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t FRANCISCO CAMPOS PROFESSOR CATEDRATICO DA FACULDADE NACIONAL DE DIREITO ‘DA UNIVERIBADE BO ERASE DIREITO CONSTITUCIONAL n Volume Livronia Freitas Bastos s/a. RIO DE JANEIRO sho PAULO Largo de Carioes RAS de Novembre, 62/66 1956 FRANCISCO CAMPOS #_______rraneisco campos 0p atos absolutamente nulos como sio o deereto 7.669 ¢ o regulamento que, porventura, venha a ser expedido para a sua execugéo. A 58 — sim. Constituiggo, art. 147, combinado com @ art, 146, O nico manopslio que a Corutitulgda adiaite € 0 de uma indistria on atividade, deoretado em fever ll da Unido e stbre a bare do intertsse pblica INCONSTITUCIONALIDADE DA COMISSAO CENTRAL DE PRECOS ‘A Consulta indaga de se é Constitucional a interven- ! ‘e80 do Poder Executivo no mercado para o fim de fixar ‘os pregos de todas as mercadorias de produgdo nacional i ou importadas para consumo interno, com fundamento em decreto-tel anterior & Constituigdo de 1946. \ : 1A oonsuta envolve questées da mals lta importinels,¢ = sua sotugio exige um exame da Constitulgao, assim Ro seu con funte como em virias das suas parte, fim de determina, de no0d preciso, a relagao exiatente gu tiulgho © ca das cinposgtes constthtionais tomada teladementen trates Porlanta de antieniae equates nae tte oe Feglme constitulonal, a qual coneiste, inguestionivelmente, em ine Siiulaio é de modo efetivo, «-do punto de vs dagar de ga_normafvidade i siemAticay com wm con ge brtpris de-senide, Aevent set WENA Ole aE a tig finde Ze determiner o seu aloance: $9 seu sentidg, u © exaime da questéo nio pode cifrar-se, portanto, & interpre- tasio da Constituieso em um ou outro dos seus numerosos artigo, tomado isoladamente. Cumpre resolver, preliminarmente, a quet tSo fundamental de se saber o que & a Constituigao considereda como todo, de se existe, realmente, uma Constitulgéo como nic Gade sistemétiea, e cujo sentido regerd, portanto, o sentido dos di. versos artigos de que ela se compée ; io ititmne desta questo nko poderd ser feito sem uma explora- So preliiminar das sues raizes filosticas, pols nestas se encontram as raades finals que determinam assim as concepedes gerais de mundo e da vida, como as concepeées particulares do Estado, do poder, do Direito ¢ da Constituicéo. Tanto mais se impunha a de- morada discussao desses temas fundamentals, quanto se havia di- fundido, antes da guerra, com a aparéncia eo prestigio que Ihe da- vam grandes autoridades intelectuais, a doutrina segundo a qual_a alidade logica, um sistema do- Fedo de normatividade propria, sengo um congiomerado de regras a S-subsisteni_ por sf me ‘pila. aprofundar ‘wandllse dé tal doatrina, procurendo descobrir através da sua més- cara tedrica a sua verdadelra face, e nela identificer os tragos ine- quivocos de uma filosofia que, ao invés de se propor & racionaliza- gio da vida humana, se propée, 20 contrario, a demonstrar que os conceitos, as idéias gerais, as classes légicas, 20 contrério de cons- tituirem melos indispensivels ao conhecimento das colsas, nio pas- sam de grosselras fiegdes, € que, portanto, a realidede é irredutivel a razio. 2 — Para tornar mais acessivel a importincia nio s6 tebrica como pratica da questao, de cuja resposta depende » propria exis- téncia dos regimes constitucionais, pols éstes néo poderio manter- se uma vez demonstrada a falsidade ou o carter ficticio das suas fundagées espirituais, era indispensivel indicar ums situacio po- litica concreta, de tragicas repercussies e de amplitude planetérla, ‘2 qual nfo s6 havia sido preparada por uma filosotia da polities ¢ da Constitulsao, como aparentava aos dthos de todo o mundo, me- @lante a sua aplicagad em eseala Beit "prévedente;” pela~proportad das suas dimensies, o verdadelro sentido e as inevitivels conse- ‘ailéncias do niilismo da teorla alema da Constitulgio. ‘Tal explica- ‘go poderé ser util, embora, no fundo, desnecessérla, aim de que (0s menos advertides possam compreender a razio por que em um parecer juridico sejam expostos e discutides tantos temas aparen® temente estranhos as disposigées positivas da Constitulséo, 7 m 3 — Para