Download as pdf
Download as pdf
You are on page 1of 24
CAPITULO 2 O SOPRO ANTIRRACISTA DO ESPIRITO Pensar na Teologia Negra, sua presenga e ago nas Américas e no continente africano nos desafia a reconhecer as caracteristicas que aidentificam e diferenciam, Engana-se quem imagina que a Teo- logia Negra tem como sentido principal disputar a “epiderme de Jesus, ou provar se as historias biblicas se dio em solo africano. Talvez estas sejam as menores das suas questées. Dat ser necessdrio rechagar a ideia de que a Teologia Negra seria apenas uma “teologia contextual”, Ela nao € isso, ou nao é apenas isso. Entao, como pode- Thos definir a Teologia Negra para além dos esterestipos lancados sobre ela? Proponho que uma definicao possivel seja exatamente 0 que afirma o subtitulo deste livro:_a Teologia Negra é um antirracista do Espirito. Dizer que ela é um “sopro antirracista” corrobora, em sintese, a afirmacao de autores e autoras que elaboraram, ¢ vivenciaram, a Te- ologia Negra. Ela reafirma, por exemplo, a definicio dada por James Cone: A Teologia Negra é uma teologia do povo negro e para ele, um exame de suas estérias, contos e ditos. E uma investigacao da mente feita nas matérias-primas de nossa peregrinacao contando a estéria de como 6s vencemos”, Para a teolog’ aquilo que si ser negra, ela precisa refletir sobre ica ser negro: —__. %6 Cone E, James. O Deus dos oprimidos. Sao Paulo: Paulinas, 1985, 1. Por que uma Teologia Negra? A Teologia Negra é exercicio hermenéutico e exegético comprome- tido e assumidamente parcial, pois tem histériae lugar, e estas so as estorias, trajetorias e vivéncias do povo negro, Fazer Teologia Negra é “falar necessariamente a partir do povo negro, ou, ainda, é falar das se di indica Ezequi i a fro-americanos’, conforme nos A Teologia Negra é uma teologia politica®’, Ela se coloca como resposta a “convocagio’ ao Kerygma que nos desafia ao envolvi- _ mento humano por libertacio®. Como a teologia politica trouxe uma contribuicao essencial para a compreensio de que a teologia pode muito bem nao dar conta apenas do que é espiritual ou até (filosoficamente) do que é existencial, mas também do que é so- ciopoliticamente condicionado, a Teologia Negra incluiu o corpo negro, € 0 pensamento negro, nesta abordagem, e, por isso, ela é “tamb&m politica, Chamé-la de sopro antirracista do Espirito também significa di- com Peter Nash, que fazer Teologia Negra é “encarar 0 mundo biblico com um olhar focado no sentido da Africa, seu berco, em vez 2er, —_—_ alin da 4 fra 2 mas ola 28 4, 82? Antonio Aparecido da Silva (org,), Sdo Paulo: Paulinas, 1998, p.75. como 155° conceito de “teologia politica” quando citado neste livro estard referenciado em > © J. Deotis Roberts aborda o termo no seu livro A Black Political Theology. ROBERTS, J. Deotis, 2005, p 190, A Black Political Theology. Kentucky: Westminster John Knox Press, 30 : ian Peter. Negritude na Biblia e na igreja, em Biblia e negritude: pistas para uma leitura ‘endente, Edmilson Schinelo (org,), So Leopoldo-RS:EST/Cebi, 2005, p. 31. da Europa, seu filho adotivo™, Envanon & awards Kolo | a HANDRADE, Ezequiel Luiz de. Existe um pensar teolégico negro? In: Existe um pensar teo- BS —— como um porque também es ino a Teologia Negra come © " Dees Te a cna haan, dogs ons i coloniagio, pela eseraviddo © pelo racism soras da Teologia Negra vio, hor mente aftadas pel ‘No por aco todos os autres © a eran emma ou menor aus como fALOTeS eStrUtara, do sea tempo” “Asumi et lugar de entrentamento profetico direto a0 rac smo também ajuda a drrubar um dos argumentos bisicos,e equ. de” de uma Teologia ‘yocados uilzados para refutar a “neces Negra Segundo este argumento, ela seria desnecesséria porque a perpctva rail sera irrelevante para a teologia e para a Igtja Falr de uma “teologia negra’ segundo esta perspectiva, seria nada mais que uma “ideologizacio" da Teologia, considerando que im- portantes nome da Patestica, também chamados de Pais da lgej, ‘asceam no continent affcano, como Cipriano de Cartago, Te tama ou opréprio Santo Agostino (além dos conhecidos papes ‘também nascidos