Ponto de Partida

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TO DE PARTIDA: PAUL VAN TIEGHEM Se retrocecermos algumas paginas na histéria da literacura comparada, e folhearmos o manual de Paul Van Tieghem, La littiza- ture comparée, publicado em 1931, veremos que ele contém um capi tulo cujo titulo é “Prinefpios ¢ Métodos Gerais”. No Ambito de um estudo sobre literatura comparada, as idéias deste importante com- paratista francés, embora em grande parte ultrapassad: deve ser 11. Elenco de perguntas apreventado na introducia de Compara Beene 2A © Literature Compara revistas em razio de um rastreamento histérico, para compreender- mos seu estado atual, sobretudo se nos circunscrevermos a literatura comparada como disciplina, Gomo tl, ela é, sem divida, invengio dos franceses"™ Nosso ponto de partida inscrevese nas tendéncias metédicas e metodolégicas dos fins do século XIX, fundamentadas no positivis- mo, ¢ que constituem a linha de forga da tendéncia francesa da pri- meira metade do século XX. © conceito de literatura comparada explicita-e, no livro de Paul Van Tieghem, como uma disciplina particular que se situa en: tre a historia literdria de uma nagio a historia mais geral: Ja que todas as partes que compiem o esmido completo de una obia ou de um escritor podem ser tratadas recorrendose unicamente hist6via litera, exceto a pesquisa e anise das influéncins recebidas ¢ exercidas, convém reservar esta para uma disciplina particular, que teré suas finalidades bem definidas, especialisas e seus métodos. Ela prolongaré em todos os sentidos o: resultados adquiriclos para a biséria rin de uma nagio, © o€ reunir Aqueles que, por fam adquiridos por historiadores das outraslteraturas; com esta rede complexa de infiuéncias, constintira um dominio A parte. Ela nfo pretendera ab- solutamente substituir as diversas histérias nacionais, completwlasa e as unin © ‘ao mesmo tempo tecerd, entre elas ¢ acima delas, 2s malhas le uma histori lite sia mais geral!® E, como disciplina auténoma, a literatura comparada tem sew objeto e método préprios. © objeto é essencialmente 0 estudo das em que medida diversas literaturas na suas relagbes entre si, isto umas estio ligadas as ontras na inspiragao, no contetido, na forma, no estilo, Propéese a estudar tu para outra, lo 0 que passou de uma literatura srcendo uma acio, de variada natureza: [..] 0 enriquecimento do espitito pela aquisicio de conhecimentos, modificagses da téeniea peta imitacto dos procedimentos actstcos, fermentacio de idéias no- vs, de simpatins a sensibilidade que vibra em consonincia com uma seasibilida 12, Weinstein a, p36 13, ‘Lueghem, 1951, p 157 Porc Hisricose Treas * 25 le estwangeiza; ¢ alo nos esquegamos das antipatias, esgSes, também, com fre iéncin, fecundas™ Paul Van Tieghem formulou ad sura geral. A primeira tem por objeto 0 estudo das re lagées entre duas ou mais literaturas. Tais conexdes sio argamassa- tingdo entre literatura com- parada e das por contatos binérios entre obra ¢ obra, obra € autor, autor & autor etc. Mas uma série de estudos de contatos binarios, por exem- plo, Seller na Franca, Rousseau na Alemanka, nio di conta de movi- mentos mais gerais nem integra uma hist6ria do romantismo. Dai a fungio da literatura geral, que faria uma sintese dos “fatos comuns a jas literaturas", Para Tieghem, “sio do dominio da literatura ge- rral os fatos de ordem literiria que pertencem a varias literauuras™, im, 0 entendimento de La nouvelle Héleise pode situ cextos diferentes: ie em wes, © Literatura nacional, o lugar de La nowvelle Héloise no romance fran- XVII «Literatura comparada, a influéncia de Richardson em Rousseau, c@s do século * Literatura geral, 0 romance sentimental na Europa sob a influén- cia de Richardson e de Rousseau. Hoje, é consenso que essa triparticio, decorrente de uma vi- sada positivista, nao resiste 4 anilise: os trés campos de estudo impli- ‘cam-se mutuamente. Pau! Van Tieghem apenas adicionou os princi pios que, a seu ver, administ da literatura