DOUZINAS, Costas. O Fim Dos Direitos Humanos.

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PARTE UM ~ A GENEALOGIA DOS DIREITOS HUMANOS 1, O-TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS ‘Um novo ideal foi alardeado no ceniio do mundo globalizado: os ditei- tos humanos. Ele une a Esquerda e a Diteita, o pilpito 0 Estado, 0 ministro €0 rebelde, of paises em desenvolvimento e os liberais de Hampstead e Manhattan, Os direitos humanos se tornam o prinefpio de libertagio da opressio e da domi- nacio, o grito de guerra dos sem-teto ¢ dos destituidos, o programa politico dos te- ‘volucionatios e dos dissidentes. Mas 0 seu apelo nao se restringe aos desventurados da terra. Estilos de vida alternativos, vorazes consumidores de bens ¢ cultura, hedo- nistas e playboys do mundo ocidental, o dono da Hafrods, o ex-diretor gerente da Guiness PLC, assim como o destronado rei da Grécia, todos traduziram suas rei- vindicagdes na linguagem dos dircitos humanos.' Os direitos humanos sio 0 fado da pés-modemidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promes- sa do Iluminismo de emancipacio ¢ autorrealizacio. Fomos beni-Fidados — ou condenados — a travarmos as batalhas crepusculares do milénio da dominacio ocidental e as escaramugas iniciais do novo perfodo sob as divisas duais de huma- nidade e direito. Os direitos humanos sio alardeados como a mais nobre criagio de nossa filosofia ¢ jurisprudéncia como a melhor prova das aspiragdes univer~ sais da nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pos-mo- derna para ter seu justo e merecido reconhecimento. ‘Os direitos humanos estavam ligados inicialmente a interesses de classe es- pecificos e foram as armas ideolégicas ¢ politicas na huta da burguesia emergente contra 0 poder politico despético e a organizacio social estitica Mas suas pressu- posicdes ontolbgicas, os principios de jgualdade ¢ libendade, seu corolitio politico, apretensio de que o poder politico deve estar sujeito as exigénelas da raziio e da lei, agora passaram a fazer parte da principal ideologia da maioria dos regimes con- temporineos e sua parcialidade foi transcendida. O colapso do comunismo ¢ a eli- minagio do apartheid marcaram o fim dos dois sltimos movimentos mundiais a 1 Figele UK (994) 18 EFIRR [Essex Haran Rights Review] 383 Satadns UK (1997) 23 BHR 242; The Forme ing Cotati of Gros. Grvi Appl. 25701/9, Dedarao adisive em 21 de abi ce 1998, 20 Costas DouziNas desafiar a democracia liberal. Os direitos humanos venceram as batalhas ideologi- cas da modemnidade. Sua aplicagio universal ¢ seu total triunfo parecem ser uma questio de tempo e de ajuste entre 0 espirito da época ¢ uns poucos regimes recal- citrantes, Sua vit6ria no é outra que no o cumprimento da promessa iluminista de emancipagio pela razio. Os direitos humanos sio a ideologia depois do fim, a derrocada das idcologias ou, para usar uma expressio em voga, a ideologia no “fim da historia”, E, no cntanto, ainda restam dvidas2 O registro das violagées dos direitos hhumanos desde as suas alardeadas declaragdes 20 final do século XVII estarrece- dor. “E um fato inegivel”, escreve Gabriel Marcel, “que a vida humana nunca foi So universalmente tratada como uma commodity desprezivel ¢ perecivel quanto du ante nossa propria época”? Se o século XX & era dos dircitos humanos, seu trun fo é no minimo, um paradoxo, Nossa época tem testemunhado mais violagdes de seus prineipios do que qualquer uma das épocas anteriores e menos “iluminadas”, O século XX é 0 século do massacre, do genocidio, da faxina étnica,a era do Holo- ‘causto, Em nenhuma outra época da historia houve um hiato maior entre os pobres € 08 ricos no mundo ocidental,¢ entre o Norte o Sul globalmente. “Nenhum pro- sgresso permite ignorar que nunca, em nimero absoluto, nunca tantos homens, mu- Iheres ¢ eriangas foram subjugados, passaram fome e foram exterminados sobre a terra.”