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LTTE ERM TES enas comuns na sala dos professores de cursos de idiomas: um professor pergunta aos colegas se cles tm uma atividade in- teressante para trabalhar a estrutura gra~ matical causative form; uma professora co- menta que acaba de encomendar um livro de atividades voltadas para a oralidade; um professor sugere aos colegas o uso da cena final do filme Crocodile Dundee para trabalhar o dis- curso indireto. Cenas incomuns na sala dos professores de cursos de idiomas: uma professora pergunta aos colegas se eles tém notfcias de algum artigo recente discutindo questdes relativas ao método eclético; um professor comenta que acabou de ler um livro de Kumaravadivelu e que nao concorda totalmente com a sua posig&o em relagio 4 mor- te do método; uma professora sugere aos cole- gas a leitura de Resisting Linguistic Imperialism in English Teaching, de Canagarajah, o qual ela acabou de ler e que a deixou pensativa sobre questdes ideolégicas subjacentes ao ensino e a aprendizagem de inglés. Fazer generalizagdes é um ato arriscado, pois generalizagbes equivocadas podem facilmen- te se transformar em estereétipos. Entretanto, com base na minha experiéncia de 26 anos convi- vendo com professores de inglés, creio que posso pao cnne 22 | Minos dioonstno fests aa partir das cena + uma generalii +a, ral, nfio 8 ~ fazer uma gener rs professores de inglés, em geral, no se interessay, os 8 rafos jores Cr e partici pardgrafos anterio - durante 0 curto espago de tempo em que participa . hamado T" or teal ee ‘ (abreviatura perm eurso de formacao de professoress 0 ¢ i voblen ne de a oe coun A falta de interesse em Ceorias € algo problem tig, Teacher Training tomar decisdes didaticas sem um embasa. i evi rofes pois tende a levar 0 pl CE oan he Sant tedrico mfnimo que garanta uma légica para o fazer em sala de aula. 7 —- Obviamente, 0 tempo de ensino que um professor possui € muito im. He fazer e nag portante para as decisdes que toma. Sido decisdes baseadas na intuigao e no instinto, fatores legitimos e valorizados em qualquer profissao. Mas ele nag deve ficar satisfeito s6 com a intuigo e com o instinto agusado pela expe- riéncia: ele precisa também construir conhecimentos tedricos que Possam torné-lo mais competente, mais consciente e, consequentemente, mais bem preparado para tomar decis6es didético-pedagdgicas que afetam a sua pré- tica em sala de aula. Por isso, apresento, neste capitulo, um pouquinho de teoria. Um pouco apenas, mas um pouco que é fundamental para o ensino de inglés. Afinal, conforme explica Jack Richards: ‘A medida que os professores desenvolvem suas habilidades, sua conscien- tizagdo e seus conhecimentos, eles passam de um nfvel que foi chamado de racionalidade técnica [..1], no qual 0 foco reside no dominio de habilidades e de técnicas bésicas de ensino (ée,, competéncia de sala de aula), para um nivel que foi chamado de reflerao critica, no qual o ensino guiado pela filosofia de ensino e pela teoria pessoal do professor e € constantemente renovado pela reflexio critica e pela autoavaliactio (Richards, 2000: 38, grifos do autor). Assim, para que o professor de inglés possa construir sua propria teoria de ensino e sua filosofia de ensino, ee ©, consequentemente, se autoavaliar, ele clsa. i i P uum mfnimo de informagdes sobre teorias, sobre conceitos e sobre ia ; net Dat a necessidade de se lerem minimamente questies te6ricas. E é este 0 propésito deste capitulo: oferecer infor . ‘magdes sobre questées tedricas relacionadas ino de i 9 cma 20 ensino de inglés que esto estreitamente vinculadas 4 pratica “ ig gica e que auxiliarao na leitura dos capftulos que seguem. sc inguestiesteintrashisieas | 23 Elegi oito questdes tedricas que sio basicas para as nossas discussdes sobre o ensino ¢ a aprendizagem de inglés: (a) 0 que é ensinar; (b) 0 que é aprender; (6) o que é lingua; @) 0 que é inglés padrao; (©) o que é falante nat (£) o que é ser proficiente em inglés; (g) por que os brasileiros estudam inglés; (h) 0 que é método. Tratemos agora de cada uma delas. 0} 11. 0 que é ensinar? Para quem ganha a vida ensinando inglés, a pergunta “o que é ensinar?” parece ter uma resposta dbvia. Mas sera que definir 0 ato de ensinar é algo tao simples assim? Bem, se fosse tao simples, tedricos como Paulo Freire, Blasubramanian Kumaravadivelu, Henry Widdowson e Diane Larsen- -Freeman, por exemplo, nao teriam investido tanta energia e tanto tempo refletindo e escrevendo sobre o ensino. Por isso, o professor precisa pensar um pouco sobre esse ato, razéio de ser da sua profissio. Grosso modo, podemos conceber 0 ato de ensinar de duas maneiras dis- tintas: transferéncia de conhecimentos e facilitagaéo da aprendizagem. Durante muito tempo, a ideia segundo a qual ensinar significa transfe- rir conhecimentos foi repetida com tanta frequéncia que se tornou parte do senso comum, ou seja, naturalizou-se o discurso segundo o qual os conhe- cimentos podem ser transferidos do professor para os alunos. Isso fica evi- dente em enunciados que circulam com frequéncia em nossa sociedade: “O professor é o detentor dos conhecimentos’, “Tem professores que nilo sabem passar seus conhecimentos”, “O bom professor é aquele que sabe transferir seus conhecimentos para os alunos”. Percebemos essa concep¢o também quando alguns estudantes dizem algo assim: “Aquele professor tem muito conhecimento, é fera, mas nflo sabe passar”. Conceber o ensino como transferéncia de conhecimentos tem uma im- plicagao séria para a pratica pedagégica: subestimar a capacidade cognitiva \érodos lo ensino de ingl OS 24 | como um ser passivo no processo de ensino-apren, (0 ser ativo, 0 agente) supostament, ivo, 0 paciente), cuja fangs do estudante, que é visto ed dizagem. Nesse proceso, 0 professor (0 se : transfere conhecimentos 20 estudante (0 ser Ps hecimentos do professor. 