ne Africa, como Melquiades e Vitor 1), e que les ‘fo toraram, por iso a questi da raga um fatora ser levado em ‘onsideragdo, Seria quicd uma “ideologia herética’, ou uma espécle deprecosismo sectiri? ‘i ae ie ser que uma Teologia Negra néo fosse necess! rmulagéo teolégica de Tertuliano porque seu univers {elie estava em cont, discutindo a parusta ea legitimise ‘mewn arr pepe eb Re Nh Allan Borsa wo et do Bee rena ny Can ac De ‘cated cx corp, nar, 00, ma saliddo pelo companhelro que PACE fi Malad yn goo, Odernc que ainda a report a wins SPE Ee ha iene eg a cana, alee cnsastemente sobre o papel HF" « aso? a - jc ou nio da “sucesso apostlica Talvez uma Teologa Negra igo fsse necessria na formulacio teolgca de Santo Agostino porque ele estava preocupado demas combatendo os argumentos Teogicos de donatistas” que se recusavam a perdoare aceitar 0 vpceedécio de lapsos,tidos como apéstatas, aqueles que se recusa- vom ase manter fiéis ao cristianismo durante perseguigdo, Nem Tertuliano, Agostinho ou Cipriano viram a Europa se spenaro centro do univers, hierarquizando a humanidade ene 7aaiv superiors, inferiores e nfo humanas, usando a Biblia para analiza a transformagao de um corpo humano em um produto Tinindrioa ser explorado, extraido, 5 de Ninguém sabe o ira etveste visto o que fol feito com 0s povos negtos da Africa desde que o colonialismo, SS queo ner que noes evident o sna par expect se Nio sabemos 0 que alteraria a formulagio teoldgica de Ci- Priano de Cartago 20 testemunhar 0 que os alemies Iuteranosf- zeram na Namibia; 0s holandesescalvinistasfizram na Africa do Sul ou, junto aos franceses, no Caribe; os anglicanos, ou batistas € Presbiterianos fizeram no sul dos Estados Unidos ¢ na Jamaica; ou Portugueses e espanhdis catdlicos fizeram no Brasil e na Colombia. ‘Mas nés podemos ver como Achille Mbembe, filésofo e afti- ‘Sano, que viveu e testemunhou no corpo as ameacas que 0 ser ero sof — ‘RDe cont £2. mee bem rec damit 0 glib ee Seger S ua Se ea eng Regalo do imperter romano Dies A roa at rin issn tror ner sen une Een ole vo pesmi "oc ona ” penmcenssacin umole UNO nog, eo cos ess a ‘oop oen mob, puss tei dedamincig® Ene os sels quae edezenove 2 geopoltca do planes, sano espacial globl madam de forma profundamentedréstiy {prea desiacar que séculodezenove, em partcula,testemuny Ce a saagnis dss boas dca pre Hinéia Sociologia e Antropologia contribuem para difundir ung ietura do mundo a partir da Europa e para a descriglo € defnigo tido como “cvlizado Permitam-me trazer Mbembe mais uma ven, ‘ares apr pets conics eens cesso que reconfigura o mundo e nossa propria nogio dele, elen- cando quatro formas de mobilizagio e transito intercontinental que coca ablgni dot pte A ime ¢o etrminio de povos inteiros, nomeadamente mas Amba A segunda & a depotago, em condligbes desumans, ‘aregamentor de miles de negros para 0 Novo Mundo, onde ut EER conn dado a extvatra conti de ante GuRPstsacumalao pent de apt, parti dal tras att formasio dus disporas negas. A terceira forma é2 en a2 8c de um emf de teat 8° Fetes na HPS £8 submis et do extranet e585 ‘atigumente cram governados segundo modlida® ‘ait diversas e a ‘Aauarta tem aver com a formagio de estados 94 pag, ie rid "eso epson Antigona, 2014p 102 ronesor —— ye tase a gia de “utotonizaio dos clon, como so xem ox agrcdners na Kia do Su ts (mesmo quando o pensamento Hustrado cident sv tando patra ingeréncia da Igreja), colonialism, racismo, imperialism e Gaptaliamo no vveriam sem ume alma, e sus alma €ocistanismo cidental e sua Teologia. A modernidade traz consigo o erstanismo -FaaTeiimarteologicaente tanto a cloninagio quanto ea ‘Bo, Seja absurdo ou pseudocoerente todo tipo de argumento surge “Fa Tisifear 0 imaginario sobre o continenteaicano come um Iigar que Deus amaldigoou, terra estranha, lugar de feitigos, primi —~ tivo Por outro lado, o mundo seré salvo pelo mundo branco, seu ‘Fersamento, sua cigncia, suas armas, sua civilidade, sua religizo ‘A Teologia Negra sabe que nao pode arrogar para si um lugar de teologia universal/universalizante. Como veremos mais adiante, com criticas