** Nao de espantat, entio, a razio de as pomposas afirmagies de preocu- ago de governos ¢ otganizagdes internacionais serem frequentemente tratadas, com escérnio ¢ ceticismo pelas pessoas. Mas sera que nossa experiéncia da imensa lacuna entre a teotia ¢ a pritica dos direitos humanos deve fazer com que duvide- ‘mos dos seus principios e questionemos a promessa de emancipacio pela razio € pelo direito quando parece estarmos proximos de sua vit6ria final? A despct de uma mens quand e reo sabe dios humans, ajuispradéncia do ics do ‘mina clos hers neokanisas Hi uma poseasescegis notes Hama Ri nd be Limi a hia Reson de Rolando Gaete (Aershoc Dare, 1995), uma expres sigifiativa as ivan ape toda cemagogia dos rcs humanos dos imites da espackadeemancpadora da azo, A paride una etspectia jr istic, a erica mais importane aoe diets mann Em pec casi de Mi ‘he Vly, Lz Dit dots Pam Pacis PLE, 1), Bera Bourges eet Php ot di de Pham Kent Mars(Pasis PUP. 190) aferece metho tadacio etn lowofiacisncs don dc ‘os ums Em uma via mais pon a colesines ecente Ham Right iy Vers On eta pot Tony Evans (Manchester Manchester Univesity Paes 198), explon algunas ds peencupagies mas inch as sobre etc das es iteraconan de dos human 3. Galil Mate, Car Fidei, 98 (wad. de R Rom, Nova Vor: Farr, Steauss, 1964 4 Jog Derrida, Spin for Mare (ad de P. Kam), Lanes: Rowdee, 1994, p85, Fim por: pans Mars de Anararia Shinn), Ried Jai: Rela Dara, 1984, 117] Sempre que leis, como m cio acima €fomecda a taduio ji existent em porta, amp haa da espeetiva referénei (Nd T. Cabem aqui dois de critica. Critica hoje em ataque externo & procedé seu objetivo kantiano of ‘gdes de existéncia” neces: Beste 0 tipo de extiea qu para a critica da ideologia conecta 0 Direito Natura ricas levaram emergénc ‘nos? Quais sio as premis natureza, a fungio € a ag seus muitos eriticos filos Sio eles a resposta pés-mt sas utopias politieas da n predominantemente liber guais forem as restrigde: culturais, os direitos pase get filos6fica, do nosso: sua importancia nio poc politico tivesse sido pre explicara natureza dele. te volumosa, mas pouco | Kant. A despeito do triua modo decepeionante ents Veja 0 problema tral deste livro, que també jeito (luridico). A narurez: acordo com Immanuel Ka to do significado e do vale quaisquer atributos mund nador é compartilhado igo transformado, no neokan positive heuristico (Rawls melhor deserigio da pritic sujcito humano como um escolhidos, e no dados, ¢ de vontade, em oposisio, 5 Gaete opt, npr 2126 ramas batalhas ideol6gi- tsiunfo parecem ser uma fas poucos regimes recal- > da promessa iluminista ‘em voga, a ideologia no das violagdes dos direitos século XVII é estarrece- 1 vida humana nunca foi ‘ele perecivel quanto du «itos humanos, seu triun- anhado mais violagdes de se menos “‘iluminadas”. Jina étnica,a era do Holo- ato maior entre os pobres balmente. “"Nenbum pro- ‘unca tantos homens, mu- am exterminadlos sobre a as afirmagbes de preocu- frequentemente tratadas ssa experiéncia da imensa ve fazer com que duvide- emancipagio pela razio itdria final? jusipmdénca dos dito édo- Sam Rhode Lm Ce So sgn das das espe scpadora da aco. A puro de uma manos € o pequen els de Mi Boungoi em Php et dt de rea flnofiacisica dos dies ify Yoon On ead por Tony ‘as ds prcncupagoes mais fond ara Sra, 1964, ge, 194, p85. [Em porous: Damar 1994, 117. ‘exten em ports, acomps a ‘O TRIUNFO DOs DIREITOS HUMANOS