6 apenas absorver 0s con r " 1 concepgaio perdura até hoje, éncia de conhecimentos ¢ algo que 86 é p mesmo diante de evidén. E-curioso como ta ivel cias claras de que a transfer " que ilidade ficticia é a transferéncia de ideias na ficgdo. Um exemplo dessa possibi do chapéu-pensador para a mente do Professor Pardal, 0 personagem cien. tista criado por Walt Disney: basta Pardal colocar o chapéu para que ideias sejam automaticamente transferidas para sua cabega. Outro exemplo vem de uma cena do filme Matrix na qual a personagem Trinity aprende a pilotar um helicéptero em segundos por meio da transferéncia de conhecimentos de um computador para o seu cérebro. Ah, que bom se isso pudesse ser feito, né? Desapareceriam, num apertar de teclas ou numa colocada de chapéu-pensa- dor, todas as dificuldades do professor no que diz. respeito 4 aprendizagem de seus alunos. Em compensagio, ele ficaria sem emprego, pois se tornaria dispensdvel: 0 computador ou o chapéu-pensador fariam todo o trabalho. Ficgao a parte, a dura realidade nos mostra um fato incontestavel: é impossfvel a transferéncia de conhecimentos de uma pessoa para outra pes- soa. Evidéncia cabal disso é o fato de um professor ter muitos alunos numa mesma aula e esses alunos aprenderem em graus diferentes ou simplesmente nao aprenderem nada a partir do que o professor abordou na aula. Alguns poderiam se ane tentados a rebater essa evidéncia colocando a culpa no eo naieena tga eee a epee ‘o: mesmo que se trate de um professor com- Petente, ou seja, com muitos conhecimentos especificos e didéticos e com muitas habilidades para dar aulas maravilhosas, a 3 seus alunos aprenderao e™ raus distintos. Isso é indiscuttvel e irrefutavel. P Phe Pee Pree ee Profundamente a concepgaio que vé o ensino come panna ee enhestgi Ele a chamou de concepgao bancaria tants de peor it Considerar o professor como um transferidor (dpos* inentos (depésitos) para a cabeca vazia (caixa registrado"®) dos estudantes (depositéri lepositdrios). Ess: z atualmente, nao hé como py a metéfora bancéria ganhou o mundo & pre Segundo Freire; P ‘ofessores que se prezam nao pensarem nel aestwiricashisleas | 25 Na visio “bancéria” da educagio, o “saber” é uma doagiio dos que se julgam sabios aos que julgam nada saber. Doagiio que se funda numa das manifes- tagdes instrumentais da ideologia da opressio — a absolutizagao da igno- rincia, que constitu o que chamamos de alienago da ignordncia, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. O educador, que aliena a ignorncia, se mantém em posigdes fixas, invaria- veis. Ser sempre 0 que sabe, enquanto os educandos serio sempre os que nao sabem. A rigidez destas posigdes nega a educagao e 0 conhecimento como processos de busca (Freire, 1987: 58). Portanto, o professor precisa ter 0 cuidado de nao subestimar os apren- dizes de inglés. E subestimar os alunos significa nado Jevar em conta os conhecimentos que eles construfram ao longo de suas vidas e que levam para a sala de aula, os quais incluem conhecimentos lingufsticos e textuais, provenientes do seu aprendizado da lingua portuguesa e de outras discipli- nas na escola, e conhecimentos enciclopédicos ou conhecimentos de mundo, provenientes das suas experiéncias pessoais ao longo da vida e da exposigao a textos escritos, a programas de rédio e Tv, a filmes e documentérios, ao que circula na internet. Todos esses conhecimentos sto fundamentais para a aprendizagem de inglés. Por exemplo, sto os conhecimentos enciclopédicos dos alunos que fazem com que associem a palavra bridge a imagem prototi- pica de uma ponte que o professor Ihes mostra no momento de ensinar-Ihes o significado dessa palavra. Similarmente, sao seus conhecimentos textuais que fazem os alunos reconhecerem um género textual como uma carta ou como um currfculo. Felizmente, nao somos obrigados a conceber o ensino simplisticamente como transferéncia de conhecimentos. Podemos ver o ato de ensinar de uma maneira diferente, concebendo-o como o ato de facilitar a aprendizagem. Mas, o que significa facilitar a aprendizagem? Significa dar as coisas na boquinha dos alunos, ou seja, como se diz em inglés, spoon feed the students? Nao. De forma alguma. Facilitar a aprendizagem significa contribuir para a criagio de uma atmosfera afetiva (emocional e psicolégica) positiva na sala de aula: Afinal, um professor irnico, arrogante, impaciente ou mal- -humorado faz com que o clima da aula seja tenso, chato, levando os alunos a nao sentirem a menor vontade de irem para suas aulas,.o que se percebe 26 | Mltolas deensinn deingles em comentérios assim: “Hoje tem aula daquela criatura. Ninguém merecg Um professor desse tipo, obviamente, contribui para dificultar o process de aprendizagem. J4 um professor paciente, organizado, bem-humorado ¢ que prepara as aulas contribui positivamente para que a aprendizagem ocorra, Certa feita, uma professora disse, em uma reunitio, que achava que og professores precisavam ser emocionalmente inteiros e nao apenas transmj. tir alegria e energia positiva, mas também compartilhar seus problemas ¢ suas tristezas com os alunos em sala de aula. Discordei dela e argumente} que os alunos nfo tém a obrigagio de ouvir os problemas do professor. Eu, na posigo de aluno, ficaria irritado se um professor despejasse seus proble- mas pessoais sobre mim e meus colegas. Embora o professor seja um ser humane, feito de emogées, é necessério que ele faca um esforgo e pendure seus problemas em um cabide mental antes de entrar na sala de aula, pois os alunos nao tém nada a ver com esses problemas. Do contrario, ele pode afetar, negativamente, o andamento da aula. Eu jé vi casos de professores com s6lidos conhecimentos lingufsticos e didaticos serem despedidos de institutos de idioma por nio conseguirem manter uma relagio afetiva sadia com seus alunos, por serem irénicos ou arrogantes ou algo parecido. Em casos assim, nao hé o que a coordenagio académica da escola possa fazer além de conversar com o professor, apon- tando os problemas e as reclamagées constantes dos alunos, e torcer para que essa conversa surta efeitos positivos. De nada adianta solicitar a profes- sores com esse tipo de problema que participem de um curso de reciclagem ow que fagam novamente o TTC, pois o problema no é de ordem técnica, no sentido de escassez de conhecimentos teéricos, lingufsticos ou didaticos. As questdes técnicas sao passiveis de intervengdes pontuais e planejadas; as questoes afetivas, infelizmente, sdo de dificil resolugao. Para facilitar a aprendizagem de seus alunos, é importante que 0 pro fessor continue estudando, lendo livros e artigos. Se possfvel, é interessante que ele participe de congressos e encontros. O mais importante é que ele s¢ mantenha bem informado e, assim, esteja preparado no apenas para forne- cer informagées atualizadas para seus alunos, mas também para repensa" suas crengas teéricas, para refletir criticamente sobre a sua pratica docente, para usar 0 livro didatico em vez de ser usado por ele. Consequentemente, facilitar a t aprendizagem aplica também recomendar aos alunos a leituré tia questiestedsieashisieas | 27 de livros e a realizagao de atividades que possam contribuir para a constru- go dos conhecimentos. Isso implica, por sua vez, que o professor precisa fazer andlises crfticas das gramiaticas e dos livros didéticos adotados pela escola em que trabalha ¢ preparar as atividades de acordo com o perfil dos seus alunos. Portanto, conceber 0 ato de ensinar como o ato de facilitar a aprendiza- gem faz com que o professor veja os estudantes como seres ativos e respon- sdveis pela construgao dos seus conhecimentos. Ao mesmo tempo, ele é visto pelos alunos como o mediador do processo de aprendizagem, e nfo como aquele que detém os conhecimentos a serem transferidos para suas cabecas ocas. Em suma, o professor nao adota aquela atitude de falsa erudigio, de arrogancia, do sabe-tudo, que o leva a subestimar os estudantes. Conceber 0 ensino como 0 ato de facilitar a aprendizagem é muito mais légico, desafiador e interessante do que concebé-lo como uma irreal trans- feréncia de conhecimentos. Passo agora a abordar outra questao tedrica estreitamente vinculada a0 ato de ensinar e que é essencial para nossas reflexes sobre 0 ensino e a aprendizagem de inglés: o processo de aprender alguma coisa. 