responder & indagagéo da consulta cumpre examinar no seu conjunto o sistema constitucional brasileiro, néo sdmente as regras expressamente formuladas na Constituigao, como os postu- Isdos, os prineipios, as normas fundamentals, embore nfo expres- a5, que informer a estrutura do regime ou constituem os eixos em toro dos quais se organiza ¢ articula a matéria constitucional, ¢ conferem & pluralldade de normas ou de regras especificas, formu- ladas na Constituigéo, a unidade sistematiea, o caréter de um cos mos politico e juridico, isto 6, um todo organizado em o qual se manifesta uma idéla de plano, um sentido de direcdo, uma inten- cionalidade configurativa ou plistica. A diregio, 0 sentido, a in- tencionalidade decidem nao sdmente da matéria que sera objeto ou conteitdo da Constituisio, como do modo por que deve ser tratada politica e juridicamente, @ tim de que resulte da pluralidade de Tegras uma planificacso politica e juridiea, nio sdmente do ponto de vista formal, como do ponto de vista material, distribulda @ ma~ térla de scordo com as afinidades logieas, técnices e juridicas das suas diversas partes, e formuladas as normas de manelra que, em- bora aparentemente desconexas, convirjam para uma #6 finalidade, que € a de garantir determinados valores, uma forma de vida, um tipo histérico ou ideal de cultura ou de convivéncla humana, que 0 legisiador constituinte se afiguram ser os valores, 0 tipo de cul- tura, a forma de vida ou o sentido de convivéncia para os quals tende ou gravita a coletividade nacional. Esta Ihe delegou autori- dade de racionalizar e planificar com efieéela normativa, ou de or~ ganlzar em cosmos Juridico, nio sé as tradigdes e os costumes, como 0s ideals, ou as ideologias mediante as quais as correntes da opl- nifio piblica procuram alterar 0 estado de equilibrio, proprio das tradigSes ¢ dos costumes, introduzindo néle 0 elemento dinimico, de cuja presenga resulta 0 processo de evolusio ou de transformagio das instituledes polfticas, econdémleas, jurfdicas e culturais. 4 — # verdade que & primeira vista a Constituigdo nfo apre- senta ésse aspecto de unidade ou de coeréncla légiea e ldeotéglea, pa- reeendo, antes, uma codificago de normas com existéncia autno- ma, ou cada uma dotada de sentido completo e univoco, podendo, assim, sem prejuizo para a signiticacdo de cada norma, tomada iso- ladamente, ser desmembrada em tantas leis quantas si0 as cliusulas ‘ou grupos de cléusulas em que vém reguladas as diversas matérlas ‘que 0 legislador constituinte decidlu deverem constituir objeto ou conteido da legislacdo constituctonal. De acérdo com éste ponto de vista nfo haveria Constitulgio, no sentido de um sistema de nor- mas, ou de um cosmos juridico, ou de um todo dotado de normati- vidade prépria, ou independente de normatividade de cada uma das Tegras constitucionais. A Constitulgio seria dissolvida em uma pli- ralldade de lels, valendo cada qual por si mesma, ou cada uma delas constituindo uma totalidade do ponto de vista légico e ideolégico, isto é, contendo em suas préprias palavras a plenitude do seu sen- tido, © para capté-lo em sua integridade nfo precisarla, nem de- veria o intérprete recorrer ao processo de integragdo logic, que consiste em agrupar em sistema, mediante comparagho e abstragio, Tegras que se apresentam com a aparéneia de serem capazes de sub- sistir Isoladamente ou de dispensar, para se manterem de pé, qual- ‘quer amparo, podendo como totalldades autonomas, repousar em al mesmas, graces ao péso, & densidade e a plenitude do proprio sen- tido. A palavra “Constituleo” nfo corresponderia, portanto, uma rea~ dade prépria ou independente da realidade de cada uma das dis- posigdes constituclonais. Seria um simples coletivo destinado a de- signar uma pluralidade insuscetivel de organizar-se em unidade, ‘ou entre cujos individuos haveria apenas relagdes de carater pura~ mente formal e de simples contigiidade por acidente; no caso da Constitulgao, por terem sido as suas diversas disposigées legisladas: no mesmo instrumento formal e pela mesma autoridade, e, assim, poderem tédas elas ser imputadas a um centro