Cabem aqui dois pontos prcliminares. O primeito diz respeito ao conceito de critica, Critica hoje em gerl assume a forma de uma “critica da ideologia’”, de um ataque externo a procedéncia, as premissas ou 4 eoeréncia intema do seu alvo, Mas seu objetivo kantiano original era explora os pressupostos filos6ficos, as “condi- gbesde existéncia” necessérias e suficientes de um discurso ou pritica em particular. E este o tipo de critica que este livro busca exercitar primeiramente, antes de passar para critica da deologia ou a eritica dos direitos humanos. Qual trajet6ria hist6rica conecta 0 Diteito Natural cssico aos direitos humanos? Que circunstincias hist ricas levaram & emeryéncia dos direitos naturais e, mais tarde, dos direitos huma- ‘nos? Quais sio as premissas filosficas do discurso dos direitos? Quais sio hoje natureza, a fungio ¢ a agio dos direitos humanos, de acordo com o liberalismo & seus muitos crticos filosificos? Sio os direitos humanos uma forma de politica? Sio eles a resposta pis-moderna 20 esgotamento das majestosas teorias ¢ grandio- sas utopias politicas da modernidade? Nosso objetivo nio é negar a procedéncia, predominantemente liberal as muitas realizagbes da tradigio dos direitos. Sejam dais forem as resttigdes dos comunitaristas, das feministas ou dos relativistas culturais, os direitos passaram a ser um componente importante da nossa paisa em filoséfica, do nosso ambiente politico ¢ das nossas aspiracdes imaginarias, ea sua importincia io pode ser facilmente descartada. Mas, embora 0 liberalismo politico tivesse sido 0 progenitor dos direitos, sua flosofia teve menos sucesso «m cexplicar a natuteza deles. A jurisprudéncia liberal dos direitos tem sido extremamen- te volumosa, mas pouco tem sido acrescentado aos textos candnicos de Hobbes © Kant. A despeito do triunfo politico dos direitos, sua juisprudéncia tem oscilado de modo decepcionante entre ser laudat6ria€ legitimadora e repetitiva e banal Veja o problema da natureza humana ¢ do sujito, uma preocupacio cen- tral deste liv, que também podetia ser descrito como um longo ensaio sobre 0 su- jeito Guridico), A natureza humana assumida pela filosofia liberal é pré-moral. De condo com Immanuel Kant, o Bu transcendental, precondicao da agio e andamen- to do significado e do valor, é uma eratura de deveres morais absolutos e carece de quaisqueratributos mundanos. O pressuposto do sujeto autdnomo e autodiscipli- nadot é compartihado igualmente pela filosofia moral pelaurisprudéncia, mas foi ttansformado, no neokantismo, de uma pressuposigio transcendental em um dis- positivo heuristico (Rawls) ou um pressuposto construtivo que parece oferccer a ‘melhor descrigio da priticajuridiea (Dworkin). Com isso, fcamos com a “nogio de suet humano como um agente soberano da escolha, uma criatura cujos fins sio cseolhidos, ¢ nfo dados, que alcanga seus objetivos e propésitos por meio de atos de vontade, em oposigio, digamos, a atos de cognigio” > Esta abordagem aromo- 5 Gaete, ope supen a2, 128 22 Costas DovziNas céntrica pode ser um bénus para a politica e o dircto liberal, mas é cognitivamente limitada e moralmente empobrecida. Nossa estratégia € outra. Iremos examinar, a partie das perspectivas liberal ¢ nto-liberal, os principais elementos formadores, do conceito de direitos humanos: o ser humano, o sujeito, a pessoa juridica, ali berdade © 0 direito, dentre outros. Burke, Hegel, Marx, Heidegger, Sartre, as abordagens psicanalitica, desconstrutivista, semidtica ¢ ética serio empregados, Primeiro, para aprofundar a nossa compreensio dos direitos e, depois, para cri- ticar aspectos da sua aco, Nenhuma grande sintese pode surgira