12. 0 que 6 aprender? Aprender € o processo de construgao de conhecimentos, de desenvolvimento de habilidades e de aquisigao e/ou mudanga de comportamentos e atitudes. Em outras palavras, aprender 6 um processo de transformagao do individuo. Guy Lefrangois define a aprendizagem como “toda mudanga relativamen- te permanente no potencial de comportamento, que resulta da experién- cia, mas nao é causada por cansago, maturacao, drogas, les6es ou doengas” (Lefrangois 2009: 6). ‘Ao longo da hist6ria, fil6sofos, psic6logos, fisiologistas, linguistas se ocuparam da tarefa de esclare- se ocuparam da construgdo de Essas teorias se pola- le com- educadores, entre outros profissionais, cer como a aprendizagem ocorre. Ou seja, teorias que explicam 0 processo de aprendizagem. rizaram naquelas que tentam explicar a aprendizagem a partir di portamentos diretamente observaveis € naquelas que tentam explicar a aprendizagem levando em consideragio os processos mentais superiores, 28 | Mitntosseensinaveingles omo, por exemplo, os pensamentos, que sio fendmenos nao diretamente como, x . egun= observaveis. O primeiro polo congrega as teorias behavioristas; o do, as teorias cognitivistas. Ea razio de ser desta segfo é fornecer informagées sobre algumas teorias da aprendizagem. Sio informagbes breves, mas suficientes para voce refletir sobre os métodos de ensino de inglés no que diz respeito as concep. gdes de aprendizagem a cles subjacentes. Comecemos pelo behaviorismo, que considera todo comportamento como sendo uma resposta a um estimulo. Ernest Hilgard lembra que, do ponto de vista behaviorista, “o comportamento acontece em cadeias causais, associativas; todo aprendizado é, portanto, caracterizado como aprendizado associativo, ou como formagao de hébitos, provocado pela associagio repe- tida de um estimulo a uma resposta” (Hilgard apud Hadley, 1993: 45). Por isso, o behaviorismo é também chamado de modelo S-R (respectivamente iniciais de stimulus e response). John Watson é considerado o criador do behaviorismo nos Estados Unidos. Para ele, a consciéncia é um conceito cientificamente irrelevante “porque as acdes humanas podem ser compreendidas por meio do comporta- mento concreto, facilmente observado e estudado”, de acordo com Lefrangois (2009: 45). Assim, “o termo behaviorismo acabou por signific: Paco com os aspectos observaveis do comportamento”. observarmos af um encaixe perfeito com o caracteristico das ciéncias naturais. Certamente, o behaviorista estadunidet fessores de inglés é Burrhus Frederic Skinn ‘ar uma preocu- Nao hd como nao paradigma positivista, empirista, nse mais conhecido pelos pro- ler por causa da influéncia de seu Pensamento na elaboragio de um dos métodos de ensino mais comentados pao cnne uestentercashisies | 29 Definido em termos objetivos skinnerianos, 0 refo mento positive ocor- re quando as consequéncias do comportamento, ao serem adicionadas uma situagdo, apés uma resposta, aumentam a probabilidade da ocorréncia de essa resposta acontecer de novo, em circunsténcias similares. Trocando J (Le- em mitidos, esse tipo de reforgamento é semelhante & recompensa € frangois, 2009: 110, grifos do autor). Ose 0 professor faz. aos alunos quando pronunciam adequadamente as palavras ou xemplos mais conhecidos de reforgamento positivo sao os elogios que quando fornecem respostas corretas As perguntas. Em cursos de inglés para criangas, € comum encontrarmos professores que costumam também colocar adesivos nos textos escritos pelos alunos, elogiando-os pelo trabalho com frases congeladas como, por exemplo, Way to go!, Great job! e Congratulations!. Seguindo a légica behaviorista skinneriana, o estudante associa o elogio ao seu comportamento (je, a prontincia de uma palavra ou a construgao sintatica de uma frase em resposta a um determinado tipo de pergunta), que fica, assim, reforgado na sua mente. Note-se que 0 ato de elogiar é um ato de adicionar algo a uma situagdo de aprendizagem, o que nos faz pensar em uma espécie de recompensa ao estudante pelo comportamento por ele demonstrado. Contudo, para Skinner, reforcar negativamente outras consequéncias é igualmente importante, pois o reforcamento negativo envolve uma resposta que resulta na eliminaco ou prevengio de uma consequéncia indesejével. Esse tipo de reforgamento “ocorre quando a probabilidade de uma resposta ocorrer novamente aumenta como fungao de algo que foi retirado de uma situacio. Trocando em mitidos, o reforcamento negativo é parecido com o alfvio” (Lefrangois, 2009: 111). Vejamos um exemplo de reforgamento negativo. No inicio da década de 1980, eu estudei inglés em um curso que afirmava adotar a metodologia audiovisual, em que se seguia uma rotina rigida de atividades em sala de aula: apresentava-se uma histéria em slides acompanhados pelo dudio em fita de rolo; em seguida, explicava-se o vocabuldrio antes de se mostrar a hist6ria novamente; depois, cada aluno tinha de repetir as frases de cada slide, Nesse momento, o professor exigia dos alunos a prontincia que ele considerava correta, Caso um aluno nao pronunciasse corretamente algo, © professor usava técnicas para fazer com que o aluno repetisse a frase da 30 | Mitulosseensina te ingles ira “correta’, o que tornava 0 aluno o centro da atengio e, muitas vezes, maneira 5 a dos seus colegas, que queriam avangar nas rotin: inci s. O fato de a de atengaio da turma por estar pronunciando sige incorreta. mente (de acordo com os parimetros do pro or) on mente causaya inedmodo ao aluno, ot seja, era algo negativo para ele, Somente quando el pronunciasse a frase de acordo com a maneira que 0 professor achava corre. ta é que a rotina avancava ¢ ele deixava de estar naquela situagdo i ‘moda; ou seja, aquele incémodo cessava, aquele algo negativo era retirado Pelo professor, e uma espécie de alivio tomava conta do aluno (pelo menos até a préxima promtincia errada!). Quando, finalmente, ele pronunciava a frase de uma determinada maneira que fazia o professor parar de exigir dele outra repetigto, ele percebia que aquela promincia evitava o incémodo e que deve. ria, dali em diante, pronunciar aquelas palavras daquele jeito. Coloquemos isso em termos skinnerianos: a sesso continua de corregdes e repetigoes € uma consequéncia indesejével de uma resposta (a prontincia) incorreta; a suspensio da sesstio ¢ o avango para outra rotina na sala é a eliminacao dessa consequéncia provocada por uma resposta (a prontincia) correta; e o reforcamento ocorre porque o aluno associa o comportamento correto (0 ato de pronunciar corretamente) & auséncia de uma consequéncia indesejavel (a sesso de repetigdes sob o olhar impaciente dos colegas). A preocupacao dos behavioristas em limitar seus estudos aos. compor- tamentos observaveis reflete o empirismo dominante nas ciéncias no século XIX e na primeira metade do século XX. Obviamente, aspectos cognitivos, como os pensamentos e os processos mentai pelos behavioristas por nao serem observé tilha positivista. Entretanto, is, acabam por ser ignorados eis, por no se adequarem a car- vale ressaltar que os behavioristas nao consi- deravam os aspectos cognitivos inerentemente irrelevantes: eles os conside- ravam cientificamente irrelevantes. Ou seja, admiti tito qustaestedrieashisiras | 3 Dé-me um: iang dar; eu a farei es meu mundo para crid-la; eu a cei engatinhar ou an- calar e usar as mos para construir prédios de pedra ou cu farei dela um ladrio, um atirador ou um vi A possi madei lo em narcéticos. lidade de moldé-la, em qualquer diregao, quasi apud Lefrangois, 2009: 51). infinita (Watson As palavras de Watson nao deixam dtivida quanto & maneira como 0 professor que adota a concepgdo behaviorista de aprendizagem vé os estu- dantes: individuos com as mentes vazias que sero moldadas por ele, que ensinaré os estudantes a fazerem o que ele quiser. Essa é uma concepgiio nada animadora do ponto de vista dos estudantes, né? Felizmente, tal visio nao foi aceita por todos os psicélogos envolvi- dos em pesquisas relativas a aprendizagem. Alguns deles recusavam o papel passivo atribufdo ao aprendiz pelos behavioristas e a metéfora da tabula rasa. Foi assim que surgiram as teorias cognitivistas da aprendizagem. Curiosamente, foi um behaviorista que abriu o caminho em diregao as teorias cognitivistas: Donald Hebb. Ele se afastou das tradicionais teorias de estimulo-resposta por se preocupar “prioritariamente com eventos neu- rolégicos internos, poucos dos quais estado longe de ser tao objetivos quan- to estimulos e respostas”, que interessaram a behavioristas como Watson (Lefrangois, 2009: 193). Hebb estava interessado em entender trés elementos essenciais para © ensino e a aprendizagem: a preparagio, que diz respeito a seletividade entre respostas poss{veis a um est{mulo; a atengio, que diz respeito a se- letividade entre inputs; e a motivagao, que é “definida em termos da ativa- ¢4o de um individuo e refletida em mensurac6es fisiolégicas como ritmo cardfaco e respiratério e atividade de ondas cerebrais” (Lefrangois, 2009: 192). Esses trés elementos estéo bem mais préximos dos cognitivistas do que dos behavioristas, pois a preparac&o, a atencdo e a motivacio estado estreitamente relacionadas a processos cognitivos de resolugao de proble- mas, de pensamento e de imagina¢o. Sao esses processos que ocupam a atencio da psicologia da Gestalt, para a qual o insight é “a percepgao das relagdes entre os elementos de uma situagdo-problema’, o que implica “so- lucionar um problema pela percepgao das relagdes entre todos os elemen- tos da situagio”, esclarece Lefrangois (2009: 205). Vale lembrar que Gestalt eS Jiao es 1a Gestalt, “o todo é maior do que para a psicologia d ifica ye que, significa “todo” € 4 arte: soma de suas p' oe ‘ Ainda de acordo com Lefrangois, embe : : s tedricos val sticada por seus posicionamentos tedricos Vag ei rutivistas, métodos altamente centrados no a psicologia da Gestalt tenha s, ela foi muito impor. sido tante para as abordagens const aprendiz que: [.J] refletem a crenga de que a informagao significativa & construtda por ele, e nfo dada a cle. O ensino direto, em contraposigao, implica abordagens mais voltadas para o ensino centrado no professor. Os métodos do constru- tivismo encorajam a aprendizagem pela descoberta, abordagens cooperati- vas dentro da sala de aula e participacao ativa do aluno no processo ensino/ aprendizagem (Lefrancois, 2009: 210, grifos do autor). Dois teéricos viriam consolidar as ideias construtivistas de apren- dizagem apés 0 surgimento da psicologia da Gestalt: Jean Piaget e Lev Seminovitch Vygotsky. Eles foram os principais responséveis pelo desenvol- vimento do construtivismo. Piaget se dedicou a estudar o desenvolvimento infantil e chegou a conclusdes importantes, algumas das quais encontram eco em Vygotsky. Conforme explica Lefrangois (2009; 245), acerca de uma das conclusées de Piaget, “a crianca nao consegue reagir au ma situagdo totalmente nova sem usar algo que aprendeu antes ou sem usar Sa, atividades que nao ageradament, desae Se forem muito dificeis, os lados; se forem muito faceis, eles titoquestaestedrteashisieas | 33 nfo se sentem desafiados. No primeiro caso, cles podem ficar frustrados; no segundo, desmotivados e desinteressados. Vygotsky concorda com Piaget quanto a ideia de que 0 aprendiz. possui uum papel central no seu préprio processo de aprendizagem, mas difere do tedrico francés em um ponto fundamental: Vygotsky enfatiza o papel das for- icas (portanto, forgas externas ao individuo) no cas culturais, sociais e hist processo de aprendizagem, enquanto Piaget enfatiza os processos biolégicos, internos, de maturagdo do indivfduo. Para o tedrico russo, a interagio social & nao apenas o principal impulsionador do desenvolvimento cognitivo do individuo, mas também a razao de ser da fala: “A fungao primordial da fala, tanto nas criangas quanto nos adultos, é a comunicag’o, 0 contato social” (Vygotsky, 1995: 17). E ele critica Piaget por parecer nao dar a importancia devida as experiéncias da crianga no processo de desenvolvimento infantil. Vygotsky concorda com Piaget quanto ao cuidado que se deve ter com 0 desafio colocado & crianga (¢ por extensio, acrescento, aos aprendizes em geral). De um lado, é preciso que nao se designem tarefas excessivamente ficeis para a crianga, pois isso faré com que ela néo construa novos conhe- cimentos. Por outro lado, também é necessério ter-se o cuidado para nao desafiar exageradamente a crianga, pois “qualquer aprendizado exige certo grau de maturidade de determinadas fung6es”: [J] nfo se pode ensinar uma crianga de um ano de idade a ler, ou uma crian- ade trés anos a escrever. Desse modo, a andlise da aprendizagem reduz-se a determinacio do nivel de desenvolvimento que varias fungdes devem atingir para que a aprendizagem se torne possfvel. Quando a meméria da crianga jé progrediu o suficiente para capacité-la a memorizar 0 alfabeto, quando sua atengao pode fixar-se numa tarefa macante, quando o seu pensamento ja amadureceu a ponto de permitir-Ihe entender 4 conexdo entre signo e som —entio se pode comegar a ensinar a crianga a escrever (Vygotsky, 1995: 81). E af que Vygotsky propde o conceito de zona de desenvolvimento pro- ximal, indicada pela “discrepancia entre a idade mental real de uma crianga” € pelo “nfvel que ela atinge ao resolver problemas com 0 auxflio de outra pessoa” (Vygotsky, 1995: 89). Para ele, a crianca (e por extensio, acredito, um aprendiz adolescente ou adulto) ser capaz de fazer sozinha aquilo que ela aprende com o auxflio de outros. Auntosdeensina de ingles 34 1 a distancia entre as teorias behavioristas © as teorias constr, professor de ingles precisa escolher a teoria que cle consider, gem dos seus alunos, pc E clara tivistas. Eo s adequada para explicar a aprendl io bem distint adota, rista, ele verd os estudantes como seres Passi. 