comum, 0 qual, por sua vez, nio teria carter psicoldgico ou existencial, constitulndo, antes, uma eategoria puramente gramatical, um nome coletivo, uma pura construgio do espitito, cuja ‘nica funcdo seria realizar uma eco- noma de linguagem. Subsumir-se-ia, neste caso, sob uma 6 deno- minag&o 0 que é existencialmente diversidade, multipiieldade, plure dade, ou se tentaria unificar e racionalizar, mediante conceltos 16— loos, 0 que, no fundo, e de manera irredutivel, como tudo o que € existencial, 6 irracional, no sentido de que #6 em si mesmo en- contra a sua explicagio; e wntco, no sentido de que, existenclal- mente, cada ato, cada momento ou cada individue tem em al mes- mo 0 Seu centro de gravitagéo e o seu sistoma de pesos ¢ medidas. 5 — Assim, o atribuir-se & Constitui¢éo uma existéneia propria, ou distinta da existéncla das regras constitucionais positivas, ainda que tal existéncia seja de eardter puramente ideal ou normativo, & © que se poderla denominar de realismo juridico por consistir em conceber como dotado de existéncla ou Fealldade, o que é apenas nome, cifra ou sinal. Nio vamos renovar a estéril polémica entre realismo ¢ nominalismo, transplantando para o dominio do direlto ‘uma querela, cuja origem, como acontece em quase tédas as eternas isputas, se deve ao fato de os contendores tomarem a mesma pala~ ‘vra em acepgdes diferentes. O certo, porém, é que se os conceltos gerais nfo tém contetido existencial, ainda que a realidade atribufda 0 seu conteiido seja apenas de carater normative, e, por conseguin- te, meramente Idea}, e, assim, ndo se possa atribuir & Constituigdo qualquer modalidade de existéncia, mesmo a normative, sendo ela, apenas, uma expresso verbal destinada a designar uma colegio de individuos, a nenhuma norma ou regra constitucional, tomada indl- vidual ow Ssoladamente, poderfamos também conferir atributo exis- tenclal, pois, se em grau menor do que a Constituicao, considerada, fem conjunto, ou como sistema, uma regra juridica, por mals post- IREITO_CONSTITUCIONAL 8 tiva no sentido de se aproximar o quanto possivel da individualiza~ do da norma, tera sempre por conteiido uma classe, uma ordem, uma idéia geral ou uma abstragio, ainda que se destine a ser apllea- da 2 um tinico individuo. Ainda mesmo neste caso, que nio é figu- rado senio por hipétese, o individuo a que a norma ¢ aplicada nao um dado puramente existencial, sengo 0 resultado de um proceso de simpliticagao, de abstracéo ou de tipificaeio. A norma juridica, portanto, mesmo quando se distingue pels maior particularidade ou singularidade do seu contetdo, nao dex de ser o resultado de uma idealizacéo, ou nao pode operar eficazmente sendo porque abstrai da realldade 0 aspecio, ou 0 momento que a. interessa, de acérdo com a singularidade ou a parcialidade a sua perspectiva, pasando a tra~ tar ésse aspecto ou esse momento como se com éle coincidisse a to- talidade existencial, que ¢ catretanto, e por definigéo, insuscetivel de se traduzir na linguagem esquemtion das classes, das abstragses ou dos concettos, Assim, do ponto de viste existencial, uma norma constitueional tem o mesmo grau de realidade que a Constituigéo como sistem: ambas consistem numa estrutura ou num tecido de conceitos, e em ambas do que 6 existencial, — vida, movimento, transie&o, experién- cia, dado imedisto, totalidade e plenitude, — 56 se encontra a ima gem residual, frusta, simplificada ou esquematizada, 6 — A impugnaeio do carater unitério ow sistemético da Cons- titulco, seja do ponto de vista 1égico, seja do ponto de vista nor- mativo, se deve em primeira mio a CARL SCHMITT, que, como velo a revélar mais tarde a sua situseéo central entre 0s teéricos do Es- tado, no s6 na Alemanha do periodo de’ decomposi¢ao do regime de- mocratico, como na Alemanha nazista, tinha a insplré-lo, talver sem ue disto se apereebesse claramente, 0 pensamento ou, antes, a ten- déncla de desvalorizar a Constituigio de Weimar, que havia tente- do, em grande estilo, plmnificar_ou racionalizar a vida_politica_do pov aleméo, adotand> um astéma constitucional em que @ parte. rolativa & organizagao dos poderes estava