parti de tal cornu- copia de reflexdes filos6ficas, € iio ha muito em comum entre Hegel e Heidegger ou Sartre ¢ Lacan, E mesmo assim, a despeito da auséncia de uma teoria final e defini- tiva dos direitos, emergem varios temas comuas, um dos quais ¢ precisamente a impossibilidade de haver uma teoria geral dos direitos humanos. A esperanca é ‘que, a0 se seguit as eriticas filoséficas do liberalismo, a definigao original de “crit 2” de Kant possa ser revivida e nosso entendimento dos ditcitos humanos resga- tado da chatice do senso-comum analitico e de seu esvaziamento da visio politica € do propésito moral, Este € um livro didético para a mente critica c 0 coracio fo- 2050. Os direitos humanos podem ser examinados a partir de duas perspectivas relacionadas, mas relativamente distintas: uma subjetiva e outra institucional. Por uum lado, elas ajudam a constituit © sujeito (juridico) livre e ao mesmo tempo su- bordinado a lei. Mas os direitos humanos sio também um discurso ¢ uma pritica poderosos no Direito Nacional e no Internacional, Nossa abordagem é predomi- nantemente tedrica, mas com frequéncia seri complementada por narrativas histéticas e comentarios politicos ¢ juridicos sobre o registro contemporineo dos direitos humanos. De fato, criticas baseadas nas violagdes generalizadas dos direitos humanos nio sio facilmente reconciliaveis com a critica filos6fica. A fi losofia explora a esséncia ou o significado de um tema ou conceito, constréi dis- Lingdes indissoliveis e busca bases sélidas*, ao passo que a evidéncia empirica & corrompida pelas impurezas da contingéncia, das peculiaridades do contexto e «hs idiossincrasias do observador. Por outro lado, o lado empitista, os direitos hu- ‘manos foram desde 0 inicio a experiéncia politica da liberdade, a expressio da luta para libertar os individuos da repressio externa ¢ permitir sua auto-tealizacio. Neste sentido, niio dependem de conceitos ¢ fundamentos abstratos. Para afilo- sofia da Europa continental, a liberdade é, como colocou memoravelmente Mars, “um insight sobre a necessidade”; para libertirios civis anglo-americanos, a liber. (6 Parana disussto mis ger vbrea relagdo ent Slowfi da Eucopa continental angloamercana tm rcagio ao concen de bere, via Jean-Luc Naney, Ty Exurine f Fram, Santon Star University Press, 1993, a dade & a resisténcia con! de modo entusiasmado | ‘mo irrefletido. Talvez 6 buscado no paradoxo di cxenga universal a respei Mas, em segund los atras, as Critcas de Ki ram a modernidade filo: proprio funcionamento. dente tem de si mesmo 1 meio da razio. Emaneip do mito e do preconceit zo. Em termos de orgai razio da lei. O esquema cevitava 0 confronto diret atuante, Mas a proclamae cou a razio com a histor histéria e politica. © pré leo personificava 0 esp, fim da hist6ria no Estade ferozmente metafisico,¢ cer uma ligagio (dialétice mundo com o propésite (O hegelianismo lismo intelectual: 0 equiv ‘05 requisitos da razio 01 de diteita e mais recenter ausentes (como nas versi entre razao € mito, os do quando os direitos hums das sociedades pés-mod des, tradigdes ehistérias meéria, um principio gen A razio € 0s direitos ht transcendam diferengas 7 Vel Francis Fakyama, Te code Der em Ecce ‘ast, as Hist, Game J, mas € cognitivamente tra. Tremos examinar, a elementos formadores >, pessoa juridiea, ali » Heidegger, Sartre, as tica serio empregados, itos e, depois, para exi- utgita parti de tal eornu- te Hegel e Heidegger on ‘ma teoria final e defini- ‘quais € precisamente a amanos, A esperanca & nigio original de “esit- lireitos humanos resga- ‘mento da visio politica critica eo coragio fo- tirde duas perspectivas outra