constants, inclu- © 0 prestigio de James Cone nio 2 Teoogia Negra também co sive creas internas. O respe impediram que sua forma de conceber a Teologia Negra também fosse alvo de criticas. Teblogas negras ndo hesitaram em criticar 0 ‘machismo persistente dentro da propria Teoogia Negra, que inv ‘blz condigio da mulher negra como © mals valnervel dos ‘orpos ha sociedade e silenciava sua produgao. Teélogos da Teologia ‘NEgeaffcana crticaram a excesivahegeronia da Teoogia Negra tsadunidense, eo tempo que esta demorou ase aproximar das tas Semelhantes de irmis e irmios, por exemplo, na Africa do Sul, Eht_ mesmo quem resista em reconhecer a Teologia Negra ¢ a Teologia — Huon ps "oven mon o vet | i fragldade que erica eauocttcas py ana Tedoga Nera em 2 Su PUTEPIGAC epg, aaa telgia aera & logos Phra ©embate 0 tao cominua porque as formas denen Masao contetio da a vocug : Iibertagio. Sua atu oe daca brag lena € aco igs de do povo neg en op staiando a fngo dos sus, em ca gir, ap vor de qu a Tenaga Neges € uma InvensSo que visa “aii. resi a ig ot 2 compreesio sobre Det, 08 se mo, “centri” a Cristo no qual Palo airma no haver “grego oy jy dru esravo oui, pois todos io um" (Gilatas 3:28), nio pode cermaisequivcado ou desoneso A Teolopla Negra vem na veda reafirmaro que é ito pelo apéstolo Paulo, e denunciar que o que ee afimounio est ‘Nio€difc prceber que a maioria esmagadora de nosso e. minds telcos e nosasfaculdades de teologia continuam ig. norando tedlogos negros, teblogas negras, a teologia africana nas referencias, nas, de nossos seminde ciplinas e nas bibliografas oicais. Grande parte € faculdades estio comprometidos com uma teolgieeurotntrica ou forjada no cristianismo conservador, fur- amentalstae de passado escravocrata dos Estados Unidos. A Te ‘logia Negra tem a consciéncia do seu lugar profético, consiéncia ogre esc 40 rt ng Sense cour i on largpe Sa th ae epic «a a Foard I ATGTIA aa dos homens ae pedpria quanto a dos recursos dos quals eles dependem co Se substiuirmos “aceso, controle € uso" por mania capri «frie, arenes sida mals Sento 35 We ga ‘nos destaar agul, ¢ entender ainda melhor o lugar dos “poder, [nufsivels” nesta relagao]O povs 7 = apenas a sua palsagem e natureza, mas a forca, a enetgia, oat SS a SREEBIO 0 at 4 Vial, ou, em palavras mais indica sua dimensto ve ligiosacespivitual que move e inspira sua vi Py TB indissocldvel da manifestagao do povo negroJNo territirio se ia = Se aaa rT en Ho epee 0 teritri,e tudo que o constitu, ateavessa a capacidade de TUG do povo negro ea construgio de sua histria, O tertirio, pottanto, se apresenta como pedra de toque pur © povo negro porque a colonizagdo ¢ escravizaglo pelos europe alterou prof itr imate) afticanos A didspora torna-se no apenas um movimento que deo, 2 corposgeogafcamente, mas também espiritial e eigisamerie Lambremos por exemple, do romance de Edouard Glan. OGa to século, onde a dura narrativa que retrata meméria e resistencia € ‘ase que ritmicamente marcada pelos “lugares pelos “espaos’ £0 ‘mar, timulo de corpos negros, mas também refigio dos corpos ‘$05 cuja morte nao é destino forcado, mas escolha de uma libertag3° {gue prefere a morte no mar vida escrava no chio antilhano, Nes" SANTOS ion aera tit setter SEIS a rt rit nn ora somata actin uae buts pe Ibeago que tetas ipsa em ote etc esd po Aint cone oe resirtual-imaginativa com oligaroitrora perdi, coPecssoa Teologia Negra se mostra também comprometid em » fave, a petiferia, 0 campo, 0s quilombos, os assentamen- eft Tas TENG, € TET TET UT FT i er TO importante para a teoogie csi, Sempre fo eyoso eexerce papel importante saber onde defato reins descr- tao elmer drt nas sh eidades onde provivels batalhas foram travadas, Mas para & ‘poop Negra, também fol importante racializr estes terstrios ‘im Visto que 0 racismo e o pensamento antinegro, afatricano, ccpou um luger crucial nas construgGes teol6gicas do ocidente, feose necessirio teivindicar que 0 povo negro estava na Biblia, so como “objeto passivo de conversio’ masfcomo protagonists rloantes de grande parte das histsrias que conhezeTion. ‘Neste sentido, faz sim