para com a parte relativa Toe GUSTioe andaasrtals Cae © TngtunieadD ou 6 toto cath pa TAim. A concepeio de Weimar né0 86 abria uma brecha decisiva HAs Wadleses politicas da Alemanha, como quebrava a continuida- de secular de uma filosofia politica para a qual o Estado constituia um fim em st mesmo, no fato bruto da sua existéncta encontrando a prépria justificagao ou legitimacio. Sob a influéncia das sdéias democrdtleas ¢ Uberais que aos olhos da filosofia existencialista dos alemies se apresentavam justificadas ou legitimadas pelo fato bru- to da vitéria militar, a Assembléia de Weimar conseguiu Ubertar- se da tradigéo ¢ da filosofla nactonals, procurando substituir 0 con- celto existencial do Estado por uma concepeio em que o Estado, ou © poder politico, ao invés de encontrar justiflcacio ou legitimacao no proprio fato da sua existéncia, s6 se justifiea ou funda a sua legi- tlmidade no reconhecimento de valores ou de normas anteriores ¢ superlores, ¢ em relagdo 20s quals a organizagio politica é apenas ‘um conjunto de dispositives téenleos, destinados & reallzacio da- queles valores e & efetivagio daquelas normas. De acordo com esta concepeio, com efeito, a Constituicio em si mesma, ou como tado,, Yem_um valor normative independente do valor normative de cada ime das suas regras. O que rege a vida politica de um povo dotado esse Hipo de Constituicéo nio so apenas os artigos da Constitul- ho tomados separadamente; a sua normatividade s6 € completa me- Giante a integragio do seu sentido no plano goral da Constitulsio, ou no sistema de sentidos ou de valores que a Constituicso, expressa ou implieitamente, considera como dominantes, ou como constituin- do “telos” ou a finalidade, ou o centro a que devem ser obrigatoria- mente imputadas todas as disposigdes constitucionais, a fim de que recebam néo s6 2 plenitude do seu sentido, como o contraste da sua normatividade constitucionl. © concetto da Constituieio como uni- dade ou sistema de eariter Iégico e normativo néo se funda exclus!- vamente em consideragées de ordem racional; tem um indiscutivel fundamento empirico, Quando, com efeito, a Assembléia Constituin- te se propée formular uma Constituico do tipo da nossa, a sua in: tengo ou o seu propésito, ndo é o de regular as diversas matérias tendo em conta a natureza especifica de cada uma, tomada em se- parade, © seu propésito € 0 de dar corpo a uma concepgio de con- Junto, ou de integrar, de acirdo com um plano pré-estabelecido, as ‘matérlas suseetiveis de regulamentag&o constitucional em uma to- talidade organlzada, ou em que as partes nfo subsistem por si mes- mas, por f0rga do seu péso e da sua densidade, seniic devido as arti- ‘eulagdes que as tornam entre si dependentes, seja por coordenaca quando entre elas existem apenas relacées de afinidade, de analogia ou de simples contacto de sentido, seja por subordinagao, no caso, mals comum, em que a efetivagio de certas normas constituclonals depende da efetivacdo de outras, sendo estas em relagio Aquelas de caréter puramente instrumental ou operative. As normas a que s¢ acham subordinadas regem, evidentemente, o seu sentido, assim como a sua normatividade constitucional se funda exclusivamente na normatividade das primeiras, Se, por exemplo, o legislador cons- tituinte tem como propésito central o de Instituir um determinado regime, le, por isto mesmo, ou por fato déste propésito, restringe a sua liberdade de opgao quanto & maioria das cldusulas constituclo~ nals, que decorrerso, necessarlamente, grosso modo, dos térmos em que © legislador constituinte haja definido o tipo ou os caracteristi- cos do regime, 7 — 0 que a experiéncia histériea nos indlea € que munca fol propésito de nenhuma assembléla constitunte formular de maneira Aesconexa um certo nimero de leis constitucionals, tantas quantos os artigos de uma Constituicéo. © propésite de uma Assembléia constituinte 1 %, um tod0, ente, em que hd um que fidi ora mals, ‘ork HiAIE“ AS TOA," sgul_6ora Sirear agude" wor om Hume accersae Oo oes Gonton eos rente, ‘fal decorre, nem sempre igual, allernando-se, aS vézes fora ‘GS téinpasso, as fases positivas