0 principal responsdvel pelo processy teoria construtivista, cle considerars a Sas impli. a depender de qual teoria ele ma cagdes pedagogicas 8 Se adotar uma teoria behavior ese considera vos, mera fabula ras de aprendizagem deles. Se adotar ut seuss alunos como seres dotados de inteligéncia e de responsabilidade suf. ciente para construirem conhecimentos e serem o centro do seu processo de aprendizagem. Além da teoria de aprendizagem que o professor adota, a concepgio de lingua que permeia sua pratica pedagégica é extremamente importante. £ disso que trata a préxima secao. 18. 0 que é lingua? A pergunta que da titulo a esta segao precisa ser respondida de forma clara pelo professor de inglés. Afinal de contas, a Iingua é 0 objeto do seu tra- balho. Portanto, a resposta tem de vir & sua mente de forma clara e rdpida quando ele ouvir essa pergunta. Daf a razio de ser desta seco: apresentar duas teorias da I{ngua e suas implicagSes para o ensino de inglés. Vale res- saltar que nao existe uma concepgao de Ifmgua inerentemente melhor ou Pior do que a outra: existem concepgées diferentes que, exatamente por isso, podem ser mais ou menos adequadas para o ensino de Itnguas e que refletem valores ideolégicos distintos. A teoria da I{ngua que dominou o comeco do século XX foi a estrutu- rallsta, que concebe a lingua como um conjunto de estruturas gramaticais organizadas por regras que se relacionam entre si, Podemos atribuir ao linguista sufgo Ferdinand de concepgao, Bloomfield, Conceber a Ifn formando um sistema. Saussure a origem dessa ue recebeu o reforgo de tedricos importantes, como Leonard Mhoquesiaesteirieashastas | 35 linguistica provocada pela existéncia de sujeitos diferentes inseridos em contextos s . histéricos, culturais © geogréficos diferentes. Ora, € para que a maioria absoluta das pessoas que estudam Iinguas estran- geiras decidiu aprender uma Ingua? Exatamente para usd-la! Por essa razdo, uma concepedo estruturalista de Ingua nao é adequada para o ensino de ingles. Saussure viveu a virada do século XIX para o século XX, uma época de forte influéncia positivista, da qual nao ess guistica de uma forma que desse a ela a cientificidade necessaria para ser considerada uma ciéncia, Para isso, ele buscou um objeto para a lingufstica que a diferenciasse de outras disciplinas que também estudavam fenémenos da linguagem, como a antropologia, a psicologia e a sociologia. Ele, entao, dividiu a linguagem em duas partes: uma social, a Ingua, e uma individual, a fala (Saussure, 1999[1916]). E 0 que ele fez, em seguida, provoca discus- sdes até hoje: o mestre genebrino excluiu a fala da pesquisa lingufstica afir- mando que a lingua, a parte social e homogénea da linguagem, é o elemento apou: ele queria pensar a lin que importa para dar cientificidade a linguistica. Obviamente, ao excluir a fala do 4mbito da lingufstica, ele acabou também excluindo desse ambito os sujeitos usudrios da lingua, os usos que eles fazem da lingua, as variagdes lingufsticas ¢ as mudangas sofridas pela lingua ao longo do tempo. Mas Saussure nao foi o tinico a isolar a lingua daquilo que a torna um fenémeno social complexo. Chomsky também fez a mesma coisa por caminhos diferentes. Ele vislumbrou a realidade lingufstica dos falantes- -ouvintes a partir de dois conceitos que cunhou e que viriam a integrar definitivamente o jargio lingufstico: competéncia, que é “o conhecimento que o falante-ouvinte possui da sua Ifngua’, e desempenho, que é “o uso efe- tivo da lingua em situagdes concretas” (Chomsky, 1978[1965]: 84). Em um recorte semelhante 4 dicotomia saussuriana, ele excluiu o desempenho da pesquisa lingufstica alegando que o uso que o falante-ouvinte faz da lingua 6 um retrato imperfeito da sua competéncia devido a interferéncia de fatores Psicolégicos e fisicos, como o cansago, a irritagilo e o sono, que fazem com que os falantes se esquecam de uma ou outra palavra, repitam palavras, nfo facam concordancias e nfo completem sentengas. Chomsky estabele- ceu como objeto de estudo da lingufstica o falante-ouvinte ideal que vive numa comunidade lingufstica completamente homogénea, realizando uma _ € mais importante, 36 | Méiste sna tents rez, para seus Pr ssitos, porém nef ia lingutstica justificével, talvez, para set rops Me fasta assepsia lingufstica Jus para o ensino de Iinguas, a razio pela qu al nem Saussure nem Chomsky se preg, Fi vidente , . Pees va um objeto que se adequasse m com o ensino de Hingwas: as da época para um busca’ a 1 conferir cientificidade a linguisticg, As exigéncias positivist o buscava estudar apenas 0s conh ar explicar como ecimentos lingufsticos estruturais joa a mente do ser humano pro. do falante-ouvinte para tent: a linguagem. As exclusdes te6ricas que ¢ Pn como podemos vislumbrar um Jes promoveram apresentam cessa problemas insokiveis para a pratica docente: en It ensino de Iinguas que desconsidera os sujeitos usudrios da lingua, OS usos que eles fazem da lingua e as variagées lingufsticas? Sem sujeito nfo hg Ingua nem uso da lingua. E as variagdes lingufsticas sio fendmenos cons. tituintes das Imguas humanas. Se um professor ignorasse esses elementos, tornaria suas aulas de inglés capengas: as estruturas gramaticais seriam abordadas de maneira abstrata e nao se falaria sobre os usos que se fazem delas, nem se trataria da variagao lingufstica de forma racional, tranquila e sem preconceitos. Em suma, o professor que vé a lingua segundo a concepgio estrutu- ralista pouco ajuda seus alunos na tarefa de desenvolverem seus recursos lingufsticos e textuais para interagirem adequadamente nas mais variadas situages sociocomunicativas, histérica e culturalmente situadas. Ha, porém, do ponto de vista pedagégico, uma maneira mais interes- sante de conceber a lingua: a teoria interacionista da lingua. O nome jé aponta para a sua razdo de ser: a lingua como interagio social. A ideia de interagdo pressupée a presenca de alguns elementos: 0 sujeito que fala ot escreve, 0 sujeito que ouve ou Ié, as especificidades culturais desses sujeitos, 0s contextos da produgao e da recepgiio dos textos. Foram esses os elementos exclufdos do escopo da linguistica pela teoria estruturalista, lembra? O retorno deles A cena lingufstica comegou a tomar Corpo nos anos 1960 e se consolidou na década seguinte, no processo epis ee a