institucional. Por = 80 mesmo tempo su- discurso e uma pritica tbordagem é predomi- ventada por narrativas aistro contemporinneo bes generalizadas dos critica filoséfica, A fi- conceito, constrdi dis- a evidéncia empirica é ridades do contexto € pirista, os direitos hu- ade, a expressio da luta ir sua auto-realizagio. s abstratos, Para a filo- emoravelmente Mars, lo-americanos, a liber- ontnentl ea anglo-amerians 19 Fadi, Sanford: Stantors 23, ‘O TRIUNFO DOS DIREFTOS HUNANOS dade é a resisténcia contra a necessidade. A teoria das liberdades civis percorreu de modo entusiasmado um espectro limitado de racionalismo otimista a empitis- ‘mo irrefletido. Talvez 0 carter “pés-hist6rico” dos direitos humanos deva ser buscado no paradoxo do triunfo do seu espirito que tem estado afogado na des- ‘renga universal a respeito de sua pritica. ‘Mas, em segundo lugar, chegamos ao fim da historia?” Mais de dois sécu- los atts, as Gras de Kant, os primeiros manifestos do Iluminismo, desencadea- ram a modernidade filoséfica a partir da investigacao feita pela razio sobre seu proprio funcionamento, Daquele ponto em diante, 0 entendimento que 0 Oci- dente tem de si mesmo tem sido dominado pela ideia de progresso histérico por ‘meio da razio. Emancipacio significa para os modernos 0 abandono progressive do mito e do preconceito em todas as reas da vida ea substituicio destes pela ra- zo, Em termos de organizagio politica, libertacao significa a sujeigio do poder & tazio da lei, O esquema de Kant era excessivamente metafisico ¢ laboriosamente evitava o confronto direto com a realidade “patol6gica” empitica ou com a politica atuante, Mas a proclamagio de Hegel de que o racional ¢ o real eoincidem identifi cou a rizio com a histéria mundial e estabeleceu uma forte lgagio entre filosofia, historia e politica. O proprio Hegel vacilou entre sua erenga inicial de que Napo- edo personificava o espitito do mundo a cavalo e sua posterior identificagao do fim da historia no Estado prussiano, E embora o sistema hegeliano permanecesse ferozmente metafisico, ele foi usado, mais notadamente por Mars, para estabele- cer uma ligagio (dialética) entre conceitos e determinagdes e eventos abstratos no mundo com o propésito de nao apenas interpretar como também de alteri-lo. ‘O hegelianismo pode facilmente se transformar em uma espécie de jorna- lismo intelectual: 0 equivalente filos6fico de um panfleto no qual é declarado que 15 requisitos da razao ou foram satisfeitos historicamente (como nos hegelianos de diteita e mais recentemente nos devancios de Fukuyama) ou entio ainda est3o ausentes (como nas verses messidnicas do marxismo). Nos dois casos, 0 conflito entre raza0 € mito, os dois principios contsarios do luminismo, chegaré a um fim ‘quando 0s direitos humanos, o principio da raziio, se tomarem mito realizado das sociedades pés-modernas. Os mitos, obviamente, fazem parte de comunida- des, tradigdes historias particulares; sua aco valida, por meio de repetigio e me- ‘méria, um principio genealogico de legitimagao e a narrativa do pertencer a algo. A razio € os direitos humanos, por outto lado, so universais, e supée-se que transcendam difetencas geogrificas ¢ histéricas. Se o mito obtém seu potencial le- 7 Veja Francis Fukuyam, Te Enda/Hitoy andthe Lar Ma, Londres Penguin, 192,608 coments ei os de Dersda em Ens de Mens op. syn 4.O debate alma revit em Lats Nite, Pv bie Har Histo Came a Ea, Londres Vers, 1992. 