e as fases negativas do seu pulso, & imagem de um desenho melédico, em que pode romper-se, em um onto, o teeido musical, ou ser quebrada por rufdos parasitos a con- tinuldade da frase melédiea, sem que, entretanto, por um ou por ou~ tro acidente, a melodia deixe de ser considerada como unidade mu- sleal, ou como explorago mais ou menos coerente do sentido ou do “tema que os primelros acordes esbocaram, e de que os seguintes vio completando, mediante tentativas, nem sempre felizes, 0 desenho mals ou menos difuso que, tanto na miisica como na literatura, € a ‘iniea imagem em que o homem, por maior o seu génio e Incansével fa sua aplicagdo, pode reviver os seus sentimentos, as suas idélas ou fas suas Insplragées. Da mesma maneira que seria absurdo dissoiver em acordes igolados a melodia, em cuja tessitura se notam algumas Aissonfinelas e uma por outra vez variacbes parasttérias, que inter- rompem a continuldade lnear do tema, serla igualmente abuso no emprégo do conceito de unidade ldgica, aplica-lo & Constituicéo com © mesmo rigor com que pode ser aplieado a um conjunto de propo- sig6es matemAticas ou teérieas. A Constitulcio, com efeito, nio em pode ser eonsttulde more geometrio, mie. padendo. asim, te interpretada more geometrico, ou mediante u ioe puramente Gan 8 — Quando se diz da Constituledo que ela constitul uma uni- Gade sistematica de carter normativo, nfo se exige dela que sati aga, de modo completo ou absoluto, as exigéncias do concetto de co CAMPOS ‘unidade no sentido de uma totalidade absolutamente cerrada, ou sem solugées de continuidade, A unidade que dela se postula é a suscetivel de ser atingida por uma concepedo sistematica de fe: menos complexos ou cuja complexidade existencial nao permite uma raclonalizagao extremamente rigorosa. Haveré sempre restos ou re- siduos trracionals, que no poderZo ser integrados satlefatorlamen- te na sintese global, que tera sempre o valor de uma simples apro- ximagio. £ neste sentido aproximativo que se diz da Constitulco que ela constitui uma unidade slstemétiea, como é no mesmo sentido que s© usa em Pstcologia dos conceitos de personalidade e de carater e na Biologia, do conceito da constituicio, Pelo fato de nao haver conti- nuidade absoluta entre os estados psiquicos de um indivfduo, ou de se revelarem vacilacdes, varlacGes ou contradicées na sua linha de conduta, nem por isso, a no ser em casos extremos, se torna impos- sivel concebé-lo como dotado de certo grau de unidade ou de coe- réncla, ou de o representar, grorso modo ou aproximativamente, como expressio global, sintética ou unitaria, em que ha uma tonalida- de dominante em timo da qual se deixam organizar, em ordem de- erescente de coeréncia ou de continuldade, os diversos estados ou fases sucessivas sem que, contudo, deixe de haver ume sobra ou residuo insuscetivel de se integrar no conjunto. 9 — # neste sentido que se fala de unidade em psicologia e bio- logia, como igualmente nessa acepeio relativa 6 que se emprega 0 mesmo concelto na clénela do Direito, na Histérla, na Sociologia e nas Gemais cléncias do espirito. Allés, se tomado na acepeéo extrema em que CARL SCHMITT emprega o concelto de unidade logica, como se aplicando téo-sdmente a totslidades rigorosamente cerradas, ou completas em si mesmas, no sentido de Infrangivels ou constituidas de partes ligadas entre si por Iagos de absoluta necessidade, nao serla possivel eplicd-lo a nenhuma realidade, ou a nenhum raclo- einio, Ainda 0 raciocinio matemético nio satistaria a tals exigén- clas, Nao hé, com efeito, nenhum raeiocinio dedutivo que nfo parta de uma hipétese ou de um postulado, que é em relagio & série dedu- tiva um coméso absoluto, ou um Irracional, isto é, um elemento que no encontra no sistema légico a que se acha integrado a sua pr6- ria justificaeéo ou a prova da sua verdade. Somente do ponto de ‘vista existencial podem ser concebidas totalidades completas em si mesmas. Tais totalidades, porém, uma vez submetidas aos proces- 05 racionais de elaboragio, nao se delxam reduzir a expresses sin- ‘téticas ou unitarias, senfo mediante esquemas em que nem todos os elementos do estado existencial podem ser integrados, e mesmo os DIREMTO_CONSTITUCIONAL « que se deixam integrar nfio compéem um quadro de linhas regula~ res, por no exlstirem entre éles relagées necessérias do ponto de vista ldgico, para que wma integragio resulte absolutamente ra- clonal. 