sonheil como virada pragmiética, que elegeu ee "m torno do qual os estudos lingufsticos devem gira" ce ee conto interagao social significa entender que as ¢- } as palavras ¢ a prontincia veiculam valores. Além disso, significa considerar que os usudrios da lingua trava™ a esses encontros. ‘icas, sintaticas ¢ lexicais apropriada fazer escolhas ter 9 intens: Nao por ac ciolinguistas, linguistas textuais ¢ analistas do discurso. Um deles foi Dell >, a virada pragmitica teve a participac: Hymes, que deixou claro, para linguistas e professores de linguas, um ponto extremamente importante: ha regras de uso sem as quais as regras grama- ticais nfo funcionariam. Em outras palavras, aprender as estruturas gra- maticais é condigao necesséria para se aprender uma lingua, sim, mas nao é suficiente para que uma pessoa seja capaz de usar essa lingua em situagdes sociais distintas. Nesse sentido, Hymes elaborou o conceito de competéncia comunicativa, segundo o qual 0 falante-ouvinte, para ser competente em sua Ingua, precisa nao apenas ter conhecimento das regras gramaticais, mas também ter a habilidade de usar essas regras, adequando-as 4s situagées sociais em que se encontra no momento em que usa a lingua. Veremos esse conceito em detalhes na segio 1.6, pois ele é de grande importancia para os professores de inglés. Outras vozes uniram-se 4 de Hymes, consolidando a incluso do uso lingufstico, do falante-ouvinte e da variacao lingufstica nas pesquisas sobre os fenémenos da linguagem. Foram vozes como a de William Labov, que consolidou 0 espaco da sociolinguistica variacionista na academia, a qual também dava as boas vindas ao pensamento pragmitico de John Austin e John Searle sobre os atos de fala, 4 andlise da comunicag4o humana feita por Paul Grice, e as reflexes dialégicas bakhtinianas e de analistas do discurso como Michel Pécheux, Norman Fairclough e Teun van Dijk. E também as vozes de Robert-Alain de Beaugrande e Wolfgang Dressler, linguistas textuais que deram uma contribuicao extremamente importante para o en- tendimento do texto e, assim, para o ensino da leitura e da escrita como atividades de interagdo sociocultural. Os elementos que haviam sido excluidos da cena teérica pelo estrutura- lismo estavam de volta. Esse retorno representa uma mudanga importante nao apenas para os rumos da lingufstica, mas também para os rumos do ensino de inglés como lingua estrangeira. Entretanto, essa mudanga, que comegou a se processar na década de 1960, tem-se mantido no lado de den- tro dos muros da academia, chegando muito lentamente ao conhecimento dos professores de inglés das escolas piblicas e, consequentemente, as salas I oid nsinn de sll 8 ° 1. e do ensino médio no Brasil. E por que essa que essas reflexdes cireulam, ee Manej- publicados em revistas especializadas, tals livros artigos sio publicados na América do Norte ¢ na Geralmente, caf sala 0 ace860 de professores brasileiros. / Europa, oques if “ cia disso 6 0 fato de muitos professores de inglés lerem uo oes especializadas devido aos pregos (que se tornam altos Fae ee recebidos pelos professores © porque os precos erlina ou em euro) € porque suas escolas Outro fator que contribui para o distan- no fundamenta 2 Exatamente Po ivros ou em artigos de aula do ensi Jentidao ocorre! ra dispersa, em Ii por causa dos baixos salérios sto cotados em délar, em libra est nao tém bibliotecas bem municiadas. ae a camento entre as teorias linguisticas e a sala de aulaéa ee participacao de professores de inglés do ensino fundamental e do ensino médio em congressos e encontros por raz6es variadas: 0 custo de passagens, de hospedagem e de inscrig2o; a falta de divulgacao dos eventos junto as escolas; e, curiosamente, porque esses eventos geralmente sio realizados em inglés e muitos professo- res de inglés no Brasil nfo sto fluentes na Iingua que lecionam. O que fazer entao? Como fazer chegar aos professores os resultados das pesquisas empreendidas pelos linguistas textuais e pelos analistas do dis- curso, por exemplo? Afinal, se os professores que costumam dar foco, qua- se que exclusivamente, as estruturas gramaticais em suas aulas refletissem mais sobre a Ingua e sobre 0 ensino sob a luz da concepgao interacionista, eles provavelmente perceberiam a necessidade de mudarem sua pratica e algumas de suas crencas te6ricas. Isso teria um impacto significative na atitude dos estudantes em relaglo ao estudo de ingles (¢ eles provavelmente parariam de dizer “nao aguento mais estudar o verbo to be!’ ”). E, para em- preender tal reflexio, ve F €necessario que os professores tenham mais acesso as informagdes, a textos te6ricos, a eventos académicos. _Uma forma interessante de fazer chegar aos professores de inglés es- sas informagées & por meio de ofic Entretanto, a realizagdo dessas offi apenas dos governos estaduais, mas € das escolas particulares ( cinas de aperfeicoamento profissional- icinas nfo deve ser de responsabilidade também das administragdes municipais * malores institutos de idioma jé fazem isso). (o: Hiunquestors tedrieashisieas | 39 Nesse sentido, proponho que a formacio dos professores de inglés seja orientada por uma perspectiva semantico-pragmitica, que leve o professor aperceber que os elementos gramaticais nao estio dissociados da dimensio relacionada aos usos da Iingua e aos significados que esses elementos aju- dam a produzir. A ideia é que essa percepgaio leve o profe da lingua: o texto falado e escrito, que deve s aulas de lingua giram. r a razéio de ser 0 eixo em torno do qual as Enquanto os professores nao adotarem a perspectiva interacionista, pragmitica de I{ngua, o ensino de inglés se manter4, em muitas escolas bra- sileiras, no nfvel das sentengas isoladas, descontextualizadas, sem se leva- rem em conta as razdes pelas quais os brasileiros estudam inglés. A articulagao do exposto até aqui com a pratica pedagégica é simples: a lingua precisa ser concebida como interagdo social, que coloca a disposigao dos seus usuarios um conjunto de estruturas gramaticais e de palavras para que eles possam interagir socialmente em encontros culturalmente marca- dos tanto na fala quanto na escrita. Por isso, insisto, o professor precisa ter consciéncia de que o texto oral € 0 texto escrito so os eixos em torno dos quais as suas aulas devem girar, pois a interagio social que a lingua estabe- lece toma sempre e invariavelmente a forma de textos. Antes de finalizar esta seco, gostaria de ressaltar que os proponentes do ensino comunicativo de linguas vislumbram a lingua como comunica- cdo. Entretanto, ao lermos seus textos, percebemos que eles nao limitam 0 papel da I{ngua a de um instrumento de transmissao de informagoes, que é a razao de ser da comunicagio: no frigir dos ovos, eles concebem a Ifngua como interagao social, a qual marca posigdes sociais ¢ ideolégicas entre os interlocutores. Essa observagao é valida