comparada das influéncias, ou seja, a literatura compa. ava a problematica complementagio ada tout court e a literatura comparada das “coincidéncias”, vale di- zex, a literatura geral, sem relacionslos entre si”. Uma voz que se notabilizou por ter eriticada essa distingao foi a de René Wellek, durante 0 Congresso da Associagio Internacional 14. dom, pp- 8060 1, fe. 17 16, fen, iden 17 GE Kaiser, 1989, p. 95. ura Comparada ~ AILC, em 1958, quando colocou em xe- que a divisdo entre literatura comparada ¢ literatura geral; Esta distingio, sem dtvida, & insustentivel e impraticével, Por que se po- dria, por exemplo, considerar literatura “comparada a influéncia de Walter Scott na Franga, enquanta tum estudo de rom: ce historico durante o pesiodo romén ico sera visto como literatura "geral Dizia ainda 0 critico tcheco, radicado nos Estados Unidos, que “as tentativas de se estabelecer fronteiras especiais entre a literantra comparada ¢ a literatura geral devem desaparecer, porque a historia literaria € as pesquisas liter s tém um fimico objeto de estudo: a litecatura”® Mais recentemente, Clsudio Guillén, comparatista espanhol que viveu durante muito tempo nos Estados Unidos, lecionando na universidade e participando ativamente da histéria da literatura com- parada, a partir dos anos 50, retoma essa questo, Em seu livro Enive lo Uno y to Diverso: Introducciém a ta Literatura Comparada, cxjo valor € reconhecido por conceituados ¢ experientes comparatistas de v- rios pafses, detém-se analiticamente nese t6pico, Sua opiniao tam- bém é a de que nenuin desses campos é independente. O que no quer dizer que nao haja diferenca alguma entre um estudo de influén- cias © fontes ¢ o de um género literiirio como 0 romance sentimen- tal. A experi cia do critico ou do leitor é variada: num momento, ele pode sentirse fascinado pela influéncia de Scott sobre certo ro- mance de Balzac ou pela divida de Cervantes & xonia de Erasmo, 20 didlogo renascentista, A poética de Tasso. Ainda segundo 0 estuclioso espanhol, como instante fugaz qual- quer coisa é isolavel. No entanto, no profeto de uma critica i ra ia, 0 componente solitério tem de participar de un campo significativo, E, nesse senti- do, ndo se pode esquecer que a hist6ria literdria tem sido um entre- lacar-se constante com relacdes internacionais, Endossando, pois, a da em conjuntos que constituem a hist6ria litera IS, Welle, 199, p. 100 1. Hd, item 30. Cullen 1985, Pancras Pitino Tec critica de Wellek & distingao estabelecida por Paul Van Tieghem, 0 comparatista espanhol afirma que nao cabe analisar a relacio Richardson com Rousseau sem levar em conta a trajeté posterior do romance ou 0 cariter de subgéneros como 0 romance epistolar e sentimental. Por outro lado, esse estudioso procura explicagées de cunho histérico para o estabelecimento de tal distincio, Diante do conceito reinante de cultura ou literatura nacional, nos estudos comparatistas do século XIX, 0s ideais rominticos de sintese e cosmopolitismno aca hem teria percebi- do este quase apagarse desse idedrio e procurou salvagnarcilo, me- baram tendo uma presenga branda, Paul Van 7 diante sua proposta de literatura geral, a qual continha a autonegacdo dialética, a superacio da literatura comparada por si mesma: Gostaviamos de nos colocar francamente no pont de vista internacional ‘Muivos tabatlios nes convidaa para ele, sem nada mais; mostram-nos a terra pro- merida, ser nos levar até ela, © mesmo sem nos indicar set eaminho. Para entrar rela, € preciso estabeleceremse outros objetivos, empregaremse outros métods, 0 ponto de vsta da itertara compara a deve ser ultrapassado! Além disso, Cliudio Guillén estabelece uma relacéo entre o pa- pel exercido pela literatura geral ¢ 0 que cumprido, hoje, pela teoria literdvia. Para ele, a passagem do estuco da influéncia de Richardson ao da novela sentimental ou do impacto de Walter Scott definicéo do romance hist6rico supunha um esforgo notivel de teorizacio.

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