10 — Segundo SCHMITT, portanto, néo serla possivel nenbuma ciéneia do espirito, e mais ainda, nenhuma cléncla do ser, pols ne- nhuma totalidade existenclal pode ser objeto de uma sintese ou de uma raclonallzagio, absolutamente satistatorla. Para SCHMITT, existiriam sdmente totalldades exlstenclais, néo pessando 0s con- ceeltos logicos de unidade e de sintese de meros sinals, de nomes ou de convengées mais ou menos arbitrérlas, que nao terlam qualquer validade, seja do ponto de vista légico, seja do ponto de vista nor- mativo, Fol com éste espirito nililsta que CARL SCHMITT abordou © estudo teérico da Constitulgio. Nem se compreende como, sn!- mado daquele espirito, pode conceber a possibilidade de uma “"Teo- ria da Constituicio” (Verfassunuslehre). Havia, porém, pela frente a Constituicio de Weimar, que no coneebla o Estado Aleméo A Sma- gem do ser puramente existencial, que constitufa para os alemaes Juma experiéncia histériea, e para os seus filésofos uma totalldade absolutamente refratéria a qualquer elaboracio racional, valendo por si mesma, ou como puro fato, e nao necessitando outra justifi- cago que nfo f0sse o fato mesmo da sua existéncia, Assim, con- vergiam sobre a Constitulcéo de Weimar fogos que partiam de pon- tos na aparéneia sem qualquer conexio, mas na realidade ligados entre si por uma filosofia ou uma concepeso do mundo, ou, como dizem os alemées, por uma “Weltanschauung” comum, Que espécie de concepedo do mundo era esta, que unia em uma estratégia comum a aventura nazista e as teorias politico-juridicas de SCHMITT? Blas tinham em comum s concepgio_existenctalista do mundo, ba ‘Que constituem ag dsleas eatego- Hing de reélidade admitidas pelo nominalisino existe ‘0 pos- tulado formulado por HEGEL, de que tudo o que existe é, por isto ‘mesmo ow pelo s6 fato da sua existéncis, raclonal. O que € encontra em si mesmo a sua justificagao. O fato, o acontecimento, a decisio valem por si préprios, ou tém, pelo simples motivo de seu evento, um | | contetido significativo, ¢ um valor normative, sem necessidade de referénola a qualsquer outros contetidos significativos ou normativos Cada fato, cada acontecimento, cada decisao tem em si mesmo @ sua lel, Dai, por inferéncia necessiria, a doutrina da razio de Estado, a teoria do “Fuhrerstaat’”” e 0 “decistonismo” constitucional de SCHMITT, isto é, 0 seu concelto de let constitucional como simples decisio, € nfo como nerma, Aliés, a forma que o existencialismo a5- sume na fllosofia moral, na flosofia politica, assim como nas filoso- fins antiintelectuslistas, mesmo gerals, € 0 voluntarismo, ou a dou- trina que se reduz, despida das suas dissimulagées habituals, 20 simples fato de considerar a vontade como a regra de ouro da a¢do moral, da agdo politics, © mesmo nas filosofias utilitaristas ou ativis- tas, 0 critério decisive da verdade. A “Teoria da Constituicao” de CARL SCHMITT fol uma tentativa de aplicar & Constituiséo de Wel- mar 0 écido corrosive da critica existenclalista, procurando mostrar ue no fundo, e em iltima anilise, nfo existe Constituigao no senti- do de uma totalidade significativa e normative, mas apenas uma série de “decisdes” constitucionals, que encontram em si mesmas a sua justificagio, como totalldades auténomas ou dotades da dinica normatividade admitida pelo existencialismo, ou a normatividade comum aos fatos por si proprios, &s deelsdes por st mesmas, A von- tade como vontade, gragas a lel imanente que existe no que eziste elo simples fato de ecistir, Quando CARL SCHMITT publicou, em 1928, @ sua “Teoria da Constituicéo” (Verfassungslehre) as institul- es olitieas tundadas em Welmar, en TOI 1e ar oeonteavees oa adiantada fase de decomposi¢ao. Renovavam-se diatiamente, parti- das de varias trentes de batalha, as sucessivas ondas de assalto con- tra um regime mais ou menos artificlal, sem raizes nas