porque conceber a lingua como um instru- mento de transmissdo de informagées significa, como ressalta Oswald Ducrot (1972), que ela é um cédigo, o que implica que todos os conted- dos expressos pela lingua sao expressos de maneira explicita durante essa transmissaio. Em outras palavras, bastaria ao usudrio da lingua ter a chave do cédigo para quebré-lo e decifrar a mensagem, sendo a chave exata- mente o conhecimento dos elementos lingufsticos usados na mensagem. Entretanto, “muitas vezes temos necessidade de, ao mesmo tempo, dizer certas coisas e de poder fazer como se nao as tivéssemos dito; de dizé-las, | ovata nS 40 possamos recusar @ responsabilidade de té-las ditg» possamos . forma que ; 7 P s de tal forma 4 1 uso nfo € neutra, no & um e6digg ma! g), A lingua em f erot (1972: 18). A Ting oe explica Ducts Ae Fees os signiiealos produzidos pelo receptor de im transparent 8 rnificados Tingsticos, mas também sg senunciado inter nao apenas SE xtuais. ificados prag ae ™ F a essas consideragde: rea dos dois conceitos de lingua, precisa. Feitas essas cons q “ ings rei abordar um ponto crucial para a pratica do professor de inglés: aquil am de inglés padrio. mnaticos, conte: mos que muitos chami 14.0 que ¢ inglés para? Que professor de inglés nunca verdade, ja se falou tanto nele que virou senso comum a ideia de que os alu- nos precisam aprender o inglés padrao, o que aponta para algo que parece ébvio: a existéncia de um tipo de inglés chamado padrao. Mas, fiquemos em alerta, pois a obviedade, nesse caso, é apenas aparente, resultante do proces- ouviu falar que existe um inglés padrao? Nz so de naturalizagao do discurso. Norman Fairclough faz uma provocagtio importante acerca da questo do inglés padrao: Hé um elemento de esquizofrenia no que diz respeito ao inglés padrao, no sentido de que ele aspira ser (¢ certamente é retratado como) uma lingua nacional pertencente a todas as classes e segdes da sociedade, e mesmo as- sim permanece, em muitos aspectos, o dialeto de uma classe (Fairclough. 1989: 57, grifo do autor). oe ele, uma indicagdo clara dessa esquizofrenia é o fato de as pesso®s sent “ see e saberem que “a lingua padrao é a Ifngua de outra pessoa e nao # » apesar das afirmagdes contrérias” (Fairclough, 1989: 57). E as pesso* sabem disso por falarem dialetos que se afastam d: ingua padrao, q ” se afastam da tal ling oe 10 mesmo raciocin rcinio vale padrfo, mas nem voud, nen oc hate © Portugués brasileiro. Dizem que ha um portusvé! { nem nevitével: padrdo de quem e para quem?” S88 tal portugues padrao. E a perguntt ieee om Oo questaesteinicashisiess | Al E qual é 0 critério para se decidir o que é inglés padrao? Seria o critério de ser uma Iingua falada nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrélia, na Inlanda ou em outro pafs cuja lingua oficial é o inglés? escolher uum desses pafses, que dialeto de qual regio e de que comunidade linguisti- ca dessa regitio seré o inglés padraio? Padrtio de quem? Padrio para quem? Percebe como é dificil decidirmos isso? A ideia de Ingua padrao é puramente ideolégica e, por isso mesmo, abstrata, E uma forma que as classes dominantes possuem de controlar a diversidade sociocultural e de inculear nas pessoas outra ideia puramente ideolégica: a de que ha variantes linguisticas erradas, pois existe apenas uma variante lingufstica correta. E essa variante é caracterfstica de deter- minadas classes sociais, que, nao por acaso, sao as classes dominantes, que nao medem esforgos para silenciar variantes diferentes, como o black English eo Spanglish. A rigor, nao existe um inglés padrao concreto, embora seja muito pro- vavel que nossas mentes operem com alguma coisa que acreditamos ser o inglés padrao. Afinal de contas, aprendemos na escola que existe uma lingua padrao. E esse suposto padrao que, por exemplo, nos diz que a forma can6- nica é I am note nao I ain's que devemos falar She doesn't know anything em vez de She doesn’t know nothing; que o correto é There are a lot of people here e nao There's a lot of people here. Contudo, mesmo que o tal inglés padrao nfo exista a rigor, o mito da sua existéncia opera na cabeca de muitas pessoas. Lembro-me de uma banca de concurso piblico para professor adjunto de inglés da qual participei em uma universidade estadual na segunda metade da década de 2000. Os outros dois membros da banca comentavam que nio existe inglés padraio e davam 0s argumentos para sustentar tal inexisténcia. Bem, um dos candidatos fez uma prova didatica tecnicamente excelente: organizada, articulada e ade- quadamente desenvolvida, com um grau de complexidade compativel para a aula de um doutor em letras. “Aula excelente”, comentei apés o candidato ter safdo da sala. Os dois outros membros da banca fizeram um siléncio breve © um deles disse: “Mas 0 inglés dele é muito quebrado. Tinha momentos €m que eu nao entendia nada do que ele tava dizendo”. Defendi 0 candidato Tepetindo a afirmagiio que eles haviam feito anteriormente: “Como cés dis- Seram antes, nao existe inglés padrao. Pode ser que o inglés dele seja um | Atéundoseensin de nl 42 dialeto de uma ex-coldnia briténica ¢, Por isso, nés sentimos dificuldade br iale ja eX-C der porque a gente no conhece esse dialeto. Por isso, 0 inglés dele Nig jen a z as - em quebrado ner Eat, se a gente nao entende o ingles do car, ceria ni a ie . : ssa ignordncia em relagio a esse dialeto”. A pessoa que m ruim. culpa é nossa, da no! ‘a disse de forma clar @ inequivoca: “Mas nio € esse o ingle, presidia a bane: , que queremos para Nossos alunos aqui”. OK. As cartas estavam na mesa ¢ as apostas, ence! um dialeto diferente para © discurso em prol da nao existéncia do inglés padrao cair por terra, evidenciando que ha professores que costumam ope. rar com um conceito de inglés padrao na cabega, mesmo que nao o admi- tam, mesmo que afirmem em alto ¢ bom som que inglés padrao nao existe Intuitivamente, eu afirmo que a maioria dos professores de inglés no Brasil opera com um suposto inglés padrdo na cabega, mesmo que eles nao tenham consciéncia disso (por causa do proceso de naturalizagao do discurso em torno da existéncia do inglés padrao) ou que ndo admitam isso publicamente (como aqueles membros da banca). De qualquer maneira, repito: a rigor, na prética, ndo existe inglés pa- drio, da mesma forma que a tal norma-padréo do portugués é uma abstra- gio. Existem variedades distintas de inglés tanto nos pafses em que a pri- meira lingua é 0 inglés quanto nos pafses em que inglés é a segunda lingua Eé pelo fato de a lingua inglesa ser atualmente uma lingua franca, glo- rradas. Bastou surgiy bal, internacional, falada por tantas pessoas em tantos pafses que se comenta bastante sobre os chamados world Englishes, ou seja, as variedades de inglés faladas por pessoas cuja primeira lingua nao é inglés. Para termos uma ideia do uso da I{ngua inglesa no mundo, podemos