalmente, um terceira momento de impacto das reflexes de Foucault se carac teriza pela descoberta de um novo dominio de problematizacao: aquele que, para além dos cédigos normativos que circulam pelo social e pretendem orientar as condutas huma- nas, interroga pelos modes de subjetivagao, isto 6, pela maneira através da qual as pes- ry an soas se orientam na vida social em relagio 208 cddigos € sé constituem como suleites morais. uso dos prazores ¢ os cuidados de si foram, nesse sentida, decisivos para um novo questionamente das problematizagses de Foucault. Do sujeito ao poder, das pra- ticas As formagdes discursivas, passa-se agora para a discussao das possibilidades deinvengaode modas diferenciados de sub- jetivagdo, a par tir do contato com a experiéncia éticada Grécia antiga, pau- tada pela bus- ca da estetizagdo da existéncia, Tra- ta- se de dar visibili- dade as condi- ges que possibiliiam a emergéncia de ou- tros modos de sub- jetivaco, isto é, da constituiggo dos sujeitos morais nas relagdes consiga mesmos. Essas reflexdes orientaram e vém orien- tando varios trabalhos ainda ém vias de reali- zagao. Particularmente, foi de importancia fundamental para nossas discussdes sobre 9 mundo da prostituieSe em S40 Paulo, nas décadas iniciais deste século. Os prazeres da noite, recentemente publicado, orientou- se basicamente pelas reflexdes foucaultia- nas que ultrapassavam a questSe da norma- tizagdo do corpo da mulher, tentando incorporar a probleratizagao das reterén- cias morais e das formas de subjetivacao, que informaram os comportamentos femini- nos no universo do submundo da cidade, em pracesso de modernizagac. ™* I. Lewis Munfocd, A cidade na histéria, SP. Martins Fontes, 1982 22. Noche! Foueaust. O use dos prazeres, FJ, Graal, 1984, Os evidados a of, RJ, Graal, 1985. 23. Margaret Flago. Os prazeres da noite. Prostiuipso-e eddigas da sexalidade feminina em So Paulo, Pi, Paz e Terra, 1991, 31 32 © desiocamento das preocupagdes de Foucault verificade nos volumes subseqien- tes a Histéria da sexvalidade J, pasando das discusses sobre a sociedade discipli- nar e os mecanismos-de normatizagaio para © dominio da ética, nao deixou de causar profunde espanto. Cantude, é bom lembrar que © proprio fildsofo percebeu © esgota- mento de uma referéncia conoeitual formulada nas décadas de 1960 e 1970, para se pen- sar as protundas mutagées que vive o mundo contemperdnes, Deleuze faz questio de observar que Foucault considerava a socie- dade disciplinar "como aquilo que estamos deixande de ser, aquilo que j4 no somos mais. E possivel que a busea da experiéncia ética do munde grego traduza uma grande sensibilidade do fildsofo diante dos impas- ses em que'se encontra a sociabilidade atual, cada vez mais esvaziada de principios e valo- res morais. Se ¢ verdade que vivemos 0 desmoronamente da res aublica & 0 “decli- nia do homem publica", na expressao de Sennett, é um outro lugar que 6 necessario procurar as referéncias para a construgio de nés mesmes, Percorrendo os modos de ‘subjetivagao em outra época, Foucault apon- tava para novas possibilidades de relaciona- mento do homem consige mesmo e com o mundo, pautadas pela experiéncia da este- tizagdo da existéncia. Na épaca de ascengao da personalidade narcisista, esta é, sem divida, uma maneira forte de entrentar os problemas que nos atingern. ** Filésofo, Foucault foi um historiador ‘extremamente preocupado com as questies do presente, como diria Deleuze, em artigo recente. Em Nietzsche, encontrou inspira- ‘980 para saber “agir contra o tempo, e assim sobre o tempo, em favor (espero) de um ‘tempo futuro.” Aliés, ole mesmo nunca dei xou de se pronunciar a respeito de suas motivagoes: Q problema politico, ético, social e filo- SEfié0 qué sé caloca a rds, hoje, ndo & 0 de liberarmo-nos do Estado e do tipo de individualizacao que ele promave. Devers procurarnovas formas de sub- Jetividade, racusande @ tipo de indivi- dualidade que nés impuseram durante varios séculos. 24 Gilles Deleuze. Pourpariers, Paris, Les Editions de Minuit, 1980, p. 236. 2S. R. Sennett 0 deelinio do hamom pibiieo, SP, Companhia das Lets, 1989.

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