tradleSes alemas, e que nio encontrava no corago do povo 28 profundas ra~ zbes de veneragio e de fidelidade, sem as quais os regimes politicos, se podem ser construidos mediante processos intelectuais ou técni- £05, nao poderio, entretanto, impedir que a floresta nativa volte, Aentro em pouco, a ocupar, com a sua vegetagio trreprimivel, o an tigo espago onde o fragil edificio fol abandonado pelos préprios guar das incumbidos da sua defesa e da sua conservapio. Se, de um lado, © regime de Weimar nao encontrava na alma do povo alem&o 0 ser timento de lealdade necessirio as instituigdes humanas, para pre- servé-las do resfriamento em que acabam por morrer congeladas ¢ ressequidas, de outro lado, ou no setor da inteligéncia, e, mals par- Hoularmente, da teoria politica e juridica, destacavam-se, entre os analistas © comentadores do regime de Weimar, os mals graduados, competentes e prestigiosos professéres de Universidade, quase todes, se néo todos, imbuidos, porém, da verdadeira filosofin alema ou de posterior a KANT, a filosofia existencialista, se se pode dar éste home de filosofia aquilo que comegs, precisamente, com @ sua cxiti- ca dos conceltos, por excluir a possibilidade de qualquer conheci- mento © cujo nome mais adequado, pelo que Jé vimes, poderla ser de “tautologia metafisiea”, 11 — Nazismo e Mosofia faziam, dessa manelra, causa comum. © nazismo néo teria sido, com efclio, © movimento de larga enver: gadura que ele fol, se por trés dos 8, 5, das tropas de asalto, dos corais de Nurenberg, e das polifonias do Sportapalata, néo exltisse Juma concepgio do mundo, uma filos ids, uma tébua. de va) lores, 7a de multo tempo difundidas nas Universidades, e, parliewlan| | ent, fas Cases més no apenas pelos lvoe de fon, comol imals amplamente por uina literatura, de eatdtar gu de inane 2 elaramente existencialista, A Alematihu oferecié. por Winds | ‘olives, um quedro apropriado no deseneadeamento do mais dra- ritico espetdculo existencialista a que a humanicade J6 assistiu no dominio da politica. Havia a preparapio moral e a preparagdo inte. Jectual, particularmente a siltims, que se vinha processando hé mais de um século no sentido de relativizar os valores de toda ordem, a comegar doe essenciais ao conhecimento intelectual (© nazismo encontrara $4 elaborada a sua teorla;e éle fol, como no podia deixar de ser, um movimento de cardter evidentemente existenclalista, Para o nazismo as categorias do conheckmento se re~ duziam tao-somente as da percepsio e da experiéncia imediatas, e as morais &s do acontecimento, do éxito e da vontade, e, culminando Sobre tddas 0 “‘carisma” como principio de legitimidade polities e a ‘trégiea figura’ do destino, como a lel suprema entre as nagées. destechando, do-ponto de vista te Bag Gonstituledo de Weimar, te, ela nfo era, O que se denominava de “Constitulgdo” nao passava de um simples nome que em si mesmo néo tinha nenhum conteido, nem légico, nem juridico, nem politico, Era simplemente va apa. Téncia, mito, ou mistificagao de linguagem, © que realmente existia eram 181 (tantos eram os artigos da Constituledo) decisdes da As sembléla Constituinte de Weimar. As disposlgées constituclonais assivam, dessa maneira, a ter uma realldede puramente existen- cial. Quanto # Constituigéo, a que faltava’o atributo intrinseco de totalldade, ndo-poderla servir nem ao menos de instrumento on de conceito auxiliar para o fim de esclarecer o sentido das “declsées” de cardter constitucional. O que 6, slids, uma consegiiéncia neces- « FRANCISCO CAMPOS siria da doutrina de SCHMITT, pols, do ponto de vista existenclal, uma decisio nio é, propriamente, um pensamento, mas to-somente uum ato de vontade, constituindo um todo completo, ou um cosmos, um fato tinico e solitério, que é a sua propria classe, 0 seu proprio género e a sua propria espéete, e, assim, por insuscetivel de ser comparado com outro ou fillado a uma categoria geral, soments no ‘seu conteiido se contém a totalidade do seu sentido ¢ éle é normat!- v0 stmplesmente porque é. Procurando demonstrar que “Constitulgdo” é apenas mascara, no sentido de falsa aparéacta, e insistindo em convencer da. impossibl- Udade de racionalizar a vida politica mediante uma planificacao inteligivel das aces humanas, SCHMITT, ao mesmo tempo que de- punha a Constituicéo de Weimar do seu trono, instalava no centro do Estado, como foco da normatividade eonstitucional, a vontade, sem qualquer qualificativo, a vontade pura, isto é, 0 irraclonal, ou a figura trdgiea a que o “earisma” confere o poder de tomar deci- sées de carter normativo, nfo sdmente em relego ao destino de milhées de homens, siderados diante da apariggo do existencial em téda a sua trigica nudez, mas ao destino de téda a humanidade, que parecia, entretanto, acreditar que 0 existenclalismo encontraria na mnisiea um derivativo suficiente plenitude de experiénclas intra- Guzivels na linguagem ordinéria, por contaminada de conceltos, de Categorias © de idélas gerals, que sio apenas cAmaras frigorificas destinadas a congelar o ser. 13 — A humantdade teria tido razio na sua displicéncia, se o existencialismo fésse téo-sdmente uma questo de literatura, pols a| ‘mica linguagem talvez capaz de comunicar as experlénclas existen- ciais seria, inquestiondvelmente, a misica. A Unguegem prépria da| polities. sio, porém, acontecimentos e decisées, E estas e aquéles| foram tanto mais brutais, quanto mais adiantedos os teérieos e 6s fildsofos na sun tarefa de relativizar os valores, ou de transfor- mar 0 valor em simples fato de experiéncia, tornando, assim, possi- ‘vel ao eriminoso sentir-se inocente dos seus crimes, pols éstes cons- ‘ttuem experiéncias existenciais ou so aconteclmentos ou declsdes, ® por conseguinte, s6 em si mesmos encontram a sua lel ¢ 0 seu juiz, ‘Quando a Constituigéo de Welmar sogobrou, nfo perdia a Ale- manha, segundo a teoria de CARL SCHMITT, um valor de cultura, ‘uma totalidade espiritual, uma arca de allanga, que a teria salvo do naufriglo moral e politico, mas apenas 181 artigas ou 181 “decisoes” ser maior importancia, ou tanto menos importantes para o existen- clalismo quanto nfo haviam sido vividas pelo povo alemao. Para o existenclalismo, com efeito, s6 ¢ valor e verdade a verdade e o valor vividos como tals, m1 14 — Passemos, porém, a palavra a CARL SCHMITT, a fim de que na sua propria linguagem coneisa e luminosa se formule, com todos os prestigios de um dos seus mals autorizados intérpretes, a tese nomjnalista, Yoluntarista, ou existenclalista sébre a Constitul- gio. Em seu livro publicado em 1928, sob o titulo “Verfassungslehre” (Teoria da Constituigao”) 1é-se, com efeito “Wao hé nenhumn sistema consitocional homogénco de natureen puramente normativa,e € arbirérlo conte. tr eardter de uniade cu de ordesamento satemtico a ‘uma série de preserigoes parliculare, oe n umnidade no Tesulta de uma suposte vontade unitiria, Tgulmente ar Sitrito falar-se, som malores precisbes, de ordenamento furideo, 0 eoncelto de ordenamentoJurdieo contéor dols tlementes complotamente dstintos: 9 elemento normati= to do dieltoe'o elemento real do ofdenamento concreto K unidade e 0 ordenamento residem na exsténcla poll. ado Estado, ¢ nlo nas lel, regras ou qualsquer outres ormativdades. As Liane palovras com quo nos refer: inos & Condtituigio como "ei fundamentar” ou “aorta fundamental” so cunse sempre obeouras ou imprecisa Subsumem uma série de normas das mals verladay class ses, por exemplo, os 18) artigos da Consttuleso de Wel- fer, sob ume voldade sistemitiee, normative ¢ gle, Consideraca a alversidade de pensumentosecontetos des reccrigees contitulonels, @-unidade Nigica strbuida.& a. —rlhlr— ‘SREY AlnngO-nHD FESGD maqueles S81 artigos e ne sun vigtacla, A vontade do povo slemio — cols, portanto, txistencial — funda por sdbre todas as eontradigoes sis” femitcns,cversdade obecridnde das Tras const. tlonals pesticulare, a usldade polica e usalen do Es: fedo.” (Verfassungstehre, pag. 10) 15 — 1) Quem folheia pela primeira vez e inadvertidamente ‘um texto constituclonal, tem, efetivamente, a impressio de uma plu ralidade desconexa de normas, cada qual dotada de contetdo pré- prio e constituindo por si mesma um todo completo, Se, yorém, o

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