24 Costas DouzINas sitimador a partir de historias de origem, a legitimagio da razdo é enconteada na Promessa de progresso exposta em filosofias da historia. E detectada uma direcio Para frente na histria que inexoravelmente leva & emancipagio humana. S¢ o mito olha para os inicios, a narrativa da razio e dos direitos humanos olha para os toi os fins, Na pos-modernidade, a ideia de historia como um processo singular uni- ficado que se move para o objetivo da libertagio humana nio é mais verossimil ¢ © discurso dos direitos perdeu sua coeréneia ¢ seu universalismo iniciais.? O disse- ‘minado cinismo popular em relagio a reivindicagées de governos e organizages internacionais sobre os direitos humanos foi compartilhado por alguns dos maio- res filésofos politicos ¢ jusfdicos do século XX. O melancélico diagnéstico de Nietzsche de que ingressamos no crepuisculo da razio, 0 desespero de Adorno € Horkheimer na Dialectic of te Enlightenment e a afitmagio de Foucault de que 0 “homem” modero era um mero rabisco nas areias do mar da historia prestes a set levado de roldio, parecem mais reaistas do que o triunfalismo de Fukuyama. Os sibios da Escola de Frankfurt argumentavam que o contlito entre gare nythos nnio poderia levar 4 terra prometida da liberdade, porque a taz3o instrumental, luma faceta da razdo da modemnidade, se transformou em seu mito destrutivo. A dialética no representa mais a viagem de regresso ao lar do espirito, A marcha inexorivel da razao e sua tentativa de pacificar as trés formas modernas de confli- ‘©, conflito interno, com os outsos e com a natureza, levaram i manipulacio psi- coldgica € aos gwlas, a0 totalitarismo politico ea Auschwitz, efinalmente a bomba nuclear ea catistrofe ecoldgica, Na medica em que uma nova tragédia se desento- 4a diariamente no Oriente € no Ocidente, em Kosovo ¢ no Timor Leste, na Tur- ‘quia ¢ no Iraque, é como se 0 luto, mais do que a comemoragio, virasse a cara do final do mile Infelizmente, a filosofia politica abandonou sua vocagio clissica de ex- plorar a teoria e a histéria da boa sociedade © gradualmente se deteriorou ¢ se ‘ransformou em ciéncia politica comportamental e na jurisprudéncia doutrinatia dos direitos, Do lado da pritica, é possivel argumentar que os ministros do interior deveriam ser oriundos das classes de ex-prisioneiros ou refugiados, os ministros da previdéncia social deveriam ter alguma experiéncia como sem-teto € mendigos, € {que os ministros das finangas deveriam ter sofrido a ignominia da bancarrora na sua infancia. A despeito de se privilegiar consistentemente a experiéneia em detsimen- 8 Ginna Vai, Tf Mami, Cambie: Cambie University Pres, 18, pain, Tle Tepe Shey, Cambie: Poly 1992, Capel 9 Gost Dourinas ¢ Ronni Warrington com Shaun McVeigh, Pra Janie The kno tet oe sof lan Londes Routlege, 191, Captos 3 10 Vondees Vero, 1979, to da teoria, io é provin 408 direitos humanos té diplomatas entediados e bra, gente cuja experiéne 4 que Ihe seja servido vir hhumanos foram transfor discurso de legitimidade Nesta época de fazer uma avaliagio da te em diivida o principio de pacio da humanidade po mo de sua vitdria final? «queas relagdes de poder € dos direitos nunca foi t do que nunca, Estamos s ‘géncias do poder que, ec cadas em pritica ¢ estie cconfusdes financeiras rex politicas, de classe e nacic «tt nosso mundo globali: so cada ver mais usado no estejam sujeltas a que tinua. De fato, uma das © do Direito tanto reclama tem total desprezo pelo p a mimticias em exegeses € Na poca em que ral, os direitos humanos + que €opressivo edo sens cosloviquia, na Alemanks exptessio “direitos huma tom de dissidéncia, rebel niitios franceses, 20 movi Logo, no entanto, a redef plomatas, politicos e juris em outras festangas dos d 08 tratados, as convencie ‘comunismo foi outra vez Leste, que tém a mesma

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