diferenca destacar a negritude de Tamar, ‘Asenet Rate, como matriarcasbiblcas negras que foram. Efazsen- ldo etorna-senecessirio destacar que, conforme nos lembram Ela ve Vigiann e Jodo Jairo de Carvalho, “familias negrasinteirase clas 2540 aliaram para formar o que chamamosde'o Irae] BTCA ‘io € dificil imaginar, enti, por que a Teologia Negra no ¥ \gnorara senza eas favelas, etampouco o quilombo eos assent "entos. A violéncia que marca muites das periferias (se nfo todas) "0 Brasil so sim objeto de reflex e dentincia da Teologia Negra. Schretdo porque grande parte destesterrtérios sio ocupados por ‘tes diversas, de denominagBes diversas, e, endo assim, faz-sene- ‘sitio pens — sa ALI, te i oa mara rs ir Olona de TEDEIRA Ene Vigil ii ‘al cpa mata dnd bi, Si Leopelo#8 CEL, 207.16 como as vidas nestes territios se wulnerabiizam, "ota “ “ hi SY Afrocentricidade ‘Como nfo poder deixar de ser, a0 deslocar a centralidadg cpu nasa argmentabestelogicas Teologia Negra Uibereas mesma de uma pereepsf0e forma decom «Dens betadr,o Deus da vida, artic dos“olhos enn taropusesua gratia O continent aficno Guna an ‘Siz im ebem primeizo de toda narrativa da Teologia Neg ga ® caseas frends seenconram. Agu, o concede afin dae’, conformesstematizado pelo americano Mole Kee ant texéum pono desimiardade ainda que nto declradamene ny reconhecid, tendo em vista que ela nio perde do seu hora ancestral a vida do povo negro pré-diéspora. ‘Nao é uma substituigio da Europa pela Aftiea n gece ¢ detentor do conbecimento eda revelagko (mais uma vez ni és disput pla epiderme de Jesus eda geografia das histris BB, éimplosio do ugar central ocupado pela Europa, deta manga ge vivenca e equidade em er ‘io haja mai pectvas com o mesmo valor, Ter a Africa como referencia 2 geografiabilia para o centro da discusso sobre a Reveilom histéia,conforme a propostateoligica de Wolthart Pane io é por casualidade o lugar que o continenteafiano ocus bistria do plano de Deus. Os ataques que este continent sf Istria em especial a partic da modernidade, tem levine des social, politica, cultural e religiosa em como a teologia & constr pensada para ee 0 seu povo, ‘Ter, e manter, a Africa e sua histéria como refer para o debate papel que teve, sobretudo a partir da er ose em todas as viléncias e violagées que atravessaram 05 PO" ecomend A ka réncia 61 42a comreender mle melhor o conceit de afocentiiie, ‘read wna chonlagem epstemolige noador orgs ps list ronson? ¢ hyscr a inwestidas fla pela colonizaio, que resulta na ipérios seculares e milenares, no desaparecimento 80 aoe i igo : ses algunas historias que se conectam deetament com eo no “embranguimentc" de teritéio, persona bem com I SS netralizando qualquer asmlato com et Bi To esa cultura construct do imaginiio de um lger oe ssingens. primitives, fetceros epobre®€ "vis re oniagio edo ocdent, que ergue n imagine cleo oo Tica desprovida debi ropa se presenta 0 eno um povo que tem “valores nara soba sua ca ie undo nara soba sua ca que 7 jcano teria pouco mais que “instinto | ‘Davanco da modernidade, o progresso da era contemporinea, gous continente african as sobrase migalhas dexadas por skou- rosdeexploragdo imposta tanto bélica quanto religiosamente, numa * iavstida amparada profundamente e de modo radical por um dloia que decidiu negar a0 afticano a humanidade dignidade ou ‘ea, deciiu negorlhe a imagem e semelhanga de Deus. Dos povos Zeros “sem alma’, pouco restou de impérios e poderosas civiliza- ‘sbes ou dindmicas e auténomas tribos e cls. Restou as cidades em- pobecidas (Os efeitos devastadores da colonizagio expropriam o continen- Leafricno de tudo, A modernidade deixa a Africa pratcamente sem "ins, sem impérios e, explorada em tudo que poss, poves dis ‘ foran-se“cidadaos” que lutam pela sobrevivencia. Sim, aft ‘ans alvo da sede comercial ecapitalista da modernidade, ¢lguém he luta pela liberdade e a sobrevivéncia. Vale para nés, a descriglo “Frantz Fanon sobre esta cidade que rsta: Acidade do cotonizado, ou pelo menos a cidade indigena,aakeiane- a ~Ei:A medina, a reserva € um lugar mal alamado, povwade de home

You might also like