recorrer as categorias criadas por Braj Kachru (apud Farrell, Martin, 2014). Ele vé o uso da lingua ingles a partir de trés cfrculos concéntricos. O cfrculo interno representa os pafses tradicionalmente considerados como aqueles em que a lingua inglesa é a primeira (e geralmente a nica) lingua oficial, p. ex.: a Inglaterra, os Estados Unidos, 0 Canadé, a Irland do Norte, a Irlanda, a Austrélia e a Nova Zelandia. O cfrculo externo re presenta os paises que foram colonizados por aqueles do cfrculo intern como a {ndia, a Nigéria, a Africa do Sul e Cingapura. O cfrculo em expansi0 representa aqueles pafses que nao forani alvos da colonizagio dos paises do cireulo interno, mas que sio locais onde o inglés é usado, principalment® | 43 cfkcuLo EXTERNO para fins comerciais ¢ diplomaticos, como € 0 caso do Brasil, da China, da Grécia, da Arabia Saudita e de Israel. Note-se que 0 cfrculo em expansio é bem maior do que os outros dois. Por essa razio, e “considerando-se a grande populagio dos falantes de inglés localizados em varias partes do mundo, Kachru [;.7] afirma que o inglés agora engloba ‘um pluralismo cultural fmpar, e uma diversidade e uma hete- rogeneidade lingufsticas” (Farrell, Martin, 2012). Isso j4 aponta para a ne- cessidade de pensar se o tal inglés padrdo é adequado para o ensino de inglés nos pafses do cfrculo em expansio, principalmente porque falantes desses patses aprendem inglés geralmente para se relacionar com pessoas de pafses desse cfrculo e nao necessariamente com membros dos pafses do cfrculo interno. Contudo, esse é um ponto complexe, pois ha de se pesquisar, por exemplo, se os brasileiros teriam mais facilidade para compreender o inglés falado por pessoas de patses do circulo em expansiio se fossem expostos, nos cursos de idioma, as variedades de inglés dos pafses do cfrculo interno ou se eles teriam mais facilidade se fossem expostos ao inglés falado por pessoas do cfrculo externo ou ao inglés falado por pessoas do cfrculo em expansio. Pelo que eu saiba, no hd pesquisas nesse sentido. Querer impor algo de definigéo dificil e arbitraria como 0 conceito de inglés padrao é uma ago ideolégica em prol da homogeneizagao lingufstica, do sufocamento dos dialetos das classes sociais nao privilegiadas e das va- riedades de inglés dos pafses do circulo externo e do cfrculo em expansao. 44 | Metoilasiternstnnalo ingle Athelstan Suresh Canagi reprodug ah nto deixa de ver o papel dos livros ddd, 0 ideols ca do ideal do inglés padrao nos pafses per ideologia linguistica do livro didético tende a reforgar a domin 40 de un éneia de dialetos locais do inglés fa padrto, ignor Adon periferia” (Canag: Curiosamente, na literatura sobre a historia do ensino de linguas «, ativos que tenham escrito live, didaticos voltados para o ensino de Ifnguas estrangeiras até o final do séculy XIX, Foi nesse momento que Henry Sweet publicou um livro para o ensing de inglés como lingua estranged trangeiras, no hi not{cias de falantes . Até entao, os autores dos livros didéticos cram nao nativos. No século XX, a situagao se inverteu, ¢ os autores falantes nativos passaram a dominar 0 mercado editorial de livros para o ensino de Inguas estrangeiras. Infelizmente, nfo € apenas o mito do inglés padrao que atormenta a vida dos professores de inglés. Como veremos na préxima seco, hé outro mito que tem implicagdes pedagégicas importantes: o falante nativo, concei- to que usei até aqui sem nenhuma problematizagio, e que paso a problems tizar na préxima segfo. 1.5. 0 que ¢ falante native? Acabamos de ver como é dificil definir inglés padrao. Mesmo assim, esse € um conceito que passou a fazer parte do senso comum dos professores de inglés. Mas ele nao & 0 tinico mito a habitar na cabeca dos professores. Existe outro conceito muito problemético que também acabou virando um mito: falante nativo, Vocé ja percebeu como é dificil definir o que é um falante nativo? Seria ‘uma pessoa cuja primeira lingua é 0 inglés? Nesse caso, os falantes de dia- letos diferentes do tal inglés padrao sto falantes nativos do inglés? E 0s falantes de inglés em pafses colonizados pelos paises do cfrculo interios como a Africa do Sul e a {ndia, sto falantes nativos de inglés? Que profess” brasileiro, ao pensar em falante nativo, pensa automaticamente em um su ~africano ou em um neozeland@s ou em um indiano ou em um estadunidens? negro falante do black English? (Minha intuigao acabou de responder est? Gltima pergunta: “Provavelmente nenhum”) stoinieashisieas | 45, Tais questdes siio complexas ¢ importantes, pois ha métodos de ensino que estabelecem como meta levar 0 aprendiz 10 nivel de proficiéncia do fa ante nativo. O problema é que essa meta é vaga pelo fato de o conceito de falante nativo ser vago. Além disso, “os falantes no nativos precisam focar na combinago de fatores que os tornam membros efetivos da comunidade internacional de falantes que usam inglés, em vez de se preocuparem com o fator desimportante de se sto ou nao falantes nativos” (Lewis, 1999: 12). Vivian Cook comenta que existem varias propostas de definigao do termo falante nativo, as quais se aproximam em alguns pontos ¢ se afastam em outros. Contudo, ela esclarece que hé algo em comum em todas as defi- nigdes propostas: O elemento incontestavel na definicao de falante nativo é que uma pessoa 6 um falante nativo da lingua que aprendeu primeiro; as outras caracte- risticas so incidentais, descrevendo quio bem um individuo usa a I{ngua. Alguém que nao aprendeu uma determinada Iingua na infancia no pode ser um falante nativo dessa lingua. Linguas aprendidas mais tarde nunca podem ser inguas nativas por definigto (Cook, 1999: 187). Controvérsias e falta de consenso conceitual a parte, o fato é que o tal falante nativo passou a ser uma espécie de mito no ensino de inglés. Muitos cursos fazem propaganda anunciando que seus professores so nativos. Em maio de 2012, estava sendo exibido um comercial na Tv de um curso de inglés online que se apoia nesse mito de uma maneira extremamente pre- conceituosa. O comercial mostra um jovem mestigo dentro de um carro no Brasil e diz que ele leva uma hora para chegar ao seu curso tradicio- nal (sic) de inglés; mostra também um jovem branco com headphones ¢ um laptop e diz que ele estuda inglés online e que, por isso, nao precisa sair de casa e enfrentar o transito congestionado para estudar inglés. O comercial retrata a professora do estudante do curso tradicional como uma mulher acima do peso, de cabelos pretos, que se chama Joana e que aprendeu in- glés na Argentina. O comercial jocosamente mostra Joana dando pulinhos € sacudindo os bragos numa tentativa desajeitada de explicar o significado da palavra chicken ao aluno. Jé 0 jovem que faz 0 curso de inglés online tem aulas com Jenny, uma americana loira e magra da California, que nao

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