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_ Stuart Hatt A IDENTIDADE CULTURAL NA POS=MODERNIDADE Traducdo: Tomaz Tadeu da Silva Guacira Lopes Louro 11° edicgao DP&A editora A identidade cultural na pos-modernidade Stuart Hall — 11? edi Titulo or “Phe question of cultural identity” Hall, D. Weld McGrew. Politic Press/Open Univ sinned: Hodernity ane iis futures y Press, 1992. Projeto gréfico Bruno Cru Fadeu du Silva Cuacira Lopes Louro Capa Rodrigo Murtinho Catalogagio na fonte do Departamento Nacional do Livro 11791 Mall, Stuart A identidade eultui Ina posmodernidade / wart Halls tradugio Tomax Taden da Silva Guaracira Lopes Loury— 11. ed. ~ Rio de Janviro DP&A, 2006. L04p.5 12x18em ISBN 85.7490-102.3 Tradugio ile: The question of eultural identity. 1. MWentidade social Titulo. Etnologia I. 1 A IDENTIDADE EM QUESTAO questéo da identidade esta sendo extensamente discutida na teoria social. Em esséncia, 0 argumento € o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram 0 mundo social, estéo em declinio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” 6 vista como parte de um processo mais amplo de mudanga, que esta deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas ¢ abalando os quadros de referéncia que davam aos individuos uma ancoragem estavel no mundo social. O propdésito deste livro é explorar algumas das questdes sobre a identidade cultural na modernidade tardia e avaliar se existe uma “crise de identidade”, em que consiste essa crise e em que diregdo ela estd indo. O livro se volta para questdes como: Que pretendemos dizer com “crise de identidade”? Que acontecimentos recentes nas sociedades modernas precipitaram essa crise? Que formas ela toma? Quais sAo suas conseqiiéncias potenciais? A primeira parte do livro (caps. 1-2) 7 AUIDENTIDADE CULTURAL NA ?OS-MODERNIDADE lida com mudaneas nos conceitos de identidade e de sujeilo. A segunda parte (eaps. 3-6) desenvolve esse argumento com relacdo a identidades culturais — aqueles aspectos cle nossas identidades que surgem de nosso “pertencimento” a culturas étnicas, raciais, lingitisticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais. Este livro é escrito a partir de uma pos basicamente simpatica a afirmagiio de que as identidades modernas esto sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas. Seu propésito é o de explorar esta afirmacg&o, ver o que ela implica, qualified-la e discutir quais podem ser suas provayeis conseqiiéncias. Ao desenvolver o argumento, introduzo certas complexidades c examino alguns aspectos contraditérios que a nogdo de “descentrago”, em sua forma mais simplificada, desconsidera. Conseqiientemente, as formulacdes deste livro sAo provisérias e abertas 4 contestacao. A opinido dentro da comunidade sociolégica esté ainda profundamente dividida quanto a esses assuntos. As tendéncias sio demasiadamente recentes ¢ ambiguas. O proprio conceilo com o qual estamos lidando, “identidade”, 6 demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido ¢ muito pouco compreendido na ciéncia social contemporanea para ser definitivamente posto 4 prova. Como ocorre com muitos outros fendmenos sociais, é impossivel oferecer afirmagées conclusivas ou fazer julgamentos 8 A IDENTIDADE Eft QUESTAO seguros sobre as alegagdes e proposigdes teéricas que esto scndo apresentadas. Deve-se ter i em mente ao se ler o restante do liyro. Para aqueles/as tedricos/as que acreditam identidades modernas esto entrando em que a colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudahga estrutural transformando as sociedades modernas no final do sécula XX. Isso esta fragmentando as paisagens culturais de classe, género, sexualidade, eta, raga e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sdlidas localizagdes como individuos sociais. Estas transformagdes estio também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nés prop sujeitos integrados. Esta perda de um de si” estével é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentragdo do sujeito. Esse duplo deslocamento — descentracao dos individuos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos — constitui uma “crise de identidade” para o individuo. Como observa o critico cultural Kobena Mercer, “a identidade somente se torna uma questio quando esté em e, quando algo que se supde como fixo, coerente e estavel é deslocado pela experiéncia da divida e da incerteza” (Mercer, 1990, p. 43). Esses processos de mudanga, tomados em conjunto, representam um processo de tansformagao tdo fundamental e abrangente que es ios como sentido cri A IDENTIDADE CULTURAL NA POS-MODERNIDADE somos compelidos a perguntar se n&o é a propria modernidade que est sendo transformada, Kste livro acrescenta uma nova dimensao a esse argumento: a afirmag&o de que naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pés-moderno, nds somos também “pds” relativamente a qualquer concep¢ao essencialista ou fixa de identidade — algo que, desde o Iluminismo, se supde definir o préprio nucleo ou esséncia de nosso ser € fundamentar nossa existéncia como sujeitos humanos. A fim de explorar essa afirmagio, devo examinar primeiramente as definigdes de identidade e o carater da mudanga na modernidade tardia. Trés concepgées de identidade Para os propésitos desta exposi¢ao, distinguirei és concepgdes muito diferentes de identidade, a saber, as concepcoes de identidade do: a) sujeito do [luminismo, b) sujeito sociolégico ¢ ¢) sujeito pés-moderno. O sujeito do [uminismo estava baseado numa concepgdo da pessoa humana como um individuo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razaio, de consciéncia e de agao, cujo “centro” consistia num nucleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia 10 EM Questao ecom ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente 0 mesmo ~ continuo ou “idéntico” a ele — ao longo da existéncia do individuo. O centro encial do cu era a identidade de uma pessoa. Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa era wma concepgao muito “individualista” do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele; jé que 0 sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino). A nogio de sujeito sociolégico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciéncia de que este niicleo interior do sujeito nao cra auténomo ¢ auto-suficiente, mas era formado na relag&o com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e simbolos — a cultura - dos mundos que ele/ela habitava. C.H. Mead, C.H. Cooley e os interacionistas simbélicos sao as figuras-chave na sociologia que elaboraram esta concepcdo “interativa” da identidade ¢ do eu. De acordo com essa visdio, que se tornou a concepgo sociolégica classica da questao, a identidade é formada na “interag&o” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um niicleo on esséncia interior que é 0 “eu real”, mas este 6 formado e modificado num didlogo continuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade, nessa concepcao sociolégica, preenche 0 espago entre 0 “interior” e o “exterior”— entre o mundo pessoal ¢ o mundo ptblico. O fato 11 AA IDENTIDADE CULTURAL NA POS-MODERNIDADE de que projetamos a “nés préprios” nessas identidades cullurais, ao mesmo lempo que internalizamos seus significados é valores, tormando- os “parte de nés”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetiv ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, enldo, costura (ou, para usar uma metafora médica, “sutura”) o sujeito a estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados-e prediziveis. que Argumenta-se, entrelanto, que sao exatamente essas coisas que agora est4o “mudando”. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada ¢ estavel, eslé se tornando fragmentado; composto nao de uma tinica, mas de varias identidades, algumas vezes contraditérias ou n&o- resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “la fora” € que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, esto entrando em colapso, como resultado de mudangas estruturais € institucionais. 0 proprio processo de identificagao, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisério, varidvel e problematico. Esse processo produz 0 sujeito pés